Retórica na época da Internet

Ivone Ferreira, Universidade da Beira Interior

(Outubro de 2001)

“Sucesso é saber a diferença entre encurralar as pessoas num canto ou atraí-las para o canto em que você está.”

 Bill Copeland

Uma vez que procuramos encontrar os rumos da sociedade da comunicação, tem todo o sentido procurarmos ver se haverá um lugar para a retórica na sociedade do futuro. Em primeiro lugar é necessário precisarmos o lugar onde nos encontramos e para tal é necessário vermos a história da comunicação como um aglomerado de etapas em que cada uma delas fica marcada por uma invenção ou uma tecnologia dominante. Diferindo apenas no nome que é dado à nossa era, seja ela Electrónica – usando o designação de Walter Ong, ou Neotécnica – seguindo a terminologia de Lewis Munford, a concepção mantém-se semelhante nos mais diversos autores relativamente à importância que atribuem aos computadores ligados à Web e ao papel que estes assumem na nossa sociedade. Estamos por isso na época da internet, época esta que se tem revelado como o período em que o capitalismo atinge o seu auge. Em que seduzimos e somos seduzidos, em que o lema é tudo mostrar, tudo tornar público, o que à primeira vista parece paradoxal uma vez que o media utilizado não coloca as pessoas numa situação de frente a frente. Procuraremos então determinar o lugar da arte da persuasão, tomarmos consciência das ferramentas necessárias ao bom funcionamento do discurso público e procurar descortinar como funciona a internet como meio potenciador de credibilidade no discurso persuasivo.

Entendida a retórica como “arte de persuadir pelo discurso” e de encontrar para cada caso o discurso mais adequado, a retórica da actualidade inclui diversas formas de discurso persuasivo, seja este verbal ou não verbal, tornando-se cada vez mais comum dizer alguma coisa sem palavras, usando apenas uma expressão, uma imagem, uma cor. É usual verificarmos que a concepção comum de retórica está ainda intimamente ligada à arte da persuasão grega, arte esta que é meio de defesa contra a violência, forma de exercício da cidadania e revelação da racionalidade. Procura-se então a retórica apenas no lugar onde talvez fosse mais lógico encontrá-la: nas assembleias, ajuntamentos e tribunais, esquecendo-nos que a mudança de épocas exige uma mudança de vestuário e uma mudança de ferramentas. É, efectivamente, no discurso feito na polis grega que se encontra o germe da retórica actual mas o domínio da retórica do futuro passa também pela utilização de produções não verbais, tais como sons e gráficos. É sobretudo uma retórica que utiliza a cor como forma de apelar directamente às sensações, de trazer à luz necessidades, uma retórica que fala sem que apresente um discurso aparentemente premeditado. Chamar-lhe-emos por isso retórica, por permanecer como forma de persuadir, sendo por isso filha da retórica grega, mas uma retórica da invisibilidade porque esconde as ferramentas que utiliza fazendo crer ao auditório que não há uma preparação no discurso que apresenta. É uma “retórica do desaparecimento” em que o remendo nunca é mostrado, em que a forma de fabrico não é trazida à luz. Uma retórica que prima pela utilização do trabalho de designers e escritores dos sistemas online e em que o objectivo é trazer à luz uma mensagem que prima pela eficácia. Se procurarmos persuadir verbalmente corremos o risco de não nos fazermos ouvir, uma vez que um vasto número de discursos e todos eles de persuasão enchem a sociedade actual. Daí que o apelo às sensações e à emotividade humanas sejam mais apetecíveis. As pessoas preocupam-se com a sua imagem, criam imagens dos outros e dão importância à forma ao aspecto. É uma característica da sociedade de consumo.

Dado que a internet é utilizada sobretudo como meio de aceder a informações que doutro modo estavam indisponíveis especialmente por limitações geográficas, a necessidade de informação pede que nos sejam dadas garantias da fonte de origem e da legitimidade para colocar essas informações disponíveis ao mundo. Consequentemente procuram encontrar-se medidas que assegurem minimamente que a informação a que acedemos é de confiança. Em Janeiro de 1994 existiam 900 sites, em Junho de 1996 já estavam on-line 320 mil veiculando os mais diversos conteúdos, o que coloca o homem face a uma quantidade de informação que ele não está apto para gerir nem sabe como fazer a triagem.

