Big Brother Brasil
realidades espetacularizadas

Vanessa Curvello

Enquadrado como um novo gênero televisivo, definido como reality-show, os programas que envolvem veiculação de imagens de pessoas confinadas em uma casa, ou de uma disputa por ``sobrevivência'' em ambientes hostis, transmissão de competições por fama, promoção de um concurso onde casais têm sua fidelidade posta à prova por modelos contratados, e outras novas formas enquadradas como reality-show, estão se destacando como grande tendência da televisão mundial.

Tendo esse tipo de programa televisivo chegado a vários países, gerando críticas, discussões acerca da privacidade ou de possíveis tendências voyeristas de telespectadores, como também a respeito de implicações pedagógicas, começa-se a discutir essa nova forma de produto televisivo e seu espaço na programação diária das emissoras de televisão.

O Big Brother

Para nomear o controle do Estado sobre a sociedade imaginada por George Orwell em seu livro $1984$, ele usou o termo ``big brother''. O ``grande irmão'' seria um olho eletrônico a espionar a tudo e a todos na ficção do escritor inglês. O termo foi escolhido por John de Mol e Joop van den Ende para dar nome ao programa de televisão que criaram na Holanda em 1999 e que, posteriormente, foi vendido a diversas emissoras de tv de diferentes países, inclusive o Brasil. O programa, enquadrado no gênero de entretenimento e chamado de reality-show, consiste no confinamento voluntário de 12 pessoas em uma casa, sendo essas pessoas filmadas 24 horas por dia durante cerca de dois meses. Semanalmente, um participante é eliminado através de votações entre os outros participantes e do público. Ao fim do programa, o ganhador, único concorrente restante, recebe um prêmio em dinheiro. Durante o período do programa, são mostradas, diariamente, imagens previamente editadas da convivência entre os concorrentes.

O Big Brother Brasil

A Rede Globo de televisão comprou os direitos da produtora holandesa Endemol para produzir o programa Big Brother no Brasil. A primeira edição do programa começou em 29 de janeiro e terminou em 02 de abril de 2002. Uma segunda edição do programa está sendo exibida desde o dia 14 de maio.

Assim como nas versões dos outros países, o programa consiste na veiculação livre de imagens, ao vivo e editadas, de 12 pessoas que ficam confinadas em uma casa, com suas imagens gravadas e apropriadas pela emissora. Segundo a rede de televisão, a escolha dos participantes se dá através da seleção entre milhares de cadastros pela internet.

A estruturação do programa

A aceitação, por parte do participante, da apropriação, da livre edição e veiculação de qualquer imagem sua, a critério da emissora, é a condição para entrar no concurso e tentar obter um atraente prêmio em dinheiro instituído pela Rede Globo: 500 mil reais.

As imagens da convivência na casa montada pela emissora são editadas e veiculadas diariamente, com duração variada, indo de flashes de poucos minutos (ao vivo) até a programas de mais de uma hora de duração com a interferência de apresentadores.

Os participantes do Big Brother, durante o período de duração do programa, passam por testes (provas que a emissora sugeria para a obtenção de alimentos extras e outras premiações), dificuldades derivadas da convivência e da impossibilidade de se comunicarem fora do círculo de pessoas participantes, apresentadores e convidados que intervem no programa. São submetidos a diferentes situações, como os relacionamentos conflituosos.

A participação no programa se dá mediante a aceitação de um contrato. Cada participante deve aceitar as regras desse contrato: a permanência na casa sob as determinações da emissora (o uso de celulares, internet e o acesso a informações externas são proibidos), a apropriação, a divulgação e manipulação de todas as imagens gravadas no decorrer do Big Brother, além da adequação à possibilidade de exploração da imagem pela rede de televisão após o término do programa. Essa aceitação tem por objetivo final ganhar o prêmio máximo. Por parte da emissora, por sua vez, há o comprometimento de pagar o prêmio em dinheiro, além da possibilidade de reconhecimento público ("fama"), pela participação no programa, embora os participantes não sejam artistas ou pessoas com algum feito digno de reconhecimento público.

É interessante lembrar também que, para os participantes, especialmente os da primeira edição do Big Brother, a veiculação de suas imagens no programa e a exposição de suas figuras representavam oportunidades interessantes, considerando que todos eles, por suas atividades profissionais (modelos, cantor, dançarino, artista plástico, atores...), seriam, de alguma forma, beneficiados com a divulgação pública. Aliado a isso, há a possibilidade dessa exposição pública nas mídias atrair um grande número de interessados, fato justificado unicamente pelas características das próprias mídias de massa.

