João Carlos Correia, Universidade da Beira Interior
A formação dos jornalistas tornou-se uma questão crucial para a credibilidade da classe e para a qualidade da democracia. É verdade que sempre assim foi. Porém, alguns episódios recentes (o célebre Dantas e a polémica sobre o off the record) colocaram absolutamente a descoberto o que já todos desconfiavam: nas sociedades complexas, onde as opções dos cidadãos são cada vez mais condicionadas pelos media, é extremamente redutor confinar a formação dos profissionais de jornalismo aos meros saberes técnicos. Há opções subjacentes a esses saberes e os jornalistas devem estar conscientes disso. Num colóquio onde a componente da multimedia impera, com o que tudo isso implica em termos de fascínio pelo fetichismo tecnológico, talvez seja ainda mais importante lembrá-lo. Nesse sentido, consideram-se como essenciais alguns pontos a propósito dos quais se pretende fazer reflectir o público presente.
1. As normas deontológicas e as regras técnicas não
surgiram no vazio. Apareceram num estádio de desenvolvimento das
democracias modernas e foram resultado de uma evolução que
merece um estudo atento, designadamente em relação a alguns
dos mitos centrais que integram a ideologia jornalística. Nesse
sentido, uma divisão estanque entre normas deontológicas
e regras técnicas parece-nos incorrectas. As segundas, tal como
as primeiras, também prefiguram uma determinada maneira de estar
no mundo, e a resposta a um conjunto de necessidades sociais. O jornalista
deve estar consciente de que as regras mesmo as que são apresentadas
com a inocência geralmente atribuída à tecnica, têm
um significado social e um significado ético. Nesse sentido, importa
por em destaque alguns momentos da evolução das técnicas
jornalísticas e enfatizar o significado social que elas comportam.
Dentro desta perspectiva podemos referir quatro estádios no
jornalismo contