CONTRIBUTOS PARA A CONSTITUIÇÃO DE UMA LITERACIA MEDIÁTICA


Manuel José Damásio, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

   Assistimos hoje a profundas transformações nos esquemas de produção e organização das representações socialmente inscritas e partilhadas. Todos os dias aumenta o volume de conceitos e saberes com que temos de interagir. Cada vez é maior o volume das "coisas que nos aparecem", prontas a sujeitar-se à nossa análise ou, na maior parte das vezes, aceitação pura e simples. Cada vez mais temos de desenvolver estratégias e mecanismos para escrutinar, seleccionar e absorver essa massa de representações.
A literacia tornou-se hoje um dos temas centrais para a reflexão em torno da relação entre o sujeito e as novas formas de produção e transmissão do conhecimento que surgem associadas ao advento de uma sociedade em que a informação se transformou no valor essencial e em que as tecnologias associadas ao seu processamento e produção, nomeadamente as de origem digital, se transformaram num dos principais, senão o principal, elemento de mediatização da experiência.
Este artigo analisa alguns dos principais elementos constitutivos de um quadro de referência para a criação de um modelo de avaliação e validação de competências de literacia mediática e, a partir dessa análise, pretende-se circunscrever o âmbito desta expressão e da actuação do conceito a ela associado.

I - Elementos de uma Esfera da Literacia Visual


I.1 - O Conceito de Literacia Visual

A literacia visual pode ser descrita como "a capacidade de reconhecer, compreender e exprimir correctamente um argumento em qualquer medium de expressão visual".
De acordo com esta definição sumária, podemos avançar com a hipótese de que a literacia visual é composta por três tipos distintos de elementos, ou se preferirmos, patamares de evolução(1) . Assim, temos um primeiro nível (a) que se refere à capacidade subjectiva de reconhecer a informação e de, subsequentemente a esse reconhecimento, utilizar a massa de informação disponível para aumentar o volume de conhecimentos possuídos; a seguir temos um segundo nível (b) que se refere ao ambiente cultural onde se realiza a mediatização e a compreensão da informação; e, finalmente, temos um terceiro nível (c) que se refere à constituição e aquisição por parte do sujeito de mecanismos de expressão tecnológica, mecanismos esses que estão sempre dependentes das condicionantes dos dois pontos anteriores.
Os três elementos base de constituição de uma literacia visual, adiante veremos se também de uma literacia mediática, por parte do sujeito são: conhecimento (informação), compreensão (ambiente) e tecnologia (expressão tecnológica).

I.2 - Reconhecimento da informação e ambiente de mediatização

Quando nos referimos à comunicação de informação em formato visual, devemos previamente definir o que entendemos por "comunicação de informação visual" e aquilo que entendemos como sendo abarcado pelo universo da "informação visual".
A comunicação de informação visual refere-se à partilha social de informação através de mecanismos(2) que mediatizam essa mesma informação de uma forma que é reconhecida pelo sujeito como "uma vista de algo que foi criado ou reproduzido(3)" .
O conhecimento fixado na informação mediatizada não é necessariamente veiculado pela informação imagética, e pode, pelo contrário, ser veiculado através de outras fontes de informação incluídas ou associadas à imagem. Consideremos, por exemplo, o caso de uma fotografia de uma Praça de Touros no Sul de Espanha. Qualquer conhecimento sobre a tourada ou sobre os debates morais que lhe estão associados não é veiculado pela imagem. Mas se essa mesma imagem vier publicada numa revista - um meio de mediatização visual - acompanhada por uma legenda que se refere à polémica em torno das touradas, então o conhecimento fornecido pelo texto mediatizado visualmente é muito superior ao conhecimento fornecido pela informação "imagem", e é distinto do referente a ela associado .
Enquanto conteúdo informativo, a partilha desta "informação visual" implica sempre a transmissão e a partilha de conhecimento - da comunicação de informação visual deve sempre resultar um aumento do universo de referências cognitivas do sujeito receptor - entre os sujeitos. Esta partilha não tem de ser, e por definição neste tipo de relação não o é, realizada presencialmente ou em simultâneo.
A comunicação de informação visual implica ainda, e num momento que é anterior à partilha ou recepção efectiva dos conteúdos informativos, um estádio de acordo subjectivo ou intersubjectivo sobre a natureza e o valor a atribuir a um dado conteúdo informativo.
No tipo de partilha e recepção de informação que estamos a analisar, aquele que se processa sobre uma plataforma digital, este "consenso estratégico" não é definido subjectivamente ou intersubjectivamente(4). O valor e a natureza do conteúdo informativo já estão estabelecidos a priori pelo mecanismo de mediatização. Qualquer intervenção que seja realizada pelo sujeito sobre o conteúdo informativo está sempre dependente desta circunstância primordial e essencial.
Em mecanismos anteriores de mediatização de informação visual, como por exemplo a televisão, o "consenso estratégico" sobre o valor da informação seguia a mesma lógica que agora procuramos descrever, mas o consenso sobre a natureza da informação era estabelecido de forma redutível pelo meio - só era aceite pelo meio um tipo limitado de conteúdos que se referiam exclusivamente ao potencial disponível para aquele meio específico (ex. a rádio só mediatizava som).
Quando o sujeito acede ao meio de navegação, ou seja, quando ele efectiva conscientemente a possibilidade de "ter acesso a…", ele já está de acordo sobre o valor primário que atribui à informação contida no interior do sistema. Inerente à própria propriedade adquirida pelo sujeito por via desse acto, está um sistema de identificação da natureza da informação que esbate as diferenças de processamento do acesso(5).
Embora para um sistema digital não existam quaisquer diferenças substanciais entre os diferentes media a que o sujeito acede por via da plataforma, resta determinar - e esse é um dos problemas fundamentais com que se debate qualquer modelo de avaliação de literacia mediática - qual o nível de diferenciação e validação do valor e natureza do conteúdo que é percepcionado pelo sujeito, para um ou mais media, de acordo com a plataforma que estabelece a mediatização da informação.
É o acto de aceder ao meio que determina a predisposição para comunicar e que estabelece, independentemente do acordo do sujeito - que já foi concedido anteriormente - o valor e a natureza da informação.
Este facto prévio, anterior ao acto de recepção subjectiva da informação, não invalida uma racionalização do acto comunicativo por parte do sujeito. No entanto, esta racionalização está limitada à avaliação subjectiva do grau de credibilidade a atribuir ao conteúdo informativo e à capacidade que o próprio sistema patenteia de poder executar correctamente(6) a mediatização desse conteúdo.
O processo de "verificação de razoabilidade", exercido pelo sujeito sobre a totalidade ou partes da informação patenteada pelo meio e sobre o próprio meio, envolve, para além da avaliação do valor restrito(7) a atribuir ao conteúdo informativo, uma avaliação e detecção do maior número possível de sinais, directa ou indirectamente presentes na representação mediatizada, que de alguma forma evidenciem um processo anterior de manipulação da representação, que tendencialmente possa vir a influenciar ou a transformar o seu valor.
Estes processos de manipulação, normalmente associados a uma racionalização prévia da estrutura e forma da representação(8) , podem ser de ordem política, estética ou religiosa(9). A sua veiculação pode ser feita, quer através da forma - estruturas de representação imagética ou simbólica -, quer através do conteúdo - estruturas de veiculação de sentido - do conteúdo informativo.
"As novas tecnologias computacionais vieram substituir muitos empregos e criar muitos outros. Elas providenciam novas formas de aceder à informação, comunicar com as outras pessoas e entrar nas novas alegrias de uma esfera pública digitalmente mediatizada. Por outro lado, estes novos media são ambíguos e podem ter diversos efeitos contraditórios. (…) As novas tecnologias dos media proporcionam formas poderosas de controlo social através de técnicas, cada vez mais eficientes e subtis, de manipulação e de doutrinação(10)."
As competências subjectivas que permitem ao sujeito realizar o tipo de escrutínio e de avaliação da forma e do conteúdo dos objectos exigido por este novo ambiente comunicacional, constituem aquilo que denominamos como "literacia mediática".
Antes de podermos explorar com maior detalhe a estrutura e as formas de aquisição e disseminação dessas competências, devemos retornar à análise da literacia visual como ponto de partida da nossa reflexão. Posteriormente poderemos verificar da validade de tal reducionismo ao nível do estabelecimento de coordenadas paralelas para o desenvolvimento de uma literacia visual e de uma literacia mediática.
Embora neste momento já seja evidente a importância essencial que o reconhecimento e validação da informação por parte do sujeito, bem como o ambiente de mediatização, possui no âmbito deste processo comunicacional, ainda não está totalmente esclarecido o papel que o sujeito tem nesse processo.
O papel do sujeito, independentemente da sua importância para a validação estrita do acto comunicacional - momento do reconhecimento da informação e do seu valor - envolve outros dois momentos totalmente distintos e relacionados com os elementos (b) e (c) anteriormente identificados no âmbito de uma esfera de desenvolvimento da literacia visual. Podemos dizer que o principal traço, comum a esses dois momentos, é o da existência e efectivação de uma intervenção subjectiva sobre o conteúdo informativo.
Dado e validado pelo sistema um x conhecimento informativo para um dado ambiente de mediatização, consideremos o exemplo da imagem da Praça de Touros, a intervenção subjectiva envolve um primeiro nível de efectivação de um horizonte de compreensão do conhecimento contido nesse objecto - essa imagem tem de ter um sentido passível de ser assimilado pelo sujeito e posteriormente partilhado no interior da rede em que o sistema está instalado - e um segundo nível, que vamos denominar de "momento de descodificação e transformação", em que a intervenção do sujeito implica a subtracção do conteúdo ao sistema.
Este segundo nível refere-se à aquisição de uma capacidade de expressão tecnológica. Para além da competência subjectiva que permite adquirir a informação em termos de conhecimento percepcionado, circunscrito ao valor previamente definido para dado conteúdo informativo, o sujeito na posse de uma competência que permita a transformação do conteúdo para si e eventualmente, numa fase posterior de nova disseminação no sistema, para os outros, está em condições de efectivar um segundo horizonte de compreensão.
O segundo horizonte de compreensão subjectiva, e subsequente alargamento do volume de conhecimentos possibilitados pelo acesso à informação, está dependente da aquisição de uma competência tecnológica de transformação dos conteúdos percepcionados. Este segundo horizonte refere-se, não só a uma assimilação mais completa de todos os valores contidos num dado objecto, possivelmente não directamente patenteados pelo sistema, mas também à constituição de novos volumes de conhecimento a partir do volume inicialmente fornecido pelo sistema.
O primeiro nível - a efectivação de um horizonte de compreensão directamente associado ao objecto dado - deriva do processo de percepção do sentido veiculado, através de um sistema de mediatização, pelas representações de conteúdos informativos. O segundo nível depende exclusivamente da possibilidade de aquisição da referida capacidade tecnológica de expressão por parte do sujeito.
A comunicação de informação visual, como aliás qualquer outra forma de comunicação, requer da parte do sujeito um período de aprendizagem e um domínio muito completo das convenções de utilização do instrumento de comunicação. Não queremos com isto dizer que na comunicação de informação visual cada discurso construído dependa exclusivamente das convenções partilhadas pelo diferentes sujeitos(11). O papel da intencionalidade subjectiva e da referencialidade material é igualmente importante para a sedimentação de um conjunto de conteúdos visuais que possam ser partilhados com sentido pelos sujeitos em termos de "informação visual".
A informação visual tem sempre de possuir um sentido convencional controlado por todos os intervenientes. Este sentido convencional refere-se ao reconhecimento, por parte dos receptores, da natureza da informação, e à aceitação individual ou colectiva da credibilidade do meio que realiza a mediatização. Para este tipo de mediatização, a convenção não se refere às normas partilhadas por todos os sujeitos presentes no meio, mas sim às normas que são veiculadas por via da aceitação das condições de acesso ao meio.
A referencialidade material é a única dimensão do sentido partilhado que não está directamente dependente do meio. Assim, vai ser a esse nível que vamos encontrar o maior potencial de alargamento da esfera de intervenção do sujeito. Esse potencial não se alheia das circunstâncias de produção e reprodução inerentes ao meio de mediatização, até porque parece inevitável a sua consideração, e, antes pelo contrário, parte dessas circunstâncias para detectar um espaço de reconstituição do sentido e aprofundamento da sua intencionalidade.
Este aprofundamento da dimensão subjectiva volta a conjugar num único espaço os três elementos constitutivos de uma esfera da literacia mediática. O conhecimento é um elemento passivo - conteúdo oculto ou patente de expressões veiculadas - a compreensão refere-se a um horizonte subjectivo de relação com essas mesmas expressões, e a expressão tecnológica funciona, simultaneamente, como mecanismo de organização dos sistemas de transmissão e partilha de expressões informativas, definição da sua forma e potencial instrumento de transformação subjectiva das circunstâncias e sentidos efectivados por esses meios.
Para conhecer "mais", o sujeito deve alargar o seu horizonte de compreensão-expressão do sentido, e para o fazer, ele necessita de se movimentar correctamente no espaço onde se processa essa disseminação de conhecimento. Ou seja, ele tem de estar na posse de um conjunto de ferramentas que lhe permitam exercer correctamente as suas competências comunicativas, ou se preferirmos as suas competências de "literacia mediática"

I.3 - Expressão Tecnológica

Qualquer análise que se situe no campo da técnica, e que coloque no seu centro a noção de referencialidade, corre o risco de levantar todo um vasto número de questões em torno do problema da objectividade.
Quando o sociólogo Pierre Bordieu(12) nega a possibilidade de um discurso estético para a fotografia(13) com base no princípio de que este discurso não pode possuir qualquer critério normativo de ordem estética, Bordieu mais não faz do que considerar a impossibilidade de um discurso objectivo por parte da fotografia. Se, por alguma razão, a imagem fotográfica é considerada objectiva, essa designação só acontece em função de uma necessidade socialmente partilhada de definir uma coisa como um facto. "Quando atribui a uma imagem o valor de real, a sociedade mais não faz do que confirmar-se a si mesma com base na certeza tautológica de que essa é uma imagem da realidade que está de acordo com as suas próprias representações de objectividade e por isso só pode ser verdadeiramente objectiva.(14)"
Assim, a fotografia limita-se a cumprir uma função social que lhe está designada e por isso não pode ser considerada mais do que um efeito social e nunca como algo passível de conter um discurso estético.
A fotografia foi um dos primeiros medium a expor em toda a sua crueza a multiplicidade, a factualidade, a repetição e os estereótipos que estão no coração de grande parte da produção artística. A fotografia desconstrói a possibilidade de diferenciação entre o original e a cópia.
"Sob estas novas circunstâncias, rodeada pela sua espectacular tecnologia, a fotografia passa a ser uma doença dos olhos (…) vinda ao mundo para enganar o olho, como que pelo meio de milhares de luzes incandescentes, milhares de microscópios, e centenas de partículas de raio X, passamos a ver o mundo através desses novos olhos brilhantes - tudo tem de parecer aparente, ou pelo menos mal orientado(15)".
Para alguns, como por exemplo Rosalind Krauss(16), tal estado de coisas indica um total colapso da diferença e uma "radical implosão, por meio da qual um sujeito se vê mergulhado no mundo do simulacrum - um mundo onde, como na caverna de Platão, se torna impossível distinguir entre a realidade e o fantasmagórico, entre o real e o simulado"(17). No entanto, Rosalind Krauss defende, e neste ponto devemos concordar com a autora, que se a imagem é semelhante ao seu referente, tal se deve apenas a um conjunto de circunstâncias técnicas e não a qualquer relação essencial.
Assim, e embora até certa extensão concorde com Pierre Bordieu ao defender que não existe nenhum discurso estético envolvido na prática da fotografia, Rosalind Krauss não nega a existência de um discurso próprio da fotografia. Esse discurso é o discurso da desconstrução do próprio sistema instaurado de modelo e cópia, de arte e réplica.
Um anúncio publicitário que retracte uma imagem de uma mulher, não está a expressar nenhuma imagem marcada por uma suposta objectividade, mas sim a mediatizar uma realidade que é pertença do próprio discurso comercial que veicula essa imagem.
A referencialidade aponta em primeira instância para o interior do discurso mediatizado. Não queremos com esta afirmação negar a nossa posição anterior de que a referencialidade, enquanto dimensão da produção de sentido, não estava directamente dependente do meio de mediatização; estamos sim a confirmar essa proposição e até a reforçar o seu papel dentro do sistema.
É à referencialidade que compete desconstruir a objectividade patenteada pelo discurso, e revelar ao sujeito a sua própria lógica interna de construção.
A expressão tecnológica diz, em primeiro lugar, respeito à forma de uma expressão, não em termos de propriedades presentativas dessa expressão(18), mas sim em termos de organização mediática interna da expressão(19), e, em segundo lugar, à possibilidade de o sujeito, com base num conjunto de referências externas, poder desconstruir e transformar a expressão tecnológica interna de apresentação do discurso.
Essa possibilidade não depende só de uma circunstância externa de ordem tecnológica que seja colocada à disposição do sujeito, mas, fundamentalmente, de uma compreensão, por parte do sujeito, das condições de produção e dos efeitos de sentido contidos numa expressão.
Benjamim Woolley(20) relata os feitos de um personagem Grego apelidado de "Simonides" que, de acordo com a lenda, possuía uma prodigiosa capacidade de contar histórias em que a combinação de factos reais com visões imaginárias se transfigurava, pelo poder da sua oratória, numa poderosa narrativa que para os seus ouvintes soava como totalmente real.
Este é o primeiro nível de actuação da expressão tecnológica. Ele diz respeito à alteração, por via da natureza dos próprios media que suportam a expressão, da referencialidade interna dos discursos.
O segundo nível é aquele que foi descrito(21) como "a capacidade digital de contar histórias diz respeito à exploração de todas as possibilidades de diferentes linhas que se cruzam (…) quando experimentamos tal diversidade e cruzamento (cruzamento este que se refere às diversas referências contidas numa única expressão e às diferentes formas de as apresentar. Nota do tradutor) podemos melhorar a capacidade caleidoscópica da nossa mente, a nossa capacidade de imaginar de múltiplos pontos de vista"(22).
O segundo nível diz respeito à capacidade de, por via da utilização de uma expressão tecnológica, se poder alterar a referência directa de uma expressão, introduzir novas referências no seu interior ou reconduzi-la às referências que ela copia de acordo com o nosso universos de representações.
A expressão de uma tecnologia é definida pelas características dos meios que a suportam, pelos seus efeitos e, em última instância, pela sua relação e importância no âmbito da cultura em que se localiza a produção e disseminação dessa mesma tecnologia.
Assim, e tendo em atenção tudo aquilo que já se disse sobre o ambiente de produção e recepção de informação mediática, os dois níveis de expressividade que acabamos de referir apontam para as seguintes características da expressão tecnológica em ambiente mediático:


