António Fidalgo, Universidade da Beira Interior
1- Introdução ao tema
Escreve Edmund Husserl no pequeno Tratado sobre Semiótica ou
a Lógica dos Sinais: "Os símbolos servem a economia do trabalho
intelectual tal como as ferramentas e as máquinas servem o trabalho
mecânico." Husserl explica logo como entende esta comparação:
"Com a simples mão, o melhor desenhador não traçará
tão bem um círculo como um rapaz de escola com o compasso.
O homem mais inexperiente e mais fraco produzirá com uma máquina
(desde que a saiba manejar) incomparavelmente mais que o mais experiente
e mais forte sem ela. E o mesmo se passa no campo intelectual. Tirem-se
ao maior génio as ferramentas dos símbolos e ele tornar-se-á
menos capaz que a pessoa mais limitada. Hoje em dia uma criança
que aprendeu a fazer contas está mais capacitada que na antiguidade
os maiores matemáticos. Problemas que para eles eram de difícil
compreensão e de todo insolúveis resolve-os hoje um principiante
sem grande dificuldade e sem qualquer mérito especial."(1)
Pese embora a acepção algo mecanicista dos signos presente
no excerto,(2) a comparação dos signos a
ferramentas tem várias vantagens: introduz imediatamente o tema
da economia e da eficácia dos signos; é uma comparação
muito plástica, extremamente intuitiva; realça o aspecto
"utilitário" dos signos, isto é, o de serem objecto de uso;
levanta a questão da adequação ou inadequação
dos signos não tanto em termos de significação mas
em termos de uso; e sobretudo coloca o problema acerca da qualidade dos
signos, se os signos podem ou não ser melhorados, aperfeiçoados,
no que concerne à sua utilização. Acresce ainda que
o vasto de leque de áreas de investigação para as
quais a comparação dos signos a ferramentas remete suscita
de alguma forma o questionamento do próprio sentido do signo e da
natureza da ciência dos signos. Efectivamente, o texto de Husserl
de 1892 sobre semiótica decorre da acepção de semiótica
na lógica alemã dos séculos XVIII e XIX, nomeadamente
de Johann Heinrinch Lambert (1728-1777) e de Bernard Bolzano (1781-1848),
como parte integrante e primeira da lógica a que caberia a elucidação
dos signos utilizados, concepção de algum modo vinda da Idade
Média em que o estudo dos signos tinha um carácter introdutório
e auxiliar ao estudo da gramática, da lógica e da ciência.(3)
Assim, ao abordar o tema da economia e da eficácia dos signos visa-se
eo ipso fazer uma análise e reflexão sobre os signos eles
mesmos e sobre a ciência que os estuda.
2- A operacionalidade algébrica do zero
Um exemplo da álgebra mostrará como um único signo
pode revolucionar uma ciência e modificar radicalmente as formas
de pensar. Esse exemplo é a introdução do algarismo
zero pelos hindus.
Gregos e romanos utilizavam as letras do alfabeto como símbolos
numéricos. Os gregos utilizavam todo o alfabeto, do alfa ao ómega,
e ainda algumas antigas letras (os episemas) para exprimir os numerais
até 900, num total de 27 letras. O número mil era simbolizado
por um alfa com um sinal de vírgula à esquerda e o número
dez mil com a letra maiúscula M (mu), provinda de miríade.
Um traço horizontal sobre as letras servia para indicar que se tratavam
de numerais.(4)
Mais fácil, com menos símbolos, e de todos melhor conhecida,
é a numeração romana. Em contraste com a numeração
grega aceita letras repetidas para simbolizar números e utiliza
além da adição a subtracção para referir
um determinado número, significando o posicionamento de uma letra
à direita ou à esquerda de uma outra aumentar ou diminuir
o respectivo valor dessa outra. Assim LX simboliza o número sessenta
e XL o número quarenta, adicionando-se no primeiro caso X ao L e
subtraindo-se no segundo X ao L.
É claro que os gregos e os romanos faziam contas, mas não
as faziam com os números, faziam-nas com o ábaco (à
semelhança do que muitos hoje fazem com máquinas de calcular
electrónicas). Os símbolos numéricos serviam sobretudo
para fixar os números, tal como o podemos fazer escrevendo os números
por extenso. Embora haja exemplos de operações algébricas
com a numeração alfabética, é evidente que
não eram nada simples.(5)
Só com a introdução do zero é que a notação
numérica se torna completamente posicional. Tanto gregos como romanos
escreviam os números da esquerda para a direita, é verdade,
os números maiores à esquerda e os menores à direita,
mas a cada casa não correspondia uma categoria algébrica
fixa. Um número de unidades poderia ocupar várias casas (o
romano VIII), como um número das centenas poderia ocupar só
uma casa (D). Com a introdução do zero os números
ganham uma dimensão radicalmente posicional, significando a casa
mais à direita a casa das unidades, a penúltima a das dezenas,
a antepenúltima a das centenas e assim sucessivamente. No número
567, o sete indica as unidades, o seis as dezenas e o cinco as centenas.