No início da web a situação da confiança nas informações apresentadas não se colocava uma vez que este meio estava exclusivamente reservado à troca de produções intelectuais ou a comunicações militares. Todos os documentos eram credíveis uma vez que não se punham em causa as fontes de proveniência. Não haveria portanto necessidade de persuadir dado que se estava no domínio da ciência e da verdade. Actualmente um número imenso de sites provenientes dos sítios mais diversos e criados por entidades ou indivíduos desconhecidos, põem-nos a braços com a questão da verosimilhança.

Torna-se pois prioritário que os indivíduos descubram uma forma de avaliar as informações que circulam na internet e que para um indivíduo pouco habituado a essas andanças parecem anónimas. Uma das formas mais fáceis de o fazer é tomar atenção ao endereço da página, no qual pode encontrar-se, geralmente, o nome da entidade responsável pela página e a natureza dos seus intuitos. Conforme a terminação do endereço seja “.org”, “.edu”, “.gov” ou “.net” podemos ter a certeza de estar a lidar com uma organização, ver um site de uma universidade americana, estar perante sites governamentais ou ver uma página relacionada com material de internet. Este é apenas o primeiro passo para começar a delinear os contornos do orador que temos perante nós. É, por assim dizer, uma espécie de primeira impressão que temos da página, à semelhança do que acontece quando vemos alguém de passagem. Mas para que alguém se deixe convencer é necessário que a ligação entre persuasor e potencial persuadido seja mais próxima que um mero olhar de relance. Por este motivo é importante que a página inclua mais informações por forma a dotar o orador virtual de autoridade. Perguntas como “Quem é o autor?”, “Que credenciais possui?”, “Está ligado a alguma instituição de renome ?” devem ter resposta na própria página. E o site deve ainda fornecer um meio de constatar a veracidade das afirmações, tais como um endereço físico ao qual se possa recorrer e um número de telefone ou fax a acompanhar o endereço de e-mail. A resposta a perguntas deste género é cada vez mais necessária numa época em que as pessoas procuram fugir da linguagem publicitária e se estima que um número superior a 80% dos sites tenham intuitos comerciais.

A credibilização do site dificilmente pode ser feita sem o recurso ao design pois uma boa apresentação por si só atribui qualidade e profissionalismo. A página deve ser algo agradável de ver, com efeitos visuais adequados à transmissão do conteúdo. A imagem que guardamos de alguém é predominantemente física, mais do que da voz ou atitudes, lembramo-nos da parte visível e só depois de um comportamento ou qualidade de alguém. Ao proferir o nome “António Guterres” uma imagem do primeiro-ministro surge na mente dos portugueses. A nível da percepção tudo começa por uma parte visual daí que seja necessário elaborar cuidadosamente um site para que ele possa aparentar ser credível. Dificilmente acreditaríamos num mendigo que diz ser filho da rainha de Inglaterra; do mesmo modo duvidaríamos se um magnata que vive em deleites afirmasse o seu desapego à vida material. Há estes dois casos uma contradição entre a aparência física e aquilo que se pretende transmitir. Preocupações deste género devem ser tidos em conta numa página on-line mesmo em sites essencialmente preocupados com o conteúdo.

O simbolismo das cores tem sido aplicado desde há vários séculos na história, religião, tradição e superstição. Praticamente todos os povos atribuem às cores determinadas conotações e a utilização global destas ideias só pode ser devida à existência, nos humanos, de uma estrutura que faz com que a sensação da cor seja uma das primeiras a chamar-nos a atenção e a significar algo de uma forma quase imediata.

