Imigração e Racismo: dez anos nos media

Isabel Ferin Cunha

Universidade de Coimbra


Índice

Resumo: Inicia-se este artigo com um breve panorama da evolução económica e social do país nos últimos dez anos, com especial destaque para as questões da imigração. Em seguida, foca-se o novo panorama mediático português, que teve início com as emissões dos operadores privados de televisão, caracterizado pela concorrência, as guerras de audiência e a consequente alteração do modelo fundado na ideia de serviço público. Tendo como pano de fundo os ciclos políticos e as medidas legislativos referentes à imigração, faz-se uma exposição cronológica dos temas e sub-temas, que notícia na imprensa e na televisão, com especial atenção para alguns casos considerados paradigmáticos.

Introdução

Nos anos noventa, a estabilidade económica e política, alicerçada nos sucessivos planos de convergência apoiados pelos Fundos Estruturais da Comunidade Europeia, propicia um constante aumento dos indicadores de bem estar, económicos e sociais, dos portugueses e o crescimento das classes médias. Estes indicadores resultam em algumas tendências mais evidentes, como a urbanização, o desenvolvimento do capitalismo e da economia de mercado, entendidos pela população em geral como modernização. Ao mesmo tempo, alteram-se as condições sociais e demográficas, podendo-se referir como mais expressivas, a crescente baixa de natalidade e o consequente envelhecimento da população, a par e passo de um aumento da escolarização da população jovem. A estes fenómenos juntam-se outros processos sociais, integrados nos movimentos de globalização, como sejam a terciarização da economia e da sociedade, a imigração e os novos fenómenos de exclusão.1

No entanto, nos finais da década de noventa, início do milénio, acentuam algumas tendências que já se vinham sentindo sobretudo no começo da segunda metade da década de noventa. A partir de 1998, torna-se perceptível o esgotamento do modelo centrado na expansão económica suportada, pelos Fundos da Comunidade Europeia, dirigidos às grandes obras públicas (Centro Cultural de Belém, Ponte Vasco da Gama, Auto-estradas que ligam as principais cidades do país e estas à vizinha Espanha) e eventos culturais nacionais (a Expo'98, ou em 1994, Lisboa Capital da Cultura). No mesmo período, alguns fenómenos económicos adquirem grandes repercussões sociais, como a concessão de crédito fácil, a inauguração de grande número de shopping-centers de grandes dimensões, a internacionalização do comércio através das franchise, a especialização da oferta e o uso generalizado do telemóvel. Complementarmente, a sociedade portuguesa defronta-se, também com fenómenos sociais de dimensões novas, como a exclusão e ostentação da riqueza, bem como o aumento da imigração vinda do Brasil e sobretudo dos Países da Europa de Leste, em contraposição à tradicional imigração oriunda dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa.

A década de noventa corresponde ainda, e dadas as condicionantes da integração europeia, ao período de desregulamentação dos Media. A Lei de Bases de 88/89, sobre as Comunicações, permitiu a reorganização do Sector, iniciando-se o processo de concessão de canais de televisão a operadores privados - a SIC (Sociedade Independente de Comunicação) e a TVI (Televisão da Igreja, depois Televisão Independente) que iniciaram as suas actividades, respectivamente em 6 de Outubro de 1992 e a 20 de Fevereiro de 1993 - ao mesmo tempo que o aumento da publicidade torna possíveis projectos profissionais de jornalismo como o diário Público e o semanário Independente.

O panorama dos Media e das indústrias culturais altera-se rapidamente: até Outubro de 1992, cem por cento do investimento publicitário na televisão era feito na RTP e cerca de 9, 5 milhões de pessoas viam regularmente o Canal 1. Dois anos depois, no mesmo Canal, o valor médio do share desceu para 50% desse valor, atingindo a sua melhor cotação no intervalo das telenovelas brasileiras. Os restantes 50% da publicidade os anunciantes distribuíram-nos pelos dois novos canais. 2

Independentemente da SIC ter iniciado o seu projecto televisivo com base na Informação, introduzindo uma nova linguagem, novos produtos (por exemplo, Praça Pública, grandes reportagens temáticas) e novas temáticas, foram os reality shows e os concursos musicais de formato importado que garantiram audiências a este canal. Nestes dois primeiros anos a RTP1 manteve a sua liderança ancorada nas telenovelas brasileiras e a TVI assentou a sua programação em seriados norte-americanos. A partir do Verão de 1994, momento em que a SIC adquire a exclusividade da exibição das telenovelas da Globo em Portugal, esta estação adquire a liderança que só virá a ser contestada em 1999, pela TVI.

Entre 1992 e 1996, os espectadores aumentaram de 65,9% para 70,8% da população total, 3 e a média de tempo gasto frente aos televisores passou a situar-se entre as 3h 30m, nos dias de semana, e 4horas aos fins de semana. Resumindo, na primeira metade da década de noventa, a SIC alcança a liderança e apresenta resultados positivos, a televisão pública mergulha definitivamente numa crise crónica, enquanto a Televisão da Igreja (TVI) terá sempre uma posição secundária na preferência das audiências. A segunda metade da década de noventa caracterizar-se-á pela hegemonia incontestada da SIC, as crises cíclicas da RTP (que inclui o Canal 1 e 2, a RTP Internacional e a RTP-África), agravadas pelas constantes mudanças de direcção e as limitações ao investimento publicitário. A TVI ensaia sucessivos modelos de viabilização até ser comprada, em Março de 1997, pela SOCI em aliança com outras empresas internacionais do sector. Neste período, a TV Cabo expande-se e os canais temáticos adquirem maiores audiências.4

Nos últimos três anos, 1999-2002, as televisões generalistas portuguesas ensaiaram múltiplas estratégias, com o objectivo de aumentar as suas quotas de mercado através da apresentação de novos produtos em novas grelhas. Os novos directores, à frente das antigas estações rivais, apregoam um novo estilo de televisão, o mais das vezes subordinado a critérios de rentabilização, na exploração de valores inerentes a certas faixas das novas classes médias, possuidoras de um legítimo desejo de protagonismo social e de expectativas de ascensão rápida.

