A comunicação endereçada

O endereçamento da comunicação de massas

(comunicação apresentada no II Encontro Lusófono de Ciências da Comunicação, Sergipe, Brasil, Abril de 1998)

 

António Fidalgo, Universidade da Beira Interior

(versão para imprimir – em pdf)

 

1– Introdução

A afixação das 95 teses por Martinho Lutero na porta da Igreja de Wittemberg em 1517, acto comunicativo considerado com um dos momentos inaugurais da reforma protestante e mesmo da modernidade, configura um modo de comunicação de massas, a que, na perspectiva que aqui me interessa, chamarei o da recepção indiferenciada. Afixada na porta da Igreja a mensagem é dirigida a cada um e a todos os que vão à Igreja. Nada identifica o receptor, ele é anónimo. Em 1998, numa universidade dispondo de serviços informáticos razoáveis, alguém, desejando tornar conhecida uma notícia ou uma posição relativas à universidade, dirigir-se-á aos outros membros da comunidade académica muito provavelmente através do e-mail, isto é, enviará uma mensagem para o endereço electrónico de cada indivíduo, ou então para uma lista de discussão (mailing-list) da própria universidade. A comunicação é enviada neste caso para um endereço individual. Aqui todos os receptores ficam identificados. Ora é justamente este endereçamento da comunicação, que de certo modo, associa a comunicação de massas à comunicação pessoal individualizada, através da caixa postal e do número de telefone, que pretendo explorar na minha comunicação. Isto é, explorar, até que ponto a possibilidade, dada pelas novas tecnologias de comunicação, de direccionar individualmente a informação modificará a comunicação social de massas e exigirá a construção de novos modelos de compreensão deste fenómeno comunicativo.

 

2– O anonimato do receptor

Os grandes meios de comunicação de massas, a imprensa, a rádio e a televisão, dirigem-se a um público indiferenciado. A informação é veiculada indiscrimina­damente, isto é, para todos em todos os lugares. Mesmo quando se delimitam públicos específicos de um determinado órgão de comunicação, por exemplo, de um jornal ou de um programa televisivo, isso não significa a exclusão de quem quer que seja. O acesso à informação veiculada está ao dispor de qualquer um. Os destinatários da informação são anónimos; pode ser este ou aquele ou aqueloutro, indiferentemente.

Obviamente que um órgão de comunicação social, qualquer que ele seja, tem um público próprio, determinado desde logo pela língua, pelo tema, pelo meio social e económico, pela cultura, etc. Mas a nível individual, pode dizer-se que o destinatário é anónimo, não está identificado. O grupo receptor é aberto, os eventuais receptores individuais podem entrar e sair do grupo, sem que se saiba quem entrou ou saiu.

Se aplicarmos a fórmula de Lasswell, quem – o quê – que canal – a quem – com que efeito, à comunicação social, então temos um emissor identificado e um receptor anónimo. Temos aqui um modelo de difusão em que um centro, bem determinado, emite à sua volta em que não se sabe quem recebe individualmente. Neste modelo é perfeitamente possível delimitar o âmbito ou alcance da emissão, isto é, é possível traçar o círculo fora do qual não há recepção possível, mas, e é isso que importa aqui realçar, dentro do círculo não se podem identificar os receptores. Uma rádio informativa, um jornal, mesmo uma televisão, têm o seu círculo de recepção delimitado pelo universo daqueles que falam a língua em que são difundidos, e além disso, é mesmo possível delimitar bem o seu espaço geográfico de difusão. Uma rádio tem um raio de emissão, fora do qual é impossível captá-la. Mas dentro do círculo em que se pode captar, não sabemos quem a está a captar. Um jornal é enviado para as bancas de venda, mas ignora-se quais os indivíduos que o compram e o lêem.

Uma das características da comunicação social relativamente à comunicação pessoal é justamente a multiplicidade e correspondente anonimato dos receptores. Na comunicação pessoal há uma relação mútua entre emissor e receptor. Ambos estão identificados, sendo a identificação do receptor tão importante quanto a do emissor. A mútua identificação dos intervenientes do processo comunicativo pessoal aplica-se não só à comunicação presencial, mas também à comunicação postal e telefónica. A comunicação social, ao invés, não se preocupa, nem se pode preocupar, com a identidade dos seus receptores. Propriamente os seus destinatários não são indivíduos, mas sim um público, certamente constituído por indivíduos, mas cuja individualidade não é importante ou significativa nesse processo.

