Discurso e cognição em dispositivos de comunicação:
uma aproximação epistemológica
[1]

Jairo Ferreira [2] , Unisinos - Rio Grande do Sul


RESUMO: Na perspectiva da análise da produção de conhecimento através de interações discursivas em dispositivos de comunicação, sugerimos uma aproximação entre a teoria do discurso de Patrick Charaudeau (1983) e a teoria de desenvolvimento de Piaget e colaboradores. O texto discute esta proximidade utilizando as  chaves epistemológicas propostas pelas duas teorias. Há, entre as duas formulações, um identidade que queremos evidenciar, mesmo considerando a diversidade de métodos e objetos.  Esta discussão tem como objetivo a construção de um modelo teórico sobre as relações entre discurso e cognição em dispositivos de comunicação.


1.1     Introdução

Na perspectiva da análise da produção de conhecimento através de interações discursivas em dispositivos de comunicação, sugerimos uma aproximação entre a teoria do discurso de Patrick Charaudeau (1983) e a teoria de desenvolvimento de Piaget e colaboradores. O texto discute esta proximidade utilizando as  chaves epistemológicas propostas pelas duas teorias. Há, entre as duas formulações, um identidade que queremos evidenciar, mesmo considerando a diversidade de métodos e objetos.  Esta discussão tem como objetivo o uso das duas formulação não como resultado de uma justaposição, mas de uma construção teórica sobre as relações entre discurso e cognição em dispositivos de comunicação.
O primeiro elo para esta aproximação é de que as duas formulações teóricas são interacionistas. Isto é, ambas nos informam que não existe significação à margem das interações, ou seja é um processo que não se situa nem no objeto (incluindo o discurso como objeto), nem nos sujeitos, mas na interação dos dois pólos.
Mas há uma diferença importante. Para a epistemologia genética, a interação predominante é relativa ao conjunto da ação, na qual está incluso o discurso como expressão de formas de pensamento representativo operatório e pré-operatório. Na perspectiva de Charaudeau, o ambiente material é pertinente na medida em que está semiotizado. Esta diferença se reflete na compreensão do processo de significação do objeto, em particular do ambiente material, relativamente à linguagem. Na Escola de Genebra, a significação das interações - sujeito®objeto, entre os sujeitos e do sujeito consigo (através do pensamento) - não se reduz à sua expressão através dos signos. A significação ocorre inclusive através dos movimentos sensórios-motores e das percepções. 
Ou seja, na perspectiva piagetiana, a questão chave é que a significação nem sempre vai ter um ‘meio de expressão’. Ela pode não atingir a forma de pensamento representativo. Isto quer dizer que nem toda a significação é discursiva. Este é o caso de um sujeito que só consegue explicar o funcionamento de um objeto através de atos, agindo sobre o mesmo. Esta ação ocorre, muitas vezes, sem representação. A prova desta ausência de representação pode ser verificada se demandarmos deste sujeito uma explicação do objeto sem manipulá-lo. Os encadeamentos através da representação serão incompletos, imprecisos e vagos, em maior ou em menor grau. Ou seja, há a necessidade do ato em sua forma original, e  não em sua forma representativa. É evidente que esta forma de significação diminui na medida em que o sujeito - ou sujeitos - desenvolvem formas de pensamento representativo sobre as interações, o objeto e suas transformações, e, principalmente, quando tomam consciência dos aspectos figurativos e operativos presentes nas interações.  Quando isto ocorre, há o desenvolvimento de uma competência discursiva relativa a uma determinada interação.
Em Charaudeau, a situação extralingüística - o ambiente material - não é pertinente em si, mas é comandada pelas Circunstâncias de Discurso (saber social e individual sobre o mundo). Isto que dizer que a significação dos objetos materiais é condicionada pela semiotização dos mesmos. É esta transformação em signo que irá possibilitar as trocas, na medida em que “os interlocutores supõem que eles tem o mesmo saber sobre o mundo que lhes cerca, em relação com o propósito” (1983, 25) do ato de linguagem.  Ou seja, não há aqui lugar para a significação que não esteja na forma de discurso.
Teríamos, em decorrência, uma oposição entre as duas teorias, apesar do enunciado interacionista de ambas. Esta oposição, entretanto, talvez se apague na discussão das sutilezas conceituais. Se considerarmos o conceito de discurso de Charaudeau veremos que não se restringe ao verbal:

“O discurso  não pode ser assimilado a uma manifestação verbal da linguagem. Esta, mesmo se é dominante no conjunto das manifestações lingüísticas, corresponde a um certo código semiológico, quer dizer a um conjunto estruturado de signos formais, da mesma forma que, por exemplo, o código gestual (linguagem do gesto) ou o código icônico (linguagem da imagem). O discurso está aquém (ou além) dos códigos de manifestação lingüística... (mas) nós não queremos dizer que haveria um discurso anterior a existência da manifestação lingüística, e independente dela... O que nós queremos pois é que não nos limitamos a aceitar o termo unicamente no caso de manifestação verbal, pois seria o conjunto do ato de linguagem que seria reduzido a esta manifestação apenas” - diz Charaudeau (1984, p. 18).