Em romano uma única letra pode designar um número de centenas
ou milhares, e várias letras um número abaixo da dezena.
Ora é com a numeração posicional que as operações
algébricas primárias se tornam extremamente simples.
Para multiplicar um número por outro os hindus utilizavam desenhos
em xadrez cujas casas eram divididas em triângulos por diagonais
traçadas de cima abaixo e da direita para a esquerda, em que se
escreviam o resultado das multiplicações de dois números,
no triângulo da direita o número das unidades e no da esquerda
o número das dezenas, somando-se no fim as colunas em diagonal.
O zero cumpre aqui uma função estratégica ao permitir
que a numeração seja radicalmente posicional, nomeadamente
ao manter ocupada a casa em que não há nada para colocar.
Na soma, quando o resultado ultrapassa o nove, a dezena deve ser levada
para a segunda casa, apenas ficando na primeira casa o que sobra.(6)
O sentido do zero é eminentemente operatório. Não
o utilizamos como componente da denotação de um número
por extenso. Dizemos e escrevemos dez, vinte, trinta, cem, mil, mas nunca
utilizamos a palavra zero. A função do zero é assegurar
nos chamados números árabes apenas que uma posição
(uma casa) em que não há nenhum número para escrever
fica ocupada.
Nos dias de hoje continuamos a manter para certos fins uma designação
em que não incluímos o zero, como quando escrevemos por extenso
num cheque a quantia a pagar. Porém, quando desejamos somar as quantias
de vários cheques, então sim, já utilizamos o zero.
Para denotar o número 50, podemos fazê-lo por extenso,
cinquenta, ou utilizar o L romano, mas é claro que ao fazê-lo
por algarismos árabes temos imediatamente a indicação
de que consiste de um número com duas casas, em que a primeira indica
5 dezenas e a segunda zero unidades. A diferença dos símbolos
que significam o mesmo está na capacidade de com eles operar algebricamente.
3- Os signos à medida. As linguagens especializadas
As considerações sobre a operacionalidade do zero podem
ser generalizadas não só à aritmética no seu
conjunto, mas a muitos outros sistemas de signos. A notação
musical, a estenografia, são exemplos de sistemas de signos optimizados
para uma utilização determinada. Os signos são feitos
à medida do seu uso.
A relação íntima entre os signos e a sua utilização,
a sua operacionalidade, não se restringe a determinados sistemas
de signos, como os atrás referidos. Mesmo os sistemas de signos
mais gerais podem ser transformados em sistemas sígnicos mais operacionais.
O caso exemplar é o das linguagens especializadas, hoje objecto
de vasto e intenso estudo linguístico e semiótico.(7)
A partir das línguas naturais constroem-se línguas especializadas,
mais aptas a servir saberes e fazeres especializados. A bem dizer todas
as ciências e todas as artes (ofícios) têm a sua linguagem
própria, uma linguagem especializada, mais objectiva que a linguagem
comum que a funda, mais adequada à expressão e formulação
dos conhecimentos e procedimentos especializados e mais apta à sua
comunicação. É assim na medicina, na física,
na filosofia, nas ciências da comunicação, na fiação,
na tecelagem, na agricultura. Com propriedade se pode falar aqui de linguagens
à medida de um saber e de um fazer.
Que caracteriza estas linguagens? Que é que as torna tão
operacionais?
Numa linguagem especializada há a registar antes de mais a terminologia
própria. De um ponto de vista lexical e semântico as linguagens
especializadas adoptam termos bem definidos, de significação
precisa. O princípio básico é o de uma palavra para
cada coisa, de modo a evitar a confusão polissémica da linguagem
corrente e as suas abundantes e diversificadas sinonímias. A linguagem
especializada quer-se unívoca, isenta de termos equívocos.
Para o efeito recorre a termos próprios, técnicos, muitas
vezes de origem erudita, ou então à definição
específica de termos comuns (exemplo, o sentido de transcendental
na filosofia crítica). Temos então os léxicos especializados,
os dicionários técnicos, os glossários de uma determinada
ciência ou arte.
Para além da terminologia própria há a registar
nas linguagens especializadas características sintácticas.
Desde logo a sua sintaxe é muito mais reduzida e mais simples, recorrendo-se
frequentemente à repetição de formas já estabelecidas
de construção gramatical em vez de escolher outras formas
menos usuais.
O rigor semântico e a precisão sintáctica estabelecem
padrões muito rígidos às linguagens especializadas.
