LINGUAGEM E MODERNIDADE

Comunicabilidade da experiência e convenções de representação nas sociedades mediatizadas

(Tese de Mestrado em Ciências da Comunicação)


Gil António Baptista Ferreira, Universidade da Beira Interior


Janeiro de 2000

(Introdução; Capítulo I; Capítulo II; Capítulo III; Conclusão; Bibliografia)

Capítulo Quarto

LINGUAGEM E INFORMAÇÃO DE MASSA


Face aos pressupostos anteriores, sem dúvida que se torna pertinente dirigir o presente estudo para essa forma de linguagem que se insere na muito mais vasta problemática da cultura de massa. Todavia, e para além do exército de autómatos que eventuais exageros ortodoxos possam ver na massa enquanto classe, para os presentes propósitos é incontornável observar afinidades existentes no mais fundo da sua estrutura psicológica, que conduzam uma melhor compreensão da linguagem dos media, essencialmente massificada.

Como vimos antes, condições históricas específicas, iniciadas decerto com a revolução guttenberguiana e continuadas com o crescente processo de urbanização de populações eminentemente rurais, tiveram como consequência, a partir do século XIX, o desencadear de uma autêntica democratização cultural; se num primeiro momento essas consequências se repercutiram a um nível quantitativo, em breve acarretariam profundas transformações qualitativas. É neste sentido que Walter Benjamin, no ensaio sobre a obra de arte, remete em nota para uma percepção de Aldous Huxley que constata isso: «Os progressos técnicos conduziram à vulgaridade. (...) A escolarização, em geral, e os ordenados relativamente altos, criaram um grande público que sabe ler e pode adquirir material escrito ou ilustrado. Para o disponibilizar, estabeleceu-se uma indústria significativa. Mas o dom da arte é algo raro; daí resulta... que, em cada momento e lugar, a maior parte da produção artística tenha sido de qualidade inferior.»1 Crescente igualdade de condição e expansão educacional levariam pois à perda de qualidade e popularização do conteúdo.


Mediatizada construção da realidade

Há diversos traços do processo de constituição da massa que vale a pena reunir neste momento, para estabelecermos um pouco a enciclopédia da sua relação com a linguagem. Em primeiro lugar, embora das proveniências mais diversas, as pessoas enquanto todo tendem a perder quaisquer vestígios culturais genuínos; agora desenraizados, criatividade e diferenciação são-lhe não só desencorajadas mas progressivamente anuladas.

Consideramos a massa como composta por um público semi-culto, geralmente urbano, com um largo espectro social e composto na sua maioria pelas classes intermédias das cidades. Mas são sobretudo indivíduos na sua maioria deslocados das suas comunidades de origem e dos seus grupos locais e culturais de referência, que os coloca numa situação de grande fragilidade: face à perda de raízes e à opacidade das normas reguladoras do controlo e solidariedade sociais, que exigem um esforço extremo de ajustamento a novas condições sociais e culturais. É em virtude deste processo que se dá o declínio das redes de sociabilidade intermédias, que ligavam o indivíduo aos centros de decisão (política, económica, cultural, etc.), estes cada vez menos acessíveis à influência do indivíduo.2 Ora, as redes de sociabilidade são precisamente o ponto sensível do funcionamento dos públicos, e assumem relevância essencial para a compreensão do novo estatuto reservado ao indivíduo: «Frouxas, distantes, superficiais e burocratizadas. São elas que estão na origem da diluição dos públicos e da emergência da massa.»3

O resultado deste processo é que, pela elitização, racionalização e especialização das “formas de conhecimento” – de que resulta o inevitável fosso entre decisores e população em geral -, os indivíduos apresentam-se com uma peculiaridade: formam um grupo para o qual o tédio é já um ingrediente do quotidiano.4 Ora, precisamente o tédio é essencial em qualquer processo de assimilação – onde o estado psíquico ideal é a descontracção, de que o tédio é o ponto alto. Numa extraordinária e vigorosa imagem de Benjamin, «tédio é o pássaro de sonho que choca os ovos da experiência. O simples sussurrar da folhagem afugenta-o.»5 Porém, nas sociedades modernas e sobretudo nos meios urbanos, dá-se o desaparecimento daquelas actividades intimamente ligadas ao tédio (que constituíam o ninho do fundamental ‘pássaro’, agora em vias de extinção). Não suportamos já estar desocupados, e custa cada vez mais ouvir aquelas histórias em que «a experiência anda de boca em boca», ‘tecendo’ e ‘fiando’ uma ‘rede de embalar’; uma rede que, também ela, «está hoje a desfazer-se por todas as pontas».6 Há demasiado barulho, demasiada agitação inconsequente.

Enfim, em breves traços, a massa entende-se como larguíssima faixa social carecida de uma tradição cultural própria (sem experiências para trocar), e por isso disponível e sobremaneira receptiva ao preenchimento de tal vazio. Muito embora se reconheçam na massa algumas concepções sectoriais - nas quais as diversas formas de cultura de classe, as minorias étnicas e os grupos etários tenderiam a subdividir ou fragmentar o todo, estabelecendo contínuas contradições - a ideia de cultura (estendida pelos seus diversos domínios sociais) tende paradoxalmente a homogeneizar-se. Na circulação dos diversos produtos, materiais ou simbólicos, de consumo material ou psíquico, a ideia de cultura dirige-se geralmente para consensos e práticas sociais maioritárias. Por isso mesmo, o carácter superficial e informe (e por isso massificante) deste tipo de cultura, não dirigido de modo algum das mas antes inteiramente para a massa.7 Massa que aqui surge como conjunto de receptores, porém mais no sentido de um alvo a atingir do que de sujeito esclarecido ou a esclarecer, mais como uma média estatística do que como alguém activo ou interveniente. Em consequência, também domínios antes regidos pela lógica da reflexão e do confronto (da negatividade), se subordinam agora a uma lógica cada vez mais operante, a lógica da produção dirigida ao posterior consumo. E então, «sob o a priori da comercialização, aquilo que vive é enquanto isso mesmo transformado em coisa, em bem de equipamento.»8 De forma mais directa, «publicidade e indústria cultural fundem-se uma na outra.»9


Ora, a linguagem do cientificismo, sobre a qual falámos antes, correspondia justamente às necessidades da massa que havia perdido o seu lugar no mundo e estava por isso receptiva ao «falso mundo das coerências, mais adequado às necessidades da mente humana do que à própria realidade».10 Esvaziada a sociabilidade concreta, o seu lugar é preenchido pelas modalidades mediáticas abstractas, que passam a compor grande parte do mundo a que se tem acesso. É neste sentido que Arendt afirma haver «uma antiga ligação entre o cientificismo e o aparecimento das massas.»11 Daí ainda a tese de que o totalitarismo seria apenas o último estágio de um processo durante o qual a ciência se havia tornado o ídolo salvador e transformador da natureza do homem.12

A longa crítica que Kraus moveu à linguagem dos media, tidos como representantes duma ditadura da razão instrumental, assenta em que «tudo o que hoje se diz e se escreve, mesmo por parte dos especialistas, transformou a linguagem no refugo de uma época que vai buscar ao jornal os seus acontecimentos e experiências, aquilo que é e aquilo que vale».13 Em 1921 Kraus dizia como «no princípio era a imprensa e depois apareceu o mundo»;14 mas já antes, então com a Primeira Grande Guerra como horizonte próximo, avisara que «se a imprensa traz mentiras sobre horrores, nascem horrores, porque existe uma imprensa que os inventou e os deplora».15 Ao crítico vienense era clara a intuição de que a vida não passava de uma cópia da imprensa, e que esta era, acima de tudo, acontecimento. Ora, como Adorno tão bem apercebeu, o indivíduo não é apenas «substracto biológico», mas também «a forma que reflecte o processo social.»16 Por conseguinte, a redefinição de valores foi tão só uma consequência deste processo, que aos poucos se estendeu pelos diversos domínios do social, desde o político ao cultural ou ao religioso; isolando a massa do mundo real, os movimentos totalitários invocavam em substituição um falso mundo de coerências e explicações (e um dos aspectos das histórias – como experiência – é serem tão mais úteis quanto mais desprovidas vierem de explicações, dizia Benjamin no texto “O Narrador”). Aqui poderia a massa desarraigada sentir-se à vontade, evitar os «eternos golpes que a vida e as experiência verdadeiras infligem aos seres humanos e às suas expectativas»,17 que dão que pensar. É isto que detém qualquer abordagem de tipo hermenêutico (que seria a exploração do ‘infinito’, a experiência que remete para a experiência), e que ao invés apela antes para a existência travada e embaraçada do ‘pensamento único’. Nenhuma palavra poderá alguma vez dizer o que é, ou o que existe ou o que esconde para além disso.

É neste contexto que a imprensa surge como o primeiro alvo predilecto e obsessivo da crítica da linguagem de massa, na medida em que se assume como símbolo máximo do conjunto dos mecanismos que usam a linguagem numa perspectiva puramente instrumental, dirigida a um fim específico. A linguagem, em si mesma, converte-se então em bem de consumo.18 Com uma função central: o estabelecimento tácito de quem ‘prevalece no grupo’, de quem está ‘por dentro’, sendo então a chave fundamental de correntes de gosto e de estado de espírito. Em traços simplificados e ideais, trata-se aqui de um processo em que, à partida, um indivíduo desenvolve um estilo particular de expressão interpessoal; então, ou é aprovado ou é ignorado pelo grupo que o rodeia. São os massificados grupos que decidem, em grande medida, quais os gostos, habilidades e palavras surgidas no seu círculo que hão-se ser aprovadas; seleccionam ainda as alternativas que circularão nos meios de comunicação de massa, como eventual forma de publicitação. É então que no vasto e abrangente domínio dos media circula um ‘domesticado’ jogo de imagens, muitas delas existentes tão só no jogo que as engendrou.

Nesta condição, há ‘sinais’ inteligíveis, e eles são dados por muitas palavras e por alguns gestos. Dizem-se coisas leves, graciosas, terríveis, definitivas. Ora, se pelas palavras se exerce o poder, também delas os utilizadores são vítimas: «Enquanto aprendem a agarrar-se desesperadamente às palavras (...) aprendem ao mesmo tempo a não confiar nelas.»19 Com efeito, os veredictos dos grupos são com frequência ambíguos; nas palavras que ainda permanecem, cada vez o seu significado é mais vago e afastado da origem. A constatação da consequente frialdade das palavras, uma posição que atravessa as teses desde Kraus até a Adorno e outros elementos afins do Instituto de Pesquisa Social, consumou a acusação da destruição da linguagem, baseada na supressão da possibilidade de experiência do mundo.20 Ora, cada vez mais seria assim: o problema principal que Benjamin enunciava no texto de 1936 (O Narrador) era o da separação do narrador da palavra tecida na experiência comum do confronto, e de essa separação corresponder a um empobrecimento ou a um enfraquecimento da própria experiência, e consequentemente a um vazio de histórias. Mas – e voltamos à tese de Arendt – essa fuga à realidade mais não é que uma verdadeira obsessão da massa; já sem lugar no mundo acidental e incompreensível, uma opção seria «curvar-se ante a coerência mais rígida e fantasticamente fictícia de uma ideologia»,21 a salvo das contradições das experiências verdadeiras. Cada palavra e gesto será depois disso demasiado convencional, não significa muitas vezes praticamente nada.