O discurso, neste sentido, não é o texto, a palavra e a frase, pois o gesto, a tonalidade da voz, etc. podem ser portadores do discurso. Isto, é claro, amplia o conceito de discurso. Esta ampliação não é antagônica com o pensamento da Escola de Genebra. Corresponde ao que Piaget chama de “meio de expressão” (1973), conceito que abrange os símbolos (marcados pela semelhança entre significante e significado: a imagem, os jogos, a imaginação, o sonho, etc) e sinais (reunidos por uma convenção explícita - no caso da matemática -, ou tácita - os sinais verbais, os gestos, o vestuário, os ritos e objetos).  Entre sinais e símbolos existe uma relação complexa (este o caso das narrativas escritas em que o valor simbólico ultrapassa o meio de expressão). Portanto, podemos  afirmar que as formas de discurso de Charaudeau nos permitem estruturar melhor os termos ‘meios de expressão’ utilizados por Piaget.  Evitamos assim também a compreensão do discurso como algo restrito à linguagem verbal. 
Considerando que este conceito de linguagem implica em um conceito de discurso ampliado, a reprodução em atos de um determinado procedimento é uma forma de discurso (não verbal, através do corpo, significando objetos materiais do ambiente de interação mimética). Mas este valor de discurso contido no ato sensório-motor pode ser assimétrico. Ilustramos. Na produção, a reprodução em atos pode ser uma ação sensório motora sem valor representativo, mas apenas procedural. Ou seja, o sujeito não está representando, mas simplesmente procedendo. Como processo de interpretação, pode ser que este mesmo ato ingresse no circuito discursivo (e seja assimilado como esquema representativo dos procedimentos que evoca). O inverso também é verdadeiro. Uma representação produzida em atos pode ser interpretada como procedimento não discursivo (quando o sujeito interpretante não diferencia representação do ato em si). Isto implica em reconhecer diversos níveis de competência discursiva, flexíveis em conformidade com o próprio conceito de linguagem - incorporando neste conceito o não verbal, os gestos, o vestuário, os ritos e objetos, a imagem, os jogos, a imaginação, o sonho, etc. Se trabalharmos com este conceito amplo de discurso, a significação através dos movimentos sensório motores é também uma forma possível de discurso. 
Este conceito de discurso promove um deslocamento na interpretação piagetiana sobre as relações entre linguagem e cognição? Mesmo se considerarmos que Piaget trabalhou muitas vezes com um conceito de linguagem ou de discurso restritos ao verbal, consideramos que suas formulações diferenciando linguagem e cognição continuam válidas. Neste sentido, suas provas visam verificar como o sujeito resolve um problema, e quais os esquemas e estruturas subjacentes a esta resolução. Em decorrência de sua metodologia clínica, observou que as diversas formas de representação do ato em si, sensório e motor, apresentam figurações e operações diversas da própria ação.
Por outro lado, na perspectiva piagetiana, o ato sensório e motor é antes de tudo ação, e se for utilizado como representação deixa de sê-lo em sua forma pura e passa a constituir um jogo e um ritual, incluindo o valor simbólico, até atingir o próprio sistemas de sinais através da mímica.  Assim, no próprio desenvolvimento da inteligência sensório e motora, há a formação da função semiótica e simbólica, através dos rituais. As investigações piagetianas procuram mostrar que a significação através dos jogos, dos rituais, do símbolo e da linguagem é diferente da que ocorre através do ato sensório e motor. 
É no processo de tomada de consciência que o cognitivo se aproxima do representativo, por um processo adaptativo deste em relação àquele.  Mas a perspectiva piagetiana é marcada pelo foco na ação e produção de representações. Mesmo quando analisa a interpretação dos sujeitos (como no caso da interpretação de histórias visando o julgamento moral), o sujeito é encarado como produtor (e não como sujeito interpretante). Ora, é a análise do discurso que nos informará que há uma diferença entre  a produção e a interpretação do ato de linguagem.    
Portanto, consideramos que as perspectivas interacionistas que abordamos nos fornecem elementos para uma síntese superior. Por um lado, esta síntese implica em reconhecer  que as interações com os objetos não se reduzem à orquestra da linguagem (independente de um conceito amplo de linguagem). Como conseqüência, consideramos necessário uma alteração do próprio conceito de Circunstância de Discurso. As circunstâncias, em nossa perspectiva, abrangem o saber-fazer. Por isso, preferimos o conceito de habitus (de Bourdieu). Por outro lado, há uma vários aspectos presentes na teoria do discurso cuja variabilidade alteram as condições de produção do conhecimento. 


