Tito Cardoso e Cunha, Universidade Nova de Lisboa
Em 1958, no mesmo ano em que S.Toulmin publicava o seu The Uses of
Argument, no continente e reclamando-se de uma outra tradição
filosófica, Ch. Perelman, Professor na Universidade Livre de Bruxelas,
publica um livro que terá pelo menos o mesmo relevo no renascimento
contemporâneo da retórica: Traité de l'Argumentation.
La Nouvelle Rhétorique.
Só a expressão deste sub-título denota e acentua
uma linhagem de que o autor se quer reclamar: a herança aristotélica.
Mas o 1º parágrafo da introdução é também
ele muito significativo dessa intenção do autor. Escreve
Perelman, a iniciar o seu tratado: "A publicação de um tratado
consagrado à argumentação e a sua ligação
a uma velha tradição, a da retórica e da dialéctica
gregas...". Esta 1ª parte do 1º § serve obviamente para
afirmar com toda a clareza, e desde o início, uma genealogia que
coloca a obra na directa sucessão da problemática grega sobre
a retórica. As raízes são claramente afirmadas e remontam
aos gregos, particularmente a Aristóteles. Essa referência
helénica é um reatar de uma tradição rompida
e o reatar dessa tradição e em si mesmo a ruptura com uma
outra tradição da modernidade: "...(a publicação
e
a ligação) constituem uma ruptura com uma concepção
da razão e do raciocínio saídos de Descartes,
que marcam com o seu selo a filosofia ocidental." (TA.1)
Em suma, o reatamento da tradição grega é uma
ruptura com a tradição da modernidade cartesiana.
Em embrião, estas palavras, escritas em 1958, trazem quase uma
premonição do que será a crítica pós-moderna
da razão. Em vez da necessidade do encadeamento das ideias no raciocínio
e da evidência com que estas se impõem ao espírito,
o vocabulário privilegiado é outro e nele avultam termos
como "verosímil", "plausível", "provável". A verosimilhança
tem de distintivo em relação à verdade que
essa semelhança ao vero se decide apenas na instância interlocutória
que é um auditório. Há que obter uma "adesão"
e é para isso que as "provas" são necessárias. Sendo
que estas não mais poderão aspirar do que ao estatuto aproximativo
da probabilidade e do plausível.
A verdade, que cartesianamente se impõe pela evidência,
não resulta, por isso mesmo, de uma deliberação argumentada
nem é por isso também objecto de um consenso. Deliberação
e evidencia são duas expressões quase contraditórias,
porque, como exemplarmente escreve Perelman, "não se delibera quando
a solução é necessária e não se argumenta
contra a evidencia." (TA.1)
Em suma, o diferendo é o campo de eleição
da retórica, ao menos da sua vertente argumentativa. Contrariamente
ao que se pretendia, Descartes, para quem o diferendo era impossível,
há que retoricamente pensar a possibilidade de soluções
diferentes sem que o erro seja inevitável. Com efeito, no espírito
cartesiano, o diferendo era o mais e mais óbvio dos sinais do erro.
Porque, no passo célebre das Regras... (TA.2): " De cada
vez que dois homens fazem sobre uma mesma coisa um juízo contrário,
é certo que um dos dois se engana. Mas há mais, nenhum dos
dois possui a verdade; porque se tivesse uma visão clara e distinta,
podê-la-ia expor ao seu adversário de tal modo que acabaria
por forçar a sua convicção."
Este forçar da convicção, esta violência
simbólica que impõe à mente do outro a verdade das
coisas segundo um critério universal, é o oposto de uma dialéctica
doxológica/doxologia/dialéctica opinativa em que prevaleceu
apenas a regra do melhor argumento e de onde a violência, mesmo simbólica,
está ausente.
Com efeito, argumentar sustentando uma opinião contra um adversário
num diferendo é já reconhecê-lo como interlocutor,
renunciando à violência da imposição e reconhecer
no outro a dignidade de quem pode ser racionalmente convencido. É
um reconhecimento da outra consciência de si e da sua liberdade.
Afastamo-nos, portanto, aqui da rigidez logico-formal centrando inevitavelmente
a atenção sobre o modo mais comum de utilização
da razão na interacção social. Porque há uma
racionalidade in-formal que não tem de, obrigatoriamente, pela sua
não-formalidade, soçobrar na emocionalidadade irracional.
Sem querer aqui levantar em toda a sua dimensão a discussão
sobre a legitimidade dessa exclusão mútua entre razão
e emoção, com a qual A.Damásio certamente estaria
em desacordo (1) digamos que as provas fundadoras
de uma convicção não têm quotidianamente a exactidão
de uma prova dedutiva (ou científica). Basta pensar no sistema jurídico
e na sua codificação de um conhecimento procedimental em
que a prova tende, e é tudo o que lhe é permitido, a fundar
um saber, é certo, mas que o é sobretudo do verosímil,
do plausível ou do provável.
"Toda a prova seria redução à evidência
e o que é evidente não teria necessidade de prova." (TA.5)
A noção de evidência tem de ser entendida,
para que uma teoria da argumentação seja possível,
como uma força de persuasão que se insere numa escala proporcional.
A evidência marcando um grau extremo de força persuasiva atribuível
a um argumento.
Como o sublinha Perelman (p. 5) há que não confundir
"evidencia" com "verdade", uma vez que a "evidencia" se referirá
apenas à adesão por parte do espírito que uma ideia
merece. Estaremos portanto aqui, e no limite, num campo puramente psicológico
(Cf. Toulmin e a recusa do psicologismo pela lógica). Enquanto que
a questão da verdade, pelo menos na tradição
racionalista cartesiana, contra a qual Perelman se inscreve em ruptura,
implica uma necessidade e um constrangimento lógico.
Em ruptura com um certo projecto da modernidade encarnado pelo racionalismo
cartesiano, Perelman reclama-se muito naturalmente, de uma outra tradição
mais antiga que remonta a Aristóteles. Ao Aristóteles sobretudo
da Retórica mas também da dialéctica
enquanto esta é definida como "arte de razoar" a partir (2)
de opiniões geralmente aceites (eulogon) (TA.6).Ora, estas "opiniões
geralmente aceites" são detidas por um conjunto de indivíduos
que a técnica retórica constitui em auditório.
Essa é, aliás, a noção central que Perelman
retira aos gregos, fazendo dela uma instância central, que já
o era em termos helénicos, para a compreensão da discurisividade
persuasiva: "é em função de um auditório que
toda a argumentação se desenvolve." (TA.7)
Essa tradição antiga em que Perelman se insere, Cf. Platão,
Górgias,
vê como meio exclusivo da persuasão a palavra. É pelo
discurso, o "razoamento" no dizer de Vieira, que a adesão dos espíritos
constituintes do auditório, se conquista.
Poderíamos, hoje, questionar este pressuposto. Basta pensar
na publicidade, "métier" por excelência da persuasão,
para nos dar-mos conta do papel decisivo que a imagem pode ter no processo
persuasivo.
Barthes, primeiro, num pequeno texto anunciador e de tentativa, "Retórica
da imagem" (3)e mais recentemente
o Grupo m (4) exploraram a via da persuasão imagética-
Perelman recusa explicitamente tomar esse caminho ("o nosso tratado só
se ocupará de meios discursivos de obter a adesão
dos espíritos: só a técnica que utiliza a linguagem
para persuadir e para convencer será aqui examinada" Perelman 10).Será
porventura uma lacuna, se o objectivo fosse tratar a totalidade dos meios
persuasivos ou até se o objectivo fosse tratar a persuasão
mediática. Não é essa a intenção de
Perelman. O discurso dos media é-lhe relativamente indiferente ou
secundário. A sua obra pretende inscrever-se sobretudo no domínio
da filosofia.
Aí aproxima-se de S. Toulmin cuja análise privilegia
também a discursividade. Embora de uma diferente maneira que se
centra sobre a análise do processo argumentativo, a sua disposição
e desenvolvimento numa perspectiva dinâmica. Perelman, pelo contrário,
presta uma atenção minuciosa e uma determinação
exaustiva à classificação, à taxinomia. à
estrutura dos argumentos ("porque nos interessa menos ao desenvolvimento
completo de um debate do que aos esquemas argumentativos postos em jogo"TA.11).
Um outro aspecto em que os dois autores se aproximam e na relação
crítica que constantemente mantém com a lógica. Talvez
mais dependentes no caso de Perelman que explicitamente se propõe
"inspirar-se" e "imitar os métodos" da lógica. A recusa da
lógica é bem mais radical e Toulmin.
**
Seja como for, o movimento de Perelman em relação à
lógica vai no mesmo sentido da distinção que também
preocupa, mesmo se com mais intensidade ou radicalismo, um Toulmin.
Perelman serve-se de dois termos para vincar esta diferença:
atribui o de "demonstração" para designar o que de específico
se passa no campo da retórica.
A demonstração lógica (formal), baseada
na estrita unicidade da linguagem "artificial" utilizada, cujo fundamento
é comum à matemática, designa uma démarche
intelectual necessariamente diferente daquela que se usa no campo retórico
com a argumentação. Aqui não é a univocidade
que se procura, mas antes se joga com a polissemia e sobretudo, sendo o
objectivo a persuasão, a argumentação, na sua pretensão
de eficácia, não pode ignorar os factores psicológicos,
sociais, ideológicos intervenientes na esfera pública, seu
lugar de eleição.
Será uma mera convenção terminológica,
esta a de Perelman, mas útil para partilhar os dois campos, atribuindo
"demonstração" à necessidade do formalismo lógico
e "Argumentação" à publicidade (no sentido habermasiano)
da discursividade /do razoamento/ retórico.
Se a demonstração se impõe necessariamente ao
espírito, a argumentação procura, e é um esforço
que toda ela se con-centra, a adesão modalizada dos espíritos.
A mais não pode aspirar, mas é esse o seu terreno de eleição.
Por isso também, e contrariamente à lógica formal
que se situa num outro universo de funcionamento, a argumentação
retórica pressupõe o contexto de um espaço público,
entendidos nos exactos termos em que Habermas o define como "o conjunto
das pessoas privadas fazendo uso público da razão." Cf. rf.)