Há uma disciplinarização da língua, aliás
no duplo sentido de disciplina, de a conformar a uma determinada disciplina
específica e de a tornar disciplinada. A disciplina significa aqui
antes de mais objectividade e que se caracteriza pelos seguintes pontos.(8)
Primeiro, pela despersonalização da língua. Das línguas
especializadas é banido tudo o que remete ou possa remeter para
um sujeito, incluindo os antropomorfismos. São línguas impessoais.
A forma verbal usual é a neutra terceira pessoa do singular. Em
segundo lugar, a objectividade caracteriza-se pela rejeição
de quaisquer elementos retóricos.(9) As linguagens
especializadas pretendem-se sóbrias, unicamente atidas aos factos,
sem o propósito de convencer alguém. Em terceiro lugar, objectividade
traduz-se numa tendência para converter a linguagem em cálculo,
à maneira leibniziana. A linguagem é construída sob
a forma de modelos de modo a descrever exactamente as estruturas e os modelos
do seu objecto. Em quarto lugar, há uma eliminação
dos vestígios históricos (e culturais) e uma internacionalização
terminológica. As linguagens especializadas apresentam-se atemporais,
ahistóricas, sem ligação directa à sua evolução.
Ao mesmo tempo os termos técnicos (nas ciências estabelecidas,
que não obviamente nos ofícios tradicionais) ganham uma validade
universal em todas as línguas, mediante uma unificação
terminológica.(10) Vejam-se os termos a priori,
a posteriori, Dasein, cogito, em filosofia, ou os termos de origem inglesa
nas ciências económicas. Por fim, a objectividade das linguagens
especializadas envereda tendencialmente por uma formalização
das expressões, com a inclusão de símbolos lógicos
e matemáticos. Nas ciências humanas esta tendência leva
por vezes a situações redundantes e irrevelantes mesmo para
a exactidão do significado.
Discursos e textos técnicos constituem realizações
concretas das linguagens especializadas. Os textos sobretudo espelham bem
a precisão e a objectividade que enforma a linguagem respectiva.
Normalmente caracterizam-se pela complexidade terminológica, coerência
sintáctica e semântica (estrutura lógica) e exaustividade
temática.(11)
A uma linguagem especializada corresponde uma comunicação
especializada. Esta é comunicação entre os membros
da comunidade que domina o saber e a linguagem de uma área específica.
4- Os códigos e a economia dos signos
E aqui chegamos aos códigos, já que as linguagens especializadas
são claramente códigos. Ora o princípio da codificação
é um princípio económico. Mesmo no sistema mais lato
de código, entendido este como um sistema de signos, um código
tem uma componente eminentemente económica. Qualquer compilação
por mais rudimentar que seja, tem sempre o mérito económico
de evitar repetições. Código significa antes de mais
organização de um conjunto de elementos. Quando se aplica
o termo de código à língua é justamente no
sentido de organização dos signos que a compõem, de
ser um todo organizado, com regras sobre como os signos significam, como
se associam entre eles e como se usam.
A distinção saussureana entre língua e fala, retomada
na distinção posterior de código e mensagem (Jakobson,
Martinet), é a fixação de um único conjunto
finito de signos para um uso ilimitado de um número infinito de
mensagens. Só na base de um código é que um único
signo pode designar um número infinito de objectos reais e possíveis.
O signo "homem" sendo um, aplica-se a qualquer ser humano, vivo ou morto
ou por nascer, novo ou velho, branco ou negro. Os mesmos termos da língua
e a mesma estrutura (código) servem para inúmeras utilizações
(mensagens).
Mas além da economia que a simples existência do código
possibilita, há ainda a ter em conta os procedimentos económicos
do seu próprio funcionamento. Considere-se o exemplo clássico
da numeração dos quartos de um hotel em que o número
de cada quarto é composto de dois elementos, o primeiro indicando
o andar e o segundo o quarto. Assim, o quarto 514 seria o quarto número
14 no 5º andar. A economia desta numeração dá-se
logo na numeração. Se o hotel tiver 9 andares então
bastarão nove números para os indicar e se houver 20 quartos
em cada andar bastarão 20 números. Em vez de se utilizarem
180 números para os enumerar sucessivamente, bastarão duas
classes, uma de 9 e outra de 20 membros, no total de 29 membros, para os
numerar todos. A codificação neste caso consiste em cruzar
duas classes de signos e obter com o produto lógico desse cruzamento
a designação do objecto. Este é aliás o princípio
da economia de um código, enunciado por Luis Prieto.(12)
É por associação de classes de signos que se reduz
o custo da indicação significativa.