1.1.1     Paralelas conceituais no funcionamento das trocas

Continuemos nosso diálogo em torno do caráter interacionista das duas perspectivas teóricas. Ambas consideram que o significado do discurso está ancorado nos interlocutores (ou no sujeito, se pegarmos a referência da epistemologia genética). Esta âncora no sujeito explica, nos dois autores, a opacidade da linguagem. Porém, se a psicologia vai acentuar a face individual do processo, a teoria do discurso de Charaudeau vai destacar as zonas de interseção na interação entre os interlocutores.
Assim, para Piaget, a significação é uma síntese ou oposição (desequilíbrio) entre acomodação e assimilação, funcionamentos psicológicos presentes nas interações. Isto pode ser observado quando diz que, para as crianças, a linguagem adulta “é uma realidade muitas vezes ‘opaca’ e que uma das atividades do seu pensamento é adaptar-se a esta realidade... (num processo que é) original e supõe esquemas sui generis de digestão mental” (1926, p. 27).  Na perspectiva de Charaudeau, a ausência de transparência se refere à idéia de que a produção e interpretação do sentido estão ligadas a universos diferenciados de discurso, criando efeitos simbólicos em toda a troca lingüística.  
Neste sentido, consideramos que os conceitos assimilação/acomodação e interpretação/produção são paralelos e complementares.  Ou seja, não há competência  lingüística, discursivo e situacional (utilizando aqui as categorias de Charaudeau) sem que o sujeito signifique as interações em conformidade com o seu saber (esquemas mais ou menos estruturados em situações anteriores, idênticas ou semelhantes), e atualize este saber conforme as novidades, negações e reafirmações propiciadas e exigidas pelas próprias interações.  Isto é válido para a produção e para a interpretação.
A competência discursiva, neste sentido, é um processo adaptativo. Quando falamos algo para um público, mobilizamos esquemas anteriores (de assimilação), mas - ao mesmo tempo - estaremos abertos a novos indícios e sinais que possam fornecer novos significados para a interação com este público em particular. Nos acomodaremos ou não a estes elementos novos. A mesma situação ocorre quando ‘escutamos’ alguém falar ou ‘lemos’ alguém. Utilizamos nossos esquemas de assimilação acumulados em situações anteriores. Nos acomodaremos às novidades, ou não. 
Se produção e interpretação são processos adaptativos, as zonas de intersecção não são estáticas, mas móveis, dinâmicas, instáveis, atualizadas conforme as capacidades cognitivas dos sujeitos em interlocução, 