As estratégias comunicativas da emissora

Por ter objetivos de ordem econômica, visto que se trata de uma empresa com fins lucrativos, e por sua gramática, que lhe dita formatos e gerencia suas formas, a emissora que exibe o Big Brother Brasil promove uma exploração do texto-programa sob diversas formas. Essa promoção do programa envolve diferentes espaços midiáticos pertencentes à Rede Globo, além daqueles dedicados ao programa na grade de programação, uma vez que há interferências em outros programas, na forma de matérias sobre o Big Brother Brasil promovidas por outros espaços na emissora: Vídeo show, Domingão do Faustão, Fantástico, bem como todas as ações possibilitadas pelo website da empresa emissora. Isso cria todo um universo simbólico em torno do programa que se configura como uma promoção do próprio produto televisivo.

Através do website da emissora, são oferecidas várias opções de interferência dos telespectadores/internautas/leitores. Essas possibilidades de interação incluem a participação em fóruns eletrônicos de opinião e em conversações on-line, disponibilização de fotos, imagens e arquivos em vídeos, possibilidade de envio de mensagens via internet aos participantes, promoção de enquetes on-line. Procura-se saber desde quem é o participante favorito até 'indices de popularidade" desses concorrentes entre o público. Pode-se também assistir a ``melhores momentos'' e algumas cenas do programa receber e-mails diários com as novidades sobre o Big Brother e há até mesmo a venda on-line de objetos usados durante o programa ou com a marca Big Brother Brasil.

As estratégias discursivas do programa

A estratégia discursiva central do texto-programa é a apresentação de uma construção em ficção como se fosse a própria realidade, isto é, a criação de ``efeitos de realidade''. Pode-se afirmar essa ficcionalização devido: (1) ao fato de as pessoas saberem da presença das câmeras e da utilização indiscriminada das imagens, isso faz com que não ajam naturalmente, tornam-se personagens de si próprias, ou como personagens de um grande teatro; (2) à necessidade constante de disputa pela simpatia do público, de forma a permanecer no programa através do voto, visando o prêmio maior; (3) à questão contraditória da concorrência e das dificuldades de relacionamento entre os participantes e a necessidade de conquistar, ao mesmo tempo, sua simpatia; (4) ao fato de os participantes terem a obrigação de falar sobre suas experiências na casa em um lugar chamado "confessionário", no mínimo, uma vez por dia. Devido a tudo isso, a construção simbólica apresentada pelo programa não só não é expressão da realidade como dela se distingue.

Para a viabilização dessa estratégia, a emissora usou técnicas como a institucionalização de concursos, em que o vencedor, único participante restante das eliminações feitas por meio de uma votação via internet e por linhas telefônicas (viabilizadas pela emissora), ganha um prêmio de 500 mil reais, além de obter status de fama e celebridade.

Há também outras estratégias discursivas que é preciso apontar, como a participação ordenadora do apresentador. Exceto nos flashes ao vivo, de menor duração, há sempre a participação de apresentadores, que interagem com os participantes do programa e com os telespectadores. Esses apresentadores comandam o Big Brother Brasil de fora e ditam o teor e o ritmo das discussões feitas com os participantes a respeito deles próprios, de suas sensações e dificuldades e dos fatos que aconteciam na casa. Cabe também a eles o papel de sugerir aos concorrentes que falem sobre determinado acontecimento, utilizando, para isso, menções a fatos que ocorrem na casa entre uma exibição e outra do programa, dos quais o telespectador ainda não tem conhecimento. Isso é uma importante ferramenta para o encadeamento do programa em partes, com imagens já previamente editadas que têm por função de mostrar ao telespectador o que ocorre na casa e direcionar seus julgamentos e opiniões.

Dessa forma, as interferências e sugestões dos apresentadores acabam por adequar as participações dos concorrentes às estruturas narrativas de qualquer programa televisivo (configuração dos blocos, presença de dramatização, exposição de emoções), usadas para manter o telespectador assistindo à emissora, tendo em vista que, pela própria "quebra" em blocos a que estão sujeitos, os programas televisivos tendem a reforçar a concorrência entre emissoras.

Há também uma outra estratégia que é a exclusão paulatina dos concorrentes. Isso se configura como uma estratégia discursiva na medida em que, através de todas as questões que envolvem a eliminação (votação do líder e dos participantes, disputas, dúvidas, crises, etc.), cria-se toda uma construção simbólica envolvendo a regra do programa que determina a eliminação de um participante por semana.