Desde a abertura dos canais privados, a informação torna-se progressivamente entretenimento e o valor notícia adquire outros contornos, para além dos critérios institucionalizados das fontes oficiais que pontificaram na televisão pública. O efeito da privatização dos canais reflecte-se em todos os Media noticiosos. Primeiro, abre-se um leque novo de temas considerados de interesse público, em função da crescente complexidade da sociedade e da diversidade dos actores sociais. Temas como transportes, habitação, ambiente, segurança, criminalidade são, paulatinamente, tratados na óptica dos utilizadores e não mais, exlusivamente, na perspectiva das fontes políticas e institucionais. Em segundo lugar, a forma de fazer notícias, altera-se, dando lugar, cada vez mais a uma linguagem imagética, aos fait-divers apresentados de forma exemplificativa, aos enquadramentos e tons interpretativos (positivo, negativo, neutro) conferidos pelos jornalistas. Em seguida, os Media noticiosos conferem um maior espaço e visibilidade ao homem comum, chamando-o a participar nas emissões, dando-lhe a noção de proximidade e de intimidade, incitando-o a contar estórias. Por último, e sobretudo em função das guerras de audiência nas televisões, os géneros televisivos contaminam paulatinamente os géneros jornalísticos (sobretudo na televisão, mas não exclusivamente na televisão) originando um fluxo ficcional entre o entretenimento e a informação notícia.

Assim, o acontecimento, ou o pseudo-acontecimento, que melhor reúne condições de se tornar notícia é aquele que pode contar uma estória de forma espectacular, criando rupturas com o quotidiano, explorando cenários materiais e emocionais chocantes, elegendo heróis, punindo vilões, sempre numa perspectiva exemplar de repor a ordem, a verdade e a justiça. É nesta perspectiva, que temas como a imigração e o racismo constituem, potencialmente, uma matéria-prima facilmente rentabilizavel.

Breve história da Imigração

Tradicionalmente país de emigração, Portugal tem vindo a tornar-se, em conjunto com outros países do sul da Europa, em país de imigração, principalmente a partir da década de 80. Três grandes factores podem ser apontados para a inclusão de Portugal na redefinição dos fluxos imigratórios mundiais: o agravamento das desigualdades geo-económicas, nomeadamente nos países do Hemisfério Sul e do Leste Europeu, motivado pela guerra, pelos conflitos étnicos e religiosos e pela instabilidade económica; a complexificação dos processos de globalização, na medida em que implica uma reestruturação profunda da indústria, uma relocalização das fontes de fornecimento de mão de obra, um redireccionamento dos fluxos de capitais e novos padrões de competição internacional; a abolição das fronteiras no espaço da União Europeia, sem a subsequente definição de uma política de imigração comum.5

No entanto, no que se refere à realidade especifica da imigração em Portugal, é necessário, ainda, ter em conta o fim do império colonial - com todas as suas consequências de deslocações humanas e vicissitudes pós independências - bem como, as peculiaridades inerentes à adopção de medidas económicas inerentes ao cumprimento das metas de convergência com os restantes países da Comunidade Europeia.

Em consequência destes dois importantes processos político-sociais, o Estado português e os portugueses tiveram, num período de vinte anos, que repensar a sua identidade nacional. Este procedimento envolveu o abandono da ideia mítica de Império Colonial e a assunção da ideia de Portugal como um país de identidade europeia. Esta adaptação, feita com carácter de urgência, exigiu, ao Estado e aos sucessivos governos, a elaboração de medidas legislativas adequadas, dando visibilidade à noção de estrangeiro e imigrante, muitas vezes colada, enganadoramente, à cor da pele.

A primeira vaga de imigração com peso significativo ocorreu nos anos 60, quando trabalhadores cabo-verdianos vieram suprir a mão-de-obra portuguesa emigrada para a Europa e as Américas. A segunda etapa de fixação das minorias étnicas em Portugal inicia-se com a Revolução do 25 de Abril de 1974, em decorrência do processo de descolonização, período em que afluíram a Portugal cerca de 800 000 repatriados ou retornados, contingente que apresentava qualificações escolares e profissionais e escolares médias ou elevadas, integrando os sectores da nova classe média.6 A terceira etapa de fixação das minorias étnicas em Portugal teve lugar a partir dos anos 80 e foi constituída maioritariamente por mão de obra não qualificada, com fracos níveis de escolaridade, vinda dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (empregada nos sectores da construção civil e obras públicas, no caso dos homens, e nos serviços domésticos e de limpeza, no caso das mulheres). A quarta vaga de imigrantes pode-se situar a partir dos meados da década de noventa, em resultado dos Acordos de Schengen, que constituíram uma fronteira única na Europa. Esta vaga é constituída principalmente por imigrantes vindos do Brasil- que conseguem, ao abrigo dos acordos luso-brasileiros, condições de acesso privilegiadas a Portugal --, por imigrantes dos Países de Leste - que têm acordos facilitados no Espaço Schengen - e por imigrantes oriundos das mais diversas partes do mundo, encaminhados pelas redes internacionais de imigração. Nesta última fase da imigração, os trabalhadores oriundos dos Países Africanos de Língua Portuguesa perdem peso na totalidade do contigente de trabalhadores, ao mesmo tempo que surgem trabalhadores originários de outros Países Africanos, integrados nessas mesmas redes internacionais. A característica dominante destas duas últimas vagas de imigração é a situação de clandestinidade, que lança a maioria destes imigrantes para condições de grande fragilidade perante os patrões e o Estado, tornando-os presa fácil das redes clandestinas de trabalho e da criminalidade. Esta situação dá-se, independentemente dos altos e médios níveis de escolaridade e profissionalização observados em alguns destes contigentes de imigrantes, como por exemplo, entre os imigrantes oriundos dos Países de Leste.