Dos conteúdos

A arguta percepção de Karl Kraus em relação à dimensão dos processos de mercantilização da linguagem - que mais tarde Adorno e Horkheimer viriam a sintetizar na mais abrangente fórmula da indústria da cultura - levou-o a observar como ao ser tirada da contemplatividade que não dá pão, a vida intelectual em que se debatia cada questão pública era suplantada pelos interesses mercantis e assim conduzida a uma profissão social.22 E é neste sentido que, para fixar os conteúdos desta forma de linguagem de massa, que Kraus tão bem reconhecia na imprensa (e também na literatura, de que era de igual modo crítico), há a procura da sua sintonia com as solicitações dos consumidores, há o esforço de compatibilização integral com os anseios, com situações previamente adquiridas. E assim Adorno intui: «Não mais haverá verdadeiro conflito a ser visto».23 Os conteúdos, agora entendidos sob a óptica de produtos, são nivelados em ordem ao destinatário, sendo este convertido na moderna figura de audiências. E essa adequação, lembra-nos Hauser, dá-se mais por omissão: «[os produtos da sociedade de massa] dirigem-se a todos indiscriminadamente, desejam satisfazer todos, não magoar os sentimentos de cada um; têm que manter os seus clientes. (...) essencial é que certos temas não devam ser tratados ou sequer aflorados.»24 Os anseios a satisfazer não exigem qualquer mediação reflexiva – a explicação está à vista, e dispensa o ‘envolvimento’, a experiência com o narrado de que falava Benjamin -, e, à superfície, sem qualquer resistência, impõe-se a quimera do entendimento. Nos anos que se seguiram à Primeira Grande Guerra, dirigia Kraus a sua crítica ao jornalismo com a profética tese de que «a Entente deixou ficar o trabalho a meio». As condições que levaram à guerra continuavam para além do seu fim, este mais fictício que real; por esta intuição era Kraus censurado, pela obsessão por um tema que teria (?) perdido actualidade, a guerra. Em resposta, escreveu Kraus: «Para não terem que imaginar isso, e não serem mais capazes de o imaginar, leram-no; e por isso esqueceram-no mais depressa que se nunca o tivessem lido. (...) Mas ouço as maldições de um milénio que não suspeitará de que os seus rugidos não são senão o eco de todas as manchetes a que o nosso tempo deu ouvidos.»25 A perda de actualidade que a Primeira Guerra teria sofrido ao tempo de Kraus radica justamente no conceito do ‘novo’, que por ora apenas antecipamos. Um conceito que, nas palavras de Adorno, «parece ser a fórmula que permite extrair do horror e do desespero a sua parte de estimulante. Ela [a fórmula] transforma o mal em flor.»26

É este um dos perigos que Adorno intuiria na linguagem dos media, uma ameaça centrada nos conteúdos que fornecem e também na forma como são recebidos. Adorno referia-se, neste caso, a esses «produtos televisivos» que aparentam debater, discutir e apresentar problemas. Ora, estes problemas são oferecidos como sendo as questões essenciais para as pessoas e são depois reflectidos por autoridades qualificadas e reconhecidas que, com prestável bondade, nos fornecem sempre a melhor solução. É esta uma das formas que assume a manipulação ideológica associada aos media: os media fornecem os modelos e os arquétipos de uma vida ideal, generosamente acompanhados pelo conjunto das formas de resolução das contradições que encerram.27 Enfim, retomava então Adorno a percepção anterior do «novo procurado por si mesmo, produzido por assim dizer em laboratório, petrificado num esquema conceptual»,28 mas também retorno inevitável do anterior, num processo ‘industrializado’ que adiante importará aprofundar.

Deve dizer-se ainda que os consumidores (chamemo-lhes assim...) não têm qualquer participação directa no processo da produção dos conteúdos. Não existe sequer margem para qualquer imprevisto neste implacável ciclo de produção, um ciclo muito mais interessado em se perpetuar como ciclo fechado do que em estimular a abertura da eventual pergunta (gadameriana), aqui geradora de inconveniente confronto. Numa violenta alusão ao fascismo, dá Adorno conta do impotente papel do indivíduo, há muito privado de espontaneidade ou autonomia, e que como passivo consumidor se limita a sustentar o bem preparado status quo vigente. «A propaganda fascista tem apenas que reproduzir a mentalidade existente em acordo com os seus próprios propósitos – não precisa de introduzir qualquer mudança.»29 Proporcionar à massa alternativas é gerador de confronto e tende a educar o critério: assim, faz parte da planificação social que a massa reproduza, de certo modo, só o que representa fidelidade e conexão interna dos indivíduos com o sistema. Nesse sentido, a vaga atenção que a massa disponibiliza é tão só prestada aos conteúdos repetidos, estereotipados e vazios de significado.30


Conhecimento pelo reconhecimento

De anteriores teses avançadas, de novo emergiu a posição que concebe o acto de compreender (pela linguagem) como a decisiva experiência que conjuga pelo menos dois momentos, a novidade e a repetição; de modo mais ou menos visível, esta tem sido a percepção orientadora do presente trabalho. Não reivindicando, no limite, nenhuma originalidade na repetição da novidade (veja-se, a este propósito, a dialéctica do evento e significação que propõe Ricoeur e a polaridade da identificação e da predicação universal),31 podemos porém defender a razão de ser de uma insistência quotidiana (actualização), no pressuposto de que a repetição do mesmo nunca é exactamente um processo de simples reprodução de uma identidade prévia e plenamente fixada: repete-se para ganhar identidade, mas, ao repetirmos, estamos a criar um novo contexto em que essa identidade se altera, e, paradoxalmente, nunca é portanto repetição de um mesmo – posição esta deliberadamente instrumental da linguagem.

Mas chegados a este momento constatamos como sem dúvida alguma o segundo elemento - a repetição - é especialmente valorizado na sociedade de massa, como aliás temos já sugerido. Ora, o que verificamos é que há dois movimentos convergentes que é preciso ter em conta: tanto por um lado, com a exaltação do repetido (predicação universal de Ricoeur), se vê extraordinariamente facilitada a missão dos produtores de conteúdos, como pelo outro a passividade dos receptores se acomoda sem ‘luta’, estranheza ou espanto às expectativas. Ao usar o factor repetição no sentido da estandardização do conteúdo, da estabilização do receptor e da imediatez de uma pseudo-compreensão, a sociedade (ou indústria cultural) «pode dispor da individualidade de forma tão eficaz tão só porque nesta se reproduz desde sempre a ínfima fractura da sociedade. Nos rostos dos heróis do cinema e nos dos indivíduos, confeccionados a partir das capas dos semanários, desvanece-se uma aparência».32 E assim dispensa o indivíduo o emancipador esforço da individuação, um esforço que com paradoxal felicidade substituiu pelo outro da imitação (predicação sem identificação). Aquele espaço privado e interior – e fundamental, como temos visto, para a formação do espírito – é no mínimo invadido, e, nas palavras de Herbert Marcuse, processos de «introjecção» cederam o lugar a «reacções mecânicas». O resultado é não qualquer ajustamento (confronto, dialéctica), mas antes uma mimesis que se verifica numa identificação do individual com a sociedade. E assim se dissolve aquela essencial (porque emancipadora) dimensão do espírito, «em que o poder do pensamento negativo – o poder crítico da Razão – está em casa».33 Arnold Hauser mostra como podemos, paralelamente, ver a expressão resumida deste aspecto no domínio da arte: «O que marca a comercialização da arte na época da cultura de massa [é] (...) a noção de se encontrar uma fórmula pela qual o mesmo tipo de coisas possa ser vendido ao mesmo tipo de público na maior escala possível. (...) Os factos a serem notados, as questões a serem decididas, as soluções a serem adoptadas são servidas às pessoas de forma a serem engolidos inteiros.»34

O estereótipo é a forma por excelência do discurso que se estende pela cultura de massa. Ao assumir-se como produto dos media, ele traduz um falso senso comum e é o sintoma de um nivelamento cultural a uma escala sem precedentes. Usado na imprensa, tem uma função precisa, segundo Kraus: confere uma forma universal à expressão de interesses privados. Com efeito, na primeira página da Fackel, em Abril do ano de 1899, Kraus iniciava desde logo o longo combate à estereotipização das formas linguísticas, formas universais mas vazias, sem tradição, sabedoria e experiência, numa repetição que rejeita ao indivíduo a possibilidade de uma relação autêntica com o mundo. «O que aqui se planeia não é mais do que a drenagem do vasto pântano dos lugares-comuns»,35 dizia Kraus com clareza. Lugares-comuns que reproduzem uma certa mentalidade que se perpetua continuamente, como notava Adorno: «a compulsiva repetição que é uma das suas [do fascismo] mais importantes características contribui necessariamente para essa reprodução.»36

Podemos, com naturais reservas, retomar aqui o tema do duplo (velha problemática que ganhou especial acuidade e conotação no século passado e que hoje se acelera em domínios diversos do social, como as clonagens múltiplas ou as imitações desenfreadas no mundo espectáculo), mas um duplo agora indutor de unidade, e que por isso vai viciando à partida a estabilidade do primeiro e a identidade do segundo. Como há repetição, obviamente não se pode dizer que haja verdadeira inovação. A esta luz, assume ainda relevo a observação de Frederic Jameson sobre este fenómeno: «o público atomizado ou serial da cultura de massas quer voltar a ver sempre a mesma coisa, daí a permanência da estrutura e do sinal genéricos.»37 A incapacidade dos media em angariar outra autonomia estética e formal que transcenda a simples variação terá assim menos a ver com o talento das pessoas envolvidas (muito embora também elas sujeitas a algum esgotamento pelas crescentes exigências quantitativas de material e de ritmo de produção), e residirá sobretudo na “nossa” predisposição para a repetição.

Os múltiplos fenómenos de recorrência ou repetição somam-se depois às convenções sociais, associadas quer à narrativa ou ao conteúdo em si, quer aos hábitos de consumo; e assim formam aquilo a que genericamente Jameson chamou formato. Qualquer análise dos media na actualidade - que vem constituindo o núcleo dos estudos culturais contemporâneos - terá inevitavelmente tal constatação como premissa. Todo o processo é amplo e insere-se, no fundo, na promessa que constituiu o projecto emancipador da modernidade; porém, partindo de um mesmo núcleo programático, cada configuração assume o rosto do arcaico, do anterior. Daí que Adorno diga que «Tristão, vestido em meados do século XIX como obelisco da modernidade, é ao mesmo tempo o monumento erigido à convulsão da repetição.»38 Necessariamente, há a concluir a ambiguidade do novo, justamente a partir do momento em que procede à repetição do choque e à correspondente transformação desse choque em bem de consumo.39

A cultura actual é fértil em demonstrações deste processo, que numa abordagem crítica se mostram pertinentes. «Em geral, a cultura dos media forma um sistema de cultura organizado em acordo com as variadas indústrias, tipos, géneros, subgéneros, e ciclos de géneros. Segue o modelo da produção industrial e está dividido em géneros com as suas próprias regras, convenções e fórmulas. O filme, por exemplo, está dividido em géneros como o filme de horror, filme de guerra, musical, comédias, e por aí em diante, com as suas próprias convenções distintivas, formas, temas e gostos.»40 Um exercício que, recordemos, corresponde ao carácter de montagem e fabricação planificada dos produtos culturais como o haviam identificado Adorno e Horkheimer, produtos que de antemão assim se prestavam à ‘publicidade’. Nesta ‘publicitação’, a influência da ‘repetição’ através do ‘formato’ na cultura de massa foi decisiva. Os discursos genéricos clássicos – romance, lírica, tragédia, comédia, etc. – continuam uma vigorosa existência póstuma na cultura de massa. As distinções entre géneros agora sub-genéricos massificados em hipermercados, livrarias ou aeroportos, reforça todas as anteriores catalogações: romance histórico, best-seller, livro policial, ficção científica ou biografia, o mesmo acontecendo com a produção e comercialização de filmes (comerciais).

Em suma, cada elemento que vise ‘circular’ terá que se ‘encaixar’ na estereotipificação e reprodução genéricas usuais.41 E voltamos agora, uma vez mais, à antiga ligação entre o cientificismo e o aparecimento da massa: assim se dissolve a incómoda imprevisibilidade das acções e da conduta do indivíduo. Arendt cita o exemplo de Enfantin, que pressentia a chegada do «tempo em que a arte de movimentar as massas estará tão perfeitamente desenvolvida que o pintor, o músico e o poeta terão o poder de agradar e comover com a mesma certeza com que os matemáticos resolvem um problema geométrico ou um químico analisa qualquer substância.»42 Há pois um horizonte de expectativa mais ou menos estereotipado que abrange tanto conteúdos como formatos, qualquer necessidade de reajustamento desse horizonte provocará, em acordo com as teses da Teoria Crítica, pelo menos consternação. «Geralmente, não há escolha possível, e [as pessoas] ficam bastante contentes por não haver nenhuma».43 Inversamente à estrutura hermenêutica da compreensão, aqui procura-se a positividade da experiência sem a negatividade da pergunta - cuja resposta levaria ao correspondente reajustamento do horizonte. Dilui-se aquele impulso que representava o que não se queria integrar nas opiniões prévias, e que movia o indivíduo a novas experiências. Na posição adorniana, seria o fim do conflito, daquele momento através do qual a substância intra-temporal das coisas se estabelecia nas acções ou realizações; «o conflito [que] concentra o passado e o futuro no presente».44

‘Normalizando’ cada produto em acordo ao ‘consumidor’, os conflitos foram substituídos agora pelos sucedâneos choques e sensações («O fascismo é a sensação absoluta»,45 dirá noutro momento Adorno parafraseando Goebbels), que – apenas - aparentemente não têm reais consequências. Recorde-se neste contexto como já antes Hauser havia referido o modo de vida citadino como paradoxalmente «agitado e sedento de sensações»,46 caracterização que aqui assume especial relevância. Subtilmente, tais produtos vão-se impondo, mais em termos de episódios e aventuras que sob a forma de actos: pretende-se que seja desnecessário recordar qualquer coisa já passada, ou a concentração em algo mais que o apresentado, a vida é descrita em termos de uma «sucessão intemporal de choques entre os quais há intervalos (...) vazios e paralisados.»47 Por fim, «o consumidor é reduzido ao abstracto presente».48 Contudo, e aqui reside a peculiaridade deste processo, esta decomposição da figura do sujeito é acompanhada pelo seu abandono ao «sempre idêntico sempre outro»,49 em que a experiência essencial do ‘choque’ se transforma em normalizado bem de consumo.

Esta situação tem necessariamente importantes consequências também para uma análise da cultura de massa: é que, deste modo, numa lógica de repetição, qualquer conteúdo «só pode ter lugar pela segunda vez». Se o conceito de repetição assim entendido, na sua forma moderna, remonta já a Kierkegaard, viria conhecer reelaborações ricas e interessantes com Jean Baudrillard, para quem a estrutura repetitiva daquilo a que se chama simulacro (repetição de cópias que não têm original) caracteriza a produção de objectos de consumo que marcam o nosso mundo de objectos com uma irrealidade e uma ausência à deriva do referente, sem qualquer semelhança com o que quer que seja da anterior experiência socialmente formada.50 É nesta linha que observa Jameson que «não existe uma ‘primeira vez’ da repetição, nenhum ‘original’ de que sucessivas repetições sejam simples cópias.»51 E assim não faz qualquer sentido tentar recuperar uma impressão do texto «original», o qual ou é inexistente ou se volatiliza na repetição. É esta ideia que formula Adorno de modo lapidar num dos densos fragmentos da Minima Moralia, mostrando o carácter ambivalente da modernidade: «O culto do novo, e por consequência, a ideia da modernidade, é uma revolta contra o facto de nada já haver de novo. A semelhança entre todos os bens produzidos mecanicamente, a rede de integração social que aprisiona os objectos ao mesmo tempo que o olhar que os assimila, transforma tudo o que chega em qualquer coisa já vista, em exemplar acidental de um género, em duplo do modelo.»52


Afigura-se assim importante a análise do conteúdo da repetição, da duplicidade e da sua natureza: que repetem os produtos da cultura de massa, que energia e que vida ecoa neles? Com efeito, observámos já que «a esfera do que não foi previamente pensado, do não-intencional, a única que permite o florescer das intenções, essa esfera parece gasta. É com ela que sonha a ideia do novo. Inacessível, o novo instala-se a si mesmo no lugar do deus destronado, na atitude de quem toma consciência do declínio da experiência.»53 Assim, e segundo Jameson, se repetem os produtos a si mesmos ininterruptamente, numa repetição de que não recuperamos a origem, esse «texto primário [agora] volatilizado». Quando – continua Jameson - a sós ligamos o rádio, «tanto se nos dá que seja este ou aquele o título da canção que está a ser passada: antes é a sensação do já ter ouvido que nos importa, uma sensação que traz o conforto e a familiaridade que buscávamos, num meio sono desguarnecido onde espreitam os perigos do que alguém chamou já como a “colonização do ócio”».54 Do essencial temos, aparentemente, tão só contínuas e pequenas imagens formatadas e padronizadas à semelhança de uma essência qualquer primária, sob a forma de “produtos” de fácil transmissão e “consumo”. Mas, «resumir o essencial é falsear a essência.»55

Outra consequência neste ponto subentendida levar-nos-à aqui a um tom recapitulativo. Descurando embora na presente análise a posição de Jameson face à estética modernista, verificamos que defende também ele como a cultura de massa manifesta essencial tendência para a instrumentalização e para se deixar apropriar como mercadoria, como simples objecto de consumo que afinal é. Afirma ainda que tal apropriação se verifica precisamente na linguagem, nada impedindo que se converta em instrumento de dominação ideológica. E é aí que se situa precisamente a função manipuladora da cultura de massa: na repressão das ansiedades e das preocupações sociais «através da construção narrativa de soluções imaginárias e da projecção de uma ilusão óptica de harmonia social.»56 Ou seja, quase sempre pela afirmação (repetida) do já conhecido sobre a novidade, ou antes ainda, do status quo sobre a mudança. Num outro momento mas neste mesmo sentido, também Adorno afirmara já como «tudo o que não pode ser reconhecido, assumido e verificado é rejeitado (...) como subjectivo em sentido pejorativo».57

O processo é equivalente no que à linguagem e suas manifestações se refere. Daí a implantação pelos géneros populares (de massa) de ciclos genéricos, cuja pretensão mais não é que projectar de forma contínua e fechada as fórmulas bem sucedidas junto da massa.58 No limite, a tese de Horkheimer propicia as mais catastróficas leituras: «Todas as coisas e todas as pessoas são classificadas e etiquetadas», cada palavra e cada pensamento tornou-se um instrumento, um utensílio: a própria razão teria perdido a autonomia, transformada em instrumento. E nada se presta tanto à manipulação ideológica e à propagação das mais flagrantes mentiras como a razão mutilada, acrescenta ainda.59


O homem informado

Observámos que o cidadão se converte de idealizado sujeito de uma opinião esclarecida em consumidor ávido de produtos discursivos. Acima de tudo é preciso ‘comunicar’. Marca bem evidente disso é a dependência que a partir de determinado momento as diversas instâncias sociais passaram a sentir em relação à máquina discursiva dos media. Nos media, «todos os restantes campos sociais se reflectem como num espelho, não podendo as dimensões da prática social prescindir do seu contributo.»60 Deste modo, a principal e primeira mensagem veiculada pelos media (e das poucas inequivocamente verdadeiras, como veremos noutro momento) é a importância da ‘comunicação’; as ‘varandas’ mais mediatizadas constituem o espaço central, e em seu torno se deve organizar a sociedade.

Cada vez mais a ‘comunicação’ assume a ilusória forma de incentivo a um desempenho: pululam as emissões com supostos debates e trocas de opinião, em que se mitifica a variada participação do público. Pouco a pouco, instala-se um peculiar sistema, alargado e selectivo: nele é preferida a boa mensagem, a facilmente comunicável e enunciável, e, se possível, com opinião previamente fornecida sobre qualquer que seja o conteúdo.61 Mas além disto, a nossa opinião é ainda assim constantemente solicitada – mesmo sobre o assunto mais diverso, somos chamados a “opinar”. Muito embora sem a pretensão de obter a verdade: apenas são pretendidos pontos de vista, cada um oferece a sua contribuição e em conjunto construir-se-á uma “verdade” consensual, que depois os media porão em cena.

Esta solicitada opinião pode falar de tudo: para isso serve-se da frase feita, superfície fluida em que nos movemos com extraordinária agilidade. Como não existe nenhuma verdade, é contudo forçoso ter pontos de vista, é preciso ‘achar’ (sempre).62 De modo aforístico, dizia Kraus como «uns acham isto lindo, outros aquilo. Mas têm que ‘achar’. Procurar é que ninguém quer.»63 Desusada ‘procura’ que mais não consiste que na inclusão daquele vínculo entre a experiência sedimentada e a língua que se fala, na instauração daquele ‘conflito’ cuja improvável vaga de fundo avassala quaisquer coerências consensuais. Mas é justamente para podermos ‘achar’ que «cada manhã somos informados sobre o que acontece em todo o mundo», para isto se saber infinitamente mais se constrói a informação, que «pretende transmitir o que de puro há ‘em si’ nas coisas’»,64 construída no pressuposto de uma inocência voluntária.

