Poder e subjectividade
 João Pissarra Esteves, Universidade Nova de Lisboa
 (in, Revista de Comunicação e Linguagens , nº 19, Lisboa, Ed. Cosmos, 1993)
 

O problema do poder ocupa um lugar muito especial na reflexão  sobre a modernidade levada a cabo por Michel Foucault.

Como acontece relativamente a muitos outros assuntos, o pensamento deste autor sobre a questão do poder move-se acima de tudo por dúvidas e muitas inquietações; estas vão flutuando com uma certa regularidade e dão lugar a variações significativas no trajecto do seu pensamento. Existe, no entanto, um ponto de ancoragem que se mantém inamovível e que constitui também, do meu ponto de vista, o traço distintivo mais relevante dessa reflexão: a relação  poder-subjectividade.

O maior mérito da análise que Foucault faz do problema do poder não está, por certo, na edificação de uma corpo de saber constituído, perfeitamente sólido e coerente. Pelo contrário, o principal atributo está na argúcia como afronta os diferentes saberes constituídos, na acutilância com que nos interpela quanto às «verdades indiscutíveis» do poder; em suma, trata-se de um pensamento que não é mera expressão da inquietação do seu autor, mas é ele próprio gerador de perplexidade e inquietações em cada um de nós.

A atitude de resistência por parte de Foucault à cristalização do saber está patente, desde logo, no modo como equaciona a articulação poder-subjectividade, à revelia das doutrinas libertárias que a determinado momento se tornam hegemónicas no âmbito do chamado pós-estruturalismo. A partir da assumpção de que « o que sustenta todo o sistema social é uma posição de desejo», essas doutrinas empenham-se na edificação de uma teoria das pulsões, supostamente alternativa,  que põe o acento tónico no «aspecto energético da função institucional» e tem por base uma pretensa força independente da «natureza interior do homem», o «poder estético do corpo» ou o «transitivismo da estética espontânea» (Lyotard, 1973: 310-13; 1971: 213).

Relutante a estes passes de mágica que transformam num ápice a servidão em libertação, Foucault refuta liminarmente qualquer espécie de solução libertária por via libidinal - considera-a, no fundo, uma verdadeira opacificação da questão sexual e mesmo, «o elemento mais especualtivo, o mais ideal e também o mais interior num dispositivo de sexualidade que o poder organiza nas suas capturas dos corpos, da sua materialidade, das suas forças, das suas energias, das suas sensações, dos seus prazeres» (1976a: 205).

 Embora recorrente em toda a obra de Foucault, a questão do poder emerge aí com maior pujança (e relevo epistemológico) a partir do momento em que é posta em causa a perfeita homologia entre saber e vontade de saber - ex libris , por assim dizer, da chamada «etapa arqueológica».  A preocupação  arqueológica  com o saber  não  é então  completamente  resgatada, mas  a  ideia  de uma perfeita  autonomia das formas do saber é posta em causa e dá  lugar a um exercício que procura explicar essas mesmas formas de saber, questionando a sua génese e funções. É neste procedimento genealógico  que o poder surge com um papel determinante, sob a forma de «tecnologias do poder».
Na historiografia genealógica de Foucault, o poder é um objecto de estudo sui generis : os discursos do saber em geral (e os próprios discursos científicos) perdem o lugar privilegiado que haviam assumido nos primeiros trabalhos do autor e tornam-se componentes dos complexos de poder. A análise das formas do saber é apenas uma fase intermédia do trabalho geral de reflexão: os discursos são um meio que permite descobrir as diferentes tecnologias de dominação, os complexos de poder que se constituem no curso da história (com sucessivos reajustamentos e suplantações, de antigos por novos complexos de poder).

Vemos, assim, que a emergência da questão do poder no pensamento de Foucault surge, de certa forma, como resposta às dificuldades suscitadas pelo seu anterior quadro teórico. Mas embora os resultados desta viragem sejam indiscutíveis, ela própria acaba por ser geradora de novos problemas, os quais, no abismo das inquietações permanentes que assolavam Foucault, nem sempre encontraram a melhor resposta.

É em torno de alguns destes problemas que a presente reflexão se explanará, procurando, tanto quanto possível, dar continuidade ao próprio jogo de Foucault: o despertar de inquietações. Destacarei dois aspectos essenciais: uma certa ambiguidade no recorte do conceito de poder (alternando a análise microscópica muito particularista e a generalidade  de uma categoria abstracta) e um certo balanceamento entre  positivismo e ponto de vista crítico.
 

Subjectividade e biopolítica

«Em qualquer sociedade, a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, seleccionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos, [... aqueles que se exercem do exterior] funcionam como sistemas de exclusão e dizem respeito, sem dúvida, à parte do discurso que põe em jogo o poder» (1971: 10-1 e 23).

Estas palavras, proferidas na lição inaugural no Collège de France , constituem uma espécie de declaração programática do trabalho que Foucault viria a realizar nos anos seguintes e marcam a viragem em relação ao que está para trás. No rescaldo do atribulado final da década de 60, a consolidação em termos teóricos das preocupações políticas assinala o abandono de um certo objectivismo estruturalista e traduz-se, em termos de pesquisa, na atenção especial dedicada aos fenómenos da vigilância e do encarceramento.

É a propósito da loucura que, pela primeira vez, Foucault se confronta de forma directa com aquilo que o próprio viria a designar «poder pastoral» - um «poder individualizante [... conjunto] de técnicas de poder orientadas para os indivíduos e que se destinam a dirigí-los de forma contínua e permanente» (1979: 7). Nas instituições de segregação e do trabalho forçado que no sec. xvii se expandem por toda a Europa encontra o gérmen de uma alteração determinante na relação dos indivíduos com o Estado: o Hôpital Général , as Workhouses  ou as Zuchthäusen  tomam as pessoas (loucos, pobres, desempregados e deserdados de toda a espécie) como «problemas sociais», que chamam a si e tratam como sendo da sua responsabilidade. Nesse sentido, as anteriores práticas brutais de encarceramento cedem progressivamente lugar a formas mais sofisticadas de controlo social e psicológico, mais direccionadas para a mente que para o corpo, tendo em vista a homogeneização  e a moralização  da população em geral - o florescimento, «na sombra da cidade burguesa, dessa estranha república do bem imposta pela força a todos os que é suposto pertencerem ao mal» (1972: 88).

A ideia de que «a supervisão e a intervenção no domínio social é a principal característica das sociedades modernas» (Dews, 1984: 75) consolida-se ainda mais no pensamento de Foucault na sequência dos seus trabalhos sobre as instituições médica (o nascimento da clínica) e prisional.