 

3– Da recepção de grupo à recepção individual

O anonimato da recepção não é posto em causa pela individualização crescente na recepção da comunicação. De certo modo, a história da comunicação vai no sentido de uma recepção de grupo para uma recepção individual. A comunicação pública feita pelo arauto do rei numa praça, a que previamente haviam sido chamados os habitantes da aldeia ou da vila, fornece o exemplo de uma recepção de grupo. A notícia é dada à população, e é só no seio do grupo social a que pertence que o indivíduo toma conhecimento da informação pública.

Cabe à imprensa um papel crucial na individualização da comunicação pública. O acto de ler é um acto individual e a comunicação que antes era feita na igreja, desde o púlpito para toda a comunidade eclesial reunida em assembleia, passa na reforma protestante a ser veiculada cada vez mais pela escrita. Seria difícil conceber a reforma protestante sem o seu recurso abundante aos escritos panfletários, possibilitados pela imprensa gutenbergiana. Mas mesmo aqui, com o surgimento de escritos doutrinários, e depois com o advento dos primeiros jornais no século XVII, a leitura era feita em clubes, em que muitas vezes, o jornal era lido em voz alta para mais pessoas. Só com o aumento do bem estar, os jornais passaram a ser vendidos em bancas a indivíduos.

O mesmo se passou com a rádio até a introdução do transístor e com a televisão até aos nossos dias. A recepção era feita em grupo, primeiro em clubes e associações, e depois em família. Com a evolução tecnológica, a miniaturização dos aparelhos de recepção e o seu embaratecimento, cada vez mais a recepção é feita individualmente. Hoje transporta-se o rádio, ouve-se rádio em qualquer divisão da casa, mesmo no carro, e a recepção do rádio converteu-se num acto individual, levado ao extremo com a invenção dos head-phones. Também na televisão, assiste-se à multiplicação dos aparelhos receptores pelas diferentes divisões da casa, não sendo raro que os membros de uma família vejam ao mesmo tempo diferentes programas, cada um frente a um aparelho diferente.

A crescente individualização na recepção da comunicação social não nega o anonimato dos receptores; pelo contrário, aumenta-o. Dependendo a recepção, o sim ou o não, tão só do livre arbítrio do indivíduo, a recepção torna-se radicalmente anónima, não havendo lugar a qualquer identificação do receptor individual.

 

 

4– O endereço postal e o número de telefone

Como já foi dito atrás, tanto uma carta como um telefonema constituem formas de comunicação à distância em que o destinatário se encontra identificado. Chamarei endereçada a esta comunicação.

A questão do endereço (e remetente!) na comunicação postal colocou-se aquando da difusão deste tipo de comunicação nos tempos modernos. Antes disso, o mensageiro, o portador da carta, conhecia o destinatário, levava-lhe a carta em mãos. A carta e o processo de envio e entrega da mesma ainda eram um todo. Cícero escreve numa carta a Ático (Ad Att. I, 13) que tardou na resposta porque não encontrava portador fiel, sobretudo para os assuntos em causa.[1] Embora as cartas fossem fechadas, não necessitavam de sobrescrito. Este surge quando o portador se torna uma instituição, e portanto se coloca a questão de identificar o destinatário. Dos dois diálogos dedicados às cartas missivas em Corte na Aldeia (1619), Francisco Rodrigues Lobo dedica uma parte do primeiro à questão do endereço. “Sobrescrito é uma notícia vulgar da pessoa a quem se escreve e do lugar aonde lhe mandam a carta, exprimindo-se nele o nome e a dignidade por onde é mais conhecida, e o do lugar onde naquele tempo assiste.” (pp. 90) O sobrescrito, com o endereço, serve para identificar, pelo nome e pelo lugar em que se encontra, o destinatário da carta missiva.

Com efeito, pode considerar-se o endereço como uma identidade comunicativa. Os diferentes endereços de uma mesma pessoa indicam os diferentes papéis de destinatário e de remetente assumidos. Existem os endereços de casa e os do escritório e não se devem confundir. O reitor de uma universidade não gostará de receber em casa correspondência sobre assuntos triviais da universidade. À semelhança dos diferentes cartões que cada um traz consigo, e que o identificam num determinado campo, bilhete de identidade como cidadão nacional, cartão de contribuinte no campo fiscal, cartão da segurança social, cartão de crédito, etc., também os endereços identificam o destinatário postal nas diferentes funções sociais.

Em Portugal, o endereço postal consta hoje normalmente da indicação do nome, da rua, do número do prédio (e, eventualmente, do andar, primeiro ou segundo, esquerdo ou direito, frente), da cidade e da zona postal. Na Alemanha, não se indica o andar, pois que à entrada do prédio, nas campainhas, e nas caixas do correio estão escritos os nomes. Em Portugal a caixa postal está associada a um fogo, e por isso, os nomes são supletivos. Na Alemanha, as caixas postais num prédio estão associadas ao inquilino, o que torna obrigatório a indicação do nome. (Isso tem a ver o direito dos nomes na Alemanha, onde existe o nome de família). Daí que em Portugal se possa enviar para um andar de um prédio uma carta com um nome qualquer, ao passo que na Alemanha isso não é possível, aí tem de se indicar o c/o.

O endereço postal, a caixa de correio, está associado a uma habitação, a um fogo, a uma unidade habitacional, que normalmente é uma família. Só depois de alguém da família trazer o correio todo da caixa postal, é que se faz a posterior separação pelos indivíduos do agregado. O mesmo se passa em relação ao telefone fixo. Este também pertence a um fogo, não corresponde normalmente a um indivíduo (isto é, quando o fogo não é constituído unicamente por um único elemento). Aqui telefona-se para o número e depois, se não é a pessoa que pretendemos que vem ao telefone, pedimos que chamem a pessoa com quem pretendemos falar.

Com a introdução do telemóvel assistimos a uma individualização do número do telefone. Cada pessoa passa a ter um número de telefone para si. Isso também se passa já no caso dos telefones directos nas empresas, quando uma pessoa tem um número de telefone para si.

Os endereços postais, e mesmo os números de telefone, são constituídos por indicações geográfico-administrativas. Temos o nome da rua, o número da porta, a cidade e o país. A identificação postal é feita por aproximação geográfica. Pressupõe-se que o destinatário tem uma residência, ocupa o seu lugar ou o seu território. Semelhantemente, se passa o mesmo com os números de telefone. A um país corresponde um indicativo, a um estado ou a uma província corresponde outro indicativo, a cada cidade outro, até terminar num destino. É assim que, pelo número de telefone, podemos chegar à localização geográfica.

A localização fornece uma identificação: país, e com ele a cultura e normalmente a língua, a cidade, e com ela a indicação se se trata do habitante de uma grande urbe ou de uma cidadezinha de província, a rua, e com ela indicações de natureza social, se é uma zona boa da cidade ou uma zona má, etc.

 

5– Endereço postal e informação por assinatura

Para além da correspondência pessoal, o endereço postal serve também para receber directamente em casa jornais ou revistas por assinatura. Temos aqui um caso de simbiose entre a comunicação pessoal e a comunicação de massas. Por iniciativa própria, o destinatário recebe em casa – normalmente mediante o pagamento da assinatura! – informação que lhe interessa. Com isso, consegue o destinatário com uma economia de tempo e de meios assinalável ter e assegurar uma informação continuada sobre determinado tema específico. Em vez de comprar anonimamente a revista num quiosque, o assinante identifica-se pelo endereço para a receber directamente. Sabemos como para certos órgãos da imprensa o ficheiro de assinantes é extremamente importante.

Da informação por assinatura diferencia-se a comunicação pública recebida na caixa do correio por iniciativa alheia. Não falo aqui de prospectos publicitários (supermercados, etc.) sem qualquer indicação de endereço, mas daquela informação que vem justamente endereçada, com um sobrescrito com o nome do destinatário. Crescentemente nos são enviadas pessoalmente cartas de natureza completamente comercial, utilizando nesse envio a técnica do mail merge, isto é, colando aos endereços constantes de um ficheiro o mesmo tempo e adaptando este à identidade do destinatário.

Sabemos como cada vez mais se constroem e se negoceiam enormes bases de dados para se atingirem fins comerciais. Muitos concursos de prémios são lançados para que os concorrentes tenham de se identificar como única condição de concorrerem. A sua identificação, os dados que fornecem, valem bem os custos dos prémios.

A mensagem passa através de um agarrar o destinatário através da usa identificação. Meter um prospecto de publicidade, imaginemos numa folha de papel A4, e metê-lo simplesmente na caixa do correio tem um impacto comunicativo mínimo em comparação com uma carta (com o mesmo conteúdo do prospecto anónimo!) endereçado e configurado pessoalmente ao destinatário.