Se olharmos para uma língua verificamos que funciona, em certos
aspectos de designação, tal como o código da numeração
dos quartos de hotel. Partindo de dois signos como "casaco" e "castanho"
e multiplicando logicamente as classes respectivas obtém-se o produto
"casaco castanho" que significa a classe de objectos "casaco castanho"
e que não é mais do que a intersecção das classes
"casaco" e "castanho". A primeira classe poderia ser substituída
por exemplo pela classe "vestido" ou a segunda por exemplo pela classe
"azul". Pode-se ainda multiplicar mais do que dois factores, exemplo "casaco
castanho de homem". Com poucas classes conseguem-se designações
múltiplas, unicamente com o recurso ao cruzamento de designações.
Dado que não há fala sem língua, nem mensagens
sem código, isto é, que não há signos sem códigos,
o princípio de economia é um princípio geral dos signos.
É justamente deste princípio que pretendo abordar a economia
dos códigos em sentido restrito, isto é, a economia de um
código entendido como um sistema de substituição.(13)
Em sentido restrito um código é sempre um sistema sígnico
segundo, construído com base num sistema sígnico primeiro,
sendo a correspondência entre eles estabelecida por um algoritmo
ou chave do código.(14) As linguagens especializadas
são bem sistemas sígnicos segundos, codificados sobre a linguagem
corrente. Entre elas e a linguagem comum ou corrente há uma correspondência
de elementos. Um especialista pode converter, decifrar, a mensagem, inicialmente
formulada em linguagem especializada, em linguagem comum de modo a que
um leigo a possa entender. Ora os códigos de substituição
ou correspondência são regidos por dois princípios
fundamentais, o princípio da economia e o princípio da adequação
ao fim.
Uma linguagem especializada representa antes de mais uma recodificação
da linguagem corrente relativamente a um campo especializado do saber ou
do fazer humanos.(15) Se por um lado, a linguagem especializada
é mais enxuta, mais sóbria, que a linguagem comum, ela tem
também muitas vezes de inventar novos signos de modo a ser mais
precisa na sua significação. A eficácia de um signo
é justamente o ponto de equilíbrio entre a economia e adequação
dos signos aos seus fins. Tome-se o exemplo dos códigos criptográficos,
cuja finalidade é a comunicação secreta de mensagens.
Provavelmente a melhor maneira de manter o código secreto seria
um algoritmo o mais complexo possível. Isso porém iria contra
o princípio da economia. A eficácia reside justamente no
justo equilíbrio dos dois, e isso varia consoante os propósitos
subjacentes ao código.
Concluirei esta parte dizendo que os códigos são sistemas
económicos de significação e que qualquer utilização
mais aturada dos signos requer sempre novas codificações.
Mesmo a linguagem especializada da comunicação, como iremos
ver.
5- Os códigos e a informação. A teoria matemática
da comunicação
A teoria matemática da comunicação é fundamentalmente
uma teoria sobre a quantidade e a medição da informação
veiculada por um canal. Ora a grande intelecção desta teoria
é que a informação dada é inversamente proporcional
à sua probabilidade, ou seja, que a informação é
uma propriedade estatística de um signo ou de uma mensagem.(16)
Quanto mais provável for um signo, menor a sua informação.
A contrapartida da improbabilidade de um signo, e assim da sua informação,
porém, é a sua incerteza.(17) Apesar da
redundância, como aquilo que no signo ou numa mensagem é previsível
ou convencional, não representar qualquer informação,
ela é fundamental para a exactidão da mensagem e mesmo para
a sua ocorrência.(18)
Aplicando os conceitos de informação e redundância
da teoria matemática da comunicação ao que Shannon
e Weaver chamam os níveis B e C do processo comunicativo, a saber,
o nível semântico, relativo à precisão com que
os signos transmitidos convêm ao significado desejado, e o nível
da eficácia, relativo à eficácia com que o significado
da mensagem afecta da maneira desejada a conduta do destinatário,(19)
verificaremos que efectivamente todas as mensagens procuram conciliar novidade
e exactidão e que para isso recorrem a códigos específicos.
Os órgãos de comunicação social são
um exemplo paradigmático de como a conciliação destes
dois princípios os leva a adoptar uma linguagem especializada própria.
Se compararmos a linguagem de um jornal local com a linguagem de um
jornal nacional de grande tiragem verificar-se-á facilmente que
a linguagem do primeiro é muito mais de corte literário,
retórica, redundante.(20) A linguagem especializada
dos grandes jornais é mais enxuta, evita repetições,
usa menos adjectivação, é em suma uma linguagem que
procura fornecer o máximo de informação com o menor
número de palavras. O grau de probabilidade de ocorrência
de palavras, frases, temas, num jornal local é seguramente muito
superior. Quer isto dizer que a informação é menor.
O que comunica é bastante previsível. Por sua vez, o grande
órgão de comunicação distingue-se justamente
pela sua capacidade de fornecer notícias inesperadas, verdadeiramente
novas.
Mas se as notícias são o inesperado, o improvável,
elas têm de ser dadas num contexto com elementos fixos, redundantes.
