A revolução de 74 pela imagem: entre o cinema e a televisão.
Princípios para a compreensão do cruzamento dos dispositivos televisivo e cinematográfico entre 1974 e 1976

José Filipe Costa

O programa político

A 29 de Abril de 1974, os cineastas fazem o seu 25 de Abril. Figuras ligadas ao cinema, mas também à música e ao teatro encetam a viagem simbólica da libertação do cinema português das estruturas do regime deposto. Partem do Sindicato dos Profissionais de Cinema, descem a Rua São Pedro de Alcântara, ao som do ''slogan'' ''Vitória, Vitória'' e ocupam as instalações da Direcção dos Serviços de Espectáculos e Instituto Português de Cinema, marcando um trajecto entre os organismos fundamentais da arquitectura institucional cinematográfica do Estado Novo. Não muito tempo depois, os novos protagonistas do poder no sector da produção cinematográfica1 organizam-se num novo sindicato e elaboram um programa, onde à cabeça surge a intenção de ''fazer do cinema em Portugal um instrumento dinâmico popular de cultura e consciencialização política''. Como estudámos anteriormente2 , esta vontade de consciencializar politicamente o país passou muito pela constituição de estruturas (as chamadas unidades de produção dependentes do Instituto Português de Cinema ou as novas cooperativas) que asseguraram a produção intensiva de documentários sobre várias temáticas, desde a cobertura de acontecimentos políticos, acções revolucionárias até programas de índole didáctica que ensinariam à população novos hábitos, por exemplo, de alimentação ou higiene.

A reportagem omnipresente

''As imagens também respiram, mesmo quando naturezas mortas em museus. Uma maçã de Cézanne enche uma sala inteira de ar puro. As imagens da nossa televisão, antes do 25 de Abril, precisavam de respiração boca-a-boca e mesmo quando as ajudavam nessa tentativa inútil de dar-lhes vida, morriam. E a grande morgue era o telejornal. (...) Era um álbum de retratos, com fotografias amareladas pelo tempo (48 anos), com daguerreótipos tirados ontem e com as pessoas muito hirtas, olhando para o passarinho: imagens de discursos, de recepções ``apoteóticas'' por esse país fora, de inocentes crianças de colo impiedosamente beijadas, de batalhas de flores, de bustos inaugurados, de meninas com os bibes da escola, de sorrisos, bajolices e o ar feliz das forças vivas.''3

Ainda não tinha passado um mês sobre o 25 de Abril e Fernando Lopes, na qualidade de director da revista Cinéfilo e ex-funcionário da RTP (a que retornará depois), já autopsiava assim as imagens dos telejornais do antigo regime. Nesta ordem de ideias, poderemos acrescentar que fazia também o elogio fúnebre das imagens dos jornais de actualidades, dos documentários e até da ficção que até então se tinha produzido em Portugal. As modalidades de enunciação e os esquemas de representação do poder referenciadas por Lopes atravessavam, sob diferentes formas, os vários dispositivos discursivos no período do Estado Novo. Em contraposição, o cineasta parecia pedir um novo respeito pela imagem, uma ``libertação'' dos códigos do seu tratamento. Deixá-las respirar corresponderia a dar-lhes novo estatuto, a não moldá-las (montá-las) segundo uma ideologia pré-determinada.

Naquele contexto, o anúncio da morte dessas imagens faz também adivinhar a vontade de dotar o país de uma nova política e aparelhos de produção de imagens. Quanto à televisão, Fernando Lopes avançava com um modelo de inspiração proveniente de um país, onde tinha estudado cinema: a BBC. ''O que eu desde já penso que deve ser tomado em linha de conta pelos membros do M.F.A. em serviço na RTP é que estabeleçam, urgentemente, um estatuto para a RTP que defenda a sua vocação democrática e de serviço público e atrevo-me a sugerir que o modelo da BBC inglesa não seria de desperdiçar.'' 4

Mas deixemos por momentos a televisão e detenhamo-nos sobre o sector do cinema, onde as movimentações políticas foram mais visíveis. Poucos meses após o 25 de Abril de 1974, os profissionais agrupados no recém-criado Sindicato dos Trabalhadores do Filme anunciavam uma nova política cinematográfica. O título do documento, elaborado por José Fonseca e Costa e Luis Galvão Telles, evoca uma ligação ao emergente Movimento das Forças Armadas: ''Definição de uma política cinematográfica que sirva os princípios enunciados do programa do M.F.A.''.

''1. É urgente alargar o cinema às classes populares, até como meio de politização. Impõe-se, portanto, desde já, a abertura de salas à escala nacional.'' ''2. É urgente dar às camadas populares cinema português, falado em português e, ao mesmo tempo, promovê-las cultural e politicamente através do filme, sob pena de se perder um dos mais poderosos meios de expressão e comunicação de massas.'' 5

Nestas palavras de ordem e na crença do cinema como arte de massas ressoam os princípios que Eisenstein tinha formulado no âmbito mais geral de uma teoria do cinema revolucionário soviético, nos anos 20: ''O cinema, sem dúvida, é a mais internacional das artes. Não apenas porque as plateias de todos o mundo vêem filmes produzidos pelos mais diferentes países e pelos mais diferentes pontos de vista. Mas particularmente porque o filme, com suas ricas potencialidades técnicas e sua abundante invenção criativa, permite estabelecer um contacto internacional com as ideias contemporâneas.'' 6

Uma nova ordem para as imagens saía assim do programa do Sindicato dos Trabalhadores do Filme, mais tarde designado por Sindicato dos Trabalhadores da Produção do Cinema e Televisão - STPCT, onde se agrupava o grande núcleo de realizadores identificados com o Cinema Novo, alguns deles com trabalhos para televisão e que originaram o fenómeno de formação das cooperativas de produção para cinema e televisão em 74 e 75. Ora, muitas das práticas e do imaginário que impregnarão o fluxo de imagens de cinema e televisão estão contidas nessas palavras, quando as expectativas em relação à Revolução ainda pareciam convergentes.