Quanto à questão do poder, a pesquisa sobre as prisões será determinante. O principal instrumento de análise utilizado é o panóptico de Bentham, que Foucault apresenta não meramente como a imagem de um novo sistema prisional, mas como o esquema geral de funcionamento do poder no mundo moderno. No projecto arquitectónico de Bentham são identificados os elementos constituintes fundamentais do poder moderno: a centralização, a moralização (no lugar onde antes se encontrava a violência física), a eficácia e, de todos o mais determinante, a individualização. Na situação em que um único observador, posicionado numa torre central, vigia a totalidade dos indivíduos (entre si isolados e separados), estes, porque não têm acesso ao acto de vigilância a que estão sujeitos, interiorizam o sentimento de permanente observação e são levados a transformar-se nos agentes mais zelosos da sua própria vigilância. O mero dispositivo geométrico e arquitectónico internaliza em cada indivíduo os constrangimentos que lhe chegam do exterior, sob a forma de um controlo meticuloso tanto do seu corpo como da sua mente.

Nesta análise do panóptico (bem como nas análises do acto clínico e das condições de processamento da loucura) está patente uma fina argúcia no desvelamento das funções morais e cognitivas de um certo tipo de poder que se desenvolve nas sociedades modernas: o poder assente na vigilância unidireccional que tem por efeito a auto-monitorização moral dos indivíduos , o poder que transforma os seus alvos em objectos de conhecimento (condição da sua performatividade e eficácia). É, porém, mais discutível a pretensão de Foucault em transformar o panoptismo no modelo geral das relações sociais do mundo moderno, de acordo com uma perspectiva unilateral e monolítica do poder nos nossos dias: o poder centralizado, anónimo, disseminado e altamente performativo.

Embora  este cepticismo relativamente à modernidade  nunca tenha chegado a constituir um assunto encerrado para Foucault, é verdade, também, que não se trata de um mero lapso de análise ou uma forma de expressão menos pensada. A convicção mais forte é que a «face luminosa» da modernidade é profundamente enganadora: foram «as disciplinas reais e corporais que constituiram o subsolo das liberdades formais e jurídicas [... ao elaborarem,] em profundidade, as estruturas jurídicas da sociedade, para fazerem funcionar os mecanismos efectivos do poder, de acordo com os quadros formais que ele próprio havia constituído» (1975: 223-4).

É a veia nietzscheana aqui  a correr: a convicção de que o laço que une o processo de «moralização dos costumes» à «longa história da origem da responsabilidade» é historicamente constituído sob as marcas da coerção e da violência - assim foi possível «tornar o homem até certo ponto uniforme, igual entre iguais, regular e, por conseguinte, calculável [...] a moralidade dos costumes e a camisa de forças social tornaram o homem verdadeiramente calculável» (Nietzsche, 1887: 252). A subjectividade moderna, como nos é apresentada por Foucault, constituiria assim a derradeira etapa desse processo de interiorização do homem: o divórcio violento consumado com o passado animal, que propaga no homem a «doença mais grave e inquietante, o homem doente do homem, doente de si mesmo» (ibid. : 276).

A relação poder-subjectividade explorada neste quadro de pensamento tem subjacente, por conseguinte, a convicção muito discutível que entre essa mesma subjectividade e a submissão se encontra constituída uma relação não apenas verificável mas também inevitável. A percepção que Foucault tem da enorme viscosidade das muitas ideologias que o pensamento ocidental constituiu com base na idolatria da subjectivismo conduzem-no numa cruzada que tem tanto de corajosa como de inglória, nas suas consequências últimas. Contra o senso comum e a própria tradição filosófica dominante, refuta em termos liminares qualquer conexão plausível entre subjectividade, auto-reflexão e liberdade: só a plena tábua rasa sobre a ideia do sujeito autónomo como valor emancipatório parece poder apaziguar o espírito inquieto do pensador francês - «o homem de que nos falam e que nos convidam a libertar é já em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele próprio» (1975: 34).

O cepticismo de Foucaut face à modernidade está desde logo patente no modo como ele recusa a delimitação de uma fronteira nítida com o passado histórico anterior. A questão não é tanto cronológica ou espacial, mas acima de tudo relativa à própria natureza dos processos sociais, como justamente demonstra a sua posição perante o poder: a singularidade do poder moderno começa por se definir nas suas raizes que remontam à época clássica - o poder do Estado soberano, absolutista, detentor do monopólio da força. A esta matriz do poder, a modernidade virá crescentar simplesmente, do ponto de vista do autor, maiores exigências de eficácia. Por outro lado, face às condições sociais mais complexas nas quais o poder opera, a sua forma de intervenção vê-se corrigida: a realização da submissão pura e simples, bem como as formas de representação/ostentação tornam-se superfluas, por troca com uma intervenção mais meticulosa, orientada para cada indivíduo, intervindo sobre cada um de forma pessoalizada, tendo em vista a sua própria transformação interior.

É o domínio da biopolítica . Um poder que se desenvolve tendo por base uma  vontade de saber essencialmente centrada no sujeito: não o sujeito cidadão mas o sujeito-unidade produtiva, cujos «mistérios» da vida e da morte, da doença e do bem-estar, das trocas e do trabalho, da deliquência e demais misérias é necessário conhecer e administrar de forma produtiva. Prisões, manicómios e hospitais são os primeiros laboratórios desta «biotécnica do poder»; as modernas tecnologias de dominação aí exprimentadas e desenvolvidas acabarão depois, progressivamente,  por se difundir na totalidade do tecido social (nas escolas, nos locais de trabalho, na vida doméstica) -  é a ideia da «sociedade disciplinar» enquanto panoptismo generalizado  (cf. ibid. : 209).

As afinidades com o pensamento nietzscheano estão igualmente muito visíveis nesta ideia do biopoder: o poder que descobre a materialidade do corpo  e que faz dela a matéria prima básica da sua produção. Embora para Foucault não existe um «corpo natural»: o corpo é uma superfície de inscrição da história e, nessa medida, a sua constituição é acima de tudo social e política - «o corpo está directamente mergulhado num campo político; as relações de poder operam sobre ele de forma imediata; investem-no, marcam-no, dirigem-no, supliciam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimónias, exigem-lhe signos» (ibid. : 30).

Será oportuno deixar aqui uma breve referência (muito sumária, dadas as limitações da presente reflexão) à argumentação epistemológica que acompanha esta teoria do poder. Os corpos enquanto superfícies de inscrição da dominação, campos de aplicação das biotécnicas do poder, são também pontos de germinação do conhecimento. É nesta condição (de objectos cognitivos) que os corpos podem tornar-se úteis, produtivos, rentáveis para o poder. Um conhecimento, do ponto de vista de Foucault, que intervém sobre os corpos por processos de individualização sempre mais sofisticados, acutilantes e penetrantes ; e cujo núcleo fundamental  de saberes é basicamente constituído pelas chamadas ciências sociais e humanas. Estas ciências são encaradas, simultaneamente, como um produto e um instrumento de acção do biopoder: são elas que disponibilizam as imensas técnicas de pesquisa e de registo, criam ficheiros e desenvolvem uma panóplia de métodos de ordenamento sistemático de dados sobre os indivíduos, os seus corpos, as suas vidas, paixões, etc.

São elas, em suma, que permitem que o controlo e a dominação se tornem dia a dia mais eficazes - um meio excepcional para a tarefa da «dicursificação do quotidiano, da revista do universo ínfimo das irregularidades e das desordens sem importância», e permitem «dar ao poder a possibilidade de uma intervenção soberana» (1977a: 111 e 123).

Na versão dura da biopolítica foucaultiana, as ciências humanas são consideradas um instrumento do poder disciplinar na mesma medida que os próprios indivíduos. São, por um lado, um efeito não-visível da nova forma subtil do poder que, imperceptivelment, opera, ao nível dos hábitos inculcados e das normas da vida quotidiana, tanto dos grupos sociais como dos indivíduos isolados; por outro lado, são dispositivos por excelência desse mesmo poder, que mobilizam o saber que põe em prática novos instrumentos científicos (de cálculo, estatística, medida, generalização, abstracção) destinados ao conhecimento dos corpos humanos - um conhecimento adquirido administrativamente e que faz repercutir nos próprios corpos, da forma mais eficaz, a acção do poder.

Este cepticismo perante as ciências humanas (e a própria subjectividade) encontra-se, em última análise, em perfeita concordância com as reservas de Foucault relativamente à modernidade. Mas não obstante a extraodinária tenacidade que de um modo geral colocava na defesa dos seus pontos de vista, a Foucault sobrou sempre um espírito muito arguto e capaz de auto-questionamento. Que mais não seja por força da realidade insofismável do mundo da vida e perante a própria evolução das ciências humanas (que progressivamente souberam consolidar alternativas consistentes ao paradigma objectivista), nos textos dos últimos anos sentimos que o próprio autor vacila quanto a esta interpretação muito positivista da vontade de saber (e de verdade). Quando refere que «se queremos analisar a genealogia do sujeito nas sociedades ocidentais, devemos ter em conta não apenas as técnicas de dominação mas também as técnicas do eu» (1980: 7), isto deixa pelo menos subentendida a necessidade de reapreciar a  imagem unilateral anteriormente construída das tecnologias do poder.

Nestas palavras parece evidente um novo sinal de inquietação (neste caso consigo mesmo, com as suas próprias ideias), mas quanto ao que daí poderia resultar nada chegamos a saber. A morte de Foucault deixou para os que ficaram a possibilidade de continuar o seu desafio, mas não o poder adivinhatório quanto às suas ideias...

Foucault nunca foi um pensador de «últimas palavras». Por isso mesmo, o pior serviço que  hoje lhe podemos prestar é o da proclamação de verdades definitivas.
 

A crítica radical da modernidade

O principal mérito da análise política de Foucault está, como já tive oportunidade de referir, na forma sistemática como explora a relação poder-subjectividade: o modo como o poder, a par da sua  dimensão geral económico-administrativa, estabelece uma relação directa e profunda com os indivíduos - a sua «dimensão positiva», com base na qual o poder produz os próprios indivíduos.

Parece-me, por outro lado, que os pressupostos teóricos que enformam a análise acabam por limitar drasticamente as virtualidades  contidas nessa intuição original. Retomando o conhecido tema weberiano do «desencantamento do mundo», Foucault acaba por enveredar por uma crítica radical do Iluminismo que o leva a ignorar as próprias ambivalências de que Weber procurava dar conta.

A este propósito útil, será útil reflectir com maior atenção sobre o posicionamento da genealogia foucaultiana no quadro do que podemos designar o pensamento crítico em geral, em que a tradição da Escola de Frankfurt mantém ainda hoje uma posição de referência.

Como o próprio reconhece, são muitas as preocupações que Foucault partilha com os autores de Frankfurt,  ao ponto de chegar a lamentar não ter tomado conhecimento mais cedo e de modo mais aprofundado dessa reflexão, pois, como  diz, isso teria permitido evitar alguns disparates e a perda de tempo em voltas e reviravoltas inúteis (cf. 1983: 26). Apesar disso, verificamos que são no entanto muitos escassos os pontos de vista verdadeiramente partilhados por estas duas tradições críticas, se a expressão me é permitida.

Esta dessintonia está expressa de forma clara na maneira como são encaradas a razão e a subjectividade.
Tanto em Foucault como na chamada Teoria Crítica vemos retomado o problema do anonimato das relações de poder - questão introduzida por Weber e que este autor considerava uma consequência da passagem da «dominação carismática» à «dominação legal-racional». Mas enquanto Adorno e Horkheimer confinam a racionalidade do poder a um tipo de razão particular - a razão finalista e instrumental -, Foucault por seu lado atribui um sentido mais lato (e unitário) tanto à razão em geral como ao próprio poder.

Esta discrepância confere um significado completamente distinto à posição de cada uma destas correntes críticas perante a modernidade. Embora os autores de Frankfurt fossem tão catastrofistas quanto Foucault no que diz respeito às consequências que anteviam para o processo de desenvolvimento em curso - esvaziamento da subjectividade e a completa reificação das relações sociais -, consideravam no entanto este desenvolvimento como uma espécie de acidente histórico, com localização temporal que podia ser estabelecida e cuja possibilidade de inversão deixavam em aberto. Por isso a ideia de «regressão» é tão determinante em toda a filosofia da Dialéctica Negativa e, concretamente, a «regressão do eu» é considerada como uma inversão da normal «lei evolutiva da sociedade», onde a verdadeira subjectividade não é letra morta (cf. Adorno e Horkheimer, 1947: 47).

Em suma, estes autores põem em causa o individualismo das sociedades desenvolvidas (em particular, das sociedades capitalistas), mas nunca a subjectividade enquanto tal. Pelo contrário, consideram mesmo que é na «idiossincrasia indissolúvel do sujeito individual» que permanece o mais sólido factor de resistência à dinâmica destrutiva do nosso desenvolvimento (cf. Adorno, 1970: 56).

O afastamento de Foucault em relação a este tipo de pensamento crítico é ainda maior se tivermos como referência as gerações seguintes dos teóricos frankfurtianos. Habermas, por exemplo, não só corrobora as teses segundo as quais não é caso para falarmos de um «eclipse do homem», como considera mesmo que a possibilidade de hoje pensarmos a subjectividade reabilitada não necessita de recorrer ao princípio quase-mítico da «reconciliação» (adorniana). A subjectividade moderna assenta simplesmente na possibilidade de se estabelecer uma articulação equilibrada das diferentes dimensões da razão, de onde emergem estrututas de consciência pós-convencionais; possibilidade esta que não é de ordem escatológica, mas está presente na própria realidade da nossa vida quotidiana, sempre que ao nível da interacção as práticas comunicacionais dão lugar a um exercício racional, crítico e segundo critérios argumentativos.
Razão e subjectividade não são, portanto, irreconciliáveis, na condição de que esta mesma subjectividade não se empole como pura aparência e assim acabe por transformar os meios de tomada de consciência e de emancipação noutros tantos instrumentos de objectivação e de controlo (cf. Habermas, 1985: 67).

Assumindo Foucault conscientemente uma intenção crítica, o seu percurso intelectual sempre se manteve no entanto distante desta tradição emancipatória.Sendo ele próprio, pelo exemplo do seu trabalho, um exímio «ilustrado», o que o terá levado a invectivar de forma tão obstinada contra o Iluminismo? Como pôde idealizar uma espécie de história virtuosa da razão, completamente abstracta que nela acaba por não haver qualquer lugar para a modernidade?

Creio que a resposta  a estas aporias se encontra numa ambiguidade essencial do seu pensamento: a sua permanente vacilação entre duas posições antagónicas, o conhecimento positivista da realidade e o pensamento crítico.

Regressemos, então, à questão do poder. De um lado, temos a  análise empírica de diferentes técnicas de poder, numa espécie de ciência social funcionalista (com a qual Foucault se propõe explicar, entre outras coisas, a função social das ciências humanas). De outro lado, na pesquisa histórica sobre a constituição dos saberes recorre a uma espécie de análise transcendental das técnicas de poder (o que lhe permite explicar a formação e a próprio possibilidade em geral dos discursos científicos sobre o homem). Temos, assim, amalgamados na categoria «poder» tanto os pressupostos de uma ontologia empiricista como a noção idealista de síntese transcendental (cf. ibid. : 325-6).

Este transcendentalismo do poder decorre de uma inversão muito singular dos termos convencionais da filosofia da consciência: ao poder dependente da verdade sucede a verdade como  resultado do poder. Temos assim um (hipotético) poder supra-fundador que é, também, um poder sem sujeito: esse pretenso estatuto de fundação suprema de toda a realidade humana mantém o poder acima/desligado das competências (racionais, de juízo e de acção) dos indivíduos.

É este transcendentalismo, afinal, que acaba por matar à nascença uma possibilidade crítica verdadeiramente consistente. Sendo o poder princípio fundador supremo, estando presente em todo o lado e em todas as coisas, nada resta que se lhe contraponha. «Se queremos que o conceito de poder tenha um sentido político crítico, deve então existir algum princípio, força ou entidade que o poder "esmaga" ou "subjuga", cuja libertação deste estado de repressão seja considerado desejável» (Dews, 1984: 88) - hipótese que, no entanto, Foucault não prevê.

Quando refere que «os indivíduos são veículos do poder, não são os seus pontos de aplicação» (1977 b: 98), o que fica subjacente é, em última análise, a própria desmaterialização do poder: a elisão do sujeito priva o poder de um objecto referenciável e não deixa lugar a qualquer teoria ética consistente. Como diferentes autores assinalam, apesar das tentativas de Foucault (sobretudo nos últimos anos) em superar esta dificuldade, determinadas lacunas fundamentais  nunca chegaram a ser superadas: a ausência de uma explicação aceitável (historicamente convincente e empiricamente fundada) da dinâmica geral do poder, das razões e motivações que estão na origem das lutas do, pelo e contra o poder (cf. Said, 1983: 244-5).

Quanto ao empiricismo de Foucault, ele é tanto mais surpreendente quanto é conhecida a sua aversão ao objectivismo próprio do pensamento antropocêntrico. Mas em virtude de um ainda maior cepticismo em relação às aventuras «críticas» daqueles que lhe estavam mais próximos (pelo menos aparentemente), acabou também ele por se ver enleado na complexa teia positivista: a contabilidade objectiva dos efeitos do poder ter-lhe-á parecido um mal menor comparativamente às divagações libertário-psicanalíticas  dos pós-estruturalistas...

Entre os diferentes aspectos do objectivismo foucaultiano, há um que merece uma referência especial no quadro da presente discussão do poder: a pretensa neutralidade axiológica do conhecimento (positivo) que, no fundo, não é senão uma incapacidade justificativa dos seus próprios fundamentos normativos.

Para Foucault, a neutralidade axiológica não é uma questão propriamente teórico-metodológica (como é entendida pelo positivismo clássico), mas uma característica inerente à natureza do próprio objecto de estudo. No caso do poder, esta pretensa neutralidade intrínseca do objecto é assumida quando ele proclama que não podemos encontrar o «lado correcto» do poder e escarnece mesmo da «cançoneta anti-repressiva» que interminavelmente procura esse lado bom, sem no entanto conseguir mais que enfadonhas «viradas do pró ao contra que logo se bloqueiam» (1977c: 238-9). A ser isto verdade, então o jogo normativo do poder seria irrelevante e as pretensões de validade próprias desse jogo seriam desprezíveis; em última análise, estaria então fora de causa a «compreensão» dos discursos (tendo por base o horizonte pré-compreensivo que os constitui) e haveria lugar a uma «explicação», de um ponto de vista pretensamente neutro.

Considerando as bases normativas da acção social e as respectivas pretensões de validade já um efeito de poder, Foucault toma-as como elementos de opacificação que se destinam a ocultar as verdadeiras origens e natureza do poder.

A cruzada inglória em prol do conhecimento axiologicamente neutro transparece ainda noutras tiradas célebres do autor, como sejam a condenação que dirige «à velha função profética dos intelectuais» (categoria de indivíduos cuja existência chega mesmo a considerar pouco desejável) - não discernindo entre «função de legislador» (do intelectual) e capacidade crítica fundamentada (cf. ibid. : 242); ou a sua boutade  pós-moderna (e muito francesa-década de 70) do «fim da política» - o ponto ómega de distanciamento tanto do normativismo assumido das diferentes críticas da ideologia como do criptonormativismo da ciência positiva militante.

A dissidência que Foucault assume em relação à modernidade é a acrobacia impossível de tentar pôr-se de fora do jogo do poder: o « passar para o outro lado (...) para procurar-se desprender destes mecanismos que fazem aparecer dois lados, para dissolver esta falsa unidade, a "natureza" ilusória deste outro lado de que tomamos o partido» ( ibid. : 239).

O nome desse «outro lado de fora» do poder é a resistência  - entidade algo misteriosa que episodicamente emerge nos textos de Foucault e serve para operar viragens abruptas, deslocamentos do modo de pensar (em geral, tão surpreendentes quanto enigmáticos).

A resistência é o negativo do biopoder. Tal como este, a sua raiz mais profunda situa-se ao nível do próprio corpo, do organismo humano: sempre «que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência (...) ela é coextensiva a ele e absolutamente contemporânea (...), tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele»; e o próprio Foucault acrescenta, surpreendentemente, que «jamais somos aprisionados pelo poder, podemos sempre modificar a sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa» (ibid. : 241). Tudo isto, à revelia de inúmeras passagens da sua obra em que sugere a omnipresença e a omnipotência do poder (cf. Merquior, 1985: 175-6).

Ora, esta sua posição não se limita a um dar conta (em termos «objectivistas») da existência de uma determinada realidade (a resistência) mas faz explicitamente a sua apologia, sugerindo a superioridade da resistência sobre o poder e conferindo-lhe mesmo uma função epistemológica determinante: a historiografia genealógica não é apresentada como «crítica», mas ela própria uma forma de resistência - o seu jogo não é o da normatividade do poder, situa-se antes « do outro lado», do lado da resistência, do lado de fora e contra o poder.

Uma posição que, afinal, nada tem de axiologicamente neutra.

Não só esta viragem enquadra mal com a pretensão do «conhecimento puro», tantas vezes sugerida, como lhe falta um complemento justificativo indispensável, sem o que a opção resistência-resignação se torna indicidível, pois «não é claro porque motivo alguém adoptará tal política [de resistência] se não existe possibilidade de escapar às garras do poder e se não há critérios que permitam diferenciar entre regras e práticas piores e melhores» (Nikolinakos, 1990: 125).

Cada um de nós poderá suprir de forma simplesmente intuitiva esta lacuna, mas isso não permite adivinhar qual a verdadeira justificação que deambulava no espírito de Foucault; pois o mais natural é que as nossas hipotéticas justificações mantenham algum compromisso com a «retórica moderna» - aquela que, recorde-se, Foucault sempre recusou. Uma certa estetização que perpassa da sua análise política poderá sugerir-nos a orientação para uma filosofia de tipo vitalista ou naturalista - algo do género, a resistência como o «grito silencioso» do corpo fustigado, o contra-poder pré-discursivo que se faz ouvir nos sinais de uma linguagem não verbalizada. Mas é o próprio autor, por diversas vezes, a assumir que não há nada de mais errado e perigoso que esse «naturalismo» laudatório de tudo aquilo que «sofre» os efeitos do poder, crente na «vivacidade primitiva» das coisas que se esconde sob o poder.

Não valerá a pena continuar este jogo de sombras. Parece-me  estarmos, simplesmente, perante um caso de pura e simples indecisão ou de incapacidade em formular os princípios normativos do pensamento - facto que não sendo virtude, não é também propriamente um crime irremediável, desde que a possibilidade justificativa seja diferida e se mantenha em aberto.

O período desta espera será, porém, sempre penoso: até que a situação de indecisão se mantenha, não é possível sustentar alguma justificação satisfatória das posições assumidas.

A adopção de um conceito muito lato de poder tende a fazer-lhe perder valor cognitivo (cf. Ruiz-Miguel, 1983: 292-3).
Esta parece-me ser a situação do biopoder: omnipresente e úbiquo, «porque se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor em toda a relação entre pontos, o poder está em toda a parte, não porque englobe tudo, mas porque provém de todo o lado» (1976a: 122); «é uma máquina na qual estão presos tanto os que o exercem como aqueles sobre quem ele é exercido» (1977d: 156).

O poder assim concebido acaba por ver esbatida a sua especificidade política, anulada a possibilidade de imaginar algo que se lhe oponha e desintegrada a própria relação poder-opressão. Numa espiral especulativa incontrolada, o poder reduz-se a um princípio metafísico substancialmente inútil: nada descreve e nada ajuda a compreender. Ao recusar qualquer valor contrafactual à crítica do poder, Foucault não tem em conta alguma ordem em particular, mas apenas dirige um ataque à ordem em geral, em nome de uma «não-ordem pura e abstracta (...), formação desprovida de qualquer propriedade, semelhante ao tohu-bohu mítico ou ao caos onde nada se distingue e onde não poderemos, entre outras coisas, determinar nem o bem, nem o prazer, nem a liberdade, nem a justiça»; para além de esquecer que «a luta política jamais foi dirigida contra a ordem enquanto tal, mas sempre contra um estado particular da ordem que subjuga o sujeito, o põe sob tutela ou violenta-o (...), jamais o caos constituiu o sonho de um revolucionário e não há qualquer possibilidade de algum dia isso vir a acontecer» (Frank, 1984: 136-7).

O conceito de poder só adquire possibilidade de aplicação empírica crítica quando elaborado em termos contrafactuais, por forma a precisar como uma determinada situação é alterada (ou alterável) quando é (ou for) cancelada uma operação do poder (cf. Dews, 1984: 92).

A ideia adiantada por Foucault de uma interconexão forte entre o poder e a subjectividade possui enormes virtualidades, mas para que as mesmas possam ser plenamente exploradas, muito provavelmente  será necessário repensarmos em profundidade cada um dos termos da relação.

À subjectivação não corresponde de forma linear a ideia de subjugação nem a evocação severa do homem moderno irremediavelmente solitário e vulnerável. No sujeito não podemos confundir o instituído, relativo à vigência e consagração de um determinado sistema de normas, com o instituinte, que mantém em aberto a possibilidade de formação de uma consciência reflexiva e crítica - crítica da instituição e do próprio quadro normativo instituído.

O poder, por sua vez, não é uma força unidimensional e monolítica; sobretudo quando pensamos o poder moderno: polimórfico  e heteronímico , como o próprio jogo da modernidade (no qual ele é uma peça chave) em que se confrontam tanto elementos progressivos como regressivos.

A possibilidade de erguer uma justificação moral aceitável - uma «moral dos compromissos contrafactuais» desenvolvida no âmbito de uma hermenêutica da auto compreensão (Frank, 1983: 176) - exige este tipo de reordenamento do quadro de análise, a sua complexificação e a aceitação da ambivalência intrínseca dos elementos constituintes.
 

Os limites da teoria do «fim do sujeito»

O estado de indefinição em termos éticos do pensamento de Foucault é assumido pelo próprio e pode ser confirmado na profunda convulsão que atravessa os seus últimos escritos.

O modo como cultivou ao longo da sua vida a irreverência intelectual transformou-o, em certo sentido, no maior céptico de si mesmo. Esta obsessão de corrigir e deslocar a todo o momento os pontos de amarração do seu pensamento cultivaram-lhe também o gosto pela polémica, em especial com aqueles que, à primeira vista , dele se sentiam mais próximos.

Trata-se, porém, de uma obsessão que de tão exagerada parece em determinados momentos perder por completo o sentido dos seus próprios limites: o sucessivo fechamento de portas - hipóteses abandonadas, soluções esquecidas, dados «seguros» que logo são postos em causa - torna cada vez mais difícil a mera antevisão de uma saída viável.

Poderiam ser vários os exemplos apresentados deste ziguezaguear estonteante e permanente. Fixemo-nos apenas num especialmente importante no quadro da discussão que aqui leva a cabo - a propósito da subjectividade. Estabeleceu com fina perspicácia a relação da subjectividade com a moral e, a partir de determinada altura, passou mesmo a referir-se à «verdadeira subjectividade»; mas isso não obstou a que nunca tenha tentado explicar quais os refluxos  ao nível da moral que daí advinham, isto é, como diferenciar as morais opressivas das não-opressivas. Como compreender, também, que tendo trabalhado com tanta paixão a questão da subjectividade, tenha ao mesmo tempo sempre recusado qualquer referência consistente a algum tipo de saber psicológico?

A abertura dos últimos anos permite-nos supor que, a partir dessa ideia de uma «verdadeira subjectividade» (e da moral que lhe dá espessura), um novo jogo da verdade poderia estar em marcha, uma «nova política da verdade» - chega mesmo a assumir como propósito do seu trabalho, «separar o poder da verdade das formas de hegemonia, social, cultural e económica, no interior das quais ela opera no momento presente» (1977e: 133). O único meio plausível para a concretização deste objectivo, para chegar a estabelecer uma alternativa às relações de dominação, é a razão; mas para Foucault a racionalidade nunca deixou de ser encarada como a própria génese das diferentes formas do poder-saber.