 

6 – O endereço electrónico

A bem dizer todos os utilizadores da Internet têm um endereço electrónico que usualmente é a conta num server ligado à rede. O símbolo @, que aparece no meio de qualquer endereço electrónico, é hoje um dos símbolos da sociedade de informação.

Tal como todos os endereços também o correio electrónico consta de uma identificação, ou melhor, de duas identificações. A primeira, à esquerda do @, identifica o utilizador individual da máquina (server) que, por sua vez, é identificada na segunda, à direita do @. Na máquina ubista, do domínio ubi (as iniciais de Universidade da Beira Interior), do país pt (Portugal), estou identificado enquanto utilizador como fidalgo. Daqui resulta o endereço: fidalgo@ubista.ubi.pt

O endereço electrónico é como uma caixa de correio postal ou como o número de telefone. Só que as suas potencialidades são muitíssimo mais elevadas que as dos endereços tradicionais.

A caixa do correio e o telefone caracterizam-se pela sua abertura. Qualquer carta ou prospecto pode ser enviado para a caixa do correio e qualquer pessoa pode telefonar para o nosso número. Basta saber-se o endereço ou o nº de telefone. O mesmo se passa com o correio electrónico. Ele está aberto a todas as mensagens. É pela sua abertura que as caixas de correio, as postais e as electrónicas, podem ser atulhadas com correio indesejado, com o “junk mail”.

Tal como uma pessoa dá a conhecer, ou mantém em segredo, a sua morada e o seu número de telefone, assim também dá a conhecer ou mantém em segredo o endereço electrónico. Trata-se de revelar ou preservar uma parte da sua esfera pessoal.

 

8– As vantagens do correio electrónico

As vantagens da comunicação electrónica são múltiplas: capacidade de transmissão de texto, imagens e sons, rapidez, custos baixíssimos, comodidade de envio, facilidade de organização do correio recebido, possibilidade de endereçar simultanea­mente a mesma carta a muitos destinatários (mail merge), facilidade de resposta e de reenvio.

Mas uma das maiores vantagens do e-mail é certamente a possibilidade de a caixa postal ficar acessível a partir de qualquer ponto da rede. Do Brasil posso ir à minha caixa do correio electrónica a Portugal, como aliás a qualquer outra parte do globo. A única questão é apenas a velocidade permitida pela largura de banda existente. O receptáculo não fica condicionado pela localização geográfica. O correio irá parar efectivamente à máquina ubista.ubi.pt, situada na UBI, Covilhã, mas tal como posso ir do Brasil lá ler o correio ou importá-lo, assim também posso dar um comando de reenvio automático de correio para qualquer outro endereço.

 

9– A programação do correio

A maior parte do correio físico que se recebe é determinado por quem o recebe. As informações sobre contas bancárias, seguros, serviços públicos (água, electricidade, gás, saneamento), revistas, jornais, são informações periódicas recebidas comodamente em casa por via postal. O correio inesperado, por exemplo uma carta surpresa de um amigo há muito fora de contacto, é uma parte menor do correio recebido. O correio que resulta de assinaturas demonstra bem como cabe ao receptor decidir e em boa parte programar as informações que lhe chegam por via da caixa do correio. Para passar a receber uma revista mensalmente tenho de a assinar, o mesmo acontece para um jornal, ou para as revistas ou correspondência das associações de que sou sócio.

Com a noção de programação do correio quero eu significar que a caixa de correio não é só um meio de acesso a um destinatário, mas também a forma como esse destinatário quer receber a comunicação. Há pessoas que recorrem muito mais ao correio que outras, há umas que querem ir ao banco tratar dos assuntos e há outros que querem fazê-lo por correio, há quem goste mais de telefonar e há outros que preferem a via postal.

As assinaturas de jornais e revistas dão-nos uma indicação clara de como o correio pode ser programado. Dá-se a indicação e o endereço para se receber determinada informação em casa, paga-se mesmo para isso. É desnecessário enumerar as vantagens deste método. O maior senão reside no custo. Se tivéssemos um orçamento ilimitado, muito provavelmente todos assinaríamos as revistas que temos de consultar nas bibliotecas universitárias. Fica à vista de todos que seria muito melhor receber a informação pretendida em casa do que ter de a buscar num quiosque ou de a consultar fora de casa.