Esse programa ideológico radicava na consciência do poder da imagem7 . Visava-se transformar a realidade portuguesa através das imagens e essa vontade de transformação cultural, social e política lê-se logo na mobilização de meios e pessoas para filmar todos os acontecimentos pós-25 de Abril e no Primeiro de Maio:

''Enquanto muitos cineastas saíam para a rua, desde a madrugada de 25 de Abril, alguns deles praticamente desde o começo da acção do MFA (caso dos irmãos Matos Silva por exemplo) e outros, mais tarde, se vieram juntar a um necessário trabalho e recolha de imagens e sons que ficará a documentar, para sempre, a queda do regime fascista- António da Cunha Telles, Acácio da Almeida, alunos da escola de cinema do Conservatório Nacional para citar apenas alguns - outros profissionais de cinema tomavam iniciativas tendentes a mobilizar uma classe, muitas vezes capaz, no passado, de acções colectivas e, infelizmente, bastantes vezes desunida por questiúnculas pessoais que, em tantas ocasiões, fizeram abortar ou desvirtuar belas ideias de trabalho comum. (...)

Última hora: Logo que se soube do Movimento das Forças Armadas, não houve câmara, desde 8 mm até 35, que não se pusesse a registar o histórico acontecimento.

Operadores profissionais ou improvisados reuniram assim um material disperso que, no seu todo, pode constituir um documento de valor inestimável para História do Movimento. O que, de início, correspondeu apenas a um irreprimível impulso, desordenado e feito à medida que as coisas iam sucedendo, pode no entanto, passadas as primeiras horas, transformar-se num reportagem organizada capaz de fazer a cobertura dos acontecimentos de um modo relativamente completo.

Nesse sentido, um grupo de cineastas na sua maioria agrupados no Sindicato Nacional dos Profissionais de Cinema, quase em permanência, decidiu agrupar os seus esforços no sentido de realizar um filme colectivo com o material dispersamente filmado e, para além disso, organizar todo o trabalho futuro agrupando a filmagem dos acontecimentos, manifestações, inquéritos, de modo a poder montar um filme de média ou longa metragem a exibir nos cinemas de Lisboa.'' 8

O impulso de registar todos os acontecimentos e, mais, o sentimento de que se está a fazer ''História'' ao montar um conjunto de imagens que cubram todo o conjunto da realidade em transformação, elide qualquer discurso diferenciador entre profissionais e amadores, entre o dispositivo televisivo e o dispositivo cinematográfico. O artigo refere a necessidade de produção de uma ''reportagem organizada'', cujo objectivo seria a exibição nos cinemas de Lisboa. É curioso que não se fale de actualidades, um género mais cinematográfico, (mas, porventura, mais identificável com o sistema de representação do Estado Novo) para se referir a reportagem que é um género jornalístico e televisivo para exibição num cinema.

Tal impulso liga-se à vontade de veicular essas imagens o mais rapidamente possível para surtirem um efeito imediato de consciencialização política, de uma nova construção social da realidade. Ora, a imediaticidade e a proximidade que se requer para as imagens dessa reportagem são as mesmas que a televisão oferece no directo. Vejamos de que maneira o directo televisivo configurou novas modalidades enunciativas: ''Ao emitir as imagens de um acontecimento no momento da sua ocorrência - o que implica determinadas dificuldades específicas da organização de um relato ''não depurado'' -, ainda por cima sujeito, ao contrário do cinema, ao irrelevante e ao imponderável, a televisão encontra a forma de mostrar o tempo na sua ``durée'', e isso era de facto novo. A simultaneidade e globalidade do directo vinha de facto organizar um novo espaço-tempo cujo registo é desde logo o da ``telerealidade'', registo onde velocidade e proximidade completam a ilusão do dispositivo ``global'' da televisão.'' 9

A imediaticidade, a proximidade, a interpelação directa, características intrínsecas ao dispositivo televisivo, tal era, aliás, o que se procurava com a constituição de ''Grupos de Acção e Animação Cinematográfica'', constante do já referido documento ''Definição de uma política cinematográfica que sirva os princípios enunciados do programa do MFA''. Projectava-se a formação de equipas, constituídas por um realizador, um assistente de realização, um operador de imagem, um operador de som, um assistente de imagem, um maquinista-iluminador e um oficial do M.F.A., que, em digressão pelo país, projectassem filmes ''cuja linguagem cinematográfica seja susceptível de larga audiência popular, mas de conteúdo criteriosamente escolhido'' e filmassem ''todos os aspectos humanos e sociais, relacionados com o local ou localidade em questão, e que se prestassem a uma contribuição para o conhecimento da realidade portuguesa da actualidade.''10

Vejamos o programa-tipo destas sessões:

''1$^{o}$ Apresentação política feita pelo oficial do M.F.A.;

2$^{o}$ - Projecção de curtas metragens de esclarecimento político, económico, social;

3$^{o}$ - Projecção de um filme de longa metragem de ficção;

4$^{o}$ - Debate, orientado pelo realizador e pelo oficial do M.F.A., com inquéritos sobre cinema e situação político-social.'' 11

Os profissionais de cinema e televisão procuravam uma instantaniedade de resposta às suas propostas cinematográficas de politização das massas, só comparável aquela que se consegue no dispositivo televisivo. Pretendia-se filmar os mesmos locais em que decorriam as sessões de animação cinematográfica, em estilo de reportagem, e porventura, depois exibi-las aí mesmo, numa vontade de interacção, da qual resultaria uma eventual tomada de consciência política. A população ver-se-ia como se estivesse diante de um espelho, actuaria revolucionariamente (formando uma cooperativa, ocupando uma propriedade) e veria a sua acção, aumentado assim a sua vontade de prosseguir essa transformação, numa espécie de efeito especular psicológico: de facto, sentir-se-ia capaz de mudar a realidade pela sua força representada na própria tela. A luta feita mito no écran alimentaria os comportamentos na própria realidade.

A esse propósito, observemos o que é noticiado na revista Celulóide sobre o documentário ''S.Pedro da Cova'', de Rui Simões, mais tardiamente em 1977, mas nem por isso menos elucidativo das concepções quanto ao poder reflexivo da imagem, no período revolucionário:

''No Centro Revolucionário Mineiro, em S. Pedro da Cova, estreou-se em Maio, o filme de Rui Simões, produção da cooperativa ``Virver'' - recentemente constituída - intitulado ``S. Pedro da Cova''.

O filme ``S. Pedro da Cova'' - primeira produção da cooperativa ``Virver'' no campo cinematográfico - foi estreado na terra e perante a gente que nele se retrata: S. Pedro da Cova.

Trata-se de uma curta metragem, a preto e branco 16 mm, constituída pela articulação de três pequenos filmes produzidos para apresentação em programas de TV dedicados à temática da educação de adultos.''12 A ideia da imagem em movimento como geradora de uma dinâmica revolucionária está igualmente na origem da criação de um Sindicato que agrupa profissionais das duas áreas, cinema e televisão, configurando uma estratégia calculada de produção que não exclui o novo média televisão, antes o aglutina numa mesma lógica.

Em suma, visava-se documentar o mais possível a realidade, com uma estratégia discursiva de construção de um novo país, que atravessava os dispositivos televisivo e cinematográfico, sem grande distinção de linguagens próprias de cada um dos média e de géneros. Acreditava-se que a imagem em movimento tinha uma relação indexical com a História e visava-se constitui-la mesmo como um motor de transformação da realidade.

Esta vontade de politizar o país, de mudar as suas estruturas parece ser um discurso consensulista nos tempos seguintes ao 25 de Abril, mas rapidamente constata-se que o mesmo enunciado tomará sentidos diferentes para diferentes interlocutores. Fundamentalmente em 75, muitos profissionais do cinema e televisão assumirão uma posição de confronto. O conflito radicará entre uma corrente mais vanguardista ou revolucionariamente progressista, assim denominada por Eduardo Geada, um dos elementos das Unidades de Produção, e uma corrente oposta à filosofia das Unidades de Produção, gravitando em torno dos realizadores das cooperativas de cinema. Mas, essa é uma perspectiva já estudada anteriormente.13 Agora, questionamos que modos de representação este programa ideológico, anunciado em 74, convoca para as imagens e nomeadamente para os documentários a produzir nos tempos seguintes? Que práticas e modos de produção se institucionalizarão, engrenados nesta ideologia? Que peso terão neste contexto, o dispositivo televisivo e o dispositivo cinematográfico?

O motor da história: cinema ou televisão?

Em Junho de 75 o cineasta Eduardo Geada faz pública a sua queixa de desvalorização do cinema pelo M.F.A: ''Porém se é verdade que os homens do M.F.A., aproveitando esta última sugestão [a criação de Grupos de Acção e Animação Cinematográficas pelo Sindicato dos Trabalhadores do Filme ou Sindicato dos Trabalhadores da Produção do Cinema e Televisão], iniciaram em Outubro de 1974 uma monumental missão de esclarecimento político e apoio social às populações da província, por meio das suas campanhas de dinamização cultural - intensificadas a partir de Janeiro de 1975 - também é verdade que inexplicavelmente e uma vez mais, o cinema, como processo criador de agitação e documentação, foi esquecido.''

As razões pelas quais tenta compreender o desmerecimento do cinema em favor da televisão são elucidativas do quanto o programa ideológico da Revolução requeria imediaticidade, proximidade e interpelação directa.

''Mas, não foi esquecida a Televisão, cujas as equipas, em circunstâncias por vezes difíceis, acompanharam os oficiais e os soldados na sua tarefa pacífica.

Transmitidas regularmente pela televisão, num programa que aliás traz a chancela do M.F.A., as sessões de dinamização cultural constituem sem dúvida um excelente documento quanto à vontade explícita de os militares progressistas quererem aprender com o povo a melhor forma de levar a bom termo uma revolução cultural portuguesa, forçosamente original, e que começa na descolonização, na austeridade económica, na formação de uma nova mentalidade e, por conseguinte, na recusa de todos os padrões de consumo neocapitalistas propostos pelas sociedades industrias avançadas.

A televisão e, de certo modo, a rádio (de onde foram saneados os elementos mais reaccionários) tornaram-se os meios de comunicação privilegiados entre o M.F.A. e as populações portuguesas. De resto, sempre que a instabilidade política se acentua, os primeiros locais estratégicos a serem ocupados e defendidos pelo COPCON são os estúdios da televisão, as estações de rádio e os seus respectivos postos emissores.