(5) O que a existência de um Espaço Público
argumentativo pressupõe e implica é o reconhecimento
(no sentido hegeliano da Fenomenologia do Espírito) do Outro
como interlocutor válido, a quem é possível e vale
a pena aduzir argumentos. Isto é, todo o contrário da relação
hierárquica em que a palavra interlocutiva circula, não horizontalmente
entre iguais, mas verticalmente sobre a forma do comando, da ordem ou do
mandamento.
Por isso o auditório é tão importante na consideração
da retórica feita por Perelman (sê-lo-ia sempre). A noção
de auditório passa pela de reconhecimento o que implica
a renúncia à violência, mesmo se simbólica.
Aliás, os termos em que Perelman define o (seu) auditório,
aproximam-no singularmente da já referida definição
do Eespaço Público. Diz ele: "... (o auditório é)
o conjunto daqueles que o orador quer influenciar pela sua argumentação."
(TA.25). Ora, este "influencia pela sua argumentação" não
é mais do que "fazer uso público da razão" também
designado no texto habermasiano por "raisonnement" que se pode muito bem
traduzir pelo que, como atrás se referiu, Vieira chamava "razoamento",
isto é a ideia grega (logos/legein) de uma racionalidade discursiva.
Por outro lado, o reconhecimento do interlocutor por parte do orador/locutor
persuasivo faz do auditório, em grande parte, uma construção
do orador. Este demarca-lhe os limites e define-lhe a identidade. Assim
por exemplo, quando o líder do PC afirma estar disposto a falar
"com todos os partidos democráticos", o auditório
sabe bem quem ele exclui do universo dos partidos "democráticos".
Inversamente, quando o chefe de um partido da direita pronuncia exactamente
a mesma frase "estamos dispostos a negociar com todos os partidos "democráticos",
sabe-se também que esse universo não inclui o PC.
Em ambos os casos, cada orador delimita e constrói o universo
daqueles que admite como seu auditório.
Em boa parte, toda a argumentação tem de ser construída
a partir do que se definiu ser o seu destinatário. que dizer o seu
auditório.
O conhecimento psicológico, sociológico ou ideológico
do auditório é pois essencial à própria eficácia
da argumentação.
Compreende-se que assim seja, dado o papel central que a natureza do
auditório tem na argumentação. Tendo esta por objectivo,
não propriamente a "verdade" mas a verosimilhança, essa "semelhança
ao verdadeiro só pode encontrar um critério de validade ou
justeza naquilo que pensa o auditório, qual seja o seu estado de
espírito, a força da sua convicção ou crença,
eventualmente pela argumentação aduzida.
Assim por exemplo, num processo penal com intervenção
de um júri o que processualmente está em causa não
é tanto a "verdade" dos factos mas antes a adesão do espírito
dos jurados a uma das teses em confronto: culpabilidade ou inocência
(6).Mas é aqui que tem a sua raiz o que há
de problemático na concepção perelmaniana do auditório.
Com efeito, resulta do que anteriormente se disse, o inevitável
reconhecimento da extrema variação e variedade dos auditórios
bem como das suas crenças e convicções, do seu estado
de espírito.
A questão agora é de saber se pode existir uma técnica
(technê) discursiva retórico - argumentativa válida
em todas as circunstancias e independente da variação dos
auditórios.
Perelman tenta resolver, em parte, o problema fazendo uma distinção
entre "persuadir" e "convencer", pretendendo que a persuasão se
dirige a um auditório particular e o convencimento a um auditório
universal caracterizado pela sua simples racionalidade.(TA.36)
Se é verdade que a noção de "persuasão"
é precária e está sempre ligada à volatilidade
da doxa, haverá talvez que acentuar sobretudo o seu cariz relacional.
Isto é, a persuasão é-o sempre de outrem. É
uma acção discursiva que se propões obter um resultado
no âmbito de uma troca relacional. Enquanto que a convicção
é algo que se tem, se guarda ou se defende. É o resultado,
eventualmente, de uma acção persuasiva ou, pelo contrário,
aquilo que, na sua solidez, se opõe a essa acção.
A convicção, e o grau da sua solidez, ou força, é
certamente o que mais está em causa no processo argumentativo.
Como é que isso se liga à questão da crença
e também à sua relativa solidez, os modos da sua aquisição,
perda, transformação é algo para cuja análise
se teria de mobilizar a magna questão da ideologia que, mais
cedo ou mais tarde, terá de regressar do relativo esquecimento a
que ultimamente foi votada.
Regressando ao problema da universalidade do auditório, convém
referir ou lembrar, por contraste, como esta é uma ideia estranha
a Toulmin, para quem até uma boa parte dos argumentos são
estritamente dependentes de um determinado "campo de argumentação".
É certo que ele não faz alusão à ideia de auditório,
mas a diferenciação por si proposta dos "campos de argumentação"
leva-nos a pensar que essa dispersão implica uma concomitante dispersão
dos auditórios.
Seja como for, Perelman, quanto a ele, pretende reconhecer e apenas
admitir três tipos de auditório: universal, individual e íntimo.
Mas de certa maneira o único modelo é o auditório
universal de que os outros dois não são mais do que "encarnações
sempre precárias" (TA.40).