Com o correio electrónico a programação da informação recebida ainda é muito mais simples que no correio tradicional. Assina-se a informação pretendida. É assim que se subscreve as listas de discussão (mailing-lists), os boletins de informação enviados regularmente, etc., acabando o destinatário da informação acaba por receber aquilo que pretende. Mesmo a subscrição de determinado órgão pode ser restringida a determinadas áreas de interesse. Por exemplo, a meu pedido são-me enviados por algumas livrarias virtuais apenas as informações sobre os novos livros das áreas por mim indicadas, e não sobre todos os livros vindos a lume.

Mas o correio electrónico também significa o alargamento do correio. É que a divisão entre meios individuais de comunicação, caixa do correio e telefone, e meios de massa, jornal, aparelhos de rádio e televisão, desaparece no computador ligado em rede. Sob um mesmo endereço, o computador tem capacidades de correio, telefone, fax, jornal, rádio e televisão. Quer isto dizer, que a informação que agora penosamente colhemos nos órgãos de comunicação de massas pode ser recebida, mediante uma programação. O correio programado é um correio configurado à medida dos nossos interesses. Recebo no correio aquilo que me interessa. E aquilo que recebo e que não me interessa deito fora.

Se pudermos receber não só texto e imagens no correio electrónico, mas também voz e imagem em movimento, então não há necessidade de atendermos horários, de procurarmos desesperadamente mediante zapping os programas de rádio ou de televisão que nos interessam. Programamos a televisão e a rádio à medida dos nossos interesses.

Esta programação personalizada dos grandes meios de comunicação de massas parece-me ser a grande inovação de enorme consequências comunicacionais trazida pela inovação tecnológica das redes digitais.

Desde logo a enorme individualização que a programação personalizada acarreta. Criticou-se o televisor por destruir a vida familiar, na medida em que as famílias em vez de jantarem e falarem, passaram a ver televisão. Mas essa tele-visão era em comum, significava elemento de união, os diferentes membros viam as mesmas notícias, os mesmos programas, etc. Ganhavam com isso pontos de interesse comuns, tinham os mesmos temas de discussão. Obviamente que o rádio de há muito deixou de ser ouvido em comum. Normalmente cada membro de uma família ouve o seu programa de rádio, ou a sua estação de rádio preferida. O que se passa com a televisão pela Internet, programada, é que é extremamente individualizada. Isso torna-se imediatamente visível pela distância do ecrã de televisão a 4 ou 5 metros e a distância do monitor do computador entre 70 e 80 centímetros. Aquela distância permite uma visão em conjunto por um agregado familiar, esta, a distância de visão frente ao computador é demasiado próxima para que seja partilhada. Frente ao computador não há cedências na programação, cada um tem o que quer.

A comunicação endereçada é uma comunicação feita à medida do endereço, quer dizer dos seus interesses (incluindo a curiosidade!). Este princípio condiciona obviamente a informação dada. Esta não é facultada para todos indiscriminadamente, mas intencionalmente direccionada. A intenção é interessar ainda mais o endereçado. Quando numa comunicação presencial, identificamos o destinatário da comunicação e dizemos “oh tu aí, sim tu, já sabias que …”, fazemo-lo no pressuposto de que a mensagem interessa ao endereçado. O mesmo se passa com o endereçamento, que não é mais do que uma identificação do destinatário da informação.

Hoje em a preocupação de quem fornece, presta, vende informação, é o de identificar os destinatários, por sexo, idade, nível escolar, profissão, rendimento, etc. para lhe dar com exactidão o tipo de informação que mais o interessará. Porque a informação será cada vez mais programada por endereço (e, por conseguinte, por interesses), as fontes de informação, os meios, tentarão conhecer cada vez melhor os destinatários eventuais para qualquer tipo de informação. Tão importante como as mensagens será dispor da identidade dos destinatários individuais.

 



[1]  “Quibus epistulis sum equidem abs te lacessitus ad rescribendum, sed idcirco sum tardior, quod non invenio fidelem tabellarium. Quotus enim quisque est, qui epistulam paulo graviorem ferre possit, nisi eam pellectione revelarit? … Sunt autem post discessum a me tuum res dignae litteris nostris, sed non commitendae eiusmodi periculo, ut aut interire, aut aperire, aut intercipi possint.”