Se Lenine dizia que o cinema era de todas as artes mais importante para a Revolução é porque não dispunha de uma cadeia de televisão, parecem insinuar os homens do M.F.A. cada vez mais inclinados a optar por um dirigismo cultural que defenda os interesses da consolidação democrática.'' 14(21)

O cineasta acusa o esquecimento do cinema pelas forças políticas dirigentes, mas acaba por dar as armas da sua argumentação à tendência que tornava a televisão no aparelho estratégico de legitimação do novo regime político. Afinal, para os efeitos requeridos - a revolução cultural portuguesa - a televisão é um meio de resposta mais pronta. Afinal, se um dos ideólogos do socialismo, Lenine, estivesse em Portugal a fazer a revolução utilizaria a cadeia de televisão. Num debate organizado pela Cinemateca, dez anos depois de 1974, e transcrito na publicação ''25 Abril - Imagens'', Osório Mateus explica a importância da televisão no período revolucionário, pela sua capacidade de responder a um novo ritmo da História.

''É que o cinema não foi nem podia ser agente da história, porque o tempo de feitura necessário ao objecto-filme, obriga a um ritmo que não corresponde ao ritmo da história. A nossa história corresponde a outro momento tecnológico, à televisão. Como pode o cinema ser meio de propaganda, quando há objectos de propaganda infinitamente mais rápidos?''15 O ritmo da história acelera-se e a televisão responde-lhe eficazmente, em detrimento do cinema, ou, doutro modo, a história internaliza o ritmo do novo meio tecnológico. Nós acrescentamos que a questão também deve ser vista no seu reverso: é o próprio dispositivo televisão que acelerará a dinâmica dos acontecimentos.

A televisão e o movimento das cooperativas

''Deste modo, os raros filmes realizados em Portugal depois do 25 de Abril foram directamente produzidos pelo actual departamento sociopolítico da Televisão e destinaram-se, fundamentalmente, a contribuir para a discussão de alguns problemas mais urgentes da sociedade portuguesa: ADEUS, ATÉ AO MEU REGRESSO..., de António Pedro Vasconcelos, sobre os dramas humanos vividos pelos soldados portugueses na guerra colonial da Guiné-Bissau; LISBOA -O DIREITO À CIDADE, de Eduardo Geada, análise das condições que permitiram a exploração capitalista da cidade, através de alguns exemplos concretos que mostram como a segregação social imposta pelo fascismo se traduziu na segregação e na degradação do espaço urbano; HISTÓRIA DAS ELEIÇÕES, de Fernando Lopes, onde se denunciam as falsificações eleitoralistas que, durante meio século, legitimaram a dominação salazarista. Isto para não falar noutros trabalhos que, como os programas regulares das Cooperativas Cinequipa (animada pelos irmãos Matos Silva) e Cinequanon, e a reportagem de José Fonseca Costa sobre Georges Moustaki, têm mantido alguns cineastas portugueses em contacto com a televisão.'' 16

Geada traça o panorama de um sistema produtivo cinematográfico que fragilizado, deixa campo à televisão para a grande missão de politização do país. Uma brochura editada pela Cinequanon por ocasião do quarto aniversário da sua fundação, em 1978, indicia a consciência de alguns profissionais de cinema da imediaticidade da televisão: ''Inicialmente pensaram os sócios da cooperativa que poderiam dedicar-se a produzir apenas filmes de fundo de ficção, embora em novos moldes de trabalho: entretanto surgiu o 25 de Abril, e com ele profundas modificações se deram nas perspectivas do cinema a fazer em Portugal. A legalização da Cinequanon concretizou-se em Junho de 1974.

Os membros da cooperativa renunciaram então ao tipo de trabalho previsto para se dedicarem à realização de filmes de intervenção política e social para a televisão, o que lhes pareceu uma prática de actuação mais correcta, tendo em conta as necessidades urgentes, no campo da comunicação de massas, do momento nacional.'' O momento nacional propicia a criação de estruturas de produção cinematográfica de carácter socializante, basista: as cooperativas. Destacam-se, neste movimento, os nomes das cooperativas Centro Português de Cinema, Cinequipa e Cinequanon.

A Cinequanon, em co-produção com a RTP, terá realizado entre 74 e 75, cerca de uma centena de filmes para a televisão. Os títulos das séries são sugestivos do que eram então as motivações e intencionalidades dos seus profissionais: ''Movimento Cooperativo'', ''Sonhos e Armas'', ''Um dia na vida de...'', ''Viver e Sobreviver'', ''Colectividades de Cultura e Recreio, ''Artes e Ofícios''. ''Este conjunto de filmes (...) integra-se na actividade inicial da Cinequanon, o qual tinha por objectivo fundamental concretizar uma determinada intervenção sócio-cultural, definida no âmbito de acção da própria cooperativa.''

Os temas dos documentários podem ser organizados segundo vários eixos. Por um lado, procura-se filmar a actualidade, os movimentos de carácter social, implicados nos acontecimentos políticos mais recentes. Inclui-se neste âmbito as experiências de auto-gestão de um hotel - ''Hotel das Arribas - Um ano de auto-gestão'', de António Macedo: ''Uma experiência bastante rica acerca de como pode ser produtiva uma empresa gerida pelos trabalhadores''; de um jornal - ''O Setubalense - Um jornal regional em auto-gestão'', de Amilcar Lyra, de uma oficina - ''Oficina automóvel em auto-gestão'', colectivo; e de formação de várias cooperativas, de produção, consumo e mesmo de ópera. A este respeito, são vários os títulos: ''Cooperativa de Consumo - A Piedense'', de Leonel de Brito, ''A Cooperativa cesteira de Gonçalo'', de António de Macedo ou ''Cooperativa de Ópera'', do mesmo realizador.