O problema, ao que nos parece, está no modo como Perelman entende
aquilo a que chamava um "auditório universal" como modelo de todos
os auditórios particulares, individuais ou íntimos. É
que nele reencontramos uma ideia de necessidade que segundo ele próprio
caracterizava o formalismo lógico mas não, precisamente,
a argumentação retórica. Escreve: "uma argumentação
que se dirige a um auditório universal deve convencer o leitor do
carácter constringente das razões fornecidas, da sua evidência,
da sua validade intemporal e absoluta, independente das contingências
locais e históricas." (TA.41) Onde está a diferença
relativamente ao que Perelman condenava na "evidencia" cartesiana?
Dir-se-ia que o recalcamento da lógica, que Perelman tinha expulsado
pela janela, regressa agora pela janela. O retorno do recalcado.
É esta contradição que Toulmin resolve, nomeadamente
com a ideia da distinção entre campos de argumentação
e a visão mais processual e menos taxinómica da argumentação.
Quanto ao auditório individual, é constituído
dialogicamente por um só interlocutor, a questão acaba por
ser a mesma uma vez que se vê nele uma simples declinação
do auditório universal (TA.48 "o auditor único encarna o
auditório universal.")
O problema também é que Perelman pretende situar-se a
um nível puramente filosófico que exige precisamente essa
intenção de universalidade no diálogo como oração
ao colectivo. Como atrás se disse, a noção de um auditório
mediático não está no seu horizonte.
Muito provavelmente a argumentação veiculada pelo discurso
mediático não sustenta a mesma pretensão à
universalidade que é a do discurso filosófico. Pelo que,
uma vez mais a dispersão toulminiana nos parece bem mais adequada.
Finalmente, a deliberação íntima do sujeito consigo
próprio num movimento do pensar que se poderá dizer equivaler
à própria reflexividade da consciência, adopta também
o modelo dialógico da relação ao interlocutor como
auditório, num desdobramento reflexivo do eu a si próprio.
Aqui entra-se num domínio particularmente incerto. O razoamento
intra-subjectivo, em que medida não releva da simples "racionalização",
isto é de uma reconstrução pseudo argumentativa que
tem por base o simples desconhecimento, porque inconscientes, das reais
"razões" ou "motivações"/fundamentos daquilo de que
o sujeito se pretende auto-persuadir. Freud, aqui, aconselhar-nos-ia a
mais extrema prudência.
Perelman, aliás, admite que a íntima deliberação
serve sobretudo para "intensificar a convicção" já
arreigada, do que a receber novas opiniões mesmo que solidamente
argumentadas.
***
Em todo o caso, há pelo menos um aspecto inegavelmente e necessariamente
presente em qualquer tipo de argumentação qualquer que seja
a sua relação à acção. O discurso
argumentativo é sempre constituído por uma palavra performativa,
no sentido em que essa palavra cumpre uma acção persuasiva
que procura o efeito de "mover a mente" do Outro, "co-movê-la" até
criando uma certa "disposição à acção"
(7). O que também significa, uma vez mais, que,
se a acção escolhe a palavra para se exercer, é porque
renuncia à violência. Como escreve Perelman: "...toda argumentação
pode ser encarada como um substituto da força material que, pelo
constrangimento, se propõe obter efeitos da mesma natureza."
Habermas (Cf. Teoria da acção comunicativa) envereda
também por esta direcção quando distingue a acção
comunicativa mediada pela discussão argumentada que pressupõe
a aceitação mútua de uma certa "ética da discussão",
à acção estratégica que se impõe (instrumentalmente)
(Cf.). Essa ética d discussão como pressuposto, está
bem definida por Habermas (e Apel Cf.).
Isto não significa, obviamente, que essa ética esteja
presente necessariamente na interacção social discursiva.
Há pelo menos dua posturas que, ao serem adoptadas, anulam a possibilidade
de argumentar: 1) o que se recusa a discutir aquilo que se lhe apresenta
como indiscutível e assim acha que deve ser para todos: "Não
se discute a Pátria... Deus... Autoridade...).
Por outro lado 2) aquele que apenas aceita como válida uma argumentação
que provasse, com a necessidade do cálculo lógico, as asserções
proferidas. Neste caso também a discussão argumentada, porque
contingente nos seus resultados, é igualmente excluída.
Isto é, ambos recusam a interacção dialógica,
um porque se acha na posse da verdade necessária e portanto indiscutível,
o outro porque, à força de exigir garantias (desproporcionadas)
se condena a não acreditar em nada.
***
Se na base de qualquer processo argumentativo, assente necessariamente
na discursividade como modo da racionalidade, está a renuncia à
violência, isso significa que o seu ponto de partida, a sua condição
de possibilidade, tem de ser um acordo sobre um certo número
de coisas.
Se seguirmos as propostas de Perelman, constatamos que esse acordo
prévio entre o orador e o interlocutor/auditório diz respeito
ao que mutuamente se concede e admite comummente entre o orador e o seu
auditório.
Esse acordo exprime-se nas premissas da argumentação.
Sem premissas acordadas, explicita ou implicitamente, não há
argumentação possível, nem sequer comunicação.
Assim, sendo a argumentação um discurso que se insere
numa troca interlocutória recíproca ao nível da sociabilidade,
terá de pressupor, ou partir de um acordo sobre o que seja, pelo
menos, o real. Isto é, como premissa da argumentação
existe um acordo sobre o que seja, e que defina e delimite o que é
o real. Mas não só, o acordo prévio abrange
também o que seja o preferível.
Se não há qualquer espécie de acordo sobre o que
seja o real, dificilmente qualquer troca argumentativa se torna
possível de suceder. Mas entendamo-nos, por real não
se entende aqui a palavra no seu sentido ontológico mas, mais precisamente,
apenas aquilo que um auditório entende ou acredita ser real. Isto
com uma pretensão de universalidade, apesar da disparidade de auditórios.
É, mesmo assim, por essa pretensão de universalidade,
que Perelman quer distinguir o real do preferível
cujo acordo só seria válido para um auditório particular.
Precisando: acordo (que é premissa na argumentação)
sobre o real: consenso em torno do que se entende serem factos, verdades
e
presunções. Quanto ao acordo sobre o preferível,
ele refere-se aos valores, hierarquias e aos lugares do preferível
(TA.88).
Começando pelos factos. Fiel à centralidade do
conceito de auditório, que lhe vem pelo menos desde Aristóteles,
um facto é, muito simplesmente, tudo aquilo que um auditório
entende como tal. O facto de o Dr. Mário Soares ter sido, no fim
do seu mandato, "o presidente de todos os portugueses", resultava da circunstância
de as sondagens mostrarem que o auditório universal constituído
por "os portugueses" ser consensual acerca desse facto (8).É
claro que este pode não ser um bom exemplo de facto assente
num acordo universal que lhe dê esse estatuto. Haverá sempre
a possibilidade de uma contestação que ponha em causa o enunciado
"todos os portugueses" mas as sondagens de opinião, mesmo
se discutíveis, podem pretender fornecer um instrumento de verificação.
Em todo o caso, num determinado momento, o que dura o estado virtual
de que a sondagem dá conta, há um amplo acordo sobre o facto
de o Dr. Mário Soares ter sido "presidente do todos os portugueses".
Em suma, factos reais são o que o auditório admite
como tal. Mas sendo o auditório, como pretende o próprio
Perelman, uma criação do orador, acaba por ser este, ou aquele
que o precede, a construir a realidade factual.
Assim, é um facto político, por exemplo, ou mundano,
aquilo que os media dão a ver ao seu auditório. Em suma,
encontramo-nos aqui perante o magno problema da construção
social da realidade pelos media.
Mas se os factos resultam de um acordo por parte do auditório,
o mesmo sucede com a verdade. Com uma diferença: os factos
referem-se a acontecimentos limitados, enquanto a verdade se refere a enunciações
(teorias, construções mentais).
Uma verdade, que o é porque sobre ela o auditório
está previamente de acordo, pode enunciar-se acerca de uma facto,
acontecimento, que também recolha o consenso do auditório.
Para um auditório religioso como a Igreja Católica -
universal - a divindade de Cristo é uma verdade que enuncia como
um facto a sua ressurreição. O acordo sobre esta matéria
é mesmo a condição prévia para pertencer ao
auditório universal que é a Igreja Católica.
No entanto, no real aceite pelo auditório nem tudo são
factos ou verdades. Há também as presunções.
Por exemplo, houve tempos em que o auditório da imprensa escrita
estava de acordo para dizer "se vem no jornal é presumível
que tenha acontecido". Presumível quer aqui dizer verosímil
e essa verosimilhança assenta, neste caso, na credibilidade dos
media.
No entanto, quando uma publicação periódica se
intitula "jornal do incrível", assegura, à partida e honestamente,
o seu auditório que nada do que escreve é verosímil
ou presumível.
É crível, presumível, aquilo que é
normal,
diz Perelman. Presume-se ser normalidade o que mais probabilidade tem de
acontecer. Que o sol se levantará amanhã de novo, é
uma presunção tão geralmente partilhada precisamente
porque o mais normal é que isso venha a acontecer.
O real, que nos permite viver, está cheio destas presunções.
É também uma presunção ter acontecido
o que vem relatado no jornal. Excepto no dia 1º de Abril em que se
torna presumível exactamente o contrário disso.
Este exemplo ilustra bem, aliás, o que Perelman afirma quando
escreve "... o normal opõe-se ao excepcional" (TA.95). A mentira
do 1º de Abril nos media é, simultaneamente, excepcional porque
só acontece uma vez por ano e normal porque todos os anos isso acontece.
Por isso o auditório constituído pelos consumidores dos
media presume tanto a normal regularidade das notícias como
a excepcional mentira do 1º de Abril. E pela mesma razão de
ambas obedecerem à norma.
Em suma, a presunção da normalidade é constitutiva
do real no espírito do auditório e como tal, a par dos factos
e das verdade, será um bom ponto de partida para a argumentação
(9).Tanto as verdades como os factos ou as presunções
que constituem o acordo sobre o real, não são percepcionadas
como opiniões, a que os antigos chamavam doxa. O enunciado
da verdade como da factualidade ou da presunção, anunciam-se
como um dizer do real.
Já quanto aos valores, mesmo quando sobre eles existe
o acordo do auditório que deles faz premissa de argumentação,
dizem, não o real, mas uma "atitude perante o real" (TA.101).