Resulta, assim, uma profunda clivagem social entre estes grupos, nomeadamente entre os imigrantes de ascendência africana, que chegaram a Portugal por volta de 1974, os luso-africanos (portugueses de ascendência africana e/ou africanos de ascendência portuguesa) e os imigrantes africanos propriamente ditos, chegados a Portugal essencialmente a partir de 1980. Esta clivagem reveste-se da maior importância quando se pretende analisar as questões referentes à situação social das chamadas ``segunda'' e ``terceira'' gerações de africanos em Portugal.7

Actualmente, a população estrangeira a residir em Portugal apresenta um perfil socio-demográfico bipolar que distingue, por um lado a população originária de países da Europa e do Brasil (com um nível socio-económico mais elevado) e, por outro lado, a população oriunda dos PALOP (maioritária) e do Leste Europeu (com uma integração socio-profissional muito desfavorecida). Acresce que a população imigrante a residir clandestinamente no país é também estimada como muito significativa.

Para se ter ideia das recentes alterações dos fluxos migratórios, dados relativos a 1999 apontam para cerca de 200.000 imigrantes a residir legalmente em Portugal, sendo o maior contigente o de Africanos oriundos dos PALOP (tendo à frente Cabo Verde, com cerca de 44. 000 residentes) e do Brasil (cerca de 21. 000). Nestes dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatísticas, os números referentes aos Países de Leste ainda não se encontram descriminados, estando incluídos em Outros Países da Europa (cerca de 5. 000). Em 2001, com a alteração da Lei possibilitando a aquisição de uma autorização de estadia, mediante a apresentação de um contrato de trabalho, o número de estrangeiros residentes em Portugal é acrescido de cerca de 95. 000 imigrantes, sendo maioritariamente oriundos dos Países de Leste, num total de, aproximadamente 51. 000 trabalhadores: sendo 33. 304 ucranianos; 13. 000 dos PALOP, com Cabo Verde e Angola na frente; 18.000 brasileiros e cerca de 7.000 originários da Ásia e Oceânia. De fora desta legalização ficaram cerca de 30.000 imigrantes, segundo fontes oficiais.8

Em Outubro de 1981, deu-se a primeira revisão da Lei de entrada, permanência e expulsão de estrangeiros, posteriormente substituída pela Lei 59/93, em sequência da adesão de Portugal aos Acordos de Schengen. Em 1998, foi aprovada uma nova lei, Lei 244/98, que vem introduzir modificações à anterior, favorecendo a reunificação familiar. Em 10 de Janeiro de 2001, através do Decreto-Lei nº 4/2001, a Lei anterior sofre importantes alterações, surgindo a figura de autorização de estadia mediante a apresentação de um contrato de trabalho, demonstrando a clara a subordinação do Estado aos interesses do mercado de trabalho.9

Algumas questões sobre a Imigração e o Racismo: 1992-1996

Como já foi referido atrás, é recente, o fenómeno da imigração em Portugal da mesma forma que é recente a lógica dos Media (imprensa e televisão) fundada nos ganhos de mercado e na busca de audiências. A percepção que a população tem em geral da imigração é, igualmente, diferenciada (em função da posição social e do local de habitação) e tem vindo a construir-se nesta última década, dados os aumentos de fluxo da imigração.10

Nos dados disponíveis do período e 1992-1995, referentes ao tema imigração e racismo na imprensa, é perceptível a confusão feita pelos jornalistas - talvez reflectindo um senso-comum persistente - entre imigrantes e pessoas de cor, socialmente desfavorecidos, configurando-se este procedimento como discriminatório, frente a estes indivíduos. Esta confusão toma contornos ainda mais estranhos, quando a ideia de estrangeiro se alarga à comunidade cigana, há mais de 500 anos a viver em Portugal. Ao mesmo tempo, os Media parecem não ter, ainda, uma percepção clara dos fenómenos de imigração e sequer consciência das leituras racistas que determinados enquadramentos de matérias podem adquirir.11

As matérias referentes aos acontecimentos de 1992 - um ano de transição para o novo panorama mediático e anterior aos Acordos de Schengen - continuam a dar muito pouca visibilidade às questões relacionadas com a imigração e o racismo, apesar de tratarem, com uma certa frequência, temas ligados ao alojamento precário, às condições de miséria em bairros de periferia e aos actos de violência policial. Todavia, a situação altera-se, radicalmente, logo no ano seguinte.

O ano de 1993, é um ano decisivo para a imigração na Europa. É o ano da aprovação dos Acordos de Schengen, da discussão das novas políticas de imigração, da construção de uma política de fronteiras comum, dentro do espírito que se chamou Europa-Fortaleza. Em Portugal, o PSD de Cavaco Silva e o Ministro da Administração Interna, Carlos Encarnação introduzem na Agenda Política, as novas Lei dos Estrangeiros e a Lei de Asilo, ao mesmo tempo que os Relatórios do Sistema de Informação (SIS) fazem alarde dos progressivos índices de delinquência juvenil, associando-a aos jovens imigrantes, na verdade jovens de segunda-geração de imigração, já nascidos em Portugal e portadores de nacionalidade portuguesa. A partir deste momento, a matéria prima violência juvenil ou Gangs de Jovens Africanos, passa a constituir, periodicamente, um tema nos Media, isto é, uma Agenda Mediática de grande impacto público, principalmente nos verões sem acontecimentos políticos.

A aprovação desta nova legislação, tendente a refrear a imigração maioritariamente vinda dos PALOP, reflecte-se na opinião pública, como demonstram os inúmeros artigos de líderes de opinião na imprensa de referência sobre estes temas, publicados de 1993 a 1995.12 Nestes textos - assinados maioritariamente por políticos profissionais, académicos com actividades políticas e jornalistas com intervenção política - nota-se uma tensão entre os princípios inerentes à mitologia do império e a urgência de integração na Europa. Nesta perspectiva, os Acordos de Schengem e as novas políticas de imigração são analisados quer à luz do ser português - fundado na ideia do Português tolerante, adaptável e propenso à convivência inter-étnica - quer em função do novo destino da nação, como membro da Comunidade Europeia.

Em 1994, o Caso Vuvu adquire grande visibilidade, constituindo o primeiro caso de Imigração, tratado em função da nova realidade concorrencial dos Media. Recordando a estória, Vuvu Grace e a sua filha Benedicte, de cerca de seis anos, chegaram a Lisboa, no dia 9 de Março, com o objectivo de visitarem, respectivamente, o marido e pai, são retidas no aeroporto da Portela por não apresentarem o bilhete de regresso. Porque é que este facto constitui notícia, quando este procedimento se enquadrava dentro da normalidade? A resposta está, provavelmente, na disparidade de entendimentos, por parte dos actores e instituições envolvidas, quanto à nova Lei de Imigração. De certa forma, o Caso Vuvu vem colocar em evidência os limites da política de imigração do Governo do PSD, signatário dos Acordos de Schengen, bem como servir de teste à sensibilidade da sociedade civil portuguesa frente aos mesmos problemas. 13

Em Junho de 1995, o Caso Bairro Alto ou o Caso Alcino Monteiro será o primeiro caso de Racismo mediatizado. A estória, um jovem português de origem cabo-verdiana é barbaramente assassinado no Bairro Alto na madrugada do dia 10 de Junho por um bando de Skinheads. Os contornos do crime nunca ficaram publicamente claros e no julgamento os agressores clamaram estarem a ser julgados como caso exemplar.

Num balanço geral, os anos de 1993 a 1995, trazem ainda temáticas sociais como a da Habitação --na perspectiva dos desalojados e da habitação precária, por exemplo, Desalojados de Camarate, Quinta do Mocho - num momento em que se iniciam os Programas de Realojamento na cintura urbana de Lisboa. De referir, os temas relacionados com incidentes de violência policial e de delinquência juvenil - por exemplo os bandos de Alhos Vedros, dos Comboios de Sintra, dos Autocarros de Caparica - que preenchem rotineiramente os espaços das notícias curtas e das reportagens de Verão. Com a aproximação das eleições Legislativas de Setembro, e posteriores eleições presidenciais, em 1995, a temática Imigração e Cidadania adquire alguma visibilidade, ao mesmo tempo que sub-temas como Imigração e Partidos Políticos, Multiculturalidade e Interculturalidade.

Em Outubro de 1995 toma posse o Governo Socialista de António Guterres e a 11 de Junho de 1996 abre-se um novo Período Extraordinário de Legalização dos Imigrantes. O ano de 1996 é, assim, marcado por mais este processo de legalização, ao mesmo tempo que entra em agenda a temática Cidadania, na perspectiva do voto dos imigrantes para as Eleições Autárquicas.

Como são representados, pelos Media, os imigrantes e as vítimas do racismo e da discriminação? Neste período, tanto a televisão como a imprensa tende a conferir um tratamento emocional a estas temáticas. É evidente que outros temas sociais, sobretudo aqueles que são particularizados em estórias de vida, sofrem o mesmo tratamento emocional. Contudo, nota-se nos enquadramentos das peças adoptados pelos jornalistas para além da oscilação entre o tom de denúncia e o tom de alerta, a opção de dar voz apenas as instituições de Poder (O Governo, o Estado, as Autarquias). Raramente é conferido protagonismo aos imigrantes, às vítimas de racismo e às suas associações e representantes, com excepção para organizações da Igreja e, eventualmente, o SOS Racismo.

O Mercado de Trabalho: 1997- 2000

De 1997 a 1999, acentua-se a guerra pelas audiências, nos Media, sobretudo a partir das mudanças dos directores das televisões, reforça-se o conceito de informação entretenimento e o tratamento de determinadas questões inter-raciais torna-se extremamente discriminatório. A maior penalização faz-se sentir em acontecimentos que envolvem a comunidade cigana, associada, recorrentemente ao tráfico de droga, à criminalidade e à violência policial. Os jornais televisivos mostram, à saturação, o caso Ciganos de Oleiros, a saga da Família João Garcia e os julgamentos de redes de tráfico de droga constituídas por indivíduos de etnia cigana (sic). Ao mesmo tempo, nas reportagens televisivas sobre os bairros degradados e as gangs juvenis, é patente a confusão entre imigrantes e jovens de segunda e terceira gerações, filhos de imigrantes e já portugueses. Nos jornais diários, os temas relativos às questões de Trabalho, Acidentes de Trabalho e Condições de Trabalho, ganham nova dimensão - é preciso não esquecer que estão em construção a Ponte Vasco da Gama, a Expo'98, a Barragem do Alqueva e a auto-estrada do Algarve - enquanto os incidentes e acidentes com a polícia continuam a fazer notícias curtas. As notícias sobre a imigração brasileira - repatriamento, situação ilegal, dificuldades de reconhecimento de habilitações escolares e profissionais - adquirem um estatuto rotineiro, ao mesmo tempo que surgem as primeiras referências à imigração dos Países de Leste e aos imigrantes da Índia, Paquistão e China.