De tudo isto há alguns pontos a ter em conta. Em primeiro lugar, é factor de valorização de qualquer conteúdo a sua ligação ao domínio da informação: «são mais respeitáveis quanto mais se remetem para o mundo da informação».65 Depois, é essencial que nos informemos sobre aquilo de que há já um razoável corpo de informação: é que «estar informado sobre algo implica uma esforçada solidariedade com o que foi já julgado.» Adorno refere-se mesmo a um certo «medo de desobedecer» à convencionada ‘vontade de estar a par’, um medo que leva a que esta participação na ‘cultura de massa’ se dê sob o signo do terror; 66 este “novo” público assume-se como o «“perito não-comprometido” que, embora informado, jamais assumiu uma posição pública bem definida sobre questões controversas», apresentando antes «uma falta de participação nas questões públicas (conhecida como sensatez) e um desinteresse profissional (conhecido como tolerância).»67 É deste modo que se dá o essencial afastamento da crítica; o seu espaço, lugar do confronto e do “corpo a corpo”, é substituído pelo «reino da opinião» de que Tocqueville falava no século passado: ao contrário dos critérios racionais do «reino da crítica», dominava a pura e simples «omnipotência política da maioria», que «já não persuade com as suas convicções, mas impõe-nas e fá-las penetrar nos espíritos através de uma espécie de imensa pressão exercida sobre a inteligência de cada um.»68

Também a posição de Adorno defende que toda e qualquer informação, declaração ou ideia é prefigurada pelos centros da indústria da cultura. Tudo o que não traga em si vincado o traço familiar dessa prefiguração, não possui, logo à partida, qualquer credibilidade; com um calculismo previdente, existem as «instituições de opinião pública [que] acompanham tudo o que difundem de mil documentos fornecendo as provas irrefutáveis de que cada um pode dispor com à vontade».69 Walter Benjamin mostra muito bem esta dimensão: «a informação precisa de ser plausível», dissera, e por isso, «nenhum acontecimento nos chega que não esteja impregnado de explicações», com a imposta coerência psicológica da acção.70 A informação, pelas próprias explicações, dispensa a memória, a sabedoria apreendida da experiência mais íntima associada ao que aprendeu na tradição.71 Mas a curiosidade informativa não pode ser separada do que sem equívoco é dado (com efeito, trata-se de dados: data, dignos de se darem) «por aqueles que sabem tudo»; qualquer improvável curiosidade individual passaria a ser considerada posição niilista, oposta à burguesa estabilização do sentido.72 É nesta linha que a opinião pública tende a afirmar-se, acima de tudo, como um problema técnico, que envolve quer a sua objectivação (como fixá-la, como formalizá-la de modo operativo, etc.), quer as formas da sua utilização em vista de determinado fim:73 ganha sentido, assim, a actividade profissional de técnico de comunicação – ou, no limite, de engenheiro de comunicação -, cujos instrumentos essenciais são os data e os graus de eficácia, elementos objectiváveis sobretudo pelas sondagens.

Há a sublinhar que ‘achamos’ a partir do que os media nos espelham e nos expressam. Esta constatação levanta desde logo questões quanto à experiência que gera cada pensamento individual e à sua relação com o que os media nos revelam. À partida, é explícito que a informação atinge sempre um limiar em que se revela impotente para descrever o sentido do acontecimento. «A visão de uma criança morrendo de fome ou, simplesmente, a vida quotidiana numa cidade estranha reproduzida numa reportagem não pode ganhar qualquer sentido sem uma experiência vivida da situação em questão.»74 Isto é, por muito bem apresentada que esteja, a informação não pode substituir a experiência, a expressão ‘sem equívoco’ é usada nos media sempre da forma mais equívoca possível.

No lugar de uma experiência plena com um qualquer objecto, encontramos antes na informação uma outra coisa de puramente subjectivo e, ao mesmo tempo, fisicamente isolado: algo «que se esgota na leitura do manómetro.»75 Desde cedo, era esta a posição que Kraus assumira: «O que é a Nona Sinfonia comparada com uma modinha tocada por um realejo e uma recordação.»76 É por substituir-se à experiência que Kraus acusa o jornalista de ter acabado por aniquilar a capacidade humana de experienciar, transformando-se o próprio jornalista na mensagem e no acontecimento (num surpreendente embora pontual McLuhanismo bem antes do tempo, em que também «the medium is the message»): «A imprensa é um mensageiro? Não, é o acontecimento. É um discurso? Não, é a vida»,77 dissera no emblemático Nesta Grande Época.

Ora, uma das perturbações provocadas pelos media advém do facto do homem moderno julgar que tem acesso ao sentido dos acontecimentos simplesmente porque está informado, porque tem factos, tem documentos, provas expostas e organizadas. Dizia Benjamin: a «construção da vida, em dado momento, depende muito mais do poder dos factos que das convicções. E, mais precisamente dos factos que, quase nunca e em lugar algum, se constituíram em fundamento de convicções.»78 Para além disso, se a comunicação mediática tende a suprimir todas as distâncias (físicas, culturais ou temporais), essas mesmas distâncias resistem muito mais do que se imagina quando se pretende conhecer. Os bastidores da situação política, cultural e social dos Estados Unidos da América aquando do affaire presidencial permaneceram, no essencial, incompreensíveis para o público português, e assim continuarão. No entanto, com voracidade os media exploraram até à exaustão pormenores e detalhes que tornavam as referências rapidamente descontextualizadas e mesmo até contraditórias, promovendo um autêntico ‘carrossel’ de imagens apenas existentes no jogo acelerado que lhes deu origem. Aí, e para além do conhecimento da especificidade norte-americana - que em boa parte permitiria aceder ao sentido dos acontecimentos - ser complexo, distante e de análise factual problemática, a informação ‘prometia’ os factos, o ‘puro em si’ das coisas de forma simplificada e resumida, ‘sem equívoco’.

E é assim que os media, ao difundirem certas informações, aumentam apesar de tudo a nossa confusão. Alain Touraine coloca a questão nos seguintes termos (que devem tão só ser medidos em padrões ideais): se «vivíamos no silêncio, agora vivemos no ruído; estávamos isolados, agora estamos perdidos na multidão, recebíamos poucas mensagens, agora somos bombardeados por elas.»79 Este apego à comunicação e à vontade de estar informado aumenta, ainda assim, a nossa ignorância: «é assombroso, quanto o mundo está mergulhado na obscuridade e na ignorância».80 Ignorância, porque desta não haverá melhor aliado que a ilusão do saber. Apenas encontramos no indivíduo a sucessão contínua das opiniões, num redemoinho de enunciados que pululam do presente (mais) e do passado (menos) prefigurando uma imensa floresta especulativa. Mas que o indivíduo ignora e onde se sente seguro a cada instante. Uma opinião vale tanto como outra, e aqui se escancara o abismo: a opinião pode aceitar qualquer sentido, pode falar de tudo, mas não pode nunca dizer tudo.81

Ora, o espaço por excelência da opinião é o fluído espaço do lugar-comum (alargado a um certo número de timbres e formas de linguagem que garantem a ortodoxia linguística e ideológica), das frases feitas – enfim, o tipo de frase que ‘pega’ bem e que se multiplica velozmente por qualquer que seja o lugar, em que a imediata comunicabilidade e compreensibilidade são critério de verdade. Contudo, ao mesmo tempo, também um espaço bem afastado daquele da linguagem escrita e falante no silêncio, onde é travado o confronto, o corpo a corpo, que – em acordo com as teses apresentadas – constituirá, por instantes que seja, o terreno da verdade.


A linha da resistência

O centro da questão da comunicabilidade dos media é apontado por Kraus com toda a oportunidade e clareza, logo no início do século: «Mas será que as pessoas fazem ideia de qual é a vida de que o jornal é expressão? (...) Será que se conhece os recursos vitais que o estômago dominical [muitas vezes diário, bi-diário em alguns casos...]de uma tal besta rotativa engoliu para poder sair com a grossura de duzentas e cinquenta páginas?»82 A obsessão em distinguir a degradada esfera da ‘comunicação’ informativa da esfera da realidade e da experiência está decerto bem marcada sobretudo na problemática (omnipresente) da actividade jornalística. A análise crítica desta questão pode ter ainda como ponto de partida um outro aforismo de Kraus, mais esclarecedor quanto à sua verdadeira essência: «o jornalismo, que empurra o espírito para o seu curral, assenhoreia-se-lhe entretanto dos prados.»83 E é neste sentido que Kraus verifica que «quem dá perde, quem recebe fica ainda mais pobre e os mediadores têm que viver. Houve uma coisa intermédia que se instalou entre nós para levar à ruína uns contra os outros os valores da existência.»84 Perdem os valores autênticos e a capacidade de experienciar e de fantasiar, fundadoras de toda a relação autêntica do indivíduo com o real; ganham os media, a expressão de poderosos interesses económicos colocados sob o signo do progresso. Afasta-se de nós cada ser que antes, ao expor-se-nos, nos dava, na medida em que se dava a ver, a distância íntima que o constitui e habita – e acrescentava ainda, por outro lado, a impossibilidade de se dar a ver por inteiro. A formulação desta dupla face, curiosamente ainda é hoje um lugar comum nos domínios da crítica da cultura de massa e da estética da recepção, como vimos noutro contexto.

Em suma, retomamos aqui aquele eixo da discussão orientado a partir da posição de Adorno e Horkheimer, quando na Dialéctica do Iluminismo postulavam o triunfo da razão instrumental, expresso justamente na repressão da subjectividade, no recalcamento destruidor da natureza e na entrega passiva à ideologia – a arte haver-se-ia depois de transformar no lugar último onde ainda despertavam os valores de oposição às estruturas reificadas da sociedade, como vimos. Aí se encontrava ainda a correspondência a uma experiência extrema que o indivíduo faz dentro de si mesmo, um perigo corrido à boa maneira benjaminiana (veja-se a experiência limite do tradutor, cujo regresso é sempre traumático), uma experiência levada até ao fim, e que, resistindo embora, obedece depois às leis das palavras, dos sons e das cores. No outro eixo e em outro registo está, contudo, a percursora posição krausiana sobre a interpenetração entre imprensa moderna e nacional-socialismo, que encontrará posteriormente paralelismo na relação entre a dinâmica da massa e a indústria da cultura. Liga-se assim intimamente – e de novo - as teses de Kraus às defendidas por autores desde Benjamin a Adorno.

Num dos mais densos fragmentos da Minima Moralia, Adorno retoma no essencial a análise crítica krausiana (num estilo formalmente semelhante, aforístico e também elíptico, também nele recusando a ordenação lógica do discurso filosófico tradicional). Refere então que «sem a força quase irresistível da avidez pelas manchetes (...), o indizível não teria sido suportável pelos espectadores, nem mesmo pelos seus autores. Durante a guerra, mesmo as notícias desastrosas eram finalmente apresentadas aos alemães em grandes títulos (...). Na sociedade de massa que dispõe de meios de grande difusão, eles [sadismo e masoquismo] são mediatizados pelo sensacional, que é meteórico (...), pela extrema novidade.»85 A tese defendida por Arendt era, precisamente, «que esse extremo de loucura artificialmente forjada só pode ser atingido num mundo inteiramente totalitário»;86 e, repita-se, os movimentos totalitários apenas existem numa esfera de vazio, onde o sujeito só existe no contorno do social, por fim, onde quer que exista a massa. Aqui se retoma o motivo (num primeiro momento) krausiano da perda da experiência vivida – «da volatilização do texto primário» de Jameson, aqui entendido em sentido amplo – que redunda no desaparecimento dos valores que conferiam substância à linguagem, tecida pela própria experiência; dá-se uma perda em que o estereótipo, enquanto elemento do mecanismo de produção cultural de massa, conduz ao irremediável atrofiar da autonomia do sujeito. Então, «em cada palavra se pode distinguir até que ponto foi desfigurada pela comunidade popular fascista»,87 como se frisara já na Dialéctica da Ilustração. Ora, face a isto, uma questão nos surge como pertinente: perante tamanha força, como pode resistir um público que, conforme temos visto, se caracteriza pela passividade? Onde criar um lugar de uma experiência devolvida à própria experiência, sem que isso se traduza num qualquer formalismo ou num dispositivo de estabilização (coagulação) totalizante da verdade e do sentido (lugar que, nas actuais condições sociais e culturais, só pode ser um lugar de resistência)?

Se a crítica adorniana só pode ser entendida em função do seu contexto histórico, nomeadamente como um hipostasiar da recusa modernista da cultura de massa levando ao limite a aporia fundamental das vanguardas, as dificuldades poderão surgir aquando da operacionalidade dos seus pressupostos. Com efeito, se a tentação do silêncio já não é nova e antes se tem afirmado recorrentemente (Kraus, Celan...), o célebre ‘depois de Auchwitz’ adorniano surgirá agora como uma agudização dessa consciência de que é dos ‘últimos dias da humanidade’ que se trata.88

Depois de gerado um falso colectivo que teria alienado toda a capacidade crítica, (obviamente) não é para um qualquer aniquilamento físico que somos remetidos, mas antes para um estado de vazio cultural e de unidimensionalidade do homem, de que catástrofes como a guerra mais não são que consequência e expressão. Também na Minima Moralia Adorno explica sucintamente este processo, iniciado logo a partir da escola e onde a própria fala é instituída em acordo com as cientificadas técnicas didácticas; institui-se linguagem como quem administra primeiros socorros a uma vítima ou constrói um avião: em acordo com o rigor do método. Como consequência de tal rigor metodológico, conseguem-se alunos tecnicamente eficazes (instrumentalmente optimizados), em que «cada frase [sua] mostra que sabem enfrentar um microfone para aí representarem a humanidade média, mas [em contrapartida] a sua aptidão para falar entre si atrofia-se.»89 Enfim, uma percepção que também Benjamin tivera com frequência, desde o texto sobre a vida dos estudantes, que vimos atrás, ao emblemático ensaio sobre o narrador: «Quando alguém manifesta o desejo de ouvir uma história, é cada vez mais frequente surgir o embaraço entre as pessoas que o rodeiam.»90 A explicação de tudo isto é clara, e surge no âmbito da teorização da experiência, que temos considerado de fulcral relevância nesta análise: «É como se uma capacidade que nos parecia inalienável, a mais segura de todas, nos tivesse sido tirada: a capacidade de trocar experiências», num tempo em que, decididamente, «a experiência está em crise e assim continuará».91

Resultado: «a relação entre a palavra e a coisa que ela exprime foi rompida»,92 a conversação não pressupõe já as experiências vividas, dignas de serem repetidas (os homens voltam agora mudos da guerra moderna, muito mais pobres em experiência comunicável, observara já Benjamin93) e em vez disso são omnipresentes as imagens da generalidade e da mediania que povoam as formas comunicacionais, consideradas de massa, de onde qualquer negatividade do confronto foi suprimida.

Depois de Auchwitz, diz Adorno, «a sensibilidade mais não pode que ver em toda a positividade uma charlatanice, uma injustiça para com as vítimas, e tem que rebelar-se contra a extracção de um sentido.»94 Ora, é a partir desta tomada de posição que se desenham os ameaçadores contornos que, na sua expressão mais desiludida, sublinham a ‘incapacidade’ de comunicar a experiência individual, a ‘morte’ da linguagem como possibilidade de expressão da subjectividade, da essência, e, por fim, o inevitável emudecer como traço fundamental da situação contemporânea. Uma ameaça sustentada na ideia de como «no sistema de que a vida foi evadida, as conversas parecem desenrolar-se entre ventríloquos (...), a proposta de cada um assemelha-se às fórmulas reservadas às saudações e às despedidas»,95 e, fundamental, a universalidade impõe-se como um tormento a qualquer experiência individual. No limite, será a função fáctica da linguagem (segundo a classificação de Roman Jackobson) a tomar posse dos recursos da comunicabilidade. As pessoas conversam, são muitas as palavras e os gestos; assim se prendem mutuamente, se apoiam, se equilibram. Mas palavras e gestos são demasiado convencionais, não significam muitas vezes praticamente nada, movem-se a um nível superficial. E tudo se passa a um nível inferior, no círculo de afectos, de instintos, de memórias, que nos envolve e à relação com os outros, no sentido que antes desenvolvemos.

Também nesta matéria Kraus foi precursor. O número 888 da Fackel pretendia em 1933 resumir em mais de trezentas páginas a sua visão dos acontecimentos recentes na Alemanha, e teria o título de Die dritte Walpurgisnacht (A Terceira Noite de Valpúrgis). Contudo, com a subida ao poder do NSDAP (partido nazi), o texto inicial é guardado na gaveta até 1952 e em seu lugar surge um pequeno folheto com um curto poema, que exprime de forma emblemática a consciência de toda uma geração à beira de um beco sem saída:


«Não me perguntem por onde andei, quem me viu.
Mantenho a mudez
e não digo os porquês.
Reina o silêncio, depois que o chão se abriu.
Falharam as palavras;
já só no sonho as lavras.
E sonhas com um Sol que estava sempre a rir.
Tudo fica para trás,
e depois – tanto faz.
A palavra morreu – viu este mundo a vir.»96


Neste contexto surge a aporia que caracteriza a comunicabilidade mediatizada das sociedades modernas: se qualquer sentido irradiado por uma transcendência afirmativa estabelecida estaria condenado ao ridículo, por outro lado, também «a negatividade absoluta é previsível e já não surpreende ninguém (...) [e] ao indivíduo não resta outra solução melhor que poder sem angústia dar-se conta da nulidade da existência.»97 É sobretudo na linguagem escrita, inicialmente praticada pelas classes superiores mas massificada nas sociedades modernas, que se encontra codificada de modo superior a alienação das próprias classes: «Ela [linguagem escrita] volta-se contra os mestres que a requiseram para comandar e quer comandá-los por seu turno, recusando servir por mais tempo os seus interesses.»98 Mas, a linguagem em geral, como vimos, desempenha o papel de Ariadne e é fio condutor do pensamento. Uma vez mais, neste ponto, as explicitações de Adorno tornam a reconhecer-se nas metáforas de Kraus, que ‘descreve’ (termo que Kraus nunca teria desejado, preferindo antes ‘cria’) justamente com imagens as relações de pensamento com a palavra: «Não a considero servidora dos meus pensamentos. (...) A língua é uma soberana dos pensamentos e, se alguém consegue inverter a relação, ela passará a ser útil em casa, mas negar-lhe-á o seu colo.»99

Na sociedade da informação a relação anterior é invertida, e é a posição adorniana que delimita o enclave onde a linguagem revela características que não se podem reduzir à clareza da linguagem como instrumento de comunicação. Dizia, a propósito, Valéry: «A Mente clara torna compreensível o que não compreende.»100 Ao aceitar passivamente esta concepção, entramos no fechado contorno destruidor das possibilidades de cultura (e suas diversas formas), em que o discurso, como forma de esteticização da realidade, degrada ao mesmo tempo as formas de vida autêntica e genuína – e a esteticização da política e da guerra, então, mais não é que redundância, como antes pudemos entrever («a linguagem maltratada embeleza a vida maltratada»101). Ora, é sobretudo nos media que toda a estrutura cultural se mostra na sua vertente mais grotesca. A ‘prostituição da experiência’ e das ideias sob o a priori da comercialização tornaram a vida em coisa vendável; os traços individuais e próprios de cada elemento são manipulados antes de coincidirem perfeitamente com a sua função numa dada situação. E então, não sobrevivem a não ser sob aquela resumida forma rígida e vazia, privada de qualquer característica individual, essencial, mas facilmente transportáveis: sem razões, sem argumentos, como um capricho cego.


Possibilidades de entendimento: a esclarecedora complexidade da linguagem

Na sequência das análises apresentadas, e para além do pessimismo radical que se possa extrair dos projectos críticos referidos, importará ainda assim procurar uma saída possível que permita, neste mesmo contexto, desenhar uma alternativa. A questão que se apresenta é esta: trata-se de impedir as tentações de clausura do sentido convertido em significação – em que a verdade é delimitada pelo controlo social, coisas e pessoas são etiquetadas, pensamento e palavra se tornam instrumento.102 Mas, simultaneamente, pretende-se romper com a ‘fuga’ tão fácil quão pouco emancipadora para as trincheiras do ‘sem sentido’. É neste contexto que surge a crítica adorniana a posições como as de Huxley e Jaspers, que, ao menosprezarem o indivíduo pelo seu vazio mecânico e fraqueza nevrálgica, se limitam a sumariamente o condenar - antes de fazerem erguer a própria crítica sobre o princípio de individuação da sociedade. Ora, vimos já como aquilo que existe pode apenas ser objecto de ‘comunicação’ mediática graças ao seu carácter universal, sendo que esta universalidade depende sempre da ordem existente – donde se dá o triunfo desse universal que, ao dominar a negatividade, torna a dinâmica do pensamento implacavelmente positiva. Isto significa que a mediatização do próprio indivíduo o conduz ao estado simples de objecto social; e, deste modo, «realizado abstractamente (...), o indivíduo desaparece em si mesmo».103

Certas pesquisas, orientadas em acordo com a adopção de um modelo mais ou menos ideal das ciências da natureza no plano dos fenómenos sociais - como por exemplo a psicologia de massa -, foram coroadas de um sucesso incontestável. No entanto, pela constatação de regularidades apenas conseguimos iludir o verdadeiro problema que se coloca: desconhecemos totalmente a essência de uma experiência logo que dela nos aproximamos pelos métodos de abstracção. «Não é obtendo regularidades, nem pela sua aplicação a um dado fenómeno histórico, que apreendemos o elemento específico do conhecimento histórico»,104 dizia atrás Gadamer.

Adorno retoma explicitamente o exemplo crítico contra a individuação que já observara na civilização grega aquando da dissolução da polis, mais precisamente no que se refere ao culto (tão mediaticamente actual) do indivíduo: «Celebramos sobretudo os indivíduos, em vez de celebrarmos os deuses»,105 cita a propósito Adorno. É aqui que surge a formulação que instala, desde já, um espaço fundamental que só pode ser de resistência. Graças à participação no medium discursivo, a experiência individual é por si mesma sempre mais que meramente individual: ela alcança o universal, uma vez que o é em si mesma. Funda-se então o oscilante circuito que vincula experiência, memória, tradição, corpo e linguagem – o lado épico da verdade, a rede que todas as histórias, em última instância, constróem entre si -, e que os vincula aos enquadramentos existenciais que envolvem a relação do indivíduo com o Outro. Todos os conteúdos da consciência individual são aí apresentados a partir do seu substracto singular, e podem reproduzir-se com a conservação deste substracto (embora sob a forma de resíduo) – e é assim que o indivíduo resiste ao tormentoso impulso com que a universalidade se tende a impor na experiência individual.106

A mediação (mesmo que conceptual) é, ao fim e ao cabo, o «ponto de partida para compreender o incompreensível na expressão», a sua «história implícita», proveniente de uma experiência de negatividade.107 No seguimento da proposta hermenêutica de Gadamer, é no mesmo sentido que podemos aqui considerar a compreensão como um acto da existência, um «ser-em-projecto».108 Qualquer sentido expresso pressupõe um horizonte de verdade que nunca pode ser apropriado, que permanece sempre como tarefa a realizar. A essência da resistência adorniana, neste sentido, toca por instantes o fio da interrogação gadameriana: pretende-se desvelar possibilidades e mantê-las despertas, compreendendo então o «verdadeiramente outro face às convicções e opiniões que são minhas».109 Compreensão universal, mas localizada, fugidia, instável – porém, «a via que nos foi dada para aceder à verdade sempre procurada.»110 Percepção humilde, como conviria: pois transportamos a incessante ilusão da total e universal compreensão no instante presente - e o sentimento da exiguidade dos tempos passados.