A redacção de uma notícia obedece a critérios
estabelecidos, nomeadamente quanto à indicação de
quem, quando, onde, como, porquê, para quê. Sem estes elementos
estruturantes a notícia arriscar-se-ia a ser incompreensível.(21)
Para ser capaz de dar a notícia de uma forma completa, objectiva,
compreensível, o jornalista tem de dominar as técnicas de
redacção jornalística, a linguagem apropriada, as
frases curtas, os termos usuais para os assuntos em causa. O jornalista
aqui tem de ser redundante como modo de se fazer compreender facilmente.
O vocabulário jornalístico, por exemplo, é altamente
redundante, raramente surgem palavras difíceis, rebuscadas, inesperadas.
Neste aspecto os jornais de província utilizam um vocabulário
mais variado e, portanto, mais entrópico. O fito da redundância
vocabular dos jornais de maior tiragem é justamente a sua fácil
leitura e compreensão.
Assim temos que a linguagem da comunicação social se
converte mais e mais num código altamente especializado e que resulta
da tensão de responder às exigências contrárias
que se lhe colocam: por um lado, informar, que é também surpreender,
e por outro ser compreensível, o que significa repisar sendas conhecidas.
Poder-se-ia aqui objectar que estas duas exigências se colocam a
níveis diferentes, que a exigência de informar é relativa
aos factos relatados e que a exigência de compreensibilidade relativa
à linguagem. Só que os factos relatados não podem
ser absolutamente novos, mas têm de ter sempre uma relação
com o conhecido (veja-se a novelização das notícias!),
e por outro lado a própria linguagem da comunicação
social é sujeita a uma contínua renovação.(22)
É sabido que hoje a indústria noticiosa vive muito da
sua capacidade de surpreender, de forjar de algum modo artificialmente
o inesperado. O sensacionalismo é aqui a ilusão trivial de
informação na comunicação social. Mas o sensacionalismo
mais do que um valor semântico, é um efeito pragmático.
Chegamos assim à dimensão performativa dos signos, dimensão
em que mais do que qualquer outra se colocam as questões da economia
e da eficácia dos signos.
6- Os signos em acção.
A teoria dos actos de fala abre uma dimensão extremamente importante
no estudo dos signos, nomeadamente ao mostrar que estes não servem
apenas para significar mas também para agir. É com palavras
que se fazem coisas tão comuns e quotidianas como prometer, pedir
desculpa, ordenar, etc. Com palavras se fazem coisas, como escreve Austin.
Mais do que em qualquer outra dimensão da língua é
na sua dimensão ilocucionária ou performativa que se coloca
a eficácia dos signos. Aqui a questão da eficácia
é muito simples e directa. Os signos são eficazes se realizam
os actos visados. Em geral, não se pode dar uma ordem contando histórias
longas. O que há a fazer, é utilizar as palavras adequadas
para o efeito: mando que..., ordeno que..., ou então utilizar a
forma do imperativo: vá, venha, faça, levante-se, etc.. Há
palavras e formas verbais que têm uma eficácia que outras
não têm.
Mas a eficácia das palavras nos actos de fala depende de códigos
bem definidos, ainda que por vezes não explícitos, como bem
mostraram Austin e Searle.(23) Para que a palavra "prometo"
seja eficaz é preciso que se cumpram determinadas regras, como por
exemplo que a promessa se oriente para o futuro ou que o que é prometido
dependa da capacidade de realização do prometente. As regras
que Searle tão bem descortinou na instituição da promessa,
tal como as regras que regem os outros actos de fala, constituem códigos
de eficácia. Podem estes ser mais ou menos simplificados, mas eles
nunca poderão deixar de existir. Deles depende a identidade e a
força dos actos de fala.
Parece muito claro que as acções levadas a cabo por palavras
obedecem a regras de conduta semelhantes às das outras acções
humanas. Se alguém quiser conduzir um carro, terá de impreterivelmente
realizar sequencialmente um conjunto de acções, como seja
ligar o carro, destravar o carro, meter uma mudança, carregar no
acelerador, guiar o carro. Há um código accional que rege
as suas acções e lhes confere a sua eficácia. O mesmo
se passa com os actos de fala. A sua eficácia depende do cumprimento
do código que lhes está subjacente. Não houvesse um
código a reger os actos de fala, estes não teriam força,
isto é, nenhuma eficácia.
6- O slogan
Onde também se colocam muito claramente as questões de
economia e de eficácia dos signos é nos slogans, sejam eles
comerciais, publicitários, de propaganda política ou ideológicos.
Justamente o que caracteriza os slogans é a sua economia, quanto
mais curtos melhor, e a sua eficácia. Hoje em dia podemos mesmo
falar de uma engenharia do slogan nas mais diversas formas de comunicação,
da publicidade à comunicação política.