Noutro sentido, quanto à questão do poder, embora sempre tenha privilegiado a  relação do poder com a dominação (adoptando desta forma uma perspectiva unilateral da moral), recusou no entanto todas as referências e contributos anteriores que caminhavam no mesmo sentido - fossem os diferentes marxismos, ou as teorias críticas que punham o acento tónico no problema da alienação e da reificação ( equacionando-o em termos de condições de cidadania e de direitos humanos). Até ao último momento escarneceu da noção de «direitos humanos», que para si se revelava incompatível com a peculiar noção de liberdade que perfilhava: a liberdade espontânea, inerente a uma certa ideia de governamentalidade de si mesmo, isto é, «a totalidade das práticas pelas quais se constituem, definem, organizam, instrumentalizam as estratégias que os indivíduos na sua liberdade podem assumir uns perante os outros» (1984a: 19-20).

O estado mais intenso dos muitos paradoxos que atingem este autor está presente na sua relação com a crítica, na forma como ele assume esta aptidão do pensamento.

Nunca recusou o compromisso crítico, enquanto forma de conhecimento que transcende o estrito sentido positivista - um conhecimento que procura o sentido daquilo que não é imediatamente perceptível (o desvelamento das formas escondidas e dos efeitos subreptícios do poder). A sua apologia da resistência vai também nesta direcção. Mas jamais aceitou a ideia de um «projecto crítico», combatendo-a mesmo com extraordinário afinco: a mútua pressuposição que postula dos regimes da verdade e do poder não lhe permite aceitar a possibilidade de existência de um ponto de vista privilegiado (seja em termos epistemológicos ou políticos), nem tão pouco a existência de alguma forma de conhecimento efectivamente libertadora. O conceito matafísico de poder que adopta, condu-lo a uma posição de «neutralidade nietzschiana» em relação aos diferentes sistemas históricos de poder, negando a qualquer discurso da verdade um potencial libertador (cf. Taylor, 1986: 79-80). A crítica para Foucault deve permitir a identificação dos fundamentos das diferentes práticas sociais mas tem de abster-se de ambições programáticas e prescritivas: é apenas um instrumento de resistência para os dissidentes que lhes permite experienciar a liberdade de se deslocarem, de sempre poderem recusar as categorias e as classificações estabelecidas.

Mas como compatibilizar estas duas posições - simultaneamente advogar a neutralidade (e recusar o potencial de emancipação da verdade) e fazer a apologia da luta e da resistência?

Estas são algumas das principais inquietações, ambiguidades e indefinições que atravessam o pensamento de Foucault. Nos seus últimos trabalhos são bem evidentes os sinais de uma nova tentativa de viragem, orientada na busca de uma resposta a estas dificuldades e que passa pela consolidação da base normativa do projecto teórico global; é o que podemos considerar uma certa distanciação do niilismo (no qual Foucault sempre vogou com certa tranquilidade), com a reabilitação de algumas noções antes ausentes  do seu vocabulário ou assumidas muito cinicamente - «liberdade», «ética», «moral», «subjectividade».

O significado da atitude crítica torna-se então mais preciso. Dando a ver as contingências do mundo e do próprio homem, a possibilidade de explorar novas hipóteses (alternativas) torna-se mais tangível e criam-se as condições para que possam ser suspensas as formas de conhecimentos estabelecidas (e respectivas relações de poder). Mas trata-se ainda ( como sempre em Foucault) de uma inflexão inconclusiva: não chega a ser definido um critério seguro e inequívoco capaz de identificar os «perigos da vida» (que exigem uma resposta ético-política) e os verdadeiros «discursos resistentes».

 A humildade com que assume o carácter parcial e provisório das suas ideias  sempre foi, porém, mais forte que qualquer desejo de sistematicidade ou mesmo de coerência: a «curiosidade obstinada» tinha para si o significado muito especial não daquilo que «procura assimilar-se ao que é conveniente conhecer, mas o que permite desprender-se de si mesmo (...), em vez de legitimar o que já é sabido, procura saber como e até onde é possível pensar de forma diferente» (1984b: 14-5).

É este desejo de um permanente abandono de si mesmo que leva Foucault, nos últimos anos, à revelia de ideias antes assumidas, a admitir que a libertação não é afinal, necessariamente, uma quimera. Sem chegar a sonhar com o estado edílico da reconciliação do homem, admite no entanto que os indivíduos e os grupos sociais dispõem, pela sua acção, de alguma capaciade de iniciativa no que diz respeito à transformação das relações de poder existentes. Os actos de poder - leis, normas, técnicas de governação, práticas de subjectivação - são objecto de uma análise mais minuciosa, que deixa em aberto a possibilidade da sua condução no sentido de identificar a arbitrariedade e a intolerância arbitrárias, bem como de promover relações sociais que sejam menos talhadas pela dominação e pela coerção. Creio ser este o significado da distinção a certo momento introduzida entre «relações de poder» e «estados de dominação»: as primeiras comportam um leque de possibilidades de acção muito mais amplo que as segundas e poderão mesmo ser prosseguidas à revelia destas (cf. 1984a: 3 e 18). E vai ainda no mesmo sentido a reconsideração em termos positivos da liberdade e dos direitos: a liberdade que se joga nas relações poder-saber, enquanto possibilidade de o conhecimento questionar os seus próprios limites e rasgar novos horizontes às relações sociais. «Uma liberdade activa, indissociável de uma relação estrutural, instrumental e ontológica com a verdade» - verdade que é agora considerada não como «condição epistemológica para que o indivíduo se reconheça na sua singularidade de sujeito desejante», mas aquilo que permite a cada um a «soberania de si» e a dominação da sua própria violência (1984b: 103).

A partir do momento em que a articulação poder-saber é equacionada  desta forma, isto é, em termos positivos, a ética passa também a ser encarada a outra luz: caracteriza um determinado tipo de articulações entre o poder e o saber - aquelas que em alguma medida minimizam a dominação e favorecem configurações originais da liberdade -  e traduz-se numa forma de conduta que garante a possibilidade objectiva do exercício desta mesma liberdade.

Esta viragem não faz Foucault perder de vista a referência fundamental ao indivíduo (e ao seu corpo): tal como o poder,  também o «jogo da liberdade» é a este nível que tem os seus desafios decisivos. A possibilidade de relações sociais livres começa sempre por se afirmar a partir da liberdade de cada um, no projecto individual que permite a cada indivíduo tornar-se livre de si mesmo, através de uma «estilização da atitude e de uma estética de existência» (cf. ibid. : 11-16).

Como é conhecido, o trabalho empírico que serve de suporte a esta reapreciação teórica é centrado na análise da questão sexual e tem na experiênca de vida da Grécia Antiga o ponto fundamental de referência. Foucault assume que aqui podemos descortinar uma experiência ética  em que a relação consigo mesmo é posta em pé de igualdade com a relação com os outros; onde, em suma, a individualidade não é reduzida à ideia de «sujeito vazio» - mero efeito produzido pelo poder (e pelo conhecimento).

A análise da questão sexual permite uma aproximação diferente ao problema da subjectividade - a perscrutação directa do «mundo interior»  - e inaugura uma nova representação dessa mesma subjectividade: a constituição do sujeito enquanto entidade activa, sujeito moral preocupado consigo mesmo («cuidado de si»), com capacidade de decisão e orientação da sua própria conduta, tendo em vista reforçar a sua autonomia, «um exercício do eu sobre o próprio eu pelo qual cada um procura realizar-se, transformar o próprio eu e atingir um certo modo de existência» (1984a: 2).