Mas é num breve fragmento da Minima Moralia que Adorno deixa em aberto um estreito mas real campo de possibilidades. Como ponto de partida, a sua proposta assenta no postulado de «considerar o objecto acima da comunicação no momento em que o exprimimos»,111 procurando nele a sua essência linguística, a sua linguagem (em acordo com o modelo de linguagem benjaminiano). Com isto reactualizamos também a figura do narrador, daquele que colhe o que narra na experiência (com um Outro, ser animado ou inanimado) para, por sua vez, o transformar de novo em experiência dos que o ouvem.112 Vem neste sentido o ilustrativo exemplo a que recorre Adorno: a linguagem do proletariado, uma linguagem cuja essência e conteúdo resultam antes de tudo do confronto ditado pela negatividade da experiência, daquele impulso que confronta as vivências com as opiniões prévias, em sentido hermenêutico, e onde o ‘eu’, debruçado sobre o objecto, é sempre discípulo de um processo íntimo de amadurecimento. Por isso mesmo é uma linguagem ‘não-mutilada’, uma linguagem talhada pela experiência, ‘ditada pela fome’: «O pobre mastiga as suas palavras para enganar a fome»,113 afastado de todos os (referidos) constrangimentos prévios que contêm as bem vincadas marcas da dominação. E é deste modo, objectivando a sua consciência individual, que o indivíduo se converte em sujeito, «na unidade de si mesmo como na das suas experiências.»114 Aqui se vislumbra a possibilidade redentora da linguagem e do indivíduo, no procedimento em que este se emancipa; pela entrega ao objecto e pela apreciação qualitativa dos seus componentes. Aqui, tal como no conceito de narração de Benjamin, também as coisas mergulharam na vida do indivíduo e ali estão gravadas, tocam-no de tal modo que ele próprio adquire o dom de as narrar, num essencial processo de assimilação: em suma, uma linguagem que também ela «tal como o vaso de barro traz as marcas da mão do oleiro que o modelou.»115 Quanto mais longe formos maior é a singularidade do sujeito, mais o que então experiencia se torna singular, pessoal, único, até à experiência limite da fusão com a ‘coisa’, que Benjamin relata em À Caça de Borboletas.

A proposta de Adorno é que só um ‘falar’ que transcenda a escrita mas que se integre nela mesma, concedendo-lhe assim a sua negatividade, poderá «livrar o discurso humano dessa mentira segundo a qual ele seria já humano antes mesmo»116de qualquer experiência. Daí serem de urgência essencial algumas medidas programáticas para a possibilidade de qualquer ‘comunicação’: resistir quanto possível a qualquer crítica externa, não perder de vista as experiências que originaram o que se vai expressar, recorrendo naturalmente ao ritmo, à concisão e à densidade e, por fim, garantir a eliminação de qualquer constrangimento. Como sempre, estamos frente a frente com um Outro, nós e ele; pouco a pouco e cada vez mais nos conhecendo. Deste modo, e partindo sempre do impulso que o indivíduo recebe da coisa, é diferenciado aquele que sabe distinguir na coisa e no seu conceito o mais pequeno e inapreensível. Mas, à esfera do mais mínimo da coisa só tem acesso a diferenciação, isto é, a experiência do objecto convertida em forma subjectiva de reacção,117 aquele espaço em que se refugia a componente mimética do conhecimento (em que o caçador adquire traços da borboleta e esta se torna humana, onde se entendem leis da tal língua estrangeira comum a borboletas e flores)118 – e aqui, apenas aqui, se dá a afinidade do conhecedor com o conhecido. No outro eixo, porém, poderá estar a banalidade, no limite. A grande diferença reside, à luz do que tem sido dito, entre os que se precipitam para as palavras e a tal se limitam, depois de analisadas como facto, e os que são sensíveis à oscilação por entre as palavras e fazem delas a sua experiência. Ou, como dizia Benjamin no ensaio sobre Proust, a diferença entre estarmos «sujeitos a» e sermos «sujeitos de».119 Num outro momento, num debate sobre a educação para os media, é esta mesma posição que Adorno reafirma, neste caso tendo o medium televisão como objecto de análise. «A minha proposta seria, realmente, a de atender desde início à figura do material e à sua integração, e exercer desde aí a crítica, sem confiar na sua presumida validade a despeito dos métodos positivistas, ou, o que é igual, que os seus efeitos sobre as pessoas sejam hic et nunc [aqui e agora], tão imediatos como seria de pressupor em acordo com a análise deste material.»120 Por outras palavras, mais não se trataria aqui do que, recorrendo às capacidades críticas individuais, pôr as pessoas em condições de desmascarar ideologias, e assim a salvo de identificações falsas e problemáticas. Isto para além de as defender da propaganda a favor do status quo moderno («sou moderno logo sou conscientemente superficial») que os media promovem antes mesmo de qualquer conteúdo.121 Neste ajuste tão exacto à realidade, a ideologia é introduzida furtivamente sem se notar: «as pessoas saboreiam o veneno harmonizador sem sequer se darem conta da operação de que são objecto.»122 Em suma, deveríamos precaver-nos para o mal-entendido que Adorno caracteriza como ‘consciência da realidade’, produzido por meio de um realismo artístico, que provoca um ‘falseamento’ e uma ‘harmonização’ da vida que não podem ser reconhecidos, uma vez que têm lugar nos bastidores.

Os pressupostos antes referidos oferecem-se como válidos para uma procura da dimensão de negatividade e ambivalência da linguagem, um não-fechamento que resultaria na sua “salvação”; como vimos, estes pressupostos têm presente, como ponto de referência, a reivindicação da autonomia da linguagem, da sua pureza e coerência internas – e a sua oposição, portanto, a um funcionamento mecânico. Mas, e quanto aos novos meios de produção e difusão da linguagem? Será detectável, no campo dos media, a permanência dos motivos centrais da crítica operada à linguagem, numa atitude que prolongue em substância as possibilidades do indivíduo enquanto sujeito? Vivemos tempos em que os novos media e as novas tecnologias abrem novas possibilidades à comunicação, à expressão cultural; a cultura dos media está incrementada e os seus produtos cada vez mais poderosos e populares. Ora, as novas tecnologias dos media poderão ser sujeitas a usos diversos: como qualquer objecto de poder, elas podem ser tanto instrumentos de dominação como de libertação, de manipulação como de esclarecimento. Caberá, pois, a produtores e activistas do presente e do futuro, a determinação de qual o uso a dar às novas tecnologias, bem como quais os interesses que as devem guiar.123

Não cabe aqui aprofundar todos os aspectos que podem sustentar uma atitude de optimismo em relação aos media, enquanto meios de produção e difusão; limitamo-nos, contudo, a verificar a possibilidade da utilização das técnicas de produção e difusão discursiva de massa num sentido não já repressivo, mas emancipador. Na verdade, os diversos movimentos sociais, apesar da sua enorme heterogeneidade, convergem na aspiração comum de aceder expressivamente aos media; daqui o aparecimento de pressões objectivas sobre os media, chamados a “dar voz” a formas de expressão contrárias entre si, e não raro contra a tendência dominante. Com efeito, verificamos como «a par das formas espectaculares, que as novas tecnologias do som e da imagem proporcionam, circulam também as formas discursivas convencionais, disponíveis em articulações racionais que podem dar lugar a processos de esclarecimento.»124 Que podem, enfim, gerar um espaço (ideal) de discussão, de debate público e de troca de opiniões, no sentido da mútua compreensão e do esclarecimento. Também o conceito de “auto-estradas da informação”, em princípio, contém uma conotação democrática, ao gerar um espaço de discussão e de circulação discursiva aberto ao público, à maneira de um espaço público participado, dialogado, e acessível, com acesso a fóruns de discussão pública e de debate: princípios essenciais numa sociedade democrática, com potencial emancipador. O que particularmente interessará assinalar é a possibilidade de utilização dos novos meios ao serviço da opinião pública - uma possibilidade que é passível de ser articulada, e cuja prática merecerá uma análise mais cuidada -, podendo prolongar, na essência, o carácter emancipador que a discussão assumiu na sua génese moderna.

Mas voltemos à questão krausiana, antes enunciada: «será que as pessoas fazem ideia de qual é a vida de que o jornal é expressão? (...) Será que se conhece os recursos vitais que o estômago dominical de uma tal besta rotativa engoliu para poder sair com a grossura de duzentas e cinquenta páginas.»125 A partir da análise que aqui tem sido feita, vemos que qualquer ídolo sucessor do ideal científico habitual (em que ‘informação’ coincide com conhecimento) se desfaz quando se compreende que um conceito «não é simplesmente assim e só assim, mas antes chegou a sê-lo sob certas condições.»126 Podemos imaginar que existiu um momento em que o indivíduo teve de escolher entre diversas hipóteses e hesitou; mas houve ainda um instante de decisão em que, como um relâmpago jubiloso, esta ou outra escolha lhe pareceu infalivelmente certa. Por isso dizia Benjamin: «o contexto significativo das palavras ou frases é o suporte em que a semelhança surge em primeiro lugar, rápida como um relâmpago.»127 Ora, assim vimos como toda a escolha é fugaz e toda a certeza uma localizada quimera. Donde, tanto a produção do mimetismo da linguagem («um arquivo de semelhanças não físicas, de correspondências não físicas») como a sua percepção estão ligadas ao deslizante «momento-relâmpago».128

É compreendendo isso que se colocaria qualquer possibilidade de cada um se aproximar daquela «liberdade de interpretar as coisas como as entende»,129 com amplitude. E a porta estreita redentora (por onde o Messias entraria...) sempre existiria, e seria mesmo possível entrevê-la: é que, se do devir que o conceito sofreu desapareceram as marcas, a essência reside ainda assim na coisa. Isto é, afigura-se infrutífera qualquer pretensão de que tal devir se detenha: e daí o sedimento de indeterminação e de arbitrariedade que sempre se manifesta, tanto no emprego de cada palavra como em qualquer exposição.130 Agora, adverte Adorno, é imperioso resistir à coacção quase universal para confundir o conhecido com a sua comunicação e, além disso ainda, para colocar esta última acima de qualquer real conhecimento.131 Urge uma resistência que, como vimos, defenda o indivíduo da falsa consciência da realidade, produzida num processo de que também ele é objecto fundamental.132

Com a proposta adorniana retomamos em certa medida o princípio cabalístico em que o exegeta se esconde por detrás da palavra a comentar, um procedimento que alimentava por exemplo o vício comentador de Benjamin e que também Kafka ou Celan descreveram: «a insistência ante cada palavra e conceito, a porta de ferro que há que abrir, não é senão uma componente por demais necessária. O interior, a que o conhecimento se junta na expressão, requer sempre para ser conhecido algo que lhe seja exterior»;133 ora, este é um ‘algo’ que já não oferece, como podemos concluir, letras esclarecedoras, escritas nas coisas (que só Adão podia ter lido...), mas um emaranhado babélico de sinais, um texto que embora sempre corrompido se presta ainda à interpretação.

