Promessas, desafios e ameaças das tecnologias digitais

Andrelise Daltoé1


Índice

"No confío plenamente en el teléfono, porque por teléfono no puedo estar segura de lo que realmente quiere decir la otra persona. Si no puedo verla, ¿cómo puedo adivinar sus sentimientos?
Y si no lo sé, ¿qué importa muchas veces lo que diga?" (Flora Davis, 1971)




Resumo: Os sistemas de comunicação e informação estão envolvidos num cenário cada vez mais competitivo. O contexto dos meios está sendo, constantemente, alterado pela introdução das tecnologias digitais. O futuro ainda é incerto e a Internet traz um novo desafio para as empresas e profissionais de comunicação, ao mesmo tempo que representa uma ameaça, representa também um leque de novas oportunidades. O texto aborda, além dessa problemática do futuro dos meios de comunicação, outra questão que tornou-se a grande promessa dos últimos anos: a interatividade. Através de revisão bibliográfica, partindo-se do Interacionismo simbólico, define-se interatividade de forma que possa servir como categoria operacional para estudos nesta área. A seguir propõe-se uma análise de como a interatividade vem sendo explorada em quatro jornais do Rio Grande do Sul que possuem congêneres online (Zero Hora, Correio do Povo, NH e VS).

Palavras chave: Comunicação, Jornalismo, Internet, Futuro, Interação.

Não é fácil, por enquanto, prever qual será o papel da Internet no futuro da comunicação,2 ou mesmo qual será a evolução do jornalismo tradicionais e do jornalismo online.3 Os estudiosos dividem-se e apresentam diferentes perspectivas do que está para vir. Por um lado, defende-se que o jornalismo terá práticas e características semelhantes às atuais. A quem diga também que pouco irá mudar no jornalismo online, que apenas continuará a utilizar um meio diferente para a difusão da mensagem, um meio que tem a vantagem de conjugar texto, imagem e som numa só estrutura e que está ao alcance de todos, em qualquer lugar do mundo, à distância de um clique.

Muniz Sodré (2002) em Antropologia do Espelho define o processo atual como ``mutação tecnológica'', dizendo que não se trata exatamente de descobertas linearmente inovadoras, e sim da maturação tecnológica do avanço científico, que resulta em hibridização e rotinização de processos de trabalho e recursos técnicos já existentes sob outras formas (telefonia, televisão, computação) há algum tempo. ``Hibridizam-se igualmente ao aparecimento do que se tem chamado de hipertexto ou hipermídia''. (Sodré, 2002, p.12).

Em moldes semelhantes aos de Muniz Sodré, encontra-se o trabalho recente de David Bolter e Richard Grusin (1999), teóricos que tentaram pensar sistematicamente essa alternativa ao propor um estudo das tecnologias digitais não em termos da morte das tecnologias anteriores, mas antes em termos do conceito de Remidiação (Remidiation), vale dizer, das mudanças que ocorrem em um meio ou meios (mídia) diante do aparecimento de uma tecnologia que chega para, ao mesmo tempo, competir com e completar tecnologias anteriores. Quando, por exemplo, uma empresa jornalística, transfere seu produto, no caso jornal, para o meio eletrônico, o que ocorre não é a morte do impresso, mas a sua transformação: o jornal material, por assim dizer, perde o seu corpo e se transforma em virtual e, simultaneamente, perde algumas de suas características (materialidade, localização enquanto objeto em certos espaços físicos), e ganha outras (virtualidade, facilidade de acesso) (Bolter and Grusin 1999).

Em oposição, estão os escritores, como Pierre Levy e Jean Boudrillard que vêem na Internet o fim do jornalismo. Não sendo necessário um mediador que selecione e apresente as notícias, uma vez que todos podem aceder às mesmas fontes de informação que os jornalistas, estes deixarão de ter um papel relevante na sociedade e seremos, ao mesmo tempo, produtores e consumidores de conteúdos. Outros, ainda, nessa mesma linha, exaltam o computador e a Internet como a ``verdadeira revolução do século'', comparável à imprensa de tipos móveis de Gutemberg, que modificou a maneira de pensar e aprender. É corrente a expressão ``Revolução da Informação'', como um sucedâneo de ``Revolução Industrial'', para designar os impactos em curso. As transformações tecnológicas da informação mostram-se francamente conservadoras das velhas estruturas de poder, embora possam ``aqui e alí agilizar o que, dentro dos parâmetros liberais se chamaria de democratização''. (Sodré, 2002 p.13)

Quanto à Revolução da Informação, novo mesmo, conforme é colocado por Sodré, é o fenômeno da estocagem de grandes volumes de dados e a sua rápida transmissão, acelerando, em grau inédito na História, isto que se tem revelado uma das grandes características da modernidade - a mobilidade ou a circulação das coisas no mundo. ``Se a Industrial centrou-se na mobilidade espacial, a da Informação centra-se na virtual anulação do espaço pelo tempo, gerando novos canais de distribuição de bens e a ilusão da ubiqüidade humana''. (Sodré, 2002 p.13)

Enfrenta-se a ameaça ora em termos de glorificação, ora do exorcismo do computador, normalmente expressos sem a preocupação com um questionamento mais rigoroso do clássico postulado apocalíptico expresso na fórmula ceci tuera cela. Trata-se, em Notre-Dame de Paris, da frase pronunciada por um clérigo que, ao abrir a janela de seu claustro, volta os olhos para a catedral parisiense e, logo a seguir, para o livro aberto sobre a mesa, e lamenta: isto destruirá aquilo. A frase retorna insistentemente em discussões sobre as possíveis conseqüências do advento do texto eletrônico para o texto impresso.