Embora sejam muito significativos os sinais que indicam uma viragem radical do pensamento de Foucault nos seus últimos trabalhos, como acabamos de verificar, subsiste mesmo assim uma certa opacidade quanto ao perfeito alcance desse reposicionamento teórico. A morte inesperada de Foucault, deixando por concluir ambiciosos projectos de trabalho já em curso, foi a causa mais óbvia deste estado de coisas; mas não podemos esquecer, também, a forma minimalista como o autor assumiu a sua própria viragem (confinando-a a meras questões de método e da selecção do objecto de estudo), bem como o facto de, neste período, as suas análises se focalizarem muito estritamente na Antiguidade Clássica (o recuo genealógico é então tão acentuado que praticamente desapareceram as referências à modernidade).

Resta-nos um arriscado exercío de inferências, deduções e interpretações, onde a especulação e os perigos do sujectivismo espreitam a todo o instante. É um risco que, no entanto, aqui assumo na expectativa de que daí poderá resultar algum benefício para a  reflexão dos problemas do poder e da subjectividade no mundo moderno.

Caberá, então, começar por retomar a noção de «estética da existência» - apresentada como forma de constituição da subjectividade e da conduta ética.

A estética da existência joga-se ao nível da experiência , enquanto correlação, estabelecida num determinado contexto cultural, de campos do saber, de tipos de normatividade e de formas de subjectividade. Consubstancia-se, em termos éticos, num conjunto de «práticas de si», práticas pelas quais «os indivíduos são chamados a constituir-se como sujeitos de conduta moral» (1984b: 36).

«Estética», porque o tipo de conduta referido não se define em termos de uma estrita adequação (ou desadequação) a um código moral, mas exige a estilização da atitude: «uma maneira de viver cujo valor moral não está na sua conformidade a um código de comportamento nem num trabalho de purificação, mas em certas formas, ou antes, em certos princípios formais gerais no uso dos prazeres, na distribuição que deles se faz, nos limites que se observam, na hierarquia que se respeita» (ibid. : 103). Prerrogativa que pertence em exclusivo ao indivíduo: diz respeito à relação consigo mesmo, ao modo como cada um «trabalha» a sua própria existência, a transforma, modifica e procura aperfeiçoá-la, incutindo na sua vida valores estéticos e critérios de estilo.

O que há de auspicioso nesta forma de encarar a subjectividade transmite-se à moral: para além das codificações, a moral «implica também uma certa relação a si [ao Eu]; essa relação não é simplesmente "consciência de si", mas constituição de si enquanto "sujeito moral", na qual o indivíduo circunscreve a parte dele mesmo que constitui o objecto dessa prática moral, define a sua posição em relação ao preceito que segue, fixa para si um certo modo de ser que vale como realização moral dele mesmo; e, para tal, ele age sobre si mesmo, procura conhecer-se, controla-se, põe-se à prova, aperfeiçoa-se, transforma-se» (ibid. : 35).

A capacidade de cada homem afirmar-se como ser singular - assumindo em termos morais a sua subjectividade - é um exercício de liberdade. Sem idealizações, porém: a liberdade não significa «a independência de um livre arbítrio» nem a «libertação que tornaria o indivíduo independente de qualquer coerção exterior ou interior» (ibid. : 92-3). A liberdade não deixa de ser um jogo de poder. Ela articula-se simultaneamente e de forma estreita tanto com a subjectividade como com o poder: é um jogo de poder exercido enquanto domínio de si (com vista a construir uma vida mais intensa e bela) e que tem uma necessária repercussão sobre os outros.

Tendo como referência a análise do universo simbólico da Antiguidade, Foucault faz apelo à temperança (sophrosune ) enquanto princípio de mediação das três unidades constituintes da estética de existência - o poder, a liberdade e a subjectividade. Mas a dúvida que se impõe quanto a este quadro de análise é a da sua validade no que diz respeito à situação presente.

Não é muito plausível que a venerável figura da temperança possa constituir princípio de fundamentação suficiente do poder moderno: nas condições presentes, a mediação do particular e do universal é extraordinariamente mais complexa - a virtuosidade do poder exercido sobre os outros não pode ser deduzida, de forma simplista, do domínio exercido sobre si mesmo.  Se queremos tornar viável este quadro de análise (e evitar o risco da regressão à anterior retórica do carceral e da vigilância generalizada), é necessário, então, introduzir um elemento de mediação (e factor de moderação) de outro tipo.

O derradeiro volume da História da Sexualidade projectado por Foucault  deveria versar sobre a pastoral da carne, numa aproximação à idade moderna que deixava antever o esclarecimento de algumas das dúvidas relativas à aplicabilidade da estética da existência na actualidade. Mas, como sabemos, esse trabalho nunca chegou a ver a luz.

No entanto, tendo em conta a caracterização da moral cristã que nos volumes anteriores já tinha antecipado, não era previsível uma alteração muito substancial do seu anterior cepticismo. Já a sua estratégia para caracterizar o poder moderno passava por um traçado quase em linha recta com origem num ponto de partida que remontava ao universo simbólico cristão - a pastoral do poder; embora considere que as sociedades modernas combinavam esta fonte de poder com uma outra distinta («a da cidade e da cidadania», de inspiração Antiga), do cruzamento daí resultante não vislumbra no entanto uma face mais luminosa do poder moderno, pelo contrário, considera mesmo que com a combinação destas duas fontes do poder nos Estados modernos, «as nossas sociedades revelaram-se verdadeiramente demoníacas» (1979: 20).
 

A razão unidimensional como nivelamento da experiência

Porque, afinal, esta relutância de Michel Foucault em transportar à modernidade as possibilidades que a análise da Antiguidade Clássica deixa antever?

Acima de tudo, do meu ponto de vista, em virtude da posição que assume em relação à razão - uma interpertação restritiva da racionalidade moderna.

Durante muito tempo, a razão foi apresentada como mero efeito do poder; e se é verdade que, quanto a este conceito, a sua posição se tornou também mais matizada nos últimos anos, isso não bastou para superar por completo uma certa desconfiança original.

Ainda a propósito da questão da sexualidade, parece evidente que de início - em «A Vontade de Saber» - foram determinantes as suas anteriores posições: a apologia da ars erótica  enquanto forma original de experiência, centrada no corpo e nos seus prazeres, não condicionada por uma lei absoluta (do permitido e do proibido) ou por um critério de utilidade, é assumida como radicalmente alternativa à racionalidade ocidental e à sua scientia sexualis  (1976a: 76-7).

Mas a situação muda de figura quando se volta para a Grécia Antiga e formula a ideia da estética da existência. Alguns autores consideram esta proposta como uma regressão a um estado de consciência pré-racional (cf. Wolin, 1986: 78), mas manifestamente não é disso que se trata. Foucault aceita e reconhece então com toda a clareza o contributo indispensável da razão, quando afirma que «a liberdade-poder que caracteriza o modo de ser do homem temperante não pode conceber-se sem uma relação com a verdade» e acrescenta, de forma ainda mais clara, invocando o testemunho de Aristóteles, que o temperante (sophron ) é aquele que obedece às prescrições da justa razão (cf. 1984b: 99).