Mas de novo o abismo surge, ameaçador: exprimindo-se com precisão, consciência e sobriedade, o conteúdo passará a ser considerado obscuro, um sintoma de excentricidade e via de confusão – bem contrário ao espírito moderno de desenvolvimento unidimensional – e isto não deve ser promovido. Bem pelo contrário, vimos que a expressão vaga permite àquele que a entende moldá-la como (aparentemente) ao seu entendimento convém, de acordo com certa forma que ele até já prevê – sendo-lhe retribuída uma gratificante compreensão relativa.134 Donde, à luz do que se tem vindo a dizer, com a linguagem dos media não somos já transportados longe – a paragens estranhas, ou outros tempos pela tradição -; entretanto, «o papel das mãos tornou-se mais modesto e o lugar que elas ocupavam ficou deserto».135 Qualquer experiência relatada, graças às praxis, regras e técnicas de montagem, surge já apresentada fora do objecto, que se detém justamente quando fornece de si tão só os ‘fundamentais’ «pontos de referência sobre algo que está próximo».136

Despojada embora de experiência com o objecto (existirá ainda experiência profissional, poderemos dizer), a linguagem dos media, tendencialmente informativa, vem também ela impregnada de plausibilidade e de explicação, já que precisa de se explicar a si própria e de não deixar espaço para a interpretação do passivo receptor. A coerência psicológica da acção é-lhe imposta pela coerência dos referentes (na forma de pseudo-realidade), retirando tanto amplitude aos temas (unidimensionados) como liberdade ao sujeito. Ora, também as imoralidades são plausíveis e explicáveis, basta que as referências que elege sejam aceitáveis, enfim, que o invólucro (sem nada dentro...) seja apetecível, para a ‘consciência da realidade’ «transformar o mal em flor».137 O sujeito contenta-se com a ilusão da contiguidade de pontos episódicos, abreviados, onde qualquer informação, imediatamente comprovável e válida só enquanto actualidade, reivindica o seu tempo, a sua efemeridade: «Só vive nesse momento, entregando-se-lhe completamente, e é nesse preciso momento que tem que ser esclarecida.»138 Subjacente a este processo está, de modo evidente, o «culto do novo», a «revolta contra o facto de nada haver já de novo», que torna tudo «exemplar acidental de um género», «duplo do modelo».139 Tanto assim é que no dia seguinte compra-se outro jornal tão só para acedermos ao «abstracto presente»,140 e assim num processo contínuo, de cómodo abandono ao «sempre idêntico sempre outro» da decomposição adorniana do sujeito.

No caso de outros media - de que a televisão é paradigmática, havendo-se mesmo criado uma propalada linguagem televisiva -, este processo é substancialmente ampliado no que se refere à experiência a que somos sujeitos. Observámos que na vida vamos ordenando e organizando os estímulos à medida que os recebemos: então, ou os identificamos imediatamente ou desenvolvemos uma estratégia para lidar com eles, acabando por haver um confronto. Ora, neste confronto o tempo assume-se como um elemento decisivo na experiência da percepção, um referente não é o mesmo referente se for apreendido de um modo lento ou de um modo acelerado.141 Dizia Wittgenstein: «Por vezes uma frase só pode ser compreendida com o tempo que convém. As minhas frases exigem ser lidas com lentidão» e ainda, no limite: «Em filosofia, aquele que ganha a corrida é aquele que é capaz de correr mais lentamente.»142 Ora, especialmente com a televisão, é-nos negado o tempo necessário para integrar a informação a um nível de consciência completo. Hertha Sturm, investigadora dos media alemã, refere que quando confrontado com apresentações em mudança rápida e acção acelerada, o espectador é literalmente levado de imagem para imagem. O resultado é que o indivíduo deixa de aguentar o ritmo e de funcionar como mediador (activo): Sturm afirma que ele «age e reage de forma crescentemente fisiológica, o que por sua vez conduz a uma redução da compreensão.»143 Por outras palavras, é pouco o tempo que os media deixam para a reflexão, se é que deixam algum. Num regresso à tese de Herbert Mead, para além da significação emocional cresce depois a significação intelectual, e a referência a outros indivíduos transforma a expressão da emoção em significação social, fornecendo as bases da comunicação num campo de interacção social. A este propósito vem a recém-criada expressão «colapso do intervalo» para indicar o facto de a televisão (substancial paradigma da linguagem dos media) eliminar o efeito de distanciamento - intervalo entre estímulo e reacção – e o tempo para processar a informação no nosso consciente.144

Contudo, assevera-nos Adorno, estes perigos não vêm ainda do céu. São controlados desde a terra.145 Mas os diversos sinais que a actualidade nos revela, presságio ou sinal de aviso do estado problemático da vitalidade da sociedade contemporânea, devem constituir pontos de referência, e não podem ser ignorados. «Depende apenas dos próprios seres humanos o momento em que extinguirão esses sinais e acordarão do pesadelo, que apenas teimará em continuar actual enquanto o Homem acreditar nele.»146


1 Huxley, Aldous, Crisière d’hiver. Voyage en Amerique Centrale, citado por Benjamin, Walter, «A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica», in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, págs. 98-99. A mesma posição se encontra também ela reflectida um pouco por toda a teoria adorniana: «Está provado desde há tempos como o trabalho assalariado formou as massas dos tempos modernos», tempos de «desencantamento do mundo sensível» como «reacção dos nossos sentidos frente ao que, objectivamente, o determina enquanto ‘mundo das mercadorias’.» (Adorno, Th. W., Minima Moralia, Paris, Payot, 1991, frag. 146-147, págs. 211-215).

2 Cfr. Mills, C. Wrigth, A Elite do Poder, Rio de Janeiro, Zahar, 1981, págs. 359-360.

3 Pissarra Esteves, João, Op. cit., pág. 213.

4 Cfr. Hauser, Arnold, Teorias da Arte, Lisboa, Presença, 1978, pág. 384. Sendo que «o aborrecimento é um produto do nosso modo de vida, citadino, agitado e sedento de sensações», veremos adiante a relevância que este aspecto assume nos conteúdos da linguagem da massa.

5 Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 36.

6 Ibidem.

7 A este propósito, atente-se na caracterização que Hauser faz da arte da massa (a que também chama ‘arte popular’, termo a que a nossa tradição confere alguma ambiguidade): «encontramos (...) um público artisticamente não criativo, completamente passivo, e a produção profissional de objectos artísticos como réplica apenas à procura que têm» e ainda «nunca é mais que um divertimento e um meio de passar o tempo», Hauser, Arnold, Op. cit., págs. 309 e 312.

8 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 214.

9 Adorno, T. e Horkheimer, M., Op. cit., pág. 208.

10 Arendt, Hannah, Op. cit., pág. 447.

11 Ibid., pág. 439.

12 Cfr. Ibidem.

13 Kraus, Karl, citado por Ribeiro, António Sousa, Op. cit., pág. 25.

14 Kraus, Karl, citado por Calasso, Roberto, Os Quarenta e Nove Degraus, Lisboa, Cotovia, 1998, pág. 27.

15 Ibid., «Nesta Grande Época», págs. 206-207.

16 Cfr. Adorno, Theodor, Op. cit., pág. 213-214, frag. 147.

17 Arendt, Hannah, Op. cit. pág. 447.

18 Ao levar a cabo o seu assalto devastador contra a situação da linguagem, na sua condição deformada, Karl Kraus caracteriza-a de modo emblemático: «O mundo está surdo pelo som. (...) A linguagem apodreceu a coisa. O tempo cheira a frase.», Contra los Periodistas, pág. 57.

19 Riesman, David, Op. cit., pág. 149

20 Cfr. Adorno e Horkheimer, Op.cit., págs. 210-211.

21 Arendt, Hannah, Op.cit., pág. 446.

22 Cfr. Kraus, Karl, «O mundo dos cartazes» in Histórias com Tempo e Lugar, pág. 195.

23 Adorno, Theodor, «The schema of mass culture», in The Culture Industry, pág. 60.

24 Hauser, Arnold, Op. cit., pág. 378.

25 Kraus, Karl, citado por Ribeiro, A. Sousa, Op. cit., pág. 33.

26 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 219.

27 Cfr. Adorno, Theodor, «Televisión y formación cultural», págs. 55-56.

28 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 220.

29 Adorno, Theodor, « Freudian theory and the patern of fascist propaganda», in The Culture Industry, pág. 129.

30 Adorno, T. e Horkheimer, M., Op.cit., pág. 180-181.

31 Cfr. Ricoeur, Paul, Teoria da Interpretação, pág. 62-63.

32 Ibid., pág. 200.

33 Cfr. Marcuse, Herbert, «From consensual order to instrumental control» in VV AA, Culture and Society, contemporary debates, Nova Iorque, Cambridge University Press, 1990, págs. 287-288.

34 Hauser, Arnold, Op.cit., pág. 375-376. Suscitados por esta consideração ocorrem de imediato aspectos quase ofensivos e muitas vezes descarados da repetição, como é o exemplo do decalque ou da imitação aproximada de um êxito ou de um formato vulgarizado, como forma presumivelmente garantida de conseguir reeditar o sucesso anterior.

35 Kraus, Karl, citado por Ribeiro, A. Sousa, Op.cit., pág. 16.

36 Adorno, Theodor W., «Freudian theory and the patern of fascist propaganda», in The Culture Industry, pág. 129.

37 Jameson, Frederic, «Reificação e Utopia na Cultura de Massas» in Revista Crítica das Ciências Sociais, nº4-5, Coimbra, Faculdade de Letras, 1980, pág. 28.

38 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 220.

39 O choque torna-se também perigosamente em pura sensação, (sensação absoluta do fascismo, segundo Adorno) ao serviço de uma lógica de esteticização do real que preparará o caminho para a agressão e desumanização do homem; neste ponto, a guerra, como esteticização da vida política, é o ponto culminante, na posição benjaminiana. Cfr. Benjamin, Walter, «A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica», págs. 111-113).

40 Kellner, Douglas, Media Culture, Londres, Routledge, 1995, pág. 64.

41 Cfr. Jameson, Frederic, Op. cit., pág. 27-28.

42 Arendt, Hannah, O Sistema Totalitário, pág. 439.

43 Hauser, Arnold, Op.cit., pág. 376.

44 Adorno, Theodor, «The schema of mass culture», pág. 64.

45 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 221.

46 Hauser, Arnold, Op.cit., pág. 384.

47 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 52.

48 Ibid., «The schema of mass culture», pág. 60.

49 Ibid., Minima Moralia, pág. 221.

50 Cfr. Baudriard, Jean, Simulacros e Simulação, Lisboa, Relógio d’Água, 1991.

51Jameson, Frederic, Op.cit., pág. 29.

52 Adorno, Theodor, Op. cit., frag. 150, pág. 219.

53 Ibidem.

54 Cfr. Hauser, Arnold, Op. cit., págs. 309-312. É também neste sentido que Benjamin recorre a Paul Valéry: «Este processo paciente da natureza (...) foi imitado, outrora, pelo Homem. Miniaturas entalhadas em marfim com a maior perfeição possível, pedras perfeitamente polidas e lapidadas, trabalhos em laca, pinturas em que uma série de camadas finas transparentes se sobrepõem... todos estes produtos de um esforço persistente, abnegado, estão a desaparecer, pois já lá vai o tempo em que o tempo não contava. O homem de hoje já não se dedica a coisas que não possa abreviar.» Citado por Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 38.

55 Adorno, Theodor, Dialéctica Negativa, pág. 40.

56 Jameson, Frederic, Op.cit., pág. 36.

57 Adorno, Theodor, «The schema of mass culture», pág. 73.

58 Cfr. Kellner, Douglas, Op. cit., págs. 62-66. A excelente análise de Kellner considera assim, por exemplo, o filme Rambo como «sintetizando» o ciclo «regresso ao Vietname», que mostra os regressados veteranos por si mesmos transformados de confusos inadaptados em valentes guerreiros, sendo outros espécimes do ciclo os filmes Rolling Thunder, Firefox e First Bood.

59 Horkheimer, Max, Éclipse de la Raison, Paris, Payot, 1974, pág. 32-33.

60 Rodrigues, Adriano Duarte, Op.cit., pág. 42.

61 Cfr. Breton, Philippe, A Utopia da Comunicação, págs. 124-125.

62 É para esta voracidade pela realização de todas as possibilidades, assente num conceito de dinâmica burguesa elevada ao absoluto, que Adorno atenta no fragmento 100 («Sur l’eau»), pág. 147-148 da Minima Moralia. Ao invés, advoga Adorno uma sociedade que «se farte do desenvolvimento e deixe, por pura liberdade, possibilidades sem utilizar, em vez de se precipitar, com uma louca compulsão, rumo a estrelas distantes»; enfim, sintetizando de modo abrangente uma proposta de quietismo técnico que também nos domínios informativos moderasse a sofreguidão pela quantidade.

63 Kraus, Karl, «Ditos e Contraditos», in Histórias com Tempo e Lugar, pág. 226.

64 Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 34 e 37.

65 Adorno, Theodor, «The schema of mass culture», pág. 71.

66 Ibid., pág. 72 e segs.

67 Mills, C. Wrigth, Op.cit, pág. 358.

68 Tocqueville, Alexis de, De la Democracie em Amérique, vol. II, Paris, Garnier-Flammarion, 1981, págs. 17-18.

69 Ibid., Minima Moralia, frag. 71, pág. 104.

70 Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 34. Também em alguns fragmentos aforísticos de Rua de Sentido Único é feita a referência à moderna exigência documental, uma prática que Benjamin considera profundamente regressiva, limitada na matéria. Como exemplo, observe-se a distinção feita em «Treze teses contra snobes»: «I. O artista cria uma obra / O primitivo exprime-se por documentos. (...) XIII. O artista parte à conquista de assuntos / O homem primitivo entrincheira-se por detrás das matérias.» Benjamin, Walter, Rua de Sentido Único, pág. 62-63.

71 Cfr. Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 57.

72 Qualquer posição que se tente propor como oposição às práticas dos centros da ‘indústria cultural’ limitar-se-á a parecer inverosímil, e além do mais, é demasiado pobre para se impor à concorrência com tal aparelho de difusão altamente concentrado. (Adorno, Th., Minima Moralia, pág.104-105) É esta uma tese avançada anteriormente no emblemático texto sobre a indústria da cultura, e noutro momento desenvolvida. Acrescente-se que aí se postulava como «na debilidade de cada um reconhece a sociedade a sua própria força, da qual cede uma parte. A sua falta de resistência qualifica-o [ao indivíduo] como membro de confiança. (...) O indivíduo é tolerado só enquanto a sua identidade sem condições com o universal se faça fora de qualquer dúvida.» (Adorno e Horkheimer, Dialéctica de la Ilustración, págs. 198-199)

73 Cfr. Pissarra Esteves, João, Op. cit., págs. 223-224.

74 Breton, Philippe, Op. cit., pág. 131.

75 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 220

76 Kraus, Karl, «Ditos e Contraditos», pág.226.

77 Ibid., «Nesta Grande Época», pág. 205.

78 Benjamin, Walter, Rua de Sentido Único, pág. 37.

79 Touraine, Alain, Crítica da Modernidade, Lisboa, Piaget, 1994, pág.113.

80 Ibidem.

81 Cfr. Calasso, Roberto, «Da Opinião», in Op.cit., págs. 27-52.

82 Kraus, Karl, «Nesta Grande Época», pág. 206.

83 Ibid., Contra los Periodistas, pág. 79.

84 Ibid., citado por Ribeiro, António Sousa, Op. cit., pág. 30.

85Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 221.

86 Arendt, Hannah, Op.cit., pág. 447.

87 Adorno, Th., e Horkheimer, Max, Op. cit., pág. 211.

88 Os Últimos Dias da Humanidade (Die letzten Tage der Menschheit) foi mesmo o nome de um drama que Karl Kraus iniciou em 1915, que começou a publicar na Fackel em 1918 e que saiu pela primeira vez em volume em 1922, em mais de 800 páginas impressas. Aí deu Kraus à experiência da guerra e ao desmascaramento da sua verdadeira função - «transformar mercados em campos de batalha para que destes saiam de novo mercados» - a expressão mais acutilante de toda a literatura de língua alemã. Na Minima Moralia, reafirma Adorno a adequação do título desta «tragédia», acrescentando ainda que «o que agora se passa mereceria chamar-se Depois do Fim do Mundo» (Adorno, Th., Minima Moralia, pág. 52).

89 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 130.

90 Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 28.

91 Ibidem.

92 Adorno, Theodor, Op. cit., pág. 130.

93 Benjamin, Walter, Op.cit., pág. 28. Basta a referência aos recentes bombardeamentos à Jugoslávia (guerra moderna, custo zero...?), em que o confronto físico e o face a face entre beligerantes deu de todo lugar ao confronto técnico, para comprovarmos a gritante actualidade da percepção benjaminiana.

94 Adorno, Theodor, Dialéctica Negativa, pág. 361.

95 Ibid., Minima Moralia, pág. 130.

96 Kraus, Karl, in Histórias com Tempo e Lugar, prosa de autores austríacos, pág. 292. Não é provável assim que qualquer mensagem, efectivamente, chegue ao destinatário, tantos são os obstáculos interpostos. Mas no fundo, é este o espírito que vimos acompanhando: tudo se joga num porvir – que, se chegar, será o ponto de partida, tudo começará aí. É isso que também diz Celan: «Se viesse,/ se viesse um homem/ se viesse um homem ao mundo, hoje, com/ a barba de luz dos/ patriarcas: só poderia,/ se falasse deste/ tempo, só/ poderia/ balbuciar balbuciar/ sempre sempre/ só só».

97 Adorno, Theodor, Dialéctica Negativa., págs. 362-363.

98 Ibid., Minima Moralia, pág. 98.

99 Kraus, Karl, Dits et Contredits, pág. 150-151.

100 Valéry, Paul, Apontamentos, Arte, Literatura, Política &Outros, pág. 72.

101 Kraus, Karl, «Nesta Grande Época», pág. 206.

102 Cfr. Horkheimer, Max, Éclipse de la Raison, págs. 31-32.

103 Ibid., pág. 142.

104 Gadamer, Hans-Georg, «Os problemas epistemológicos das ciências humanas», in O problema da Consciência Histórica, pág. 26.

105 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 141.

106 Cfr. Adorno, Theodor, Dialéctica Negativa, págs. 50-52.

107 Ibid., pág. 58.

108 Gadamer, Hans-Georg, «Esboços dos fundamentos de uma hermenêutica», pág. 70.

109 Ibid., pág. 87.

110 Ibid., pág. 88.

111 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 98.

112 Cfr. Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 32.

113 Adorno, Theodor, Op. cit., pág. 98.

114 Ibid., Dialéctica Negativa, 51.

115 Benjamin, Walter, Op. cit., pág. 37.

116 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 99.

117 Cfr. Ibid., Dialéctica Negativa, págs. 50-51.

118 Benjamin, Walter, Rua de Sentido Único e Infância em Berlim por volta de 1900, págs. 124-125.

119 Cfr. Ibid., «Una imagen de Proust» in Iluminations1. Atente-se na esclarecedora imagem benjaminiana: «Proust, criança idosa, recosta-se, profundamente cansado, nos seios da Natureza não para mamar de lá, mas para sonhar junto às batidas do seu coração.» (pág. 32)

120 Adorno, Theodor, «Televisón y formatión cultural», pág. 58.

121 Ibid., pág. 51-53.

122 Ibid., pág. 57.

123 Cfr. Kellner, Douglas, Op. cit., págs. 337-338.

124 Pissarra Esteves, João, Op. cit., pág. 237.

125 Kraus, Karl, «Nesta Grande Época», pág. 206.

126 Adorno, Theodor, Dialéctica Negativa, pág. 58.

127 Benjamin, Walter, «Teoria das Semelhanças» in Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, pág. 68.

128 Cfr. Ibidem.

129 Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 34.

130 Ibidem.

131 Cfr. Ibid., pág. 48.

132 Cfr. Adorno, «Televisión y formatión cultural», pág. 57.

133 Adorno, Theodor, Dialéctica Negativa, pág. 58-59.

134 Cfr. Ibid., pág. 107.

135 Benjamin, Walter, «O Narrador», pág. 56.

136 Ibid., pág. 35.

137 Adorno, Theodor, Minima Moralia, pág. 219. O núcleo desta questão pode ser ilustrado no famoso exemplo de Júlio César, tal como é exposto na tragédia de Shakespeare, e pela qualificação do comportamento de Brutus: ele foi o assassino de César ou o salvador de Roma? Marcus Brutus, que tem por César uma viva amizade, acredita que é preciso sacrificar essa amizade pelo bem público, para assim libertar Roma da crescente tirania de César, e acaba por o matar. Num primeiro momento, Brutus é aclamado como «libertador» e «redentor», herói que pôs fim à tirania. Porém, e após a mediatização do mesmo facto num habilíssimo discurso, Marco António subleva o povo, que acreditando ser Brutus um vilão traidor, determina a sua perda. (William Shakespeare, «Julius Caesar», in The Ilustrated Stratford Shakespeare, Londres, Chancellor Press, 1994, págs. 752-775.

138 Ibidem.

139 Ibid., pág. 219.

140 Ibid., «The Schema of Mass Culture», pág. 60.

141 A este propósito é incontornável a teorização de Paul Virilo e a sua proposta de uma dromologia, em que a velocidade, como o tempo e o espaço, faz parte das categorias transcendentais da percepção.

142 Wittgenstein, Ludwig, citado por Coelho, Eduardo Prado, Tudo o Que Não Escrevi I, Porto, ASA, 1992, pág. 243.

143 Sturm, Hertha, citada por Kerckhove, Derrick de, A Pele da Cultura, Lisboa, Relógio d’Água, 1997, pág. 41.

144 Cfr. Kerckhove, Derrick de, Op. cit., pág. 42.

145 Cfr. Adorno, Op. cit. , pág. 83.

146 Ibidem.