Na sua teoria do Filme, Bela Balaz, citada por McLuhan (1969) assinala como ``a descoberta da imprensa tornou gradualmente ilegíveis os rostos dos homens. Tanto poderia ser lido do papel, que o método de emprestar significado através da expressão facial caiu em desuso. Victor Hugo escreveu certa vez que o livro impresso assumiu o papel desempenhado pela catedral da Idade Média e tornou-se o correio espírito do povo. Mas os milhares de livros esfrangalharam o espírito único... em milhares de opiniões...esfrangalharam a igreja em milhares de livros. O espírito visível transformou-se assim num espírito legível e a cultura visual numa cultura de conceitos.'' (McLuhan, 1969, p.151)

Como a ação do romance ocorre no século XV, logo após a invenção da imprensa, o significado do lamento é claro: refere-se não apenas à perda da autoridade da Igreja como resultado da divulgação do livro, mas, também e principalmente, à possível perda do sentido da catedral enquanto texto cultural a ser utilizado para a transmissão do conhecimento religioso para o povo do medievo. Na época, a catedral funcionava também como biblioteca a ser lida pelo cristão comum que, não tendo acesso aos manuscritos manuseados apenas pelas elites letradas, olhava para os vitrais e deles absorvia as mensagens contidas em relatos bíblicos, os ensinamentos de vícios e virtudes, as visões do céu e da terra, os princípios morais do catolicismo, e até mesmo conhecimentos de geografia. Como explica Umberto Eco (1996), em comentário sobre o ceci tuera cela no romance de Hugo, a catedral-biblioteca do medievo era uma espécie de

``programa de televisão imutável e permanente, planejado para proporcionar ao povo tudo o que fosse indispensável tanto para o seu cotidiano como para a salvação eterna. O livro [por outro lado] desviaria a atenção das pessoas dos valores mais importantes e abriria caminho para informações não relevantes (no que diz respeito à interpretação livre das escrituras) e para uma curiosidade desvairada (Eco 1996, p.2).

Eco lembra oportunamente que o ceci tuera cela representa uma resposta cultural típica de momentos históricos em que uma nova tecnologia começa a competir com as anteriores. O célebre texto platônico que descreve a invenção da escrita é o mais conhecido precedente do texto de Hugo. Quando Hermes apresenta a invenção da escrita ao faraó Tamus, este revela sua suspeita de que a nova invenção contribuiria para o enfraquecimento da memória dos homens, já que, com a possibilidade de se fixar o conhecimento em um objeto externo, tornar-se ia desnecessário o esforço mental interno para lembrá-lo (Platão, Fedro, 274-7). No Fredo, Platão objetou que o aparecimento recente da escrita iria revolucionar a cultura para pior. Disse que ela iria trazer a reminiscência no lugar do pensamento e o aprendizado mecânico ao invés da dialética verdadeira da indagação viva da verdade através do discurso e da conversação. Mas para McLuhan, a grande virtude da escrita era o poder de deter o processo do pensamento para a contemplação e análise constantes. Para ele a escrita era a tradução do audível para o visual. Ou seja, constituía espacialização do pensamento.

``No entanto, a escrita no papiro e no pergaminho promoveu uma organização muito diferente de hábitos mentais daqueles que estão ligados à impressão e aos livros. Em primeiro lugar, a leitura silenciosa era desconhecida até o surgimento das superfícies macadamizadas e aerodinâmicas da página impressa, que permitiam a passagem veloz do olho apenas. Em segundo lugar, a dificuldade de acesso aos manuscritos obrigou os estudantes a memorizar tanto quanto possível tudo o que liam''. (McLuhan, 1969, p.147)

Não se trata, portanto, de afirmar apressadamente que uma tecnologia eliminará a outra, mas antes de pensar a coexistência das duas, com funções diferenciadas e especializadas. Em Navegações: comunicação, cultura e crise, Aníbal Ford (1996) destaca que os meios de comunicação nascem encadeados com as culturas populares anteriores, e não só com seus gêneros, mas também com seus saberes que não podem ser vistos como ``tradicionais'', pois são áreas constitutivas da cultura do homem reprimidas pelas culturas oficiais do capitalismo. (Ford, 1996 p.200)

É isso, de resto, que ocorreu freqüentemente com tecnologias anteriores: a fotografia alterou o sentido da pintura, mas não a substituiu; a televisão ocupou certos espaços do cinema, mas não todos; o correio eletrônico criou uma nova forma de comunicação, mas as agências de correios e telégrafos continuam operando. O Jornal, em outras palavras, não precisa necessariamente desaparecer diante da presença do computador porque é uma tecnologia suficientemente flexível para adaptar-se aos novos tempos. Como explica Rosenthal (1998), é ilusório pensar que uma tecnologia automaticamente elimina a tecnologia anterior, como se o ato de escrever fosse semelhante a um estacionamento com lugar para um carro só. É que, quando uma tecnologia permanece mais adequadamente funcional do que qualquer alternativa, não há razão para abandoná-la, a despeito da sua antigüidade. É esse o motivo por que, quinhentos anos após Gutenberg, continuamos a ser uma cultura de textos manuscritos: usamos o lápis e a caneta para anotações e mensagens telefônicas, para notas ao pé da página, e para dialogar conosco mesmos em nossos diários.

Estamos frente a conflitos cognitivos e culturais delineados durante o início da modernidade. Os problemas da oralidade, da narração e da comunicação não verbal (mediados ou não pela eletrônica) estão, em si e em seus conflitos e relações com a escrita e a argumentação, no centro dos processos de construção de significado da nossa cultura. E isto não é alheio ao modelo cognitivo imposto por essa modernidade, que conforme Ford (1996) hoje está em crise e se deteriora.

Os conflitos ultrapassam a etapa histórica do capitalismo, como exemplifica (Ong, 1987, citado por Ford, 1996), cujas hipóteses são em grande parte baseadas nas formas com que foram construídos os poemas homéricos. As criticas que, segundo narra Jauss, Bernardo de Claraval, na Idade Média, fazia aos monges, por lerem mais in marmoribus do que in codicibus, ou sua condenação à concuspicentia oculorum (Jauss, 1986, citado por Ford, 1996), são muito parecidas com as daqueles críticos da cultura audiovisual que a condenam a partir de uma concepção de escrita tão rígida que parece considerar tradicionais o corpo e os sentidos, esquecendo-se inclusive da enorme carga cultural e histórica que eles trazem (Varela, 1988, citado por Ford, 1996).

Por outro lado, estamos diante de uma reviravolta, vistos os velhos e novos desenvolvimentos da comunicação eletrônica, os problemas estabelecidos pela ``semiose'' urbana, sobretudo hoje, e as derivações cognitivas e os sistemas de construção do significado que se produzem no interior das crises locais ou globais. É difícil evitar essa área se quisermos entender as formas de constituição do significado em muitos dos problemas hoje apresentados pela nossa sociedade. Estamos numa cultura em que a narratividade tem um forte peso. (Ford, 1996, p. 52) Estamos diante de novos processos. Mas também de uma reclassificação de arquivos cognitivos e comunicacionais, na qual saberes muitas vezes deslocados ou desierarquizados pela modernidade passam a ser referenciais de conhecimento ou campos de recuperação. Mesmo no campo árduo da eletrônica, que por algum motivo começa a se relacionar com a história das mentalidades (Gomes Montt, 1990 citado por Ford, 1996).

É interessante notar que a partir da eletrônica apareçam reflexões, expansões, necessidades de interação com saberes e formas comunicativas que foram deslocadas pelo império linear da escrita e, inclusive, referências àqueles que, como Baudelaire e Rimbaud, romperam com ela a partir de seu próprio interior. Vale a pena reparar aqui, nesses retornos à percepção simbolista, na sinestesia - vendo vozes - de (Sacks, 1987 citado por Ford, 1996), ou na imagem de McLuhan: - ``na televisão nossos olhos funcionam como nossos ouvidos'' . além disso, não deixa de ser significativo que a epígrafe do livro de McLuhan tenha sido extraída de Finnegans Wake. Pode parecer óbvio, mas o peso da narratividade, da oralidade e da comunicação não-verbal como áreas básicas na construção de significado, inclusive no plano social, econômico e político, sem pensar na eletrônica e sim nas culturas da crise, ainda não encontrou um lugar nítido nas ciências sociais.

O homem luta para poder continuar narrando e para recordar, mediante narrações, para não se submeter à escrita tal qual ela era ou é manejada pelo Estado moderno, para exercitar e valorizar sua percepção não-verbal, para argumentar através da ação e do relato, para perceber a realidade com o corpo. Quer dizer, para exercitar todas as suas possibilidades na construção do sentido de sua existência ou de suas escolhas. A mídia avançou a partir de uma lógica que não era a do saber escolar transmitido, de forma institucional ou estatal, mas a dinâmica de pequenas empresas ``aventureiras'', e a partir dos intelectuais pobres que nelas trabalhavam e que estabeleciam, em grande parte alheios à legislação - a comunicação quase sempre antecede à sua legislação, embora pese em seu desenvolvimento a liberação dos impostos - , um complexo e ``negociado'' diálogo com as culturas das classes populares com seus fortes resíduos e sua reciclagem na urbe industrial, e também com as transformações produzidas pelos novos espaços e tempos da vida cotidiana, pelo desenvolvimento tecnológico e pelas novas leituras provenientes das necessidades informacionais e comunicacionais que emergiam de tudo isto.

O futuro do jornalismo, apesar de ser difícil de prever, deverá estar num espaço intermédio entre as duas versões apresentadas anteriormente. A Internet não representará o fim do jornalismo e dos jornalistas, mas vai, certamente, modificar ainda mais muitas das práticas atuais nas redações (mesmo nas de meios de comunicação específicos online). A deontologia e o profissionalismo dos jornalistas continuarão a ser os mesmos; a forma como se investiga e constrói uma notícia terá semelhanças com o que se realiza hoje; a apresentação será diferente e os profissionais do setor terão que se adaptar às tecnologias4.

Atualmente uma das grandes vantagens do jornalismo online (ou pelo menos assim é apresentada) é a possibilidade de existir interação entre quem escreve e quem lê as notícias. A Internet é um meio que permite a troca rápida, por vezes imediata, de mensagens entre pessoas que estão nos mais distantes lugares do mundo. O correio eletrônico também é uma ferramenta que facilita o contato. O novo meio veio potenciar o contato entre os jornais e jornalistas e os seus públicos. Antes de analisar como é estabelecida a interação entre os jornalistas e os seus leitores/usuários, e como alguns jornais impressos, que possuem versões online, procuram explorar a interatividade, vamos aprofundar algumas questões pertinentes a Interação, Intariconismo simbólico e as contribuições dos pesquisadores de Palo Alto.

Paradigma das Interações Comunicacionais

A reflexão de vários autores ressalta a necessidade de apontar a natureza interacional do processo comunicativo, na construção de perspectivas que dêem conta da globalidade do fenômeno. O ``modelo praxiológico'' de Louis Queré, o ``enfoque tríplice'' de John B. Thompson, o ``paradigma do hipertexto'' de Pierre Levy, são algumas das formulações teóricas que têm contribuído para a construção do Paradigma das Interações Comunicacionais.

Este paradigma surge como uma tentativa de superar o caráter restritivo e formalizador que a noção de comunicação adquiriu com a utilização do Paradigma Clássico. Se este tentou definir o que é a comunicação a partir de uma forma fixa, rígida, de identificação e delimitação de seus elementos internos, a perspectiva interacional busca apreender uma configuração geral da comunicação que marca seus limites enquanto fenômeno em relação àquilo que não constitui relação comunicativa, sem definir formas específicas, fixas, internas ao processo. Para fazer isso, ou seja, ``retornar à noção mesma de comunicação (...) e tentar reconstruí-la de outra maneira, (...) é preciso voltar à fonte da comunicação: a vida social'' (França, 1993)

Nessa concepção, a comunicação é um processo social básico, e a vida social compõe-se de interações comunicativas todo o tempo. O que marca a particularidade do fenômeno comunicativo é a ``palavra'', isso é, a materialidade simbólica. A comunicação é, pois, ``as relações particulares que se estabelecem através de uma materialidade simbólica construída no seio dessas relações como sua condição e expressão'', ou, de uma forma diferente, são ``atos específicos erigidos em torno da palavra, da co-presença dos interlocutores''. (França, 1993)

A referência para a apresentação do Paradigma das Interações Comunicacionais, é a tese de doutorado da professora Vera França, Communication et Socialité: le Journalisme au-delá de l'information, um estudo sobre o jornal Estado de Minas e suas relações com a mineiridade que se sustenta e de certa forma sistematiza o paradigma interacional. De acordo com a autora, um estudo sobre a comunicação, ao utilizar este paradigma, para dar conta da globalidade do ato comunicativo, tem de contemplar suas três dimensões: a relacional, a simbólica e a da experiência. A dimensão relacional indica que, numa relação de comunicação, existe interação, as pessoas ``falam'' na frente de um ``outro'', há uma presença conjunta, por mais unilateral que seja o processo. Age-se face ao outro. A presença dos interlocutores é mediada pela palavra, o que faz com que os interlocutores se definam a partir de seu envolvimento com a materialidade simbólica.

A dimensão simbólica acusa que é a presença de uma mensagem que permite o estudo da comunicação. A mensagem é a objetivação de um sentido, de uma dimensão subjetiva, interior, que está no pensamento e passa a ser objetivada num texto ou numa imagem - a partir desse momento, ela passa a ter uma existência nela mesma. A mensagem é caracterizada também por uma intencionalidade e pela mediação cultural que interfere na construção do sentido. Este modelo é, pois, marcado pela delimitação de um tempo e um espaço, e de atores concretos. Não é estático e nem generalizável. Por fim, a dimensão da experiência marca a inserção da comunicação num contexto. A comunicação deve ser buscada no fazer dos homens, no terreno da experiência, e não numa construção abstrata, desvinculada. O contexto significa algo à relação e à palavra, ele traz elementos para a interpretação e é também atribuidor de sentido.

O paradigma das interações comunicacionais é profundamente enraizado nas dimensões temporal e espacial, pois estuda relações singulares, que acontecem num momento e num espaço específico. Ele não é universal, pois não define o que é a comunicação dentro dela, não especifica papéis, funções, elementos. E não é universal porque acontece com atores concretos, em situações particulares construídas em torno de mensagens também singulares. As implicações metodológicas da utilização deste paradigma se verificam na construção de um objeto de estudo que acontece concretamente, tem uma materialidade. Está enraizado num determinado panorama cultural, em dimensões de tempo e espaço definidas. E ocorre entre sujeitos reais, interlocutores que têm objetivos, desejos, necessidades, valores, expectativas em relação ao outro, bagagem cultural - os interlocutores não são neutros, vazios, ``ocos'' em relação ao outro; nem exercem apenas um papel determinado, mas possuem toda uma gama de papéis possíveis dentro da relação que se estabelece. O sentido, portanto, está no receptor, no emissor, no contexto, na mensagem. A comunicação é toda essa rede de relações interativas dos interlocutores entre si e com o material simbólico. É a busca da globalidade do ato comunicativo - e, portanto, sua inserção no terreno do social - que caracteriza da melhor forma o objetivo do paradigma das interações comunicacionais.

Interacionismo simbólico

Em sua sistematização analítica, o Interacionismo Simbólico fundamenta-se em uma série de conceitos básicos. O primeiro deles diz respeito à natureza humana: os seres humanos são seres em ação, são agentes. Outro conceito nos diz que a natureza dessa ação é um resultado de um processo de interpretação. A interação social forma os comportamentos, é constituinte, fundante, e fornece significados para a construção, por parte dos sujeitos agentes, dos objetos. Ao considerar a sociedade humana interativa, observa-se que existe uma influência recíproca, isso é, a ação de cada sujeito altera o quadro de representação dos demais. Somando-se a isso a identificação da atividade humana como centro regulador da vida social, tem-se um quadro marcado pela complexidade.

Os modelos lineares e unidirecionais se desfazem diante de sujeitos agentes capazes de interpretar os significados que o mundo lhes apresenta. As idéias de transmissão, efeitos diretos e anulação da consciência crítica perdem sua capacidade explicativa diante dos postulados do Interacionismo Simbólico. Além disso, se a ação humana é calcada nos significados, e os significados são provocados pela interação, a compreensão dos fenômenos comunicativos que envolvem os meios de comunicação de massa deve ser buscada também fora deles, ou seja, na vida social e nos indivíduos concretos.

A grande implicação metodológica do Interacionismo Simbólico é a referência ao estudo empírico, a rejeição a modelos prontos, acabados, e a necessidade de se considerar os processos interpretativos pelos quais os significados sociais passam, no nível dos sujeitos, que são agentes e, portanto, ativos no processo comunicativo. A comunicação acontece na interação indivíduo-sociedade - quando se configura o processo de atribuição de sentidos, de interpretações múltiplas, de investimentos simbólicos. Essa interação seria a peça-chave para a compreensão dos fenômenos comunicativos. Já para Verón, um sistema de comunicação não existe sem um repertório de signos e sem um corpo de regras que definam como se selecionam e se combinam esses signos para formar as mensagens transmissíveis. (Verón, 1988)

O Interacionismo Simbólico diz respeito a uma corrente de estudos da Escola Americana, que se origina com Herbert Mead, professor da década de 20, cujos herdeiros mais representativos são Blumer, da Escola de Chicago - que, num artigo de 1969, denomina a herança de Mead de Interacionismo Simbólico -, Kuhn, da Escola de Iowa, e Goffman. Mead se opunha à dicotomia existente entre as noções de sociedade e indivíduo e entre sociologia e psicologia. Sua proposta apontava para a convergência entre indivíduo e sociedade, que aconteceria na comunicação. Sociedade, indivíduo e mente seriam três entidades indissociáveis, que comporiam o ato social. Blumer (1980, p. 119-138), desenvolvendo os pressupostos do Interacionismo Simbólico, elabora três premissas:

Tal abordagem privilegia a interação como elemento constituinte, fundante, que forma os comportamentos. A natureza dos objetos do mundo é social, uma vez que seus significados são formados a partir de formas de interpretar ditadas pela sociedade e da interpretação dos sujeitos, moldada no dia-a-dia, no cotidiano. O espaço do ``nascimento'' dos significados - a interpretação dada pela sociedade e a promovida pelo sujeito - é a comunicação, a interação entre sociedade e indivíduo.

Há, ainda, outras implicações metodológicas surgidas com essas três premissas. Uma delas é a visão do ser humano como sujeito, agente, capaz de interpretar, de simbolizar. Outra é a referência ao mundo empírico, rejeitando os estudos presos a modelos, esquemas, com a percepção do dinamismo da construção simbólica: se o encadeamento das ações segue uma certa previsibilidade dada pelo social, a dimensão da experiência faz com que cada ato tenha um componente novo. Algo é sempre acrescentado pelo sujeito concreto que vivencia aquele ato e pelo momento específico em que acontece. As análises sob o prisma do Interacionismo Simbólico são, dessa forma, particularizadas: ao se repetir cada experiência, ela traz elementos novos. É um tipo de investigação que conduz à análise de casos concretos.

Se a ação é calcada nos significados que as pessoas imprimem naquilo que estão fazendo, o significado é fundamental para interpretar a ação dos sujeitos. Se os significados provêm da interação, eles não são nem inerentes ao objeto, nem estão apenas na mente das pessoas. Há elementos objetivos no objeto que favorecem a criação de determinadas imagens, mas esses elementos não representam a totalidade do simbólico. Há uma dimensão que é própria de quem está atribuindo o sentido. Por fim, se o homem é vivo, é pensante, é capaz de interpretar, os significados são sempre refeitos pelo processo interpretativo.