Ao discutir, no final dos anos vinte, o poder expressivo da montagem, Sergei Eisenstein(28) já salientava a importância crucial que o potencial disponível tem para a eficácia performativa de uma dada técnica.
No caso particular com que agora nos debatemos, existem diversas formas de expressão tecnológica que convivem sob a expressão "mediática". O tipo de expressividade que melhor conjugar as diferentes características da expressão tecnológica típica deste tipo de ambiente e que mais facilmente possibilite a constituição e desconstrução de esquemas de sentido como os que anteriormente descrevemos, será aquele que melhor pode funcionar como mecanismo de constituição e posterior avaliação da literacia mediática.

II - Um Modelo de Constituição e Avaliação de Literacia Mediática


Desde o século XVIII(29) que se têm vindo a desenvolver profundas alterações na forma como se transmite e adquire o conhecimento(30). Ao longo da modernidade tem vindo a adquirir crescente importância o valor do conhecimento visual e da relação que o mesmo cria com o mundo. O conhecimento visual transformou-se numa das principais formas, agora assimilada pelo conjunto de expressões informativas que denominámos como "mediáticas", através da qual reunimos e classificamos as nossas referências às coisas e aos outros.
O advento do cinema, do vídeo e dos novos media dos nossos dias, exige que sejam desenvolvidas novas abordagens à transmissão e aquisição de competências, que permitam a cada sujeito assimilar e gerir o conhecimento disponibilizado, enquanto, ao mesmo tempo, aprende a movimentar-se neste novo ambiente comunicativo.
Tradicionalmente esse conjunto de competências básicas, a nossa literacia, cumpria três funções essenciais: assegurava a existência de um conjunto de informações e crenças socialmente partilhadas; assegurava que cada indivíduo socialmente integrado possuía um conjunto de competências de base ao nível da comunicação escrita e oral; e funcionava como medida de hierarquização dos sujeitos em função do grau de competência desenvolvido.
A literacia assim considerada, estava centrada na assimilação de massas de informação/conhecimento socialmente validado(31). A esta dimensão de "competência", devemos hoje acrescentar os diferentes elementos de uma esfera da literacia mediática, e tentar desenvolver novos instrumentos de criação dessas competências e de relação com esse ambiente e com o "novo" tipo de conhecimento e representações que ele encerra.

II.1 - Para uma classificação dos media

Hoje são inúmeras as ferramentas à disposição do utilizador comum de tecnologia computacional, que possibilitam a integração de diversos media para efeitos de criação de expressões informativas ou representacionais.
Um modelo de constituição e avaliação de literacia mediática deve considerar, por um lado, o impacto que a utilização deste novo tipo de construção expressiva tem sobre a forma como cada sujeito interage com a informação e com os outros sujeitos, e, por outro lado, o desenvolvimento de estruturas descritivas das representações produzidas em função desse ambiente e de avaliação do seu impacto sobre o processo cognitivo genericamente considerado.
A principal preocupação deste modelo é a de detectar, no âmbito do quadro que temos vindo a definir, qual o valor acrescentado que cada media pode trazer para o sujeito, e quais os seus efeitos sobre as formas de expressão produzidas por esse mesmo sujeito.
As características particulares de um dado media, ou dito de outra forma, os seus atributos produtivos, são, pela relação estabelecida dos mesmo com o potencial de constituição de sentido e criação de representações estáveis, o principal factor de diferenciação qualitativa, em relação à totalidade dos media compreendidos pelo modelo, de um media.
O quadro de integração copm as tecnologias da informação a que nos temos vindo a referir, não permite que pensemos a constituição ou validação de um nível de literacia visual ou mediática em termos de natureza da informação apresentada, mas somente em termos de eficiência do media comparativamente à totalidade do processo.
Qualquer tentativa de classificação dos media não pretende ser exclusiva ou determinante do potencial total de cada um dos elementos aí categorizados. Esta classificação cumpre o duplo objectivo (i) de nos ajudar a melhor compreender as capacidades expressivas de cada media e (ii) de hierarquizar o respectivo potencial em termos de validação integrada dos diversos elementos de uma esfera da literacia mediática.
A primeira distinção de base de que partem a maior parte das análises que tentam estabelecer uma forma de classificação mediática e, consequentemente, uma escala de níveis de desenvolvimento de literacia, é aquela que separa um discurso, enquanto processo que implica um sujeito, de um discurso enquanto produto, ou, se preferimos, o "meio" da sua expressão conceptual.
Um exemplo deste tipo de classificação é apresentado por Wolfgang Raible(32) que, por sua vez, se baseia para a sua classificação no trabalho anterior de Humbolt e Bulher. A tabela de Raible possui a seguinte estrutura:

Fig. 1

A classificação evolutiva(33) de Raible pretende salientar a importância da distinção entre o aspecto "mediativo" do media e o seu aspecto conceptual. Para este autor, a actividade cognitiva centra-se a um nível intermédio de gestão subjectiva que é determinada por circunstâncias variáveis que vão desde o contexto social de intervenção até à duração da intervenção, e que envolve, para além das circunstâncias citadas, o tipo de requerimentos particulares de cada género.
Assim, para além de ser o resultado de diferentes tradições de organização e exposição do discurso, a literacia reflectiria as necessidades específicas do sujeito perante cada situação e a sua adaptação particular à manipulação do género em questão nesse momento.
Os novos media vêm complicar este quadro definido por Raible. A sua distinção entre o aspecto conceptual e o aspecto "mediativo", envolve a consideração de uma intervenção subjectiva na criação de um processo discursivo e a separação entre o acto de utilização do meio e a expressão que daí resulta.
A partir do momento em que estes novos media alteram radicalmente a natureza material do discurso e a passam a conjugar com a sua própria natureza formal, cai por terra uma distinção que implique a evolução de um nível subjectivo de conceptualização baseada no tipo de utilização do meio que é realizada pelo sujeito. Se a este facto acrescentarmos o diferendo temporal e espacial que se instala entre o momento produtivo e o momento de recepção, que em parte anula a capacidade subjectiva de gerir a sua literacia patenteada de acordo com o contexto e com o género de discurso, apercebemo-nos da importância de desenvolver uma classificação que tenha em consideração este novo quadro de referência.
O eixo de análise do problema deve deslocar-se de um enfoque, provavelmente excessivo, no sujeito, simultaneamente o tema central e o principal interessado no problema da literacia, para passar a considerar a complexidade inerente a cada tipo de media como o principal factor em jogo. De acordo com esta perspectiva, passaríamos a atribuir ao sujeito um papel de assimilação dos instrumentos de manuseamento do media, ou se preferirmos, de aprendizagem dos métodos de exploração da complexidade expressiva mediática que constitui o universo dos media. Sob este ponto de vista, a literacia é fundamentalmente um problema de capacidade/aptidão por parte do sujeito.
No passado, o problema da literacia era tradicionalmente abordado de um ponto de vista que privilegiava, por um lado, a distinção entre o texto escrito e a oralidade, enquanto patamares de uma mesma evolução cognitiva e representacional do sujeito; e, por outro lado, a hierarquização conceptual e material do discurso como noção fundamental da literacia.
A nossa tentativa de estabelecer um modelo de classificação e ordenação dos diferentes media, começa por considerar um espaço bi-dimensional em que se separa uma dimensão vertical, que se refere ao grau de complexidade tecnológica, de uma dimensão horizontal, que se refere ao potencial de expressividade de cada media individualmente considerado.
Para restringir a dimensão da tabela gerada por esta tentativa sumária de classificação, limitemo-nos a considerar três tipos de media que possuem níveis de complexidade variáveis: o texto, a imagem fotográfica e a imagem em movimento - cinema/vídeo.
Fig. 2
Cada media possui um conjunto de "propriedades salientes"(34) que correspondem à capacidade de o objecto reflectir uma crença sobre as coisas(35). Num discurso textual, esta característica de potencial expressivo - as facetas expressivas do objecto num esquema de representações, corresponderia a uma narrativa completa, como por exemplo uma carta, no caso de uma imagem, poderia corresponder a um bilhete postal de uma paisagem paradisíaca e no caso da imagem em movimento, à totalidade dos brutos de uma grande produção cinematográfica. Vamos denominar esta forma do potencial expressivo como "elaborativa".
A "aplicação" de operações de manipulação mediática, por exemplo ao nível da edição, vai provocar o primeiro aumento significativo de potencial expressivo. Este momento está intimamente relacionado com uma intervenção subjectiva sobre a expressão informativa que visa, não só estabelecer um horizonte subjectivo de intencionalidade, como também uma adequação da expressão ao contexto discursivo e às circunstâncias de difusão da expressão. Esta intervenção subjectiva é equivalente ao tipo de operação subjectiva que Raible detectou e relacionou com a adequação aos géneros discursivos intermédios.
A colocação de caracteres gráficos, como por exemplo as bullets, num texto, um mapa visual ou a elipse autoral num filme, são exemplos deste tipo de potencial expressivo. Vamos denominar esta forma como "representativa".
Neste momento resta-nos classificar todas aquelas expressões dos media que implicam na sua própria estrutura um acto de recepção e uma elaboração autoral realizada a partir da matéria disponível. Richard Wollheim(36) classificou este tipo de lógica como a "atitude estética" - "O conceito de arte como uma forma de vida deve ser compreendido e implicar o ponto de vista do espectador (…) a expressão artística só acontece quando o artista coloca um elemento em vez de outro na sua paleta em função da totalidade de alternativas que tem disponíveis: e isto só é possível se ele possuir um repertório dentro do qual opera. O conhecimento do repertório é a pressuposição da capacidade de o espectador poder compreender a expressão do artista: mas a existência de um repertório é a pressuposição da própria capacidade de o artista se poder exprimir"(37).
Embora a reflexão de Wollheim se situe no campo da teoria da arte, o tipo de atitude "criativa" que o autor refere é equivalente ao esquema que gera o terceiro tipo de potencial expressivo. Esta terceira forma, que vamos apelidar de "Abstracta", contém todo o tipo de expressões que resultam de um trabalho efectivo de manipulação do media.
Quer esta manipulação vise controlar o momento de recepção da informação, ou deslocar o media da sua apresentação concreta para uma apresentação mais abstracta, ela implica sempre uma complexificação do acto de recepção por força da metaforização do conteúdo informativo e do estabelecimento de ligações entre esse mesmo conteúdo e o contexto cultural com que ele se relaciona.
O texto enquanto representação visual no seu formato electrónico, a utilização de uma imagem como um ícone ou a utilização de uma técnica de edição aplicada a uma imagem em movimento, são tudo exemplos deste tipo de potencial expressivo dos media.

Vamos agora reformular a nossa tabela, introduzindo-lhe as formas de potencial expressivo que descrevemos:
Fig. 3

O eixo central desta tabela de classificação dos media é a determinação de qual a forma de representação de um media que mais contribui para uma transmissão efectiva de informação, passível de aumentar o universo cognitivo do receptor, aumentar o volume de sentido produzido através dela e melhorar os índices de retenção e compreensão da informação aí contida.
Embora a forma abstracta seja aquela que melhor se adequa ao tipo de ambiente mediático em que se processa a produção de expressões, nomeadamente em termos de lógica inerente à sua formulação, nenhuma das formas de potencial é excluída das expressões que constituem a base da literacia mediática.

II.2 - Adequação aos Media e Esquemas de Avaliação

A classificação sumária que acabamos de elaborar é frágil a dois níveis distintos: a) a classificação não considera as características intrínsecas de cada media e, neste caso, a natureza material do media não é suficiente para determinar o impacto do media sobre o seu utilizador; b) a classificação não considera uma forma de potencial expressivo que relacione cada media com os seus atributos qualitativos - a sua capacidade de melhor processar a informação e melhor integrar os diversos elementos de uma esfera da literacia.
A primeira das características do media que temos forçosamente de considerar é a sua resistência temporal (permanente ou volátil)(38). Esta característica refere-se à variação, ou não variação, da expressão do media ao longo da sua apresentação. Uma outra característica a considerar, e que já anteriormente referimos, é o nível de ruído (contínuo ou discreto) que o media envolve na sua expressividade. Heller, R & Martin, D(39) num artigo sobre taxinomias de media assinalam mais três características complementares: bagagem (alta ou baixa) - a medida do volume de informação extra àquela já contida na expressão que o utilizador deve processar para poder interpretar correctamente os conteúdos; detectabilidade (baixa, alta, média) - a medida do grau de intrusão que dada expressão provoca sobre o receptor; e tipo de media (oral ou visual) - tipo de media necessário para criar a expressão. A estas cinco características devemos ainda acrescentar uma sexta - o potencial tecnológico (alto, médio e baixo) - a medida da capacidade que cada medium demonstra de se integrar com outros media e de responder a intervenções manipulativas e desconstrutivistas da expressão contida por parte do receptor e do produtor.
O conjunto destas características dos media parece estar em condições de integrar todas as dimensões dos diferentes elementos de uma esfera da literacia mediática que anteriormente descrevemos.
Estamos agora em condições de reformular a nossa tabela de classificação, procedendo à adequação entre cada media e respectivas características, com o seu potencial expressivo.
Embora a classificação que daqui resulta possa ser compreendida horizontalmente como um movimento de expressões concretas para expressões progressivamente mais abstractas de cada medium, o que implica uma avaliação da literacia subjectiva em termos de detecção desses níveis de abstracção presentes na expressão mediática; ela também pode ser entendida verticalmente como um movimento de um medium com menor potencial expressivo integrador para um conjunto de media com maior potencial expressivo. Assim, quanto maior for o número de expressões informativas que um dado medium consiga integrar, maior será a disposição manipulativa existente nesse mesmo medium.
Fig. 4

Qualquer que seja o tipo de medium em causa, e desde que a natureza da informação por ele veiculada esteja compreendida num sistema de TI, o potencial expressivo desse mesmo media é claramente variável e as condições de acesso, principalmente aquelas que são dependentes do potencial tecnológico, determinantes para a formatação da informação e consequente elaboração do sentido informativo.

Assim, da apresentação da tabela III podemos avançar para a indicação dos seguintes princípios centrais do conceito de literacia mediática:

Qualquer metodologia de desenvolvimento e validação de competências de literacia mediática é, e de acordo com aquilo que acabamos de afirmar, sempre obrigada a proceder, em primeiro lugar, a uma avaliação dos níveis de literacia patenteados pelo sujeito ou sujeitos em análise, e só em segundo lugar é que se pode avançar para um esquema de implantação do método de desenvolvimento dessas mesmas competências.
Há dois esquemas básicos que se podem seguir para a avaliação dos níveis de literacia. Um primeiro, que iremos denominar de "expositivo" (a) é aquele que é aplicado, por exemplo, por Janette Muir(41) ou Art SilverBlatt(42), e que corresponde a uma concepção de literacia que reforça a componente "contaminadora" dos conteúdos mediáticos e a dimensão moral das mensagens(43).
Este esquema de avaliação não distingue entre as diversas características dos media e está concentrado no potencial expressivo do medium em termos de validação de um discurso. Assim, o estímulo informativo potencialmente veiculado pelo media passa a ser o principal termo de comparação para o estabelecimento de um nível de literacia, e após a exposição a esse mesmo estímulo só importa aferir da capacidade subjectiva de detectar a totalidade, ou parte, do volume de informação objectivamente assimilada pelo sujeito, sem qualquer tipo de ruído derivado de formatação que o media atribuiu ao conteúdo veiculado. O nível de literacia mediática está dependente da capacidade subjectiva de separar o conteúdo informativo do potencial expressivo que o medium acrescenta a esse mesmo conteúdo. Não se trata somente de proceder a uma acumulação de conhecimento, mas também de possuir uma capacidade específica de interpretação das mensagens que veiculam conhecimentos.
Um dos traços essenciais desta concepção é o seu enfoque total numa única perspectiva cultural, neste caso a Anglo-Saxónica, a que se deve acrescentar a importância metodológica que o mesmo confere ao papel passivo de sujeito.
O esquema de avaliação que apresentamos partilha com este esquema de avaliação o princípio de que os símbolos culturais que utilizamos são, nos nossos dias, essencialmente adquiridos através dos media e que são estes símbolos que posteriormente mediatizam a nossa interacção com esses mesmos media e com a realidade cultural em que nos encontramos inseridos.
A aceitação deste papel "disseminador" dos media, ou se preferimos, a aceitação de uma base de interacção simbólica subjacente ao papel dos media na nossa sociedade, não implica, no entanto, que se considere, como faz o esquema de avaliação (a), uma interpretação "cultivadora" da intervenção dos media.
A televisão, o medium sempre preferido por este tipo de análise, constrói, de acordo com esta abordagem, uma imagem da realidade que, independentemente do seu valor, é aceite pelos sujeitos como exacta pelo simples facto de que o conjunto da realidade cultural dominante assim o diz. Toda a nossa interacção posterior com as coisas é baseada no conjunto de pré-conceitos adquiridos de acordo com esta realidade mediaticamente constituída.
O nosso esquema de avaliação, que denominaremos de "interactivo (b), parte da consideração das características de classificação dos media (tabela III) e da natureza dos conteúdos informativos suportados num espaço de tecnologias da informação, para, embora aceitando o carácter de interacção simbólica dos media e dos seus conteúdos, reforçar o papel do manuseamento do potencial expressivo do medium em detrimento da absorção do conteúdo informativo veiculado.

Def 2 - O processamento de conteúdos informativos não está directamente relacionado com a aquisição cognitiva dos valores culturalmente veiculados
através dos media. A compreensão e aquisição de capacidades técnicas de manuseamento do medium, e do desenho da expressão informativa que o mesmo enforma, é o elemento central desse processo.

 

O nosso esquema de avaliação está dividido metodologicamente em três momentos: (i) avaliação do nível de literacia patenteado através da exposição do sujeito a um conjunto de conteúdos informativos e da verificação da sua capacidade de transformação do potencial expressivo exibido; (ii) avaliação do nível de literacia patenteado através da realização de testes sobre grelhas que consideram o tipo de desenho da informação(44) que é apresentado pelo medium (iii) desenvolvimento do nível de literacia mediática através da aquisição de competências que integrem os diferentes elementos de uma esfera da literacia mediática e que considerem as características apresentadas para os media e o ambiente tecnológico em que se desenvolve a exposição dos sujeitos aos conteúdos informativos e respectivo potencial expressivo.
Assim, podemos, e em síntese, indicar a seguinte pirâmide constitutiva do conceito de literacia mediática:
Fig. 5




(1
)
Entenda-se "evolução" como medida de aumento do universo de competências do sujeito em termos de literacia.

(2) A existência destes mecanismos não se circunscreve ao universo dos mass-media e, antes pelo contrário, inclui diversos mecanismos de suporte à mediatização de relações interpessoais, como é o caso das redes de comunicação pessoal a longa distância (ex.: e-mail.). Sobre o papel das redes na comunicação interpessoal cf: Levinson, Paul - The Soft Edge, a natural history of the information revolution. Routledge, London 1998.

(3) Berger, Jonh - Modos de Ver. Edições 70, Lisboa 1987. p.12.

(4) Sobre a estrutura deste esquema de construção intersubjectiva do consenso estratégico envolvido na realização de um acto de comunicação Cf Habermas, Jurgen - The Theory of Communicative Action. (2 volumes) Polity, Cambridge 1994.

(5) Para ver um filme não preciso de ter acesso a um outro mecanismo de tecnologia distinta que possa por sua vez processar esse media.

(6) A correcta execução da mediatização implica um nível de ruído 0. Por ruído entenda-se qualquer intervenção do mecanismo de mediatização que afecte o valor do conteúdo - a natureza de um conteúdo já foi sempre alterada pela sua inclusão num ambiente digital. Cf: Damásio, Manuel - O Audiovisual e as Novas tecnologias da Informação in Imagens e Reflexões. Edições Universitárias Lusófonas, Lisboa Março de 2000

(7) Entenda-se aqui por "valor restrito" uma avaliação em termos de "possivelmente verídico dentro do meu universo de referências às coisas e aos outros, de convenções socialmente partilhadas e de expectativas racionais ou emocionais anteriormente constituídas " vs "totalmente inaceitável dentro do meu universo de referências às coisas e aos outros, de convenções socialmente partilhadas e de expectativas racionais ou emocionais anteriormente constituídas ".

(8) Estes processos estão normalmente situados ao nível da estrutura produtiva da representação. Não se deve aqui entender a palavra "manipulação" em termos de "destruição de uma pureza que aí existia" mas sim em termos de "circunstâncias culturais e sociais da produção".

(9) Podemos eventualmente detectar outras origens para algumas formas de manipulação presentes num conteúdo informativo. Neste caso só nos preocupámos em referenciar estas como sendo aquelas que melhor cobriam todo o leque de possibilidades existentes.

(10) Kellner, Douglas - Media Culture. Routledge, London 1996. p. 16.

(11) Não se trata de confinar a informação visual num sistema de construções semelhante àquele que é defendido por Nelson Goodman. Para Goodman, todos os referentes existentes, onde podemos incluir a informação visual, são tratados pelos sujeitos através da construção daquilo que Goodman apelida de "Mundos" - diferentes versões de sistemas de símbolos que ordenam, classificam e categorizam os objectos do seu domínio, ou seja os seus referentes. A total equivalência que o pensamento de Goodman preconiza entre sistemas de símbolos pluralistas e diferentes discursos sobre o mundo, para além de não clarificar a distinção entre o sujeito, que produz ou que recebe o discurso, no nosso caso visual, e o objecto - o conteúdo do discurso - escamoteia a diferença entre a informação visualmente mediatizada e partilhada no âmbito de um sistema de comunicação, e o referente visual que credibiliza o conhecimento veiculado através da informação mediatizada. A simbolização como única forma de apreender o mundo, posição que Goodman partilha por exemplo com Cassirer, quando confinada a um sistema de construção de discursos baseados em convenções, que não são efectivamente partilhadas mas apenas corrigidas momentaneamente em função dos objectivos que servem no momento, não é compatível com um sistema efectivo de construção e partilha de discursos visuais, que respeitem a intencionalidade subjectiva e a referencialidade implicada na veiculação de conhecimento através de informação visual. Cf: Goodman, Nelson - Modos de Fazer Mundos. Edições Asa, Lisboa 1995.