A ciência considera que duas esferas de subconsciente entram em acção na percepção de uma cor, o subconsciente colectivo e o subconsciente individual. A primeira está separada do indivíduo propriamente dito e a associação das cores é feita por dados acumulados pela experiência humana ao longo da vida. Isto quer dizer que todos vemos a sociedade pintada com as mesmas cores e que, como consequência, todos os indivíduos da mesma cultura reagem de forma semelhante
à exposição a uma determinada cor. Ora quando vemos um site, as cores utilizadas neste vão desencadear uma resposta emocional da parte do utilizador, resposta esta que pode ser, por exemplo, um encorajamento à uma exploração mais aprofundada ou a rejeição de uma determinada ideia.

 O fenómeno da cor é puramente perceptivo mas há algo que as leva a ser encaradas como boas ou más e isto vai influenciar a forma como vai ser visto o site. Não é por acaso que sites como o da Microsoft ou da Disney revelem uma esmerada preocupação com a escolha das cores. Provavelmente foram feitas pesquisas demoradas para assegurarem que as cores escolhidas iam originar a resposta pretendida.

Constatou Damásio ao observar um dos seus doentes que uma ausência da capacidade de sentir emoções provocara uma incapacidade de resolver de forma adequada pequenos problemas de ordem prática. Assim compreende-se que tomar uma decisão de cabeça fria não quer dizer fazê-lo na ausência de emoções mas sim com uma conjugação entre estas e a razão. Torna-se por este motivo importante conceber um site atractivo.

Refira-se, a título de exemplo, o site da MTN (www.mtnsms.com) que permite enviar mensagens gratuitas para telemóveis e que deixa à responsabilidade do utilizador do site a definição da cor de fundo, o que permite que cada usuário veja o site com a cor com que vê o seu mundo. Assim, além de trabalhar num ambiente mais agradável, o utilizador vê-se como único - apesar de as cores disponíveis serem poucas e portanto em todo o mundo estarem imensas pessoas a utilizar a mesma cor que ele. É a primazia da cor que se salienta, dando força a um texto curto e incisivo, uma imagem forte que aparece e origina a transmissão da mensagem de forma eficaz.

Neste caso das cores estamos no domínio emocional o que não quer dizer que toda a persuasão seja uma manipulação. Optámos antes por seguir a ideia de António Damásio (citado por Américo de Sousa, A persuasão, página 172) quando diz que uma exclusão das emoções e dos sentimentos de uma concepção geral da mente não lhe parece sensato. De forma semelhante não nos parece sensato continuar a exorcizar estes dois constituintes da mente humana da retórica.

 Os textos deixam de seguir a estrutura grega de exórdio, narração, confirmação, digressão e peroração para estarem divididos em partes e permitir ao visitante da página percorrer o texto como ele quer - isto aparentemente. Porque na realidade o webdesigner coloca uma hierarquia de links de forma a que o mais apelativo seja o que deve ser visto primeiro e que dá a informação essencial e o menos visto seja o que fornece uma informação filtrada pois só a lê, em princípio, quem passou pelas outras fases.

Associa-se também a credibilidade à tradição. Pode acreditar-se em algo que perdura. Na internet o mesmo se passa. Perde toda a credibilidade um site que permanece pouco tempo on-line, muda constantemente de endereço, é de difícil acesso ou que está ligado a sites que deixaram de existir.

Tal como na retórica grega, o auditório tem lugar de destaque, uma vez que é a este se dirige a mensagem e é deste que se espera uma tomada de posição ou uma mudança de opinião. A divisão grega dos discursos em três tipos, tantos quantos os tipos de auditório, mostra-nos que, de facto, os gregos foram os primeiros a fazer um estudo de mercado e a determinar com bastante precisão o público alvo de cada discurso. Na nossa era, as novas tecnologias trazem consigo uma maior possibilidade de delimitação daquele que é o público alvo de um discurso, factor que não deixa de ser importante uma vez que devido à rapidez de circulação de mensagens na sociedade actual, o número de apelos a que estamos expostos é cada vez maior. Isto obriga os oradores de hoje a uma preocupação acrescida com a eficácia, sobretudo porque um discurso que não seja adequado ao público a que se destina origina prejuízos, especialmente na retórica publicitária. Importa portanto, se queremos ser vistos ou ouvidos, compreendermos como pensa o nosso auditório e ir encontrá-lo, para o persuadirmos, no patamar em que ele se está.