Um colégio invisível

Nos anos 40, um grupo de pesquisadores americanos vindos de diferentes áreas de saber como antropologia, lingüística, matemática, sociologia, psiquiatria, entre outros, tomam rumo contrário a teoria matemática da comunicação de Shannon, em vistas de se impor como referência dominante. A história desse grupo, identificado como ``Colégio Invisível'' ou ``Escola de Palo Alto'', nome da pequena cidade na periferia ao sul de São Francisco nos EUA, inicia-se em 1942, impulsionada pelo antropólogo Gregory Bateson, que se associa a Birdwhistell, Goffman, Hall, Jackson, Scheflen, Sigman, Watzlawick etc. Afastando-se do modelo circular retroativo proposto por Norbert Wiener. Concebida por e para engenheiros das telecomunicações, eles sustentam que a teoria matemática deve ser abandonada e que a comunicação deve ser estudada pelas ciências sociais humanas a partir de um modelo próprio. Yves Winkin resume a diferença de posições: ``Segundo eles, a complexidade da menor situação de interação que seja é tal que é inútil querer reduzi-la a duas ou mais `variáveis' trabalhando de maneira linear. É em termos de nível de complexidade, de contextos múltiplos e sistemas circulares que é preciso conceber a pesquisa em comunicação'' (Winkin, 1981)

Nessa visão circular da comunicação o receptor tem um papel tão importante quanto o emissor. Os pesquisadores da Escola de Palo Alto tentam explicar uma situação global de interação, e não apenas estudar algumas variáveis tomadas isoladamente, para isso eles se baseiam não só nos conceitos e modelos da abordagem sistêmica, mas também da lógica e da lingüística. Segundo os pesquisadores a essência da comunicação reside em processos relacionais e interacionais. Todo comportamento humano possui um valor comunicativo. Observando a sucessão de mensagens situadas no contexto horizontal e vertical é possível deduzir uma lógica da comunicação (Watzlawick, 1967, citado por Winkin, 1981).

Para Bateson a interação se define por uma troca entre subsistemas, troca de informações caracterizadas por uma diferença. ``A informação é uma diferença que produz diferença''. Retomando os conceitos de Shannon, ele os transpõe ao mundo vivo: a informação, que é ela própria diferença em Shannon, produz de modo dinâmico diferença em Bateson. ``A informação consiste em diferenças que fazem uma diferença'' (Sfez,1994). Informação capital, pois a própria interação ``entre as partes de um espírito é desencadeada pela diferença''. A diferença entre o sistema clássico e Bateson é que o sistema interativo dos clássicos é visto como procedimento de descrição. A interação Batesoniana é vista como processo de mudança a construir. Palo Alto é voluntarista. Não se trata de descrever, mas de agir. E sabe-se que a descrição não é neutra ou inocente, mas que acarreta sempre uma diferença, que ela própria é ação.

Para Albert Scheflen, (citado por Winkin, 1981) existem várias maneiras de registrar, reconstruir e representar a estrutura do comportamento durante a interação. Não só o comportamento verbal, mas todos os modos de comportamento estão codificados e estruturados pela tradição. ``Todos os comportamentos são potencialmente comunicativos''. Scheflen define comunicação como um sistema de comportamento integrado que calibra, regulariza, mantém e por isso torna possível relações entre homens.

A noção de comunicação isolada como ato verbal consciente e voluntário, opõe-se a idéia da comunicação como processo social permanente que integra múltiplos modos de comportamento: a fala, o gesto, o olhar, o espaço interindividual. A partir daí eles se interessam pela gestualidade (cinática) e pelo espaço interpessoal (proxêmico), ou mostram que os imprevistos do comportamento humano são reveladores do meio social. A análise do contexto se sobrepõe à do conteúdo. Se se concebe a comunicação como um processo permanente em vários níveis, o pesquisador deve, para aprender o surgimento da significação, descrever o funcionamento de diferentes modos de comportamento num dado contexto. A contribuição da Escola de Palo Alto para uma teoria sobre os processos de comunicação como interações foi reconhecida apenas nos anos 80, com a crise dos modelos macrosociológicos.

Interação através dos meios

Durante a maior parte da história humana, a grande maioria das interações sociais foram face a face. Os indivíduos se relacionavam entre si, principalmente na aproximação e no intercâmbio de formas simbólicas, ou se ocupavam de outros tipos de ação dentro de um ambiente físico compartilhado. As tradições orais dependiam de um contínuo processo de renovação para sobreviver. As tradições eram também restritas em termos de alcance geográfico, pois sua transmissão dependia da interação face a face e do deslocamento físico de indivíduos de um ambiente para outro.

O desenvolvimento de novos meios de comunicação não consiste simplesmente na instituição de novas redes de transmissão de informação entre indivíduos, sujas relações sociais - formas que são bastante diferentes das quais tinham prevalecido durante a maior parte da história humana. Com o avanço das tecnologias os indivíduos podem interagir uns com os outros ainda que não partilhem do ambiente espaço-temporal. Thompson (1998) propõe três tipos de interação - enfoque tríplice - criadas pelos meios de comunicação, interação face a face, interação mediada e quase-interação mediada, mas em caráter híbrido - ele diz que muitas interações podem envolver uma mistura de diferentes formas de interação. E também não esgotam os possíveis cenários de interação. Ele diz ainda que a ``mistura interativa'' da vida social mudou. Cada vez mais os indivíduos preferem buscar informação e conteúdo simbólico em outras fontes do que nas pessoas com quem interagem diretamente no dia-a-dia.

``O desenvolvimento da mídia ajudou a criar um mundo em que os campos de interação podem se tornar globais em escala e em alcance e o passo da transformação social pode ser acelerado pela velocidade dos fluxos de informação. O crescimento dos múltiplos canais de comunicação e informação contribui significativamente para a complexidades e imprevisibilidade de um mundo já extremamente complexo'' (Thompson, 1998, p.107)

O jornalismo online faz parte de um novo campo de interação criado pelas tecnologias digitais. Segundo Bardoel e Deuze (2000), são quatro as características do jornalismo online: interatividade, customização de conteúdo, hipertextualidade e multimidialidade. Em semelhante categorização, para Palacios (1999) são cinco as características: multimidialidade/convergência, interatividade, hipertextualidade, personalização e memória. Tais características refletem a utilização de possibilidades oferecidas pela Internet. Para fins deste texto, interessa a interatividade, por ser a característica que influencia e determinam mais diretamente as alterações que ocorrem no formato da notícia, quando esta passa a ser disponibilizada na Internet.