Ainda dentro do tratamento da actualidade, encontram-se um sem número de filmes sobre ocupações de terras, de fábricas ou de um ''clube de alta burguesia'', na Aroeira. As preocupações didácticas que se prendem com as atitudes, comportamentos, usos e costumes estão patentes nos documentários ''O Problema do alcoolismo'', de realização colectiva, ''A Arte da Culinária'', de António Macedo, em que após o confronto de vários tipos de culinária, se dá lugar à ''técnica de alimentação preconizada pelos dietistas.'' É curioso como não se quer apenas fazer uma revolução política através da imagem, mas também cultural. ''Inquérito sobre fotonovelas'', de Luis Galvão Teles, trata dos ''comos e porquês de uma forma sofisticada de alienar.''

A par do registo da actualidade e da sua interpretação à luz de um programa ideológico determinado, os filmes de Cinequanon centram-se também na tradição. A sinopse de ''Velhas Profissões'', de Luis Filipe Rocha, indica que em ''Trás-os-Montes velhas profissões mantém-se para além da guerra colonial, da emigração e do 25 de Abril. O artesão, a troca, a aldeia, a vila, o senhor, a feira; a Idade Média de hoje.'' ''Chorar o Entrudo'', de Luis Galvão Teles, é a ''tentativa de reconstituição por aqueles que o praticaram ou ouviram, de um costume carnavalesco e das aventuras que o rodeavam. A história do desaparecimento desses costumes, durante o fascismo, através da repressão directa da G.N.R. e da censura moral.''

O modo de representação expositivo: o caso de ''As Armas e o Povo''

''As Armas e o Povo'', uma realização colectiva do Sindicato de Trabalhadores da Produção do Cinema e Televisão, é um documentário paradigmático. Primeiro, pelas condições de produção em que surgiu: ''Nesse sentido, um grupo de cineastas na sua maioria agrupados no Sindicato Nacional dos Profissionais de Cinema, quase em permanência, decidiu agrupar o seus esforços no sentido de realizar um filme colectivo com o material filmado disperso e, para além disso, organizar todo o trabalho futuro agrupando a filmagem dos acontecimentos, manifestações, inquéritos, de modo a poder montar um filme de média ou longa metragem a exibir nos cinemas de Lisboa.(...) o grupo de cineastas que tomaram a iniciativa de realizar o filme sobre os acontecimentos ligados ao Movimento das Forças Armadas, reuniram-se no Sindicato distribuindo-se por dez equipas de trabalho que se espalharam por vários sítios da capital e com diversas tarefas a fim de filmar o 1$^{o}$ de Maio.'' 17

Depois, pelo modo como reflecte no seu conturbado processo de concretização as várias sensibilidades políticas em campo que chegaram a pôr em causa a sua finalização. Apesar da montagem do filme ter sido consecutivamente adiada devido ao conflito entre os realizadores, acabou por se tornar no exemplo de um filme político, didáctico, onde se pode ler uma matriz expositiva, tal como Bil Nichols a formulou.

Nichols distingue quatro modos de representação documental, o expositivo, observacional, interactivo e reflexivo. ''Strategies arises, conventions take shape, constraints come into play, these factors work to establish commonality among different texts, to place them within the same discursive formation at a given historical moment. (...) These categories are partly the work of the analyst or critic and partly the product of docummentary filmmaking itself. The terms themselves are essentially my own, but the practices they refer to are filmmaking practises that filmmakers themselves recognize as distinctive approaches to the representation of reality.''18 Muito sumariamente, o modo de representação observacional coloca o acento tónico na não intervenção do realizador, tentando recriar na ''durée'' cinematográfica o tempo e os ritmos da realidade. Pode-se aqui incluir os conceitos e práticas do cinema directo e do ''cinema verité''. Os documentários identificados com o modo interactivo são os que põem em jogo a presença do realizador e dos actores sociais, provocando a interacção. A voz, a presença do realizador é requerida num face-a-face participante e criador de determinada realidade. Os do modo reflexivo expõe em si o seu próprio processo de construção. São metadocumentários. O interesse não está tanto sobre o mundo histórico e social, mas na maneira como o documentário se representa. ''Whereas the great preponderance of documentary production concerns itself with talking about the historical world, the reflexive mode adresses the question of how we talk about the historical world.'' (27)

O modo expositivo dirige-se directamente ao espectador, oferecendo um argumento relativamente ao mundo e à história, através do uso preponderante de uma voz-off e de uma determinada estratégia interpretativa e persuasiva. O texto domina, possui uma lógica subordinadora, pelo que a imagem serve fundamentalmente como ilustração ou contraponto. A retórica do comentador submete-se a essa lógica persuasiva fundadora. A montagem não serve senão para manter a continuidade retórica, muito mais do que a continuidade temporal e espacial. O documentário de tipo expositivo projecta-se como modo de representação objectivo e aferidor, convergindo para alegações logicamente fundamentadas. ''This mode supports the impulse toward generalization handsomely since the voice-over commentary can readily extrapolate from the particular instances offered on the image track. Similary it affords an economy of analysis, allowing points to be made succintly and emphatically, partly by eliminating reference to the process by which knowledge is produced, organized, and regulated so that it, too, is subject to the historical and ideological processes of which the film speacks.'' 19