Não há discurso público sem orador e sem auditório. Na retórica digital ambos estão fisicamente ausentes, o que faz com que seja ainda mais importante estabelecer um elo de proximidade e empatia entre os dois por forma a estabelecer os dois pólos necessários à realização do convencimento: de um lado uma figura persuasora, do outro alguém predisposto a ser persuadido. A questão essencial nesta retórica dos novos media está em dotar de autoridade a pessoa do orador.

A importância de credibilizar um site ganha importância sobretudo por dois factores que entram em colisão: a necessidade de encontrar informações fiáveis sem despender muito tempo e, por outro lado, a ausência de regras ou leis que fiscalizem os conteúdos veiculados. A natureza da Internet permite a troca de informação sem limitações, especialmente de ordem física, o que permite que estejam disponíveis sites propagandísticos, de auto-promoção ou simplesmente comerciais. Não há leis que façam uma separação entre o que é totalmente informativo ou o que procura persuadir, e muito menos dentro destes existe uma separação entre uma boa e uma má persuasão, entre uma tentativa de procurar mudar comportamentos e atitudes de uma forma racional e uma persuasão puramente propagandística onde os dísticos e slogans fazem um apelo directo ao subconsciente.

De referir também é que, tal como diz McLuhan, não há meios invisíveis, e por isso a Internet ajuda à transmissão das mensagens porque é considerada uma tecnologia do futuro o que imprime ao nosso discurso credibilidade. Usamos portanto um meio que ajuda ao estabelecimento do ethos do orador que é, nestes casos, a entidade responsável pelo site, ethos este que é essencial porque desperta no auditório uma maior predisposição para ser persuadido. Temos então uma sociedade do futuro com uma retórica da ausência uma vez que orador e auditório não estão numa situação de frente a frente. O pathos é conseguido sobretudo recorrendo às propriedades das cores, o logos é a junção do texto com o design da página em que é apresentada.

Seguindo o pensamento do autor, “o media é a mensagem”. Deste modo se soubermos utilizar o código adequado, podemos alinhar a mensagem com o meio de comunicação de forma se tornem um. Uma das regras a ter em conta neste novo media é a da economia da significação que consiste em optimizar a eficiência da mensagem e de a adaptar às necessidades do meio de comunicação com o mínimo de esforços de forma a obter a maximização dos efeitos, que é alcançar da melhor forma aquele que consideramos como o nosso auditório. Este objectivo implica uma mensagem com um número relativamente restrito de signos que expressem muita informação e também já é conhecido que a capacidade de transmitir uma ideia através de imagens e sinais torna a nossa mensagem mais atraente.

O intelecto humano julga estar alerta contra todas as formas de persuasão e por isso a web utiliza a melhor de todas: a utilização de um discurso que entra disfarçadamente através de um apelo às sensações humanas, ficando por isso arraigado ao indivíduo.

A ausência de leis que façam uma triagem ao conteúdo dos sites justifica-se por uma incapacidade de se poder legislar mundialmente e de forma única todos os sites, o que tem originado que, se até agora determinados conteúdos não podiam ser colocados disponíveis a partir de um determinado país, fossem filiar-se num outro com uma legislação mais permissiva. Além disso a internet prima pela defesa da liberdade de acesso a todas as fontes de informação ou desinformação.

Apesar de termos referido algumas das ferramentas à disposição do webdesigner, não é nossa intenção mostrar a retórica digital como um receituário que mostra qual a ferramenta indicada para persuadir cada auditório, pois desse modo estaríamos a confinar a retórica ao papel de arte das figuras. Continuarão a existir, com alguma certeza, bons e maus usos da retórica na web mas o importante é sermos capazes de começar a desvelar o caminho que a retórica se prepara para trilhar, com uma predisposição para descobrirmos as ferramentas agora à nossa disposição.