Como grito de guerra que originariamente é,(24)
o slogan é uma fórmula que se apresenta numa breve frase,
num sintagma ou mesmo numa simples palavra. Em alemão diz-se literalmente
palavra para bater ("Schlagwort" do verbo schlagen = bater, golpear), e
assim o slogan é uma palavra apropriada a bater, a golpear, e para
tal pretende-se manuseável, feito à medida de quem o usa
e do fim para que é usado. Não há slogans longos,
pesados. Por definição e natureza o slogan é breve
e facilmente manejável.(25)
Outra característica linguística do slogan é o
seu conteúdo ser indissociável da sua forma. Se numa mensagem
comum o conteúdo se dissocia da forma, de tal modo que o conteúdo
vai ganhando novas formas, vai sendo dito adiante por outras palavras,
no caso do slogan há uma total simbiose entre a forma e o seu valor
semântico de modo que alguém, ao lembrar-se da mensagem, se
lembra imediatamente (automaticamente) da forma. Há aqui como que
uma cristalização conjunta de forma e conteúdo, pelo
que modificar uma parte implica necessariamente alterar a outra.
Ainda em termos de linguística há a referir o recurso
que o slogan faz às figuras retóricas.(26)
Apesar da natureza marcadamente utilitária, o slogan recorre abundantemente
ao que a linguagem tem de mais gratuito, à poesia, à finura
de espírito, ao jogo de palavras. Bastas vezes o slogan utiliza
a rima, o ritmo, a cadência das palavras, a repetição,
o equívoco do sentido, o paradoxo, as perturbações
sintáctico-semânticas, como meio de golpear e fixar a atenção
do destinatário.(27)
Diga-se ainda como característica do slogan, que ele é
fechado sobre si, que não tem réplica. O slogan é
um apelo ao óbvio, mesmo que esse óbvio seja superficial.
A um slogan não se responde a não ser com outro slogan. Não
há argumentações a favor ou contra. O slogan é
arremessado e espera-se que actue.
Por fim, registe-se o anonimato do slogan. O slogan propriamente não
tem sujeito. A sua utilização não compromete o utilizador.
É que, como é fechado sobre si, o utilizador não tem
de o justificar. O slogan funciona como um princípio lógico,
ele próprio sem prova, mas como suporte para inferências posteriores.
Então hoje, é fácil verificar quantas vezes e em quantos
lugares se argumenta a partir de slogans. Há claramente um aproveitamento
da sua indemonstrabilidade.
Apresentadas as características principais do slogan, verifica-se
que a sua grande vantagem é justamente a sua economia. Curto, equívoco,
fácil, "vai com tudo e vai com todos".
O modo de actuar do slogan é, antes do mais, a persuasão
em múltiplas formas, sobretudo as subliminares. O slogan adequa-se
a ser repetido, muitas vezes, vezes sem conta. É da repetição
continuada que lhe vem muita da sua força, que ele ganha o estatuto
de algo óbvio e evidente e se transforma em dogma. Mas isto de forma
dissimulada. O slogan persuade na medida em que dissimula. Ele joga sempre
na ambiguidade semântica e sintáctica. Normalmente actua mais
pelo que esconde, mas que deixa com rabo de fora, do que pelo que mostra
directamente. Mas mais uma vez aqui a sua eficácia depende de ser
ajustável, de ser feito à medida.
Traçadas as características e apontados os modos de actuação,
falta dizer quais os objectivos do slogan. Antes de mais ele visa suscitar
a acção ou o comportamento de todo um grupo ou colectividade.
O slogan é por natureza performativo e perlocutório. É
neste ponto que se coloca a questão da sua eficácia. Ora
na sua acção performativa o slogan pode ter várias
funções: a de cimentar o grupo em torno de um lema (é
essa a sua função original), a de captar a atenção
e de motivar a um determinado fim, como acontece frequentemente nos títulos
de imprensa que tentam captar a atenção para o artigo respectivo
e levar à sua leitura, e, por fim, a de sintetizar uma determinada
posição. Esta última é aliás a função
mais frequente. O slogan resume, cristaliza, e torna desse modo a posição
resumida num produto transportável e manejável. A eficácia
depende aqui da brevidade, é certo, mas também de outras
qualidades associadas como a fácil memorização e a
acutilância.
7- Conclusão
Os signos significam, os signos organizam-se, mas os signos também
se usam e esse uso rege-se por leis de economia e de eficácia. E
com isto entramos inapelavelmente numa lógica de meios e fins, em
que os meios têm de ser encarados à luz dos fins e estes têm
necessariamente de ter em conta os meios disponíveis.