A interatividade nos meios de comunicação é um assunto bastante complexo que vem sendo abordado de sob diversas perspectivas. À título de ilustração: a) Castells (1999) e Dizard (1998) trabalham a idéia de uma sociedade interativa valorizando a perspectiva de redes conectadas; b) Lévy (1999) e Vittadini (1995) preocupam-se em criar modelos de análise e classificar situações de interatividade apresentadas; c) Primo (1999) e Machado(1997) voltam-se para os sistemas informáticos e a interatividade homem-máquina, porém focalizam suas atenções em agentes diferentes para buscarem suas definições. O primeiro está muito preocupado com o sistema informático e estrutura sua tese prioritariamente sobre este problema, concluindo que a interação homem-máquina é limitada pelo fato do estado da arte destes sistemas ainda apresentar situações limitadas. Ao contrário, Machado valoriza o `poder' de escolha que é atribuído ao receptor, deduzindo então que os sistemas em hipermídia são interativos por permitir que os usuários naveguem pela informação; d) no âmbito do jornalismo online, Silva (1997), Bardoel e Deuze (2000) e Schultz (2000) apostam que a mudança do paradigma `um-todos' para `todos-todos', possibilitada pela conectividade em rede, trará grandes transformações para o jornalismo. Os autores chegam a evocar a possibilidade do surgimento de uma esfera pública ou uma ágora para debates.

Ficando à margem nas discussões propostas pelos autores citados, neste trabalho defende-se a idéia de que, no jornalismo online, não se pode falar apenas em interatividade e sim em uma série de processos interativos. Adota-se o termo multi-interativo (Mielniczuk, 1998) para designar o conjunto de processos que envolvem a situação do leitor/usuário de um jornal online. Entende-se que diante do computador conectado à Internet o usuário estabelece relações: a) com a máquina; b) com o a própria publicação, através do hipertexto; e c) com outras pessoas - seja autor ou outros leitores/usuários - através da máquina.

Bardoel e Deuze (2000) consideram que a notícia online possui a capacidade de fazer com que o leitor/usuário sinta-se parte do processo. Isto pode acontecer de diversas maneiras, entre elas, pela troca de e-mails entre leitores/usuários e jornalistas; através da disponibilização da opinião dos leitores, como é feito em sites que abrigam fóruns de discussões; através de chats com jornalistas. Porém, os autores não contemplam a perspectiva da interatividade no âmbito da própria notícia, ou seja, a navegação pelo hipertexto que, conforme Machado (1997), constitui também uma situação interativa. No presente texto, a preocupação é centrada na interatividade estabelecida entre leitor/usuário e publicação - que corresponde ao que Lemos (1997) denomina de interatividade eletrônico-digital. Trata-se da interatividade que o leitor/usuário estabelece com a própria publicação. Em termos práticos, à situação de navegação dos leitores/usuários no hipertexto.

Interatividade na prática

Partimos então para a análise de como é estabelecida a interatividade entre os jornalistas e os seus leitores/usuários, e como alguns jornais impressos, que possuem versões online, procuram explorar essa interatividade. Não será objeto deste estudo saber os motivos e satisfações de cada um dos lados, antes observar os sites de quatro jornais - ``NH'', ``VS'', ``Zero Hora'' e ``Correio do Povo'' - e verificar as ferramentas que cada um disponibiliza no site e que permitirão aos leitores estabelecer, então, relações interativas com os jornalistas e editores dos jornais.

Inicialmente, alguns dos grandes jornais começaram a apresentar online cópias das edições impressas, assim disponíveis para um maior número de pessoas e num espaço geográfico ampliado. As emissoras de rádio e televisão seguiram o mesmo percurso, disponibilizando, na Internet, versões escritas das notícias e informações difundidas nas suas emissões. Depois, surgiram os espaços exclusivamente online. Primeiro os jornais, depois as rádios e as televisões. Numa segunda fase, os órgãos de comunicação social tradicionais optaram por incluir nos seus sites, além do conteúdo já produzido, outros serviços disponíveis apenas na versão online. Alguns jornais impressos fornecem não só texto e fotografias, mas também vídeos e sons que complementam as notícias, como é o caso do Jornal N. H., que utiliza vídeo apenas nas matérias principais. O fato das edições anteriores estarem disponíveis e ligadas a bancos de pesquisa é também uma mais valia dos órgãos de comunicação online, disponível apenas no site do Correio do Povo e Zero Hora. Não é necessário percorrer as diferentes páginas de todas as edições, basta digitar uma palavra chave para ter acesso à informação desejada.

Uma das maiores vantagens da Internet é a interatividade permitida pelo novo meio e que, dizem alguns estudiosos, poderá ser o grande trunfo do jornalismo online. Muitos veículos de comunicação disponíveis na rede oferecem ferramentas que estimulam a interatividade entre os leitores e os jornalistas e mesmo entre diferentes leitores. É o caso dos fóruns e dos chats5 onde se pretende que os leitores/usuários divulguem a opinião que têm sobre diferentes assuntos, na maior parte dos casos, temas da atualidade. Muitos jornais realizam também sondagens de opinião, através de enquetes, com resultados ou não, para saberem o que os seus leitores/usuários pensam sobre diversos temas. Neste caso, os resultados obtidos servem apenas como indicação, uma vez que aspectos importantes neste tipo de consulta não são tidos em conta, como é o caso da escolha da amostra e ainda a possibilidade de uma mesma pessoa ou grupo votarem repetidamente para influenciarem o resultado final.

O correio eletrônico também é uma ferramenta utilizada pelos veículos de comunicação presentes na rede. Neste caso, distinguem-se dois tipos de utilização: o acesso aos jornalistas e o envio de notícias para os leitores/usuários oferece aos seus leitores/usuários a possibilidade de escolherem entre um conjunto de temas possíveis aqueles que mais lhe interessam e receberem, comodamente, na sua caixa de correio eletrônico, os títulos e, por vezes, um pequeno resumo das notícias do dia. Associado a cada notícia está um link6 que dirige o leitor para a página do jornal (ou rádio, televisão, revista, etc.) onde terá acesso à notícia completa, se estiver interessado. Mas ao mesmo tempo que é mais rápido e cômodo, tem a desvantagem de seus leitores/usuários apenas acederem a parte do conteúdo informativo. Ainda sobre o correio eletrônico, e como já foi referido anteriormente, trata-se de uma boa ferramenta de comunicação entre o leitor/usuário e o jornalista, relacionamento que é, de resto, o mais mencionado exemplo das vantagens da interatividade, mas que na minha opinião sempre existiu, não representa algo muito novo, mesmo no jornalismo impresso, com a sessão de cartas, por exemplo.