1.1.2     A estrutura e a gênese

Do ponto de vista do método (entendido aqui em sua dimensão epistemológica), existem outras convergências possíveis entre as duas perspectivas. Charaudeau (1983) situa sua proposta como um projeto de integração entre as análises estruturalistas e sócio-históricas. Em relação aos estruturalistas, trata-se de dar conta do ontológico (o que o mundo das trocas lingüísticas nos revela como estrutura?) e  metodológico (que processo de abstração nos permite descobrir as estruturas nos atos de linguagem?).  Na abordagem social e histórica, considera-se que os sujeitos falam pela linguagem, e a análise visa elucidar os deslocamentos contínuos, em direção a uma intertextualidade aberta, lugar de conflitos entre o sujeito individual e coletivo, incluindo as condições sociais que presidem a fala.
Consideramos que a perspectiva  de Piaget nos fornece instrumentos teóricos e conceituais para também superar a oposição entre estrutura e interação, e entre gênese e estrutura (superando tanto a idéia de uma estrutura sem uma gênese, como de uma gênese sem estrutura de partida) [3] .  Assim, a premissa dos deslocamentos contínuos, em direção a uma intertextualidade aberta, é válida na epistemologia genética (os sistemas abertos), mas associada ao mesmo tempo a estruturações mais complexas do sujeito. Estas estruturações são genéticas no  sentido amplo do termo: biológicas, psicológicas, históricas, sociais e operatórias.
Este processo de desenvolvimento, na perspectiva genética, não é linear e nem possui uma única formatação. Propomos aqui os vários tipos de equilibração enunciados por Piaget como válidos para a construção de significados através de interações discursivas: equilíbrio relativos as lacunas das interações com os objetos (a retroação do discurso visando dar conta de lacunas e novidades frente ao objeto do discurso), entre os vários processos de produção e interpretação concorrentes (articulações discursivas específicas entre proposições contratuais e estratégias diferenciadas), de coesão e fechamento discursivo como uma formação particular de conjunto (o discurso de uma classe, de um gênero, de uma geração, etc.).
Antes de prosseguir queremos destacar uma questão íntima do estruturalismo. Na proposta estruturalista genética predomina o epistemológico relativamente ao ontológico e metodológico. Neste sentido, a estrutura só é claramente ontológica em Piaget quando se refere ao aspecto reflexionante da ação individual e social. De resto, as coordenações são imputadas ou aplicadas aos objetos pelo sujeito. Quando as coordenações dos objetos são homólogas à intencionalidade dos sujeitos, temos aplicações das abstrações destes no objeto, um morfismo em que o objeto só existe assim porque foi estruturado desta forma (a linguagem é bom exemplo deste morfismo), o que nos permite ‘ler’ o pensamento do sujeito (mesmo que implícito) nas ordenações do objeto.  Esta perspectiva é coerente com a proposta de Charaudeau já que este se refere à ação e objeto desta ação. Enfim, a linguagem e o discurso são estruturados como objeto e ação.


1.1.3     Objetos diferentes

Porém, o objeto da análise do discurso é diferente da análise do desenvolvimento cognitivo piagetiana. As interações são analisadas pelo primeiro visando identificar a configuração lingüística, a organização discursiva, as estratégias e os contratos, através dos processos de abstração, da atividade de elucidação e “confrontações sucessivas de conjuntos significantes que revelem uma relação do ato de linguagem com suas condições de produção e interpretação” (Charaudeau, 1983, p. 11). A epistemologia genética abstrai estas condições de produção e interpretação discursiva. Seu objeto são as estruturas e esquemas cognitivos mobilizados pelos sujeitos. 
A aproximação das duas teorias implica, portanto, em reconhecer esta diferenciação de objetos. Ocorre aqui o mesmo que é constatado quando aproximamos psicanálise e discurso, antropologia e discurso, etc. Não se trata mais de uma aproximação que ocorre na vida social como práticas (ou da idéia de que todo o discurso é, simultaneamente, cognição ou desejo), mas de objetos construídos por trajetórias epistemológicas próprias, que geram resultados diferentes.
Esta aproximação, neste sentido, deve ser argumentada.   Não falamos aqui da necessidade evidente de que para estudarmos o conhecimento através do discurso, mantida a perspectiva piagetiana, necessitamos compreender como o discurso está vinculado ao cognitivo. Queremos nos referir à necessidade de uma construção metodológica que nos informe como através do discurso (de Charaudeau) ocorre a construção do cognitivo (piagetiano).
Neste sentido, há duas hipóteses em jogo. Primeira, a cognição estaria condicionada ou embalada pelas trocas discursivas, num sentido inverso da subordinação sugerida por Piaget (de que a linguagem é um subsistema subordinado ao sistema cognitivo que é geral, que interliga e coordena os outros, etc.).   Interpretação sedutora, mas possivelmente  redutora. Segunda, uma hipótese inversa, nos remetendo à idéia de que o discurso se subordina, mas ao mesmo tempo interage com a cognição - não só quando falamos de formas de pensamento representativo, mas também nos termos da metodologia de análise das suas manifestações sociais. 
A opção por uma ou outra hipótese deve ser verificada empiricamente. Mas, antes mesmo de ver com que metodologia verificar empiricamente a validade de uma das hipóteses (já que cada teoria formula uma metodologia que deduz a validade de sua hipótese forte), consideramos que é necessário relativizar as duas proposições em torno de uma outra dimensão: o dispositivo. 