Na estética da existência, o sujeito moral  é também um sujeito de conhecimento, que se constitui enquanto tal a partir de uma relação intensa com a razão  - relação estrutural, instrumental e ontológica.

A questão não está, por conseguinte, num hipotético posicionamento de não-racionalidade mas em algo distinto: a irredutibilidade em aceitar uma linha de continuidade entre a «razão clássica» e a racionalidade moderna (cf. ibid. : 102-3). Esta posição irredutível é, por outro lado, o resultado de uma concepção muito limitada da razão, decalcada da filosofia clássica: a razão em termos estritamente ontológicos e na perspectiva unilateral da relação subjectiva.

São estas restrições drásticas que impedem Foucault de dar conta do complexo movimento da razão na cultura ocidental e do fenómeno geral da modernidade: à ambivalência intrínseca da razão moderna apenas pode então contrapor o ponto de vista unidimensional da racionalidade técnico-instrumental. É sintomático, a este nível, o facto de no seu pensamento serem sistematicamente negligenciados todos os aspectos que se relacionam com as acções comunicacionais e a autonomia do universo simbólico da linguagem - recursos que lhe teriam permitido desenvolver uma viragem bastante mais consistente e um quadro mais amplo de compreensão da modernidade.

Embora a partir de determinada altura tenha passado a considerar uma «relação à verdade» que transcende os meros «jogos da verdade» (isto é, a verdade como mero efeito de poder), manteve todavia uma perspectiva essencialmente relativista do problema. Passa a aceitar a existência de regras éticas (e até legais) que minimizam a dominação e que se desenvolvem com uma certa independência em relação às estruturas de poder estabelecidas, mas é como se essas regras fossem simplesmente mais umas entre tantas outras: o conceito estreito de razão que adopta não lhe permite estabelecer uma fundamentação consistente do critério de verdade.

Pela mesma razão não pode assumir a superioridade de um qualquer ponto de vista normativo.

Para responder às inquietações que os últimos trabalhos evidenciam, manifestamente parecem ter faltado a Foucault os instrumentos conceptuais apropriados. Isso é evidente, como vimos, no que diz respeito ao conceito de razão e, também, à teoria do sujeito - «a ausência de um conceito do Eu satisfatório, necessário à construção de uma ética substancial e coerente capaz de fundamentar os interesses socio-políticos» (Nikolinakos, 1990: 137). As lacunas essenciais a este nível consistem nas ausências de qualquer espécie de referência psicológica e de algum princípio integrador das diferentes dimensões da própria subjectividade, para além da irresistível sedução que essa ideia do «sujeito vazio» sempre exerceu no espírito de Foucault.

Entre as diferentes consequências que resultam desta equívoca teoria do sujeito, permito-me destacar aquelas com maior incidência ao nível da compreensão da realidade e da dinâmica da vida social.

Como é sabido, a «competência sociológica», por assim dizer, nunca esteve propriamente nos horizontes mais próximos da reflexão de Foucault. Isso poderá explicar a sua insensibilidade em relação a processos sociais básicos - como sejam, a socialização  e a integração social  - e o seu continuado fascínio pela ideia do «sujeito vazio», uma individualidade integralmente manipulada e destituída de capacidade de autodeterminação e de «realização de si».

As concepções da razão puramente instrumental, do sujeito vazio e do poder absolutizado reduzem o processo de socialização a um acto de mera submissão - o adestramento dos corpos pelas tecnologias do poder - e a integração social a uma inapelável internalização da violência.

Sem o reconhecimento da autonomia do universo simbólico, permanece esquecida a socialização que é também um processo de individuação, resultante das competências simbólicas de expressão (de fala e de acção) dos agentes sociais; assim como permanece ignorada a dinâmica própria da interacção comunicativa - a força simbólica da linguagem que, no espaço dialógico da intercompreensão, põe frente a frente os interlocutores e lhes permite estabelecerem planos coordenados para as suas acções, ao mesmo tempo que são criadas as condições para que cada um possa afirmar a sua individualidade própria.

Condicionadas pelas muitas limitações que os instrumentos conceptuais que utiliza lhe impõem, as pesquisas de Foucault tornam-se também frequentemente uma presa fácil das muitas armadilhas do objectivismo. Mal servida em termos teóricos, a sua extraordinária paixão pela pesquisa empírica facilmente perde o véu da «objectividade» e deixa a nu uma estratégia puramente demonstrativa.

A propósito dos mais variados assuntos que trata, os resultados das pesquisas realizadas surpreendem-nos tanto pelas inúmeras revelações inesperadas como pelas  suas mais evidentes lacunas, ausências, «esquecimentos» e falta de sistematicidade.

Esta selectividade relativista  está bem patente, por exemplo, quando Foucault ao tratar a questão da subjectividade ignora sistematicamente a dimensão essencial da modernidade relacionada com a progressiva interiorização da consciência subjectiva: a busca sistemática de uma sinceridade própria (dos sentimentos, emoções, desejos e experiências de vida em geral) e a erotização assumida da experiência de si como um trabalho espiritual. Ou, quando trata a questão penal, a forma como  transforma uma experiência limite - a pena - em paradigma da moral moderna e do processo de modernização em geral (o «panoptismo generalizado»); e a forma como ignora a dimensão legal e moral do Estado constitucional burguês (que chega aos nossos dias), com base na qual se constituiram garantias historicamente únicas de liberdade e de segurança jurídica dos cidadãos - só a obstinação um tanto absurda por um quadro teórico rígido nos permite compreender a «justificação» que Foucault apresenta do sistema soviético como uma mera extensão e versão ampliada do «mundo disciplinar» burguês do século passado (1976b: 454-5).

Esta perspectiva unilateral dos processos sociais equivale a uma forma de normalização  da experiência   que transforma o movimento contraditótio da modernidade num percurso linear, onde não se vislumbram quaisquer vantagens seja em termos de liberdade ou de expressividade.

A face escondida das suas permanentes inquietações e da preocupação em operar deslocamentos («pensar diferente») é esta solidez impenetrável de um trabalho empírico onde se procuram evitar a todo o custo as mínimas fissuras, por forma a fazer repercutir conclusões muito antecipadamente  pré-figuradas.

Apesar da diferença muito própria que Foucault afirmou no pensamento deste século, no modo conservador como conduziu as suas pesquisas (sem brechas ou a mínima nota dissonante, por forma a melhor resistir à inquietação permanente que o assolava), encontramos também, infelizmente, os traços típicos do teórico obstinado convencional, a que não faltam recursos para resistir com tenacidade aos ventos de mudança.

Mesmo àqueles que sopravam do interior do seu próprio espírito...
 
 

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*  Na bibliografia, as datas apresentadas em primeiro lugar identificam as edições originais; quando a edição consultada não foi a original, o seu título encontra-se entre parentesis.
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