Em muitos sites, a notícia assinada é acompanhada pelo endereço de correio eletrônico do seu autor para que os leitores possam corresponder-se com o jornalista. Em outros casos, o expediente do jornal impresso é composto pelo nome dos jornalistas e, novamente, pelo endereço de correio eletrônico de cada um. Ou seja, um meio levando a outro, remidiando, conforme Bolter e Grusin (1999). Ao final de telejornais, também é comum ver indicações para os respectivos sites na Internet. Programas de auditórios também utilizam esse recurso, entre outros. É ainda indispensável mencionar a personalização dos sites noticiosos. À semelhança do que é feito com o correio eletrônico o leitor pode escolher de entre os assuntos possíveis àqueles que merecem mais interesse e, após o registro, sempre que acedem a uma página de abertura personalizada, isto é, apenas com notícias sobre os temas escolhidos previamente.

``A máxima nós escrevemos, vocês lêem pertence ao passado.'' (Canavilhas, 2001) A Internet veio possibilitar afirmações semelhantes uma vez que, ao contrário do que sucedia anteriormente, o acesso do público aos jornalistas parece ser cada vez mais facilitado. ``A possibilidade de interação direta com o produtor de notícias ou opinião é um trunfo forte a explorar pelo webjornalismo7 .'' (Canavilhas, 2001) A interatividade entre jornalistas e leitores, possível com a tecnologia disponível, parece ser, simultaneamente, uma das grandes vantagens e um dos grande perigos do jornalismo online. Enquanto alguns autores (e mesmo alguns jornalistas) vêm nesta característica a possibilidade de perceber o que pensa o público, denota-se, quer da parte de alguns jornais, quer de alguns jornalistas um certo receio pelo futuro. ``Interatividade é uma das características mais proeminentes que distingue os media online dos media tradicionais. A tecnologia da Internet permite uma verdadeira comunicação bi-direcional, utilizando o correio eletrônico e os fóruns de discussão como meios de interligação na comunicação de massas ou na comunicação interpessoal em pequena escala.''(Kopper et alt, 2000) Na verdade, a Internet permite não só a comunicação, em tempo real, entre um jornalista e um leitor como entre grupos de jornalistas e leitores.

Hoje em dia, ``a maioria dos jornalistas e editores não podem contentar-se em publicar as notícias. Em vez disso, o processo está e torna-se cada vez mais um diálogo entre a imprensa e o público'' (Pavlik, 2000) A participação do público na construção da notícia, seja através da sugestão de temas de reportagem, ou de informações sobre determinado assunto que o público faz chegar aos jornalistas, é cada vez mais fácil e também mais freqüente. No jornalismo online, logo que a notícia é publicada, o leitor pode apresentar os seus comentários seja sobre o assunto alvo de notícia, ou o próprio trabalho dos jornalistas. ``A notícia deve ser encarada como o princípio de algo e não um fim em si própria.'' (Canavilhas, 2000)

A interatividade, enquanto possibilidade de intercomunicação entre o jornalista e o seu leitor/usuário, é muitas vezes fomentada pela direção dos veículos de comunicação. Em muitos destes casos, ``membros do público participaram em várias discussões online com repórteres e editores para debater e discutir a cobertura de importantes eventos.'' (Pavlik, 2000) No entanto, a interatividade requer ``uma seqüência de mensagens, isto é, uma cadeia de mensagens relacionadas.'' (Schultz, 1999) É necessário distinguir entre a reação do público a determinadas notícias e a interatividade, onde se pressupõe que haja um contato mais alargado entre o jornalista e os seus leitores/usuários e entre o público e os profissionais da comunicação. ``Nem toda a comunicação mediada pela Internet é interativa.'' (Schultz, 1999) Ou seja, a simples divulgação dos endereços de correio eletrônico dos jornalistas pode não conduzir à interatividade, porque esta depende do estabelecimento de um contacto entre os dois lados: os jornalistas e os leitores.

Um grande número de sites jornalísticos disponibilizam ferramentas que podem fomentar a interatividade. Não será uma prática intrínseca ao funcionamento das redações (salvo nas que foram feitas apenas para trabalharem em versões online), mas já começa a estabelecer-se como rotina em alguns casos. No futuro, os media poderão criar outras formas de interatividade. ``Por exemplo, os jornais podem publicar na sua versão impressa excertos de fóruns de discussão, organizar debates entre os seus trabalhadores e leitores e promover a publicação de notícias resultantes da cooperação entre leitores e jornalistas'' (Schultz, 1999).

A interatividade não será, certamente, a única diferença entre o jornalismo tradicional e o jornalismo online. No entanto, é vista como uma ferramenta fundamental na criação de novos públicos, nomeadamente entre as camadas mais jovens, onde os leitores/usuários já não são apenas espectadores, mas também participantes no processo de formação de notícias, o que poderá reforçar a capacidade de intervenção de alguns cidadãos. É um cenário otimista, que não chegará a todos os lugares do planeta com a mesma brevidade, mas que poderá ser uma realidade em muitos países e comunidades. Ao mesmo tempo, é possível prever que o contato com os jornalistas contribuirá para a fidelização do público, o objetivo máximo de qualquer empresa de comunicação.

Análise de Jornais

Não pretende-se aqui verificar se a interatividade está presente no relacionamento entre leitores e jornalistas de sites de veículos de comunicação. O que se pretende é examinar as ferramentas disponíveis e como são apresentadas ao leitor. Foram escolhidos quatro jornais no Rio Grande do Sul, NH, VS, Zero Hora e Correio do Povo (as publicações online foram selecionadas de acordo com o seguinte critério: edições diárias com uma versão impressa correlata, cujo produto fosse auditado pelo IVC - Instituto Verificador de Circulação - www.ivc.com.br, órgão de credibilidade e de reconhecimento nacional).

A análise das publicações foi feita a partir de um roteiro de observação, contendo questões (conforme tabela a seguir) que contempla outros quatro aspectos, além da interatividade, que são: memória, personalização, multimidialidade e hipertextualidade. No que se refere à sistemática de pesquisa, utilizou-se como parâmetro o trabalho realizado em 1998 na Indiana University (EUA), pelo Prof. Tanjev Schultz, no qual foram mapeados 100 veículos online americanos de tipo comercial e diário. No entanto, a pesquisa de Schultz centrou-se apenas no aspecto da interatividade, ao passo que ampliamos o universo de estudo para outras características assinaladas como específicas do Jornalismo Online, quais sejam: multimidialidade, hipertextualidade, personalização e memória.