No entanto, o tratamento da informação, neste período, não se faz de maneira uniforme. Nota-se uma crescente dicotomia na forma de tratamento dado a matérias destinadas ao grande público - a chamada Classe D, constituída por pessoas menos escolarizadas e com mais dificuldades económicas - e o tratamento conferido a matérias destinadas às Classes A/B. As temáticas referentes ao racismo e à imigração, não fogem a esta tendência. No mesmo período, é visível, ainda, tanto nos jornais diários e semanários, como nos jornais televisivos, o recurso mais frequente a fontes não oficiais provenientes da sociedade civil. Ao mesmo tempo, é perceptível que um número crescente de jornalistas assume maior cuidado no tratamento destas temáticas, tendo em atenção não só alguns princípios deontológicos como preceitos fundadores de boas práticas profissionais, nomeadamente no que se refere aos enquadramentos e tons utilizados, evitando a reprodução de clichés e estereótipos.

Durante o ano de 2000, e até Janeiro de 2001, discutiu-se na Assembleia da República, as alterações à Lei de entrada, permanência e expulsão dos estrangeiros de 1998. Os argumentos centraram-se, basicamente, na necessidade de vincular a autorização de permanência em Portugal às necessidades de mão-de-obra declaradas pelos principais sectores empresariais, nomeadamente as empresas de construção civil e obras públicas e os empresários do ramo turismo/hotelaria.14 Lembra-se que, neste momento, já se encontra em fase de andamento o III Quadro de Apoio Comunitário e a abjudicação das obras relativas ao Europeu de Futebol a realizar em 2004. As alterações aprovadas, que fazem depender de um contrato de trabalho a autorização de permanência dos imigrantes, contaram, no Parlamento, com a aprovação do Centro Democrático Social /Partido Popular, Partido Social Democrático e Partido Socialista e a oposição do Partido dos Verdes, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português. Ao mesmo tempo, a imprensa procura fontes e opiniões alternativas, nas organizações de imigrantes reunidas no Secretariado Coordenador das Associações para a Legalização --Obra Católica das Migrações, União Geral dos Trabalhadores, Casa do Brasil, Associação Guineense de Solidariedade Social e Associação Cabo-verdiana - que entendem ser a proposta do governo uma cedência ao mercado das obras públicas, atirando os imigrantes para situações de grande dependência e fragilidade.15

Na imprensa e na televisão, estas discussões repercutem de forma diferente. Na imprensa, os jornais diários e semanários de qualidade atribuem espaços regulares às matérias sobre imigração, focando essencialmente as questões relativas às Condições de Trabalho, Segurança no Trabalho, Estórias de vida dos Trabalhadores, Mafias de Leste, estabelecendo relações entre a baixa demográfica portuguesa, as pensões de reforma e a necessidade de mão de obra imigrante. Muitas peças referem, em conformidade com os relatórios das Nações Unidas, as taxas demográficas de crescimento natural e total dos portugueses que se situam entre as mais baixas da Europa, ao mesmo tempo que consideram a imigração um meio de suprir lacunas demográficas e permitir a manutenção dos Serviços de Protecção Social.16 Neste contexto, os imigrantes dos Países de Leste ganham visibilidade, sendo-lhes constantemente louvada a disciplina, as altas qualificações escolares e profissionais, a proximidade cultural - apesar da língua - que os fazem ser imigrantes preferenciais frente aos seus congéneres advindos dos PALOP.

Simultaneamente, começam a aparecer na imprensa e na televisão, peças frequentes sobre a imigração e situações de discriminação contra imigrantes em outros países da Europa do Sul. São frequentes as referências aos cargueiros, sem bandeira, que largam clandestinos curdos, paquistaneses e albaneses nas costas da Grécia e da Itália, bem como referências às tentativas, muitas vezes fatais, dos magrebianos chegarem à costa espanhola do Mediterrâneo, bem como à prostituição de jovens imigrantes na Itália. Começa a fazer notícia com certa regularidade, também, o centro francês de Calais, as tentativas de imigração clandestina, em massa, para a Grã-Bretanha e os incidentes inter-raciais em algumas importantes cidades, neste país.

Na televisão, a questão da nova Lei da imigração surge sobretudo nos telejornais - com peças envolvendo políticos do Governo e da Oposição - e, colateralmente, em peças e reportagens sobre acidentes de trabalho, condições de trabalho e alarmes sobre a falta de mão-de-obra em determinados sectores empresariais. São também, frequentes, neste período os comentários sobre a imigração e as questões económicas que a envolvem.