No planos iniciais a negro de ''As Armas e o Povo'' uma voz-off explica as ''razões principais que determinaram o surgir e o progressivo desenvolvimento do Movimento das Forças Armadas, vitorioso na madrugada de 25 de Abril de 1974''. Toda a sequência é sintomática do modo de representação expositivo do documentário, destinando-se a deixar bem vincada uma ideia - o povo é o sustentáculo de um novo movimento político, que fará nascer em Portugal uma nova sociedade mais livre e justa. A sua estratégia retórica pode então ser desenhada do seguinte modo: começa-se por expor os problemas que o regime deposto causou ao povo e depois expõem-se algumas soluções dadas, sobretudo, pela boca dos que discursam nas manifestações do Primeiro de Maio, os dirigentes sindicais, Mário Soares e principalmente Álvaro Cunhal.

Em ''As Armas e o Povo'' podem reconhecer-se quatro diferentes registos sobreponíveis: as imagens dos acontecimentos e manifestações no 25 de Abril e dias seguintes, a libertação dos presos políticos, a série de entrevistas por Glauber Rocha e, finalmente, as comemorações do Primeiro de Maio.

Nas primeiras abunda a representação das manifestações de alegria pela Revolução dadas pelas muitas panorâmicas que tentam sugerir no plano a extensão e a alegria das massas populares. Mas, a continuidade temporal e espacial das imagens no Largo do Carmo, por exemplo, dos tanques em circulação, das manifestações nas avenidas, os gestos e os olhares que nos interpelam no interior dos planos são cortados para se subjugarem à lógica do argumento, que é menos visto e mais dito. Ou, por outra palavras, as imagens apenas servem de ilustração ao texto que pouco tempo traça o panorama histórico de tentativas de deposição do regime.

Retomemos Eisenstein na sua teorização de ''A Forma do Filme'': ''Nenhum cinema reflectira antes uma imagem da acção colectiva. Agora a concepção de ``colectividade'' deveria ser retratada. Mas nosso entusiasmo produziu uma representação unilateral da massa e do colectivo; unilateral porque colectivismo significa o desenvolvimento máximo do indivíduo dentro do colectivo, uma dimensão irreconciliavelmente oposta ao individualismo burguês.'' 20Curiosamente em Eisenstein, um dos realizadores que mais inspirou a geração que filmou ``As Armas e o Povo'', era a visualidade que interessava, ou seja um conceito dado apenas pelas imagens. Aí, a representação do colectivo não correspondia à solução mais imediata dos planos gerais, mas a uma complexidade de construção e colisão entre grandes planos de afecção e planos gerais, onde se tentava criar uma determinada sensorialidade e empatia com os corpos e as coisas. Relembre-se, a esse propósito a célebre sequência da escadaria em ''O Couraçado de Potemkim''.

A representação das multidões em ''As Armas e o Povo'' nivela toda essa energia através do emprego gratuito do plano geral e da panorâmica, com algumas excepções que não fazem mais que confirmar a regra de um mesmo olhar. É que a câmara não se aproxima senão para mostrar os símbolos da Revolução: os cravos, o V de Vitória nas mãos, o futuro nos grandes planos das crianças.

É depois de um elemento da multidão testemunhar as torturas praticadas pela Pide, que o filme ainda conserva a energia de um momento filmado: a libertação dos presos políticos. O som directo, o tempo dado à acção pela montagem, dá-nos a medida da emoção do reencontro entre os presos e os familiares e amigos. Muitas vezes, apesar da concentração da câmara numa figura a ser entrevistada, o movimento dos actores em segundo plano é que confere à imagem toda a sua dinâmica. Como, por exemplo, os olhares de Jorge Sampaio e de outros recém-libertados a furar o campo, ainda não se apercebendo bem da direcção dos acontecimentos. O torvelinho, o entusiasmo, a dúvida... não é o que a câmara procura, mas é o que deixa escapar à sua intencionalidade. Mas, não tarda que até os sons, seja o ''slogan'' ''O Povo Unido Jamais Será Vencido'' ou a música ''Acordai'', de Lopes Graça se tornem também ilustrativos, com tanta autonomia quanto as imagens e, várias vezes, interrompidos pela omnipresente voz-off.

Os planos de entrevistas realizadas por Glauber Rocha são os que mais deixam passar a individualidade, os conflitos e matizes do povo-actor da Revolução. Todos são convidados a falar, os entrevistados são interpelados no meio das multidões. Assinale-se um momento particularmente marcante, quando um soldado hesitando na resposta, é incitado pelos outros a exprimir-se, a fazer uso da sua liberdade de expressão.

''Qual a sua posição política?'' - pergunta, às tantas, Glauber Rocha, a um entrevistado de 16 anos, que não compreende o chavão político. À hesitação momentânea segue-se o surgimento de um operário de entre a multidão, representando ali a classe oprimida que acaba de derrubar a classe opressora. O lugar é assim dado aos que tem uma posição mais vanguardista na revolução: os soldados, marinheiros, o operário, a estudante universitária. A lógica que preside à organização do documentário manifesta-se, no âmbito da montagem, na escolha dos que têm a palavra.