Um outro aspecto importante é a relação que o programa estabelece com os telespectadores - as estratégias de interação com os telespectadores. Pelo fato da exclusão de concorrentes, de acordo com as regras do jogo, efeito de sentido de interação. Essa estratégia tem o objetivo de fazer com que o telespectador/leitor se envolva com as construções simbólicas do programa, tendo a ilusão de que efetivamente participa dele e pode contribuir para seu sucesso. Essa estratégia pressupõe que o telespectador esteja totalmente dedicado à assistência do programa e como se fosse a coisa mais importante do mundo decidir o futuro de participantes do Big Brother. Com isso, tenta-se conferir importância ao programa.

O cotidiano dos participantes do Big Brother é permeado de tarefas e desafios, que são também estratégias discursivas do programa. Além de ocuparem o tempo dos participantes, expondo suas reações e atitudes. A simples veiculação de imagens da convivência entre eles seria inviável (devido aos formatos televisivos em vigor), então, a destinação de tarefas e serem cumpridas em troca de comida ou prêmios adicionais tem um importante papel da construção simbólica do programa analisado: interferir e provocar atitudes decorrentes da convivência entre os participantes envolvendo os jogos propostos. Isso faz com que o programa seja beneficiado com: (a) enriquecimento de imagens, mediante a provocação de novas situações entre os concorrentes e o jogo em si; (b) maior adequação à lógica televisiva; (c) maior interesse por parte do público e (d) exposição das relações e conflitos entre os participantes.

O Big Brother Brasil e a mídia expandida

Por ser um gênero novo que vem tendo um grande espaço na televisão em nível mundial e devido a sua ampla repercussão, esse tipo de programa despertou discussões e críticas em todo o mundo, inclusive a respeito da edição brasileira. Muitas dessas críticas se referem à questão do programa envolver a apropriação de imagens alheias e à divulgação de imagens pessoais e íntimas, e implicações educativo-pedagógicas de tudo isso. Críticas dessa natureza foram publicadas no jornal Folha de São Paulo e tinham por objetivo discutir essa nova configuração da televisão (critérios de criação dos novos gêneros) e seu papel na sociedade pós-moderna. Podemos citar estudiosos como Ivana Bentes, o médico dedicado à questões éticas Jurandir Freire Costa, entre outros. Ainda nessa linha, podemos citar a atribuição de um caráter de inutilidade e da ausência de relevância no conteúdo do programa e de sua expressa na crônica de Marcelo Coelho publicada em 3 de abril deste ano, no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo.

Há também algumas discussões a respeito de um desejo do ser humano por reconhecimento e fama, estimulado todos os dias pelas mídias, pela publicidade, pelos modelos estéticos de beleza, etc. Segundo essas discussões, o gênero reality-show representaria a percepção, por parte das emissoras de televisão mundiais, da possibilidade de exploração desse desejo. Críticas como essa foram vistas na crônica de Arnaldo Jabor no jornal O Estado de São Paulo no dia 9 de abril de 2002.

Foram publicadas inúmeras críticas ao fato das emissoras brasileiras de televisão estarem importando formatos estrangeiros de reality-shows e explorando comercialmente o caráter voyerista do programa. Um exemplo disso é a matéria de Celso Fonseca, publicada na revista Isto É em maio de 2002. O jornalista critica com veemência esse interesse das redes de televisão em importar vários títulos de reality-shows, produzi-los e colocá-los no ar para o público brasileiro.

Há também discussões atuais a respeito da questão da divulgação da intimidade como um fenômenos social, que vão desde a publicação dos ciberdiários ao sucesso mundial dos reality-shows. Nesse tipo de crítica, é apontada a vontade do público de participar e se ver como sujeito do processo de significação do programa como fator motor do atual popularização do novo gênero televisivo.

Após o término da primeira edição do programa, com a divulgação do vencedor, Kleber de Paula, surgiram críticas aos critérios utilizados pelo público na votação final e ao perfil do vencedor. Críticas como essa aparecem em colunas de Arnaldo Jabor, onde são explorados fatos como o vencedor do programa não ter nenhum feito relevante para se tornar celebridade, não possuir grandes potenciais intelectuais, o que aponta para características da própria forma do programa (espetacularização de uma ficção, a qual é atribuído status de expressão de uma realidade, produção de celebridades, etc).