1.2     O dispositivo

Sugerimos que as duas perspectivas devem ser mutuamente negadas e integradas ao conceito de dispositivo (Peraya, 1999). Atualmente,  as investigações acumuladas sobre os efeitos dos dispositivos nas trocas discursivas e a cognição (Hermes, 1999) nos permitem afirmar que ambos - discurso e cognição - se transformam por efeitos específicos do mesmo.  Há algumas destas transformações que queremos destacar aqui para finalizar esta discussão. Em primeiro lugar, os deslocamentos nas formas de linguagem.  Uma lista de discussão, por exemplo, está centrada no textual. O discurso terá, portanto, esta forma. Será diferente a linguagem do rádio, da televisão, etc. Temos, também, transformações relativas às condições de enunciação (quem nos fala? Como é o interlocutor? Como é sua voz? O seu olhar? Etc.); o fazer signo nas interações modifica-se; há reconstruções de comunidades no plano virtual, que reproduzem e modificam as anteriores; os contrato e estratégias não são os mesmos. 
Tal perspectiva nos induz a pensar que a competência lingüística e discursiva  não é a mesma conforme variam as situações de interação, incluindo os dispositivo de comunicação que estão sendo utilizados para a interlocução. Ilustramos. Consideremos dois dispositivos: um dispositivo midiático onde exista a ausência de imagem visual (rádio) e outro com a possibilidade de imagem em movimento (televisão).  Os discursos através de atos sensório e motores terão um estatuto diferente nos dois dispositivos. O  reconhecimento da competência em um não terá valor em outro. Assim, o conceito de competência lingüística, discursiva e situacional é condicionado pelo dispositivo.
Para percebermos a força destas transformações é só imaginar que os aspectos discursivos referidos acima modificam o projeto metodológico de Piaget no estudo da cognição. Estes estudos foram realizados sempre em trocas face-a-face, utilizando a linguagem verbal e/ou movimentos sensório e motores, os interlocutores são sempre crianças e pesquisadores, a autoridade na produção do signo está centrada no pesquisador, os discursos que circulam pertencem a universos discursivos próximos (mesmo que abertos para a construção das crianças), os contratos e estratégias são também desenhados acumulativamente pela pesquisa, etc. É claro que variando estes elementos das interações discursivas e não discursivas teremos produtos de conhecimento diferenciados na prática social dos interlocutores. É neste sentido que sugerimos uma discussão em torno do método proposto pela análise do discurso e pelo método clínico, buscando em ambos referências para uma metodologia específica para a construção do objeto ‘conhecimento através de interações discursivas em dispositivos de comunicação’.  Isto nos remete, como já falamos, a discussão da metodologia enquanto faceta relativa aos instrumentos técnicos de coleta e análise de dados, o que será feito em outro artigo.


1.3     Bibliografia

1.           CHARAUDEAU,  Patrick. Le discours d’information médiatique. La construction du miroir social. Paris: Nathan, 1997.

2.           CHARAUDEAU, Patrick. Langage et discours. élémentes de sémiolinguistique (théorie et pratique) . Paris: Classiques Hachette, 1983.   

3.           CHARAUDEAU, Patrick. Langage et societé. Papier de travail. Paris: Maison des sciences de l’homme. 1984.

4.           Hermes. Le dispositif. Entre usage et concept. Paris: CNRS editions.  1999

5.           MEUNIER, Jean-Pierre. Deux modèle de la communication des     savoirs. http://www.comu.ucl.ac.be/RECO/GReMS/jpweb/meunier.htm, junho/1994/1998.

6.           PASCUAL-LEONE, Jean. Piaget, Vygotski y la función dal símbolo. Substratum, vol III, N° 8-9 63-87 (1996).

7.           PERAYA, D. Le cyberespace : un dispositif de communication et de formation médiatisées, ALAVA S. (Ed.) Cyberespace et autoformation, De Boeck, 1999b.

8.           PIAGET, J. A representação do mundo na criança. RJ: Record, (1926), 1975.

9.           PIAGET, Jean. Estudos Sociológicos. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1973.

10.       PIAGET, Jean. La psychologie de l’Intelligence. Paris: 1967 (1946).

11.       PIAGET, Jean. La formation du symbole chez l’enfant. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé (1946). Edição brasileira.  Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

12.       PIAGET, Jean. Le structuralisme. Paris : Presses Universitaires de France. 1979 (1968).

13.       VINH BANG. La méthode clinique et la recherche en psychologie de l’enfant. In: BRESSON, F. & MONTMOLLIN, M. de. Psychologia et épistémologie génétiques. Paris: Dunod. 1966.



[1] Texto apresentado no IV SIPEC - Simpósio da Pesquisa em Comunicação da Região Sul (IV SIPECV),  realizado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Brasil. GT Comunicação e Educação. Maio/2001.

[2] Professor do Centro de Ciências da Comunicação da Unisinos.

[3] Ver Piaget, 1967, cap. 6.