Tabela 1 - Interatividade


Jornal Oferece e-mail para contato com jornal? Oferece fórum de discussão? Oferece chat? Oferece enquetes com resultados?
*Zero Hora (Porto Alegre) Sim Não Não Sim
*Correio do Povo (Porto Alegre) Sim Não Não Não
*Jornal NH (Novo Hamburgo) Sim Sim Não Sim
*Jornal VS (São Leopoldo) Sim Sim Não Sim

Tabela 2 - Personalização


Jornal Oferece serviço de personalização? Qual o serviço?
    Manchetes do dia Assuntos de editorias selecionadas Configurar 1ª tela do jornal para abrir com o browser
Zero Hora (Porto Alegre) Não Não Não Não
Correio do Povo (Porto Alegre) Não Não Não Não
Jornal NH (Novo Hamburgo) Não Não Não Não
Jornal VS (São Leopoldo) Não Não Não Não

Tabela 3 - Hipertextualidade


Jornal Na primeira página, oferece links externos? Oferece matérias, cuja narativa do fato esta organizada de forma hipertextual?
Zero Hora (Porto Alegre) Não Sim
Correio do Povo (Porto Alegre) Sim Não
Jornal NH (Novo Hamburgo) Sim Não
Jornal VS (São Leopoldo) Sim Não

Tabela 4 - Multimidialidade


Jornal Além de texto e fotografia, os jornais utilizam sons e imagens em movimento na narrativa do fato jornalístico?
Zero Hora (Porto Alegre) Não
Correio do Povo (Porto Alegre) Não
Jornal NH (Novo Hamburgo) Sim
Jornal VS (São Leopoldo) Não

Tabela 5 - Memória


Jornal Possui arquivo? Qual o período? Qual sistema de busca?
    7 dias 6 meses ou mais Palavra Data
Zero Hora (Porto Alegre) Sim Não Sim Não Sim
Correio do Povo (Porto Alegre) Sim Não Sim Sim Sim
Jornal NH (Novo Hamburgo) Não Não Não Não Não
Jornal VS (São Leopoldo) Não Não Não Não Não

*Acima de 100.001 - Zero Hora (Porto Alegre) e Correio do Povo (Porto Alegre)
*25.001 a 50.000 - Jornal NH (Novo Hamburgo) e Jornal VS (São Leopoldo)

Considerações finais

A interatividade parece ser uma das características do jornalismo online que poderá acarretar vantagens para o leitor/usuário e para os jornalistas. Apesar de ainda estar numa fase inicial, e pouco aproveitada por alguns dos jornais online, este tipo de utilidade fomenta o contato entre os dois mundos, até aqui separados. Se é certo que os jornalistas sempre influenciaram, de alguma forma, os seus leitores, é possível que agora os leitores influenciem os jornalistas, dando-lhes a conhecer novas perspectivas sobre determinados assuntos, fornecendo-lhes informações, sugerindo temas de notícias e reportagens. As fontes dos jornalistas tornam-se, assim, diversificadas. O trabalho dos jornalistas não sofrerá alterações substanciais, mas estará mais perto do público. Ao mesmo tempo os cidadãos interessados (nem todos vão participar ativamente) terão novos meios de participação, e podem fazer-se ouvir mais facilmente. Neste momento, os jornais não exploram a totalidade dos recursos disponíveis para fomentar a interatividade. Muitos, como é o caso do Jornal NH, no entanto, estão conscientes de que devem realizar esforços nesse sentido. Segundo o editor online do Grupo Editorial Sinos, isso representa um investimento a nível de pessoal para incrementar os fóruns, ou um acréscimo no trabalho dos jornalistas que terão de ler e analisar as mensagens de correio eletrônico que recebem e por enquanto, afirma ser inviável.

No futuro, acredita-se que com a evolução natural do jornalismo online, deverá ser necessário implementar todas as possibilidades existentes agora e fomentar novas ferramentas e atividades interativas. Ao mesmo tempo, a interatividade não será a única característica do jornalismo online a sofrer uma evolução. A convergência de texto, som e imagem vai continuar a fazer-se sentir. Os jornalistas terão que se adaptar a novas tecnologias. Os arquivos dos jornais e os serviços de documentação também serão fatores decisivos na evolução deste tipo de jornalismo, uma vez que serão utilizados para complementar as notícias e reportagens e estarão ao alcance de um clique para quem quiser ler pela primeira vez ou reler.

Bibliografia



Notas de rodapé

...é1
Jornalista graduada pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, Professora do Curso de Comunicação Social da Faculdade Assis Gurgacz - FAG, Mestranda do Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.
...ao,2
Entende-se por comunicação ou jornalismo tradicional o trabalho jornalístico realizado para ser difundido num ou mais suportes que não a Internet (rádio, televisão e imprensa)
... online.3
Neste trabalho utiliza -se a expressão jornalismo online para caracterizar os trabalhos jornalísticos disponibilizados na Internet, em sites de órgãos de comunicação social, sejam exclusivamente online ou versões de outros formatos.
... tecnologias4
Os jornalistas online deverão saber utilizar ferramentas informáticas como editores de imagem e som e, ao mesmo tempo, saber navegar na Internet de forma a obter os dados mais relevantes para a edição das notícias. A utilização do computador já é, parece-nos, acessível a grande parte dos profissionais.
... chats5
Discussões online realizadas através de mensagens escritas trocadas entre dois ou mais participantes, em tempo real, ou seja, os participantes vão lendo as mensagens logo que estas são escritas e podem responder imediatamente.
... link6
Links ou hiperligações são usados em textos para ligar, mediante um click, a outro documento ou parte de documento que inclui parcelas de texto relacionadas. Os links estão normalmente em cor diferente da do texto e sublinhados. Também são usados para mudar de uma página do site para outra diferente, ou passar de uma parte da mesma página para outra.
... webjornalismo7
Assim define João Canavilhas o que outros autores chamam de jornalismo online ou digital. No entanto, este autor considera que o webjornalismo não é a mera transposição de notícias de outros meios para a Internet mas antes a utilização de ``todas as potencialidades que a Internet oferece, oferecendo um produto completamente novo: a webnotícia'' (Canavilhas, 2000)