Paralelamente, as televisões e a imprensa dão grande destaque aos chamados gangs das bombas de gasolina. Nesse ano, uma destas gangs, numa acção espectacular, no mês de Julho, ataca as bombas de gasolina da auto-estrada de Cascais sequestrando uma conhecida atriz de televisão. Convidados a pronunciarem-se sobre estes factos os líderes dos partidos de oposição começam, de uma maneira geral, a estabelecer relações entre os assaltos, praticados por jovens da 2ª gerações de imigrantes, nascidos em Portugal e maioritariamente de nacionalidade Portuguesa, com as alterações à Lei de Permanência de Estrangeiros. Em seguida, a oposição apela ao Governo que exerça uma maior vigilância sobre a imigração clandestina e, simultaneamente, fomente políticas de inserção dos imigrantes legalizados. O Governo reage propondo medidas de reinserção social de jovens delinquentes e alterações aos mecanismos de imputação criminal juvenil. Durante o mês de Julho e Agosto, aumentam17, também, as referências, na televisão e na imprensa, aos imigrantes da Europa de Leste, às suas condições de trabalho e vida, assim como à exploração realizada por redes de tráfico organizado de mão-de-obra - as Mafias de Leste - e patrões pouco escrupulosos. Na televisão, a TVI e a SIC vão aos institutos de reinserção social, entrevistam jovens delinquentes e apresentam em versão integral as suas estórias de vida, comentadas por especialistas na matéria.

Este constate cotejamento entabulado pelos Media, entre a 2ª gerações de filhos de imigrantes advindos dos PALOP, e os imigrantes de Leste, cria percepções extremamente adversas relativamente aos primeiros. Estas percepções configuram o que alguns autores já designaram por manifestações de novos racismos, ou racismos subtis em Portugal, racismos que não se expressam por palavras, nem por comportamentos declarados, mas adquirem espessura nas formas de evitar e prevenir situações de contacto com as minorias étnicas.18

Na rota da globalização: imigração e trabalho

Nos últimos dois anos (2001 e 2002), a conjuntura nacional e internacional alterou-se drasticamente. As dificuldades económicas, sentidas pela economia americana e europeia, agravaram-se após o 11 de Setembro de 2001, repercutindo na já frágil economia portuguesa. A derrota do Partido Socialista nas Autárquicas e o pedido de demissão do Primeiro Ministro, António Guterres, leva às eleições legislativas, ganhas pelo Partido Social Democrata (PSD).

Num ambiente internacional de crescente recessão e abertura às políticas conservadoras e neo-liberais, pautado pelos medos de agressão à civilização Ocidental, acentua-se, na Europa, a ideia de onda de invasão migratória. De uma maneira geral, todos os governos europeus, incluindo os governos da Dinamarca e da Holanda, tradicionalmente tolerantes, revêem, numa perspectiva restritiva, as políticas de imigração e asilo. E a Espanha, nos últimos três anos, muda a Lei sobre a imigração quatro vezes, tendo sempre como alvo os imigrantes originários do Magreb e da região sub-magrebiana, restringindo, progressivamente, os vistos de entrada a cidadãos de Países do Hemisfério Sul e redefinindo os conceitos de reagrupamento familiar e enraizamento cultural.

No quadro da Cimeira Europeia de Sevilha, realizada em de Junho de 2002, essencialmente consagrada às questões de imigração e asilo na Europa dos Quinze, os ministros da Justiça e Administração Interna aprovam uma série de medidas para o reforço dos controlos externos da União, incluindo programas de formação das polícias de fronteiras, a presença nos aeroportos de oficias de ligação encarregues da imigração clandestina, o reforço da Europol para a detecção de redes criminosas de imigração, bem como a informatização e troca de base de dados.19 Na mesma cimeira, são rejeitadas as medidas inicialmente avançadas pelo Primeiro Ministro espanhol Aznar, no sentido de penalizar automaticamente os países terceiros que não cooperassem com a União Europeia no controle dos fluxos migratórios clandestinos.20

O discurso do Governo português integra, definitivamente, o tema imigração na lógica económica da Europa e da globalização. Com a Cimeira Europeia de Sevilha à vista, o ministro da Administração Interna, Figueiredo Lopes, refere em entrevista ao Diário de Notícias21 que a tendência será fazer com que só entre para trabalhar, no Espaço Schengen, quem disponha de um contrato de trabalho e, simultaneamente, preconiza a obrigação do Estado português promover uma integração harmoniosa dos imigrantes legalmente estabelecidos. No mesmo registo, o Primeiro Ministro Durão Barroso refere que é necessário evitar soluções extremistas sobre a imigração que ponham em causa a tradição de tolerância da Europa e as relações históricas de cada país membro.22

O Governo português, anteriormente, já propusera medidas tendentes a compatibilizar o fluxo migratório com as necessidades de mão-de-obra, através do Plano Nacional de Imigração. Este Plano, que transfere grande parte das responsabilidades do governo central para as autarquias, parece constituir, para estas, um presente envenenado,23 na medida em que a maior parte delas não têm capacidade instalada nem para fornecer ao governo central dados sobre a situação dos imigrantes, na sua área de jurisdição, nem infra-estruturas para os acolher. Em simultâneo, são implementadas medidas repressivas à imigração clandestina tais como facilitar a expulsão dos clandestinos, promover uma maior vigilância na atribuição de vistos nas embaixadas e articular dispositivos jurídicos e policiais com a vizinha Espanha, como no caso da expulsão dos imigrantes Romenos.