Se a democracia é, para mim, um valor, isso designa uma atitude
perante um certo tipo de organização política, mesmo
que eventualmente, ela não fizesse manifestamente parte do meu real.
Isto é, um auditório pode estar de acordo sobre um valor
como a democracia, definindo assim uma atitude perante o real, sem que
dê o seu acordo (à afirmação do reconhecimento)
da democracia como um facto naquela situação precisa.
Uma consequência da utilização dos valores é
o estabelecimento de hierarquias determinadas por esses valores. Uma maior
valorização da realidade humana estabelece uma hierarquia
que a coloca acima de todos os outros seres existentes sobre a terra. Do
mesmo modo que, mais abstractamente, uma maior valorização,
por exemplo, da rentabilidade sobre a justiça social coloca no topo
da hierarquia os valores da competitividade acima dos valores do bem estar,
emprego, etc.
Muitos outros critérios de hierarquização são
possíveis: a anterioridade, por exemplo. Quando um grupo de pessoas
se dispõe, por ordem de chagada, numa paragem de autocarro, estabelece-se
uma hierarquia que valoriza a anterioridade. No caso de atropelo à
regra será sempre esse o argumento invocado.
Outro exemplo ainda de hierarquização: o que está
na origem valorizado relativamente àquilo que se lhe segue. Num
partido político, o fundador ou fundadores terão tendência
a invocar esse argumento hierárquico para justificar a sua precedência
sobre os que chegaram depois.
A hierarquização dos valores é portanto determinante
numa argumentação, não tanto pelo valores em si serem
ou não aceites pelo auditório mas porque este adere com diferente
intensidade aos diferentes valores , estabelecendo assim uma diferenciação
hierárquica entre eles (TA.109).
Um outro aspecto decisivo para o discurso argumentativo é a
questão dos lugares (topoi) ditos "comuns". Também aqui alguns
equívocos têm sido constantes. A expressão "lugar comum"
evoca-nos a ideia pejorativa de banalidade desinteressante, algo que já
se sabe e que toda a gente pensa irreflectidamente. E no entanto a expressão
tem originalmente, nomeadamente em Aristóteles, um significado bem
diferente. A expressão "lugar do discurso" designa um argumento
por assim dizer "pré-fabricado" e que se encontra à disposição
do orador. Foram mesmo construídos elencos mais ou menos exaustivos
desses lugares (do discurso). A ideia do lugar comum servia
a Aristóteles para o distinguir do lugar específico.
Sendo que o lugar comum era utilizável em qualquer domínio
da argumentação (campos de argumentação, diria
Toulmin) enquanto que o lugar específico só tem lugar num
campo determinado.
Na terminologia de Toulmin, dir-se-ia que o lugar comum é invariante
relativamente ao campo de argumentação enquanto que o lugar
específico é dependente de um determinado campo.
Os lugares, sejam eles comuns ou específicos, têm uma
função predominante nas premissas de qualquer argumentação
uma vez que, por definição, são o tipo de argumentos
relativamente aos quais o orador pode ter por assegurado o acordo do auditório.
Esse acordo já anteriormente teria sido estabelecido, senão
esse argumentos não seriam lugares (topoi).
Com Perelman, distinguir-se-ão, de entre a multiplicidade de
lugares possíveis, duas grandes categorias: os lugares da quantidade
e os da qualidade.
Os lugares da quantidade afirmam a preferência por algo baseado
numa valorização da quantidade. A noção de
quantidade aqui pode ter várias declinações, nomeadamente
a declinação temporal em que se valoriza a quantidade de
tempo e portanto a durabilidade ou estabilidade.
Por exemplo na publicidade de uma casa comercial, pôr em evidencia
a sua antiguidade / durabilidade escrevendo sobre a porta ou no logotipo
"estabelecido desde 1769" é uma utilização corrente
do lugar comum da quantidade que neste caso valoriza a antiguidade, durabilidade,
estabilidade, tudo isso aqui passando a ser sinónimo de qualidade.
É claro que tudo depende do tipo de mercadoria. Se porventura
se trata de propor algo que se quer caracterizar pela sua novidade, esse
lugar não seria o mais adequado. Aliás, o lugar comum da
quantidade, nesta sua declinação temporal, está por
vezes no centro da argumentação sobre a retórica.
No Górgias de Platão a verdade é preferida
à opinião precisamente através da valorização
que o lugar da quantidade faz da estabilidade da verdade em contraste com
a inconstância da opinião da opinião.
Já na argumentação em defesa da democracia e ao
estabelecer-se a regra da prevalência da maioria, está-se
a utilizar o lugar da quantidade, e da sua preferência, fora já
da dimensão temporal.
É claro que a utilização do lugar comum da quantidade,
ao acentuar a estabilidade temporal ou a maioria puramente quantitativa,
terá tendência a valorizar sobretudo o que é normal,
habitual em detrimento do que é excepcional. A partir daí
torna-se curto o passo que vai da valorização da normalidade
ao estabelecimento da norma: "só o lugar da quantidade autoriza
esta assimilação, um aspecto quantitativo das coisas, à
norma que afirma que esta frequência é favorável e
que nos devemos conformar" (TA.118).
