SEGREDO de ESTADO
Lei n.º 6/94 de 7 de Abril
A Assembleia da República
decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), 168.º, n.º 1, alíneas b), c)
e r), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
1 - O regime do segredo de Estado é definido
pela presente lei e obedece aos princípios de excepcionalidade,
subsidiariedade, necessidade, proporcionalidade, tempestividade, igualdade,
justiça e imparcialidade, bem como ao dever de fundamentação.
2 - As restrições de acesso aos arquivos, processos e registos
administrativos e judiciais, por razões atinentes à investigação criminal ou à
intimidade das pessoas, bem como as respeitantes aos serviços de informações da
República Portuguesa e a outros sistemas de classificação de matérias, regem-se
por legislação própria.
3 - O regime do segredo de Estado não é aplicável quando, nos
termos da Constituição e da lei, a realização dos fins que ele visa seja
compatível com formas menos estritas de reserva de acesso à informação.
Artigo 2.º
Âmbito do segredo
1 - São abrangidos pelo segredo de Estado os
documentos e informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é
susceptível de pôr em risco ou de causar dano à independência nacional, à
unidade e integridade do Estado e à sua segurança interna e externa.
2 - O risco e o dano referidos no número anterior são
avaliados caso a caso em face das suas circunstâncias concretas, não resultando
automaticamente, na natureza das matérias a tratar.
3 - Podem, designadamente, ser submetidos ao regime de segredo
de Estado, mas apenas verificado o condicionalismo previsto nos números
anteriores, documentos que respeitem às seguintes matérias:
a) As que são transmitidas, a título confidencial, por Estados
estrangeiros ou por organizações internacionais;
b) As relativas à estratégia a adoptar pelo País no quadro de
negociações presentes ou futuras com outros Estados ou com organizações
internacionais;
c) As que visam prevenir e assegurar a operacionalidade e a
segurança do pessoal, dos equipamentos, do material e das instalações das
Forças Armadas e das forças e serviços de segurança;
d) As relativas aos procedimentos em matéria de segurança na
transmissão de dados e informações com outros Estados ou com organizações
internacionais;
e) Aquelas cuja divulgação pode facilitar a prática de crimes
contra a segurança do Estado;
f) As de natureza comercial, industrial, científica, técnica
ou financeira que interessam à preparação da defesa militar do Estado.
Artigo 3.º
Classificação de segurança
1 - A classificação como segredo de Estado
nos termos do artigo anterior é da competência do Presidente da República, do
Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, dos Ministros e do
Governo de Macau.
2 - Quando, por razão de urgência, for necessário classificar
um documento como segredo de Estado, podem fazê-lo, a título provisório, no
âmbito da sua competência própria, com a obrigatoriedade de comunicação, no
mais curto prazo possível, para ratificação, às entidades referidas no n.º 1
que em cada caso se mostrem competentes para tal:
a) O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas;
b) Os directores dos serviços do Sistema de Informações da
República.
3 - A competência prevista nos n.ºs 1 e 2 não é delegável.
4 - Se no prazo máximo de 10 dias contados a partir da data da
classificação provisória esta não for ratificada, opera-se a sua caducidade.
Artigo 4.º
Desclassificação
1 - As matérias sob segredo de Estado são desclassificadas
quando se mostre que a classificação foi incorrectamente atribuída ou quando a
alteração das circunstâncias que a determinaram assim o permita.
2 - Apenas tem competência para desclassificar a entidade que
procedeu à classificação definitiva.
Artigo 5.º
Fundamentação
A classificação de documentos
submetidos ao regime de segredo de Estado, bem como a desclassificação, devem
ser fundamentadas, indicando-se os interesses a proteger e os motivos ou as
circunstâncias que as justificam.
Artigo 6.º
Duração do segredo
1 - O acto de classificação especifica, tendo
em consideração a natureza e as circunstâncias motivadoras do segredo, a
duração deste ou o prazo em que o acto deve ser revisto.
2 - O prazo para a duração da classificação ou para a sua
revisão não pode ser superior a quatro anos.
3 - A classificação caduca com o decurso do prazo.
Artigo 7.º
Salvaguarda da acção penal
As informações e elementos de
prova respeitantes a factos indiciários da prática de crimes a segurança do
Estado devem ser comunicados às entidades competentes para a sua investigação,
não podendo ser mantidos reservados , a título de segredo de Estado, salvo pelo
titular máximo do órgão de soberania detentor do segredo e pelo tempo
estritamente necessário à salvaguarda da segurança interna e externa do Estado.
Artigo 8.º
Protecção dos documentos classificados
1 - Os documentos em regime de segredo de
Estado são objecto de adequadas medidas de protecção contra acções de sabotagem
e de espionagem e contra fugas de informação.
2 - Quem tomar conhecimento de documento classificado que, por
qualquer razão, não se mostre devidamente acautelado deve providenciar pela sua
imediata entrega à entidade responsável pela sua guarda ou à autoridade mais
próxima.
Artigo 9.º
Acesso a documentos em segredo de Estado
1 - Apenas têm acesso a documentos em segredo
de Estado, com as limitações e formalidades que venham a ser estabelecidas, as
pessoas que deles careçam para o cumprimento das suas funções e que tenham sido
autorizadas.
2 - A autorização referida no número anterior é concedida pela
entidade que conferiu a classificação definitiva e, no caso dos Ministros, por
estes ou pelo Primeiro-Ministro.
3 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao
Presidente da República e ao Primeiro-Ministro, cujo acesso a documentos
classificados não fica sujeito a qualquer restrição.
4 - A classificação como segredo de Estado de parte de
documento, processo, ficheiro ou arquivo não determina restrições de acesso a
partes não classificadas, salvo na medida em que se mostre estritamente
necessário à protecção devida às partes classificadas.
Artigo 10.º
Dever de sigilo
1 - Os funcionários e agentes do Estado e
quaisquer pessoas que, em razão das suas funções, tenham acesso a matérias
classificadas são obrigados a guardar sigilo.
2 - O dever de sigilo a que se refere o número anterior
mantém-se após o termo do exercício de funções.
3 - A dispensa do dever de sigilo na acção penal é regulada
pelo Código de Processo Penal.
Artigo 11.º
Legislação penal e disciplinar
A violação do dever de sigilo e
de guarda e conservação de documentos classificados como segredo de Estado
pelos funcionários e agentes da Administração incumbidos dessas funções é
punida nos termos previstos no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes
da Administração Central, Regional e Local, no Código de Justiça Militar e no
Código Penal e pelos diplomas que regem o Sistema de Informações da República
Portuguesa.
Artigo 12.º
Fiscalização pela Assembleia da República
A Assembleia da República
fiscaliza, nos termos da Constituição e do seu Regimento, o regime do segredo
de Estado.
Artigo 13.º
Comissão de fiscalização
1 - É criada a Comissão para a Fiscalização
do Segredo de Estado, a quem cabe zelar pelo cumprimento das disposições da
presente lei.
2 - A Comissão de Fiscalização é uma entidade pública
independente, que funciona junto da Assembleia da República e dispõe de
serviços próprios de apoio técnico administrativo.
3 - A Comissão é composta por um juiz da jurisdição
administrativa designado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e
Fiscais, que preside, e por dois deputados eleitos pela Assembleia da
República, sendo um sob proposta do grupo parlamentar do maior partido que
apoia o Governo e outro sob proposta do grupo parlamentar do maior partido da
oposição.
4 - Compete à Comissão aprovar o seu regulamento e apreciar as
queixas que lhe sejam dirigidas sobre dificuldades ou recusa no acesso a
documentos e registos classificados como segredo de Estado e sobre elas emitir
parecer.
5 - Nas reuniões da Comissão participa sempre um representante
da entidade que procede à classificação.
Artigo 14.º
Impugnação
A impugnação graciosa ou
contenciosa do acto que indefira o acesso a qualquer documento com fundamento
em segredo de Estado está condicionada ao prévio pedido e à emissão de parecer
da Comissão de Fiscalização.
Artigo 15.º
Regime transitório
As classificações de documentos
como segredo de Estado anteriores a 25 de Abril de 1974 ainda vigentes são
objecto de revisão no prazo de um ano contado a partir da entrada em vigor da
presente lei, sob pena de caducidade.
Artigo 16.º
Regulamentação e casos omissos
Sem prejuízo de o Governo dever
regulamentar a matéria referente aos direitos e regalias dos membros da
Comissão de Fiscalização, nos casos omissos e, designadamente, no que diz
respeito a prazos, aplica-se o disposto na Lei do Acesso aos Documentos da
Administração.
Artigo 17.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no
prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação.
Aprovada em 24 de Fevereiro de
1994.
Para ser publicada no Boletim Oficial de Macau.
O Presidente da Assembleia da
República, António Moreira Barbosa de Melo.
Promulgada em 16 de Março de
1994.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendada em 18 de Março de
1994.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.