Para além destas medidas, referentes à imigração, deve-se ter em conta as medidas discutidas e aprovadas pelo actual Governo tendentes a incentivar a economia, nas quais se inclui um pacote legislativo sobre a legislação laboral, com vista à flexibilização do trabalho. Sabendo-se que a nova política de imigração representa a cedência de um Estado fraco, e dos seus governos, aos grupos de interesses da construção civil e dos serviços, que mantêm como práticas de de lucros e o princípio de salários baixos, pode-se, sem exagero, estabelecer a relação entre a nova legislação do trabalho e a nova legislação da imigração. Partindo do consenso - expresso pelas principais instituições envolvidas com o acolhimento, legalização e trabalho de imigrantes - que continuam a ser significativos os números referentes ao trabalho clandestino e adicionando a esta precariedade as alterações à legislação trabalhista, pode-se facilmente antecipar os cenários, próximos e catastróficos, do mundo do trabalho e da clandestinidade.24

Logo após o 11 de Setembro, tanto a imprensa como os canais de televisão portugueses, tentaram contrapor aos discursos de tendências anti-islâmicos e anti-muçulmanos, propagados pelas cadeias internacionais de notícias acerca do terrorismo global, matérias sobre essas comunidades estabelecidas em Portugal. Pela primeira vez, a mesquita de Lisboa, abriu as portas às câmaras televisivas e o seu chefe religioso concedeu entrevistas focando temas religiosos e culturais. Em seguida, enquanto se efectivam nos Estados Unidos e nos Países Aliados, os preparativos para a invasão do Afeganistão, os Media noticiosos mantiveram uma agenda temática sobre as sociedades multiculturais na Europa e nos Estados Unidos, com reportagens sobre, por exemplo, os árabes nos Estados Unidos e os grupos de orientação fundamentalista islâmica na Grã-Bretanha, bem como reportagens sobre o Afeganistão e a condição da mulher no mundo árabe. Ao mesmo tempo, surgiram, nas televisões, reportagens sobre as tradições árabes e as comunidades islâmicas e hindus fixadas em Portugal, com frequente destaque para a situação das mulheres.

A partir do princípio do ano de 2002, e durante os três primeiros trimestres deste ano, a imprensa e a televisão passam a dar um maior destaque aos problemas da imigração em Portugal e na Europa, tendo como pano de fundo a guerra do Afeganistão, as ameaças do terrorismo global e a Cimeira Europeia de Sevilha. Nos jornais diários e nos semanários, surgem, periodicamente agendadas, estas temáticas em dossiers, secções em destaque, reportagens e peças avulsas, tratadas quer na óptica das redes internacionais, quer das medidas empreendidas pelos governos ocidentais na tentativa de as controlar, quer ainda, na perspectiva das condições de vida e de trabalho. Na televisão, para além das peças nos jornais televisivos, as referências à imigração na Europa estão presentes várias reportagens das quais cita-se, por exemplo, a dos clandestinos magrebianos na apanha do morango, na Andaluzia; a das pateras que atravessam o estreito de Gibraltar; o Centro de Acolhimento de Sangatte; a dos milhares de clandestinos que procuram atravessar o estreito de Calais para Inglaterra, bem como a da prostituição das mulheres imigrantes em Itália.

Paralelamente, e já demonstrando uma clara distinção entre imigrantes e os seus descendentes portugueses, surgem, também, dossiers e destaques na imprensa e documentários na televisão, sobre os luso-africanos de 2ª Geração. Apesar de continuarem, rotineiramente, as referências a acidentes e incidentes, a episódios de violência policial e criminalidade, as temáticas com mais proeminência na imprensa são as referentes às questões de integração na sociedade, nomeadamente na escola e no mercado de trabalho. As televisões, sobretudo a SIC, procuram através de reportagens realizadas nos bairros degradados e de realojamento destrinçar as raízes da reprodução da miséria e da marginalidade.

Conclusão

A sociedade portuguesa mudou muito nesta última década. São cerca de dez anos que fizeram de Portugal um país diferente nos aspectos económico, político, social e demográfico. Os portugueses, apesar de se manterem na cauda da Europa, atingiram muitos dos índices de desenvolvimento e bem estar europeus, manifestam as mesmas expectativas perante a sociedade material e o consumo, bem como alimentam as mesmas fobias e medos que os mais ricos habitantes do hemisfério Norte.25 Ora, estas expectativas e receios são forjados, quase na totalidade, pelas apropriações de sentidos que os portugueses fazem das imagens e representações veiculadas pelos Media e pelas indústrias culturais. Independentemente dos indivíduos poderem negociar os sentidos dessas representações e imagens - negando-as, incorporando-as ou discutindo-as - o baixo nível de literacia da população portuguesa, associada aos deficits estruturais de acesso à cidadania, tornam os Media, e os seus efeitos, muito poderosos.

As histórias de sucesso, do homem de sucesso português, acarinhadas pelo primeiro ministro Cavaco Silva, tornaram-se, no imaginário urbano e consumista, um percurso em linha recta para todos os portugueses. A partir de 1998, as crescentes dificuldades económicas de Portugal em cumprir prazos e metas, financeiros e económicos, exigidos pela União Europeia, vieram demonstrar que este caminho de sucesso individual e colectivo é sinuoso: grande número de portugueses ficaram de fora das benesses da prosperidade anunciada, muitos não têm, nem terão, acesso rápido ao bem-estar. Este cenário, de expectativas goradas, é bastante crítico para o acolhimento e integração dos imigrantes, favorecendo a eclosão de fenómenos racistas.

Contraditoriamente, são notórios, em Portugal no ano de 2002, os progressos das boas práticas no tratamento das temáticas sobre a Imigração e Racismo. Esta situação observa-se no momento em que se acentuam, no espectro político, as tendências neo-liberais e conservadoras tendentes à criminalização da imigração e, nos Media, as tendências de espectacularização da informação se aprofundam.

Pode-se identificar como índices de boas práticas os enquadramentos e tom neutros, conferindo destaque não só a fontes da sociedade civil --associações de imigrantes e de direitos humanos - como aos agentes mais directamente intervenientes. São, igualmente, boas práticas, o recurso frequente a informações históricas contextualizadas e a dados estatísticos actualizados, principalmente nas reportagens. Finalmente, o maior cuidado demonstrado pelos profissionais nos enquadramentos de imagem, na televisão, e na disposição das fotografias e dos textos, nos jornais, têm vindo a denotar maior responsabilidade perante os hipotéticos efeitos.

Num contexto caracterizado pela de recessão económica (a que as empresas Media não estão isentas), diminuição de número de espectadores (sobretudo dos pertencentes às Classes A/B) e pela diminuição do tempo despendido na visualização dos canais generalistas, estas boas práticas podem ser lidas, como um redireccionamento dos Media noticiosos para os públicos mais politizados e educados. Mas, também, podem ser interpretadas, como indício de uma postura simétrica relativamente aos enquadramentos das agendas políticas nacionais e internacionais, uma manifestação pontual de formas de contra-poder, provavelmente mais dependente da acção pessoal de cada jornalista do que com a orientação dos órgãos de comunicação para que trabalham.



Notas de rodapé

...ao.1
Barreto, A., org. (2000), A Situação Social em Portugal 1960-1999, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, p.60.
... canais.2
Gonçalves, M. A. (1994), Um ano de televisão a quatro, Público, pp.24-25.
... total,3
Segundo dados da AGB, num painel de 8.970.000 portugueses com mais de 4 anos de idade.
...encias.4
Lopes, F. Estratégias e rumos no Panorama Audiovisual Português In: Pinto, M., org. (2000), A Comunicação e os Media em Portugal, Braga, Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, pp.77-97.
... comum.5
Baganha, M. I. e Góis, P. (1999) Migrações Internacionais de e para Portugal: o que sabemos e para onde vamos? In Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 52/53, Novembro de 1998/Fevereiro de 1999.
...edia.6
Machado, F.L. (1991) Etnicidade em Portugal --aproximação ao caso guineense, Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, Lisboa, ISCTE, policopiado; Saint-Mourice, A. de (1997) Identidades Reconstruídas, cabo-verde em Portugal, Oeiras, Celta Editora.
... Portugal.7
Marques, M.M., Ralha, T. Oliveira, C. e Justino, D. (1999) Between the ``Lusophone community'' and european integration where do immigrants fit in? SociNova, Working Papers, 10.
... oficiais.8
Dados referentes ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
... trabalho.9
Baganha; M.I. e Marques, J. C. (2001) Imigração e Política o Caso Português, Lisboa, Fundação Luso-Americana.
...ao.10
Barreto, A. , coord. (2000) A Situação Social em Portugal 1960-1999, Lisboa, ICS, p.61.
... adquirir.11
Andringa, D. (1996) Prefácio ao livro, Os Africanos na Imprensa Portuguesa, Lisboa, Câmara da Amadora/CIDAC.
... 1995.12
Ferin-Cunha, I. (1997) Nós e os Outros nos artigos de opinião na imprensa Portuguesa, Revista Lusotopie, Lusotropicalisme, pp. 435-467.
... problemas.13
Queirós; J. Caso Vuvu: o caso perfeitoIn: Ferin Cunha e alii (1996) Os africanos na imprensa portuguesa: 1993-1995, Lisboa, Câmara da Amadora/CIDAC.
... turismo/hotelaria.14
Silva, M. Quotas anuais de imigrantes: PS e PP de acordo, o governo vai definir, todos os anos, o número de estrangeiros de que Portugal precisa em cada sector, Diário de Notícias, 20/07/2000, p. 4; Correia, P. AR muda regras da imigração: governo, apoiado pelo CDS/PP, atribui direito de permanência até cinco anos aos estrangeiros com contratos de trabalho, Diário de Notícias, 27/07/2000, p. 4.
... fragilidade.15
Imigrantes sim, mas controlados, Expresso, 22/07/2000, p. 21.
... Social.16
Carvalho, C. Europa precisa de 35 milhões no próximo quarto de século, Expresso, 23/12/2000, p.12
... aumentam17
Confrontar os registos referentes aos meses de Julho e Agosto de 2000, da base de dados do Projecto Observatory against ethnic and sexual discrimination.
...etnicas.18
Vala, J. Brito, R. Lopes, D. (1999) Expressões dos racismos em Portugal, Lisboa, ICS.
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Cunha, I. A. Europa discute como combater a imigração ilegal e ser humana, Público, 21/06/02, p. 2.
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Sousa, T. de Consenso sobre a imigração ilegal afasta possibilidade de sansões, Públioc, 22/06/02, p.2
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Mascarenhas, E. Entrevista: Figueiredo Lopes, Ministro da Administração Interna, Diário de Notícias, 12/06 2002.
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Pereira, H. E Sousa, T. de Portugal quer um resultado ``equilibrado'' sobre a imigração, Público, 21/06/02, p.6.
... envenenado,23
Felner, R. D. Lei da imigração cria conflito entre Governo e autarquias, Público, 07/06/02, p.31.
... clandestinidade.24
Peixoto, J. (2002) Strong market, weak state: the case of recent foreign immigration in Portugal, Journal of Ethnic and Migration Studies, vol. 28, nº 3: 483-497.
... Norte.25
Maria João Avillez conversa com António Barreto: Entrevista. Expresso, 11/07/98.