Muito do trabalho prático feito hoje em dia com os signos consiste
num aperfeiçoamento dos signos (se atentarmos no trabalho que é
feito nas redacções dos jornais e nas oficinas de publicidade,
comercial e política, não há dúvida que muito
do que ali se faz é verdadeira engenharia sígnica), não
só sob o ponto de vista sintáctico-semântico, mas sobretudo
de um ponto de vista pragmático. A adequação dos signos
depende cada vez mais dos respectivos contextos e isso obriga a um contínuo
trabalho de ajustamento dos signos existentes e mesmo de criação
de novos signos.
Economia e eficácia são propriedades de relação,
pelo que atribui-las aos signos começa por ser dentro do código
em que os signos se situam. Não é possível decidir
da economia e eficácia de qualquer signo a não ser à
luz de um código (seja este de natureza sintáctica, semântica
ou pragmática). Daqui que a economia e a eficácia do uso
que se faz dos signos dependa do domínio que se tem do código.
A performance é determinada pela competência.
A um nível superior, a um nível que Umberto Eco e Adriano
Duarte Rodrigues designam por limiar superior da semiótica,(28)
não são os signos, mas os próprios códigos
que são vistos e avaliados em termos de economia e eficácia.
Os códigos recebem ajustamentos, sofrem alterações,
nascem e morrem. O termo de relação agora, o contexto em
que se decide da validade do código, da sua economia e eficácia,
é o mundo da cultura, tomada esta no seu sentido mais lato, as mundividências.
É neste contexto mais vasto, no contexto da vida, o Lebenswelt husserliano,
que irrompem idiolectos, slangs, linguagens especializadas, tipos de comportamento,
formas de cortesia, etc..
Se no primeiro caso, ao nível do funcionamento dos signos dentro
do respectivo código, a questão da economia e da eficácia
é uma questão de domínio do sistema para um melhor
uso dos signos, no segundo caso, ao nível da adequação
dos códigos à vida, essa questão é uma questão
de adaptação, de sobrevivência e de criatividade de
quem vive com signos, por meio de signos e em nome de signos.
2 Esta acepção é reforçada quando Husserl se refere ao sistema de aritmética geral como "a mais admirável das máquinas espirituais que já alguma vez apareceram." Ibidem.
3 "Ancilla gramaticae, ancilla logicae, ancilla scientiae." Ver Marcelo Dascal e Klaus Dutz, "The beginnings of scientific semiotics" in Posner, 1998, Semiotics. A Handbook on the Sign-Theoretic Foundations of Nature and Culture, Berlin e New York: Walter de Gruyter, Vol. II, pp. 746-762.
4 Um exemplo: O número 43.678 escrevia-se ????????
5 Florian Cajori em A History of Mathematics, New York: Macmillan, 1894, cita Eutóquio que no século VI dá exemplos de contas feitas com caracteres gregos.
6 "Si nihil remanserit pones circulum, ut non sit differentia vacua: sed sit in ea circulus qui occupet ea, ne forte cum vacua fuerit, minuantur differentiae, et putetur secunda esse prima", texto do Trattati d'artitmetica, citado em Moritz Cantor, 1880, Vorlesungen über die Geschichte der Mathematik, I Volume, Leipzig: Teubner, p.614.
7 A bibliografia sobre as LSP (Languages for Special Purposes) embora recente tem vindo a crescer nos últimos anos. O décimo quarto volume da série de Handbücher zur Sprach- und Kommunikationswissenschaft é justamente Fachsprachen. Languages for Special Purpusoses. Ein internationales Handbuch zur Fachsprachforschung und Terminologiewissenschaft. An International Handbook of Special-Language and Terminology Research, org. por Lothar Hoffmann, Hartwig Kalverkämper, Herbert Ernst Wiegand, Vol. I, Berlin: Walter de Gruyter, 1998. O volume é composto de dois tomos tendo ainda só sido publicado o primeiro tomo, de 1369 páginas. Além desta obra refiram-se ainda Manfred Sprissler, org., Standpunkte der Fachsprachenforschung, Tübingen: Gunter Narr, 1987. Lothar Hoffmann, org., Fachsprachen. Instrument und Objekt, Leipzig: Verlag Enziklopädie, 1987. Jorgen Hoedt et alt., orgs., Pragmatics and LSP. Proceedings of the 3th European Symposium on LSP, Copenhagen: The Copenhagen School of Economics, 1982, Christer Laurén e Marianne Nordman, orgs, Special Language. From Human Thinking to Thinking Machines, Clevedon: Multilingual Matters, 1989.
8 Conf. Theodor Ickler, "Objektivierung der Sprache im Fach ( Möglichkeiten und Grenzen" in Sprissler, pp. 9-38.
9 O sentido de retórica aqui é restrito, no sentido da retórica tradicional de discurso público. Não tem aqui o vasto sentido de adequação pragmática a um interlocutor.
10 Que em certos casos é um imperialismo.
11 Conferir Hartwig Kalverkämpen, "Fachsprache und Fachsprachenforschung" in Hoffman, 1998, pp. 48-59.
12 "Les mécanismes d'économie d'un code visant à réduire le coût de l'indication significative se fondent tous sur le même principe, qui consiste en ce que les classes dont les correspondances permettent à cette indication d'avoir lieu résultent de la multiplication logique de deux ou plusieurs classes plus larges. Lorsque ce principe est appliqué, les signifiés ou les signifiants des sèmes sont analysables en classes plus larges, appelées 'facteurs', dont ces signifiés ou ces signifiants sont les produits logiques." Luis Prieto, Messages et Signaux, Paris: PUF, 1966. P. 80. A segunda parte da obra é intitulada "Économie" (pp. 77-152) e é dedicada ao tema da economia dos códigos.
13 "Distilled to its formal essentials, a code is a set of substitution rules of the form: A ( ( - ; B ( -((( ; C ( -(-( , and so on (cf. the Morse Code)." Gavin T. Watt e William C. Watt, "Codes" in Posner, pp. 404-414.
14 "As a substitution device a code is a rule for the unambiguous correlation (coding) of the signs of one sign repertoire to those of another sign repertoire." Winfried Nöth, Handbook of Semiotics, Bloomington: Indiana University Press, 1990, p. 207.
15 "The operation by which an originally uneconomical code is transformed into a more economic version is sometimes called recoding." Encyclopedic Dictionary of Semiotics, p. 127.
16 "... information is a measure of one's freedom of choice when one selects a message. ... The concept of information applies not to the individual messages (as the concept of meaning would), but rather to the situation as a whole, the unit information indicating that in this situation one has an amount of freedom of choice, in selecting a message, which it is convenient to regard as a standard or unit amount." Claude Shannon e Warren Weaver, The Mathematical Theory of Information, Urbana: University of Illinois Press,1963, (p.8/9).
17 "The concept of information developed in this theory at first seems disappointing and bizarre - disappointing because it has nothing to do with meaning, and bizarre because it deals not with a single message but rather with the statistical character of a whole ensemble of messages, bizarre also because in these statistical terms the two words information and uncertainty find themselves to be partners." Ibidem, p.27.
18 "Shannon e Weaver mostram como a redundância facilita a exactidão da descodificação e fornece um teste que permite identificar erros. Só me é possível identificar um erro ortográfico devido à redundância da linguagem. Numa língua não redundante, mudar uma letra significaria mudar a palavra." John Fiske, Introdução ao Estudo da Comunicação, Lisboa: Edições Asa, 1993, p. 25.
19 O nível A é o nível técnico, relativo ao rigor da transmissão dos sinais.
20 Redundantia é o termo técnico da retórica antiga para designar o defeito estilístico da prolixidade, oposto à virtude da brevitas.
21 "Estamos sempre a testar a exactidão das mensagens que recebemos em relação ao provável: e o que é provável é determinado pela nossa experiência do código, do contexto e do tipo de mensagem - por outras palavras, pela nossa experiência da convenção e do costume. A convenção é uma fonte importante de redundância e, como tal, de fácil descodificação." John Fiske, ibidem.
22 O jornal "O Independente" ficou conhecido por forjar novas palavras e desse modo surpreender os leitores.
23 Austin, J.L., How to make things with words, Oxford: Oxford University Press; John Searle, Actos de Fala, Coimbra: Livraria Almedina, 1984.
24 Etimológicamente slogan provém do gaélico "Scluagh-chairm" que significava na antiga Escócia o grito de guerra do clan. Olivier Reboult, Le Slogan, Bruxelles: Éditions Complexe, 1975, p. 14.
25 A definição de slogan por André Gide vai neste sentido: "N'importe quelle formule concise, facile à retenir en raison de sa brièveté et habile à frapper l'esprit." Journal 1888-1939, Paris: Gallimard, 1948, p. 1269, citado em Olivier Reboult, ibidem, p. 28.
26 "Les métaplasmes caractérisent tous les slogans que 'jouent sur les mots'. Les métataxes modifient la syntaxe; dans le cas du slogan, ils opèrent surtout par supression. Les métasémèmes remplacent un mot par un autre qui présente un certain rapport de sens avec le premier. Les métalogismes représentent un écart non dans l'expression mais de l' expression par rapport au référent, au réel." O. Reboul, ibidem, pp. 77-81.
27 Blanche Grunig, Les Mots de la Publicité. L'Architecture du Slogan, Paris: Presses du CNRS, 1990.
28 Umberto Eco, A estrutura ausente: introduçao
à pesquisa semiológica, São Paulo: Editora Perspectiva,
1991; Adriano Duarte Rodrigues, Introdução à Semiótica,
Lisboa: Editorial Presença, 1991.