Quanto aos lugares da qualidade, normalmente servem para contestar
os lugares da quantidade. Nomeadamente quanto á valorização
da durabilidade, como da maioria, por exemplo.
O lugar da quantidade valorizará o acontecimento único
relativamente ao que perdura e a qualidade da minoria - unicidade, identidade,
raridade - relativamente à quantidade da maioria.
Uma boa parte da argumentação estética utiliza
os lugares comuns da qualidade ao valorizar, por exemplo, a originalidade.
O que é original é único, distinto, irrepetível.
Basta lembrar a valorização do original relativamente à
reprodução de que nos fala Walter Benjamin no seu célebre
ensaio sobre "A obra de arte na era da sua reproductibilidade técnica."
Toda a lógica do valor signo de que fala Baudrillard assenta
também discursivamente no lugar da qualidade ao valorizar precisamente
a diferenciação, a unicidade, a identidade única.
O que não deixa de suscitar alguns paradoxos como é o da
moda, por exemplo. A moda, valorizando discursivamente, pelo lugar da qualidade,
a originalidade, o diferente e o único, suscita a adesão
da maioria que é precisamente o que mais contradiz a diferença,
a originalidade e a unicidade. Quando toda a gente anda vestida da mesma
maneira, a moda exige a invenção de outra coisa.
Daí também a valorização qualitativa do
raro, da escassez ou do que é irrepetível e único
enquanto acontecimento (cf. O aniversário) que é a própria
vida.
Toda a discursividade ecológica sobre a protecção
das espécies assenta no lugar da qualidade valorizando o que é
único e raro.
Ironicamente, a valorização da unicidade pelo emprego
sarcástico do lugar da qualidade, tem sido utilizado para denegrir
aquilo a que recentemente, neste fim da história a acreditar em
Fukuyama, se tem designado por "pensamento único".
Muitos outros lugares se poderiam distinguir e os antigos o fizeram.
Escapando à tentação de exaustividade, enumerem-se
apenas os possíveis lugares da ordem, do existente, da essência:
a ordem anterior/posterior; a existência preferível ao possível
(mais vale um pássaro na mão do que dois a voar);
a essência (A essência humana relativamente às diferenças
étnicas), etc.
***
Uma questão prévia essencial a toda argumentação
e que a condiciona à partida é a selecção dos
factos ou dados relevantes, pertinentes ou assim considerados.
A problemática do agenda-setting mostrou que a selecção
dos factos por parte das instancias próprias nos media, determina
o conteúdo do que é a actualidade. São notícia,
e portanto existem, os factos que os media tornam visíveis. A actualidade
como construção.
Ora, a selecção dos factos, mas não só...
também a selecção de toda a espécie de noções
utilizáveis na argumentação, resultando de uma escolha
que implica exclusões, torna esses factos presentes, literalmente
visíveis
no caso da TV. Presença que lhes dá uma força de convicção
que torna muito mais eficaz a sua utilização na argumentação
(10).Numa discussão sobre a pena de morte por
exemplo, a descrição "eloquente" feita por um bom orador
do sofrimento das vítimas; a selecção, pela evocação,
de vítimas infantis, a descrição expressiva da perversidade
do assassino, tudo isso torna presente uma abjecção que só
pode condicionar o espírito do auditório a aderir a tese
da pena de morte. É claro que aí se faz uma escolha de factos
que omite, por exemplo, os estudos sérios e rigorosos demonstrando
a fraca capacidade dissuasória da ameaça da pena de morte.
As técnicas argumentativasÉ possível construir, a partir de Perelman uma grelha de análise que permita identificar os argumentos, classificá-los e compreender a sua articulação tentando medir a sua eficácia persuasiva.
Premissas da argumentaçãoTodo o movimento da argumentação consiste em transpor a adesão inicial que o auditório tem relativamente a uma opinião que lhe é comum para uma outra de que o orador o quer convencer. Daí a importância do kairós e do conhecimento que o orador deve possuir do seu auditório, das suas opiniões, das suas crenças, enfim de tudo aquilo que ele tem por admitido.
Argumentos quase-lógicosEste tipo de argumentos vão buscar toda a sua eficácia persuasiva aos princípios lógicos à semelhança dos quais são construídos. A evidência da demonstração lógica serve aqui de suporte a uma persuasão que daí retira toda a sua força. Tal como Aquiles correndo atrás da tartaruga, o argumento quase-lógico persegue a certeza do princípio lógico de que é a imagem retórica sem jamais a alcançar.
A) Contradição e incompatibilidadeO princípio lógico da não - contradição enuncia-se assim: se a proposição A é verdadeira, a sua negação (~A) é falsa e vice-versa. Esta é uma das regras fundamentais do pensamento racional. Mas a lógica lida com noções unívocas, sem ambiguidade, o que não é o caso do discurso retórico que não é redutível a uma linguagem formalizada.
B)- Identidade e definiçãoO princípio de identidade enuncia-se assim: " A é A". A identificação lógica não está, obviamente, sujeita a discussão. Não é o caso com o correspondente argumento retórico.