Num outro momento, Glauber Rocha pergunta freneticamente a uma entrevistada se ''está disposta a lutar'' pela Revolução, ''a mudar de vida''. A resposta de tão desconcertante sobrepõem-se pela sua complexidade à linearidade da questão que já continha em si a resposta: várias hesitações, ''tenho ouvido tanta coisa'', a incredulidade a furar a lógica do argumento pré-definido. Glauber Rocha coloca ainda uma outra pergunta retórica, de resposta previsível, aos soldados: ''Você quer que a guerra continue ou acabe?''. A questão está inserida no encadeamento persuasivo do documentário.

Finalmente, os discursos no estádio do Primeiro de Maio, que culminam toda a estratégia argumentativa do documentário. As imagens do estádio organizam-se fundamentalmente sob dois pontos de vista: o da multidão para os que discursam e a partir destes para a multidão. O que configura o desejo de construção de um diálogo, de uma sintonização entre os seus novos dirigentes e o povo. Os líderes indicam a direcção política à multidão expectante e a câmara demonstra a sua aceitação, dando o momento das suas reacções positivas, os ''slogans'' concordantes dos cartazes, os aplausos, o júbilo. Elide-se a complexidade do real, os contrastes das manifestações, a eventual ambiguidade dos gestos e olhares e quando estes surgem é sempre por acidente, nunca são procurados pela câmara. A ordem dos discursos segue a nova ordem do momento político. Sublinha-se o elogio da resistência do Partido Comunista por Mário Soares, seguindo-se o discurso de Álvaro Cunhal, ''pintado'' com imagens de bandeiras com o símbolo do PC e retratos de Lenine.

Em suma, ``As Armas e o Povo'' não sendo exemplar de toda a produção documental do período revolucionário, é paradigmático de uma certa linha de produção na época. Tem de ser visto à luz das intenções políticas que o enformam à força de tanto querer veicular uma determinada ideia sobre Portugal e o seu futuro . A montagem interior ao plano e a montagem dos planos servem esse fim. No final do documentário a voz-off justifica esse mesmo trabalho e sentido atribuido às imagens: ''As imagens que acabaram de ver fazem ressaltar em toda a sua pujança, em toda a sua vontade colectiva, a sua potencialidade, a força enorme de um povo que finalmente conhece plenamente sua força, de um povo que sabe que quer viver livre e dignamente. Um povo que jamais poderá, a partir de agora, acreditar em salvadores da Pátria, um povo que sabe que para ser livre é preciso não ter fome, não ser explorado, não ser oprimido, é preciso não ser humilhado pelas más condições de vida.''

A força do povo é mais dita que vista ou sentida. E as possibilidades primeiras da imagem e do cinema radicam menos na fixação intelectual de um determinado discurso ou argumento e mais no de se abrirem para um terreno, onde se confrontem vários pontos de vista. Ora, na actualidade, as imagens de ''As Armas e o Povo'', como tantos outros filmes deste momento histórico parecem pedir que se lhes resgate essas suas potencialidades. Solicitam uma espécie de re-exame, ou de remontagem para que nelas se veja toda a rica complexidade do real, o que se jogava nos olhares dos protagonistas, o entusiasmo, mas também a dúvida. Ou seja, a contradição, que o documentário com uma lógica argumentativa rígida sempre elide. O tempo dá-nos alguma distância para resgatar tudo o que essas imagens nos podem ensinar precisamente sobre o tempo do Portugal do presente.

Bibliografia

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''25 de Abril -Imagens - Lisboa, Cinemateca Portuguesa, Abril de 1974

ADORNO, Theodor W. - Television and the patterns of Mass Culture, in Réseaux, Hors Série, Paris, 1990

CÁDIMA, Francisco Rui - O cinema, o público, a televisão. Para uma ontologia da série televisiva e do telefilme, in Revista de Comunicação e Linguagens - O que é o Cinema? - Lisboa, Edições Cosmos, 1996

DANEY, Serge - Como todos os velhos casais, o cinema e a televisão acabaram por ficar parecidos - in Revista de Comunicação e Linguagens - O que é o Cinema? - Lisboa, Edições Cosmos, 1996

DELEUZE, Gilles et Claire Parnet, Dialogues, Flammarion, 1996

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DELEUZE, Pourparlers, Paris, Les Éditions de Minuit, 1990

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EISENSTEIN, Sergei - A Forma do Filme - Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990

NICHOLS, Bill - Representing Reality - Issues and Concepts in Documentary, Indiana University Press, Bloomington and Indianapolis, 1991

LAGNY, Michèle - De l'Histoire du Cinéma - Méthode Historique et Histoire du Cinéma, Armand Colin Éditeur, Paris, 1992

MADEIRA, João - Os Engenheiros de Almas, O Partido Comunista e os Intelectuais, Editorial Estampa, Lisboa, 1996

PINA, Luis de - História do Cinema Português, Publ. Europa-América, Mem-Martins, 1986

REIS, António - O Processo de Democratização, Portugal 20 anos de Democracia, (Coord. de António Reis), Círculo de Leitores, Lisboa, 1994



Notas de rodapé

...afica1
Contam-se entre eles, nomes como os de José Fonseca e Costa, Luis Galvão Telles, Seixas Santos, Fernando Lopes ou António Pedro Vasconcelos, todos eles pertencendo a facções políticas de vários cambiantes, juntos à primeira vista num grande conjunto a que se poderia chamar de esquerda. Dizia-se então ironicamente que o cineasta mais à direita era Lauro António.
... anteriormente2
Esta análise deriva de um estudo mais geral ``As políticas para o cinema entre 1974-76'', feito no âmbito de uma bolsa de estudo atribuída pela Fundação Calouste Gulbenkian, sob orientação do Prof. José Manuel Costa. Está disponível para consulta na biblioteca da Cinemateca Portuguesa.

... vivas.''3
''Agora ou Nunca um Telejornal Decente'', Cinéfilo, 31, Maio 74, pp. 27
...car.'' 4
''Finalmente de Todos?'', Cinéfilo, 31, Maio 74, pp. 26
... massas.''5
''Não à Censura'', Cinéfilo, 32, Maio 74

...aneas.'' 6
Eisenstein, Sergei - A Forma do Filme - Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990, pp. 2

... imagem7
Imagens, milhares de imagens solicitam a atenção do sujeito moderno. ''Big Brother is watching you'': Se existe um ''Big Brother'' no mundo actual ele não é uma entidade propriamente dita, mas tem uma estrutura vazia e reticular. O ''Big Brother'' tem a forma de um fluxo contínuo de imagens que pressionam o nosso quotidiano. Estas imagens vivem da possibilidade de nos apanhar nas suas malhas, no seu discurso do desejo e tem a faculdade de reproduzir o ''voyeurismo'' que alimenta a sua reprodução.

Na corrente de imagens e de géneros - taxinomias que as classificam e, por isso mesmo, configuram uma tentativa de as dominar - que lugar abrir para o documentário? Que lugar reservar para o poder da imagem documental? Esse poder é tanto maior quanto a sua verdade referencial? ''No, documentary cannot be loved if we seek (Platonic) truth. Nor it can be loved if we reject the Platonic ideal forms but swing instead to a condemnation of simulations and simulacra'' (Nichols 1991:6). No dizer de Bil Nichols não podemos compreender a natureza do documentário e da imagem, em sentido lato, se adoptarmos a ideia de que por detrás da imagem, num nível mais elevado, está uma matéria por conhecer. Nem podemos adoptar a posição de Jean Baudrillard para quem realidade são simulações de simulações de simulações, para quem imagem e realidade são indissociáveis e estão em contínua implosão. Como se tudo fosse cópia de outra cópia, bloqueando o acesso ao original.

Tanto o idealismo de Platão como o niilismo de Braudillard não agradam a Bill Nichols, na sua ontologização da imagem e do documentário na obra ''Representing Reality'', publicada em 1991. Para Nichols a separação da imagem do seu referente ainda faz diferença e é partir daí que constrói a sua teorização, raramente encetada no que diz respeito ao campo do documentário e por isso mesmo, escolhida como ponto de partida fundamental para o nosso trabalho.

O poder da imagem vai, como categoria dinâmica, para além daquele que Platão lhe atribuiu na sua Alegoria da Caverna. A esse propósito, tenhamos aqui em conta a contribuição de Gilles Deleuze ao formular as imagens como palavras de ordem que contribuem para a construção da nossa subjectividade e do nosso quotidiano: ''donc nous sommes pris dans une chaîne d' images, chacun à sa place, chacun étant lui-même image, mais aussi dans une trame d' idées agissant comme mots d' ordre.'' (Deleuze 1990:63) O determinismo, porventura excessivo de Deleuze, introduz-nos na natureza sensualista da imagem. Algo que não é apenas percepcionado pelo olho, mas que toca todo o corpo. O conceito de um corpo tecnologizado pela imagem, inserido numa cadeia de imagens, dá-nos bem a medida de quanto a ideologia e a utopia tem na imagem o seu escopo.

Ora, é a imagem que está no centro da nossa construção como sujeitos e nos atribui um lugar na cadeia da existência. Nichols apontará, neste sentido, que a ideologia não fará mais do que oferecer representações, conceitos, mapas cognitivos, mundividências, pontuando e enquadrando assim a nossa experiência. Por seu turno, a ideologia depende de imagens e de um imaginário, como esfera de imagens significantes, em torno das quais se forma o nosso princípio de identidade. Com efeito, podemos olhar para a dupla face desta relação imagem/ideologia: a ideologia como construtora de imagens e as imagens, cuja produção e circulação não escapam ao trabalho da ideologia.

... Lisboa.''8
Cinéfilo, 31, 4 de Maio 74
...ao.'' 9
Cádima, Francisco Rui - O cinema, o público, a televisão. Para uma ontologia da série televisiva e do telefilme, Revista de Comunicação e Linguagens - O que é o Cinema?- Lisboa, Edições Cosmos, 1996, pp. 166

... actualidade.''10
Cinéfilo, 34, Junho 74, pp 15
...itico-social.'' 11
idem
... adultos.''12
Celulóide - Revista portuguesa de cinema, 242/243, Julho 77, pp 22

... anteriormente.13
Remetemos de novo para o estudo ``As políticas para o cinema entre 1974-76''

...atica.'' 14
Eduardo Geada - O Cinema Português e a Revolução, Celulóide, 212, Junho 75, pp. 8-9
...apidos?''15
25 de Abril -Imagens - Lisboa, Cinemateca Portuguesa, Abril 84
...ao.'' 16
Eduardo Geada - O Cinema Português e a Revolução, in Celulóide n$^{o}$ 212, Junho 75, pp. 8-9
... Maio.''17
Cinéfilo, 34, 1 de Junho 74, pp 15
... reality.''18
Nichols, 1991: 32
... speacks.''19
Nichols, 1991:35
...es.'' 20
Eisenstein, Sergei - A Forma do Filme - Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990, pp 24



Antonio Fidalgo 2002-07-26