(12) Bordieu, Pierre - Un art Moyen. Essai sur les Usages Sociaux de la Photographie. Editions du Minuit, Paris 1968.

(13) A fotografia serve aqui de elemento ilustrativo para a análise de um problema que parece afectar todos os medium de representação visual.

(14) Op,cit. p.48.

(15) Schwartz, Hillel - The Culture of the Copy. Zone books, New York 1996. P. 185.

(16) Krauss, Rosalind - A Note on Photography and the Simulacral in The Critical Image. Bay Press, Seattle 1990.

(17) Op,cit. p. 23.

(18) Uma distinção entre forma e conteúdo de uma expressão, com base na distinção entre propriedade física e sentido incorporado, é muito comum a todos os tipos de análises do problema da literacia que compreendem o conceito em termos de descodificação da informação por detrás da representação e não em termos de aceitação das condições de produção da representação e de disseminação da informação. Este tipo de análise pode ser detectada, por exemplo, no texto: Muir, Janette - Introduction to Media Literacy. Kendall/hunt Publishing Company, Dubuque 1992.

(19) Por organização mediática entenda-se a estrutura de hierarquização dos diferentes media dentro de uma única expressão. Esta organização compreende, com já se pode deduzir pela nossa análise anterior, a própria estruturação, em termos de figuração mediática, do conhecimento contido na expressão. A hierarquização do media está por detrás de muitas das discussões a propósito da "especificidade" de um meio e a sua valorização como forma de expressão artística. Um exemplo de uma tese que valoriza a especificidade material do meio como justificação da sua condição artística, pode ser encontrado no trabalho de Rudolf Arnheim. Este autor defende uma valorização da película enquanto medium que, em função da sua especificidade tecnológica e material, consegue "executar melhor" que outras formas de arte uma determinada função. C.f: Arnheim, Rudolf - El Cine como Arte. Paidós, Barcelona 1986.

(20) Woolley, Benjamim - Mundos Virtuais. Editorial Caminho, Lisboa 1997.

(21) Murray, Janet - Hamlet on the Holodeck, The Future of Narrative in Cyberspace. MIT Press, Massachusetts, 1997.

(22) op,cit. pp. 161-2.

(23) Couchot, Edmund - La Technologie dans L'art. Editions Jacqueline Chambon, Nîmes 1998. p. 115.

(24) ver capítulo 3.

(25) Kellner, Douglas - op,cit. p. 17.

(26) Mitchell, William - The Reconfigured Eye. Visual Truth in the Post-Photographic Era. MIT Press, Massachusetts 1994. p. 8.

(27) kogama, Tetsuo - Video: the Acess Medium in Resolutions, Contemporary Video Pratices. University of Minnesota Press, Minneapolis 1996. p. 53.

(28) Eisenstein, Sergein - Beyond The Shot in Film Theory and Criticism. Oxford University Press, London 1999. pp. 15-43.

(29) A este propósito ver: Crary, Jonathan - Techniques of the Observer. The MIT Press, Cambridge 1998.

(30) Utiliza-se aqui uma definição lata de conhecimento como massa de referências sobre o que nos rodeia.

(31) cf: Scheunemann, Dietrich (ed.) - Orality, Literacy and Modern Media. Camden House, Columbia 1997.

(32) Raible, Wolfgang - Orality and Literacy. On Their Medial and Conceptual Aspects in Scheunemann, Dietrich (ed.), op,cit. p. 17-28.

(33) "Evolutiva" por que pressupõe uma gradação de níveis de literacia baseada num aumento do volume de informação processada pelo sujeito.

(34) c.f - Messaris, Paul - Visual Literacy: Image, Mind and Reality. West View Press, San Franciso 1994.

(35) A ideia de "crença sobre as coisas" corresponde à interpretação do senso-comum de que a reflexão material emanada por um media é equivalente a uma faceta isolada da realidade.

(36) Wollheim, Richard - Art and Its Objects. Cambridge University Press, Cambridge 1980.

(37) Op. cit - p. 58.

(38) É importante que se note que esta definição de resistência temporal do media não se refere exclusivamente às suas propriedades materiais, mas também às suas propriedades significativas. Ou seja, a nossa definição integra sobre a noção "tempo" a transformação ou a não transformação do sentido contido numa dada quantidade de informação mediática ao longo do tempo.

(39) Heller, Rachelle & Martin, Dianne - A Media Taxinomy. IEEE Multimedia Magazine. Winter 1995. Pag. 36-45.

(40) Existem alguns estudos de origem Anglo-Saxónica que apontam para este aspecto. Cf: Potter, James - Media Literacy. Sage Publications, London 1998. Bazalgette, Cary - An Agenda for the Second Phase of Media Literacy Development in Kubey, Robert (ed) - Media Literacy for the Information Age. Transaction Publishers, London 1997.

(41) Muir, Janette - Introduction to Media Literacy. Kendall/Hunt Publishing Company, Dubuque (USA) 1992.

(42) Silverblatt, Art &Ferry, Jane & Finan, Barbara - Approaches to Media Literacy. M.E. Sharpe, New York 1992.

(43) Este tipo de esquema de avaliação não está totalmente dominado por uma teoria da comunicação de massa do tipo da "teoria da agulha hipodérmica" e, antes pelo contrário, está minado por influências teóricas muito variáveis e que vão desde os trabalhos de Lazarsfeld até à teoria da Escola de Frankfurt. Independentemente da importância que este esquema de avaliação confere aos efeitos dos media, o que está em causa é o potencial que o esquema de avaliação reconhece no media enquanto mecanismo produtor de expressões informativas.

(44) O termo "desenho da informação" corresponde à estruturação de conteúdos e respectivos esquemas de apresentação, obviamente indicativos do tipo de interpretação desejada, que um conteúdo apresenta. Cf: Bell, Allan & Garrett, Peter (Ed.)- Approaches to Media Discourses. Blackwell Publishers, London 1998.