C)- ReciprocidadeO argumento da reciprocidade funda-se no estabelecimento de uma relação de simetria entre duas situações. É frequente a utilização deste argumento, por exemplo, à relação entre o contribuinte e o Estado quanto ao pagamento dos impostos. Quando o cidadão se atrasa no pagamento o Estado obriga ao pagamento de juros e o cidadão utiliza este argumento quando é o Estado que se atraso no pagamento. Embora se deva dizer, em abono da verdade, que o Estado, entidade abstracta, não tem por costume ser muito sensível a este tipo de argumentação!
C)- TransitividadePerelman define assim este tipo de argumento: "A transitividade é uma propriedade formal de certas relações que permite passar da afirmação que a mesma relação que existe entre os termos a e b, e entre os termos b e c, à conclusão de que ela existe entre os termos a e c." (12)
E)- Inclusão, divisãoA relação entre um todo e as suas partes está na base de dois tipos de argumentos que operam acentuando ora a inclusão das partes no todo, ora a divisão do todo em partes.
F)- ComparaçãoA comparação como argumento põe em confronto realidades diferentes para as avaliar umas em relação às outras. Quando se diz que Aveiro é a Veneza de Portugal está-se a comparar as duas cidades para obter um efeito de valorização do elemento mais fraco da comparação.
Argumentos baseados na estrutura do realEnquanto os argumentos quase-lógicos procuram beneficiar da sua proximidade com princípios lógico-matemáticos dos quais retiram alguma força e credibilidade, os argumentos de que a seguir se tratará utilizam a estrutura do real para estabelecer uma ligação entre opiniões estabelecidas acerca dessa estrutura e outras de que se procura convencer o interlocutor .
1- Relação de sucessãoA relação causal é, por assim dizer, o protótipo da relação de sucessão. Dado um acontecimento procura-se encontrar uma ou várias causas antecedentes que o determinam.
2.- Relação de coexistênciaEnquanto na ligação de sucessão os elementos se situam a um mesmo nível dentro de uma relação temporal, na relação de coexistência os elementos estão em níveis distintos e a dimensão temporal é irrelevante.
Argumentos que fundam a estrutura do realNeste tipo de argumentação um caso particular é utilizado, generalizando-o como que indutivamente, para estabelecer aquilo que se acredita ser uma estrutura do real socialmente construído.
1.- Exemplo
O exemplo pretende generalizar estabelecendo uma regra a partir de
um caso concreto: o exemplo de um indivíduo de etnia cigana implicado
num caso de tráfico de droga é utilizado como argumento para
generalizar e estabelecer uma regra segundo a qual todos os ciganos são
traficantes. O que justifica a sua expulsão de Ponte de Lima, por
exemplo.
2.- Ilustração
A ilustração como argumento procura reforçar a
adesão à crença numa regra já estabelecida.
Ilustra-se a regra com casos particulares que tornam a regra mais presente.
Como diz Perelman, "os exemplo servem para provar a regra, as ilustrações
para a tornar clara." (13)
3.- Modelo
O uso do modelo na argumentação propõe a sua imitação.
O comportamento de um grande homem é frequentemente utilizado como
modelo que se pretende deve suscitar a imitação: "o valor
da pessoa, previamente reconhecido, constitui a premissa de onde se tirará
uma conclusão preconizando um comportamento particular." (14)
Analogia e metáforaA analogia é, consabidamente, um dos procedimentos mais utilizados pelo raciocínio. Estabelece uma relação de similitude entre duas relações que unem duas entidades. Não se trata portanto de uma semelhança entre as entidades mas entre as relações que ligam cada um dos pares: "não é uma relação de semelhança; é uma semelhança de relação". A analogia postula que a relação entre A e B é semelhante à relação entre C e D.
Primavera A C Juventude
------- = ------
Natureza B D Vida
1 António Damásio, Descarte's Error
2 raisonner. Cf. A.J.Saraiva, O discurso engenhoso.
3 in R. BArthes, O óbvio e o obtuso, Lisboa, Ed. 70
4 Grupo m, Retórico da imagem.
5 Sobre as condições de possibilidade de um discurso retórico cf. Tito Cardoso e Cunha, Prefácio in F.Nietzsche, Da retórica.
6 Cf. TA.31: "o importante, na argumentação, não é saber o que o orador considera como verdadeiro ou como probante, mas qual é a opinião daqueles a quem se dirige"
7 Cf. TA: "A finalidade de toda a argumentação
é a de provocar ou aumentar a adesão dos espíritos
às teses que se apresentam ao seu assentimento: uma argumentação
eficaz é aquela que consegue aumentar essa intensidade de adesão
de modo a desencadear a acção encarada "
Ou ainda (TA,62): " encararemos sobretudo a argumentação
nos seus efeitos práticos: virada para o futuro, propõe-se
provocar uma acção ou prepará-la, agindo por meios
discursivos sobre os espírito dos auditores."
8 "... será considerado como um facto (o) que se caracteriza por uma adesão do auditório universal, adesão tal que será inútil reforçá-la."
9 "O acordo baseado na presunção do normal é tido por válido pelo auditório universal ao mesmo título que o acordo sobre os factos estabelecidos e as verdades" (TA.98).
10 "Não chega uma coisa existir para que se tenha o sentimento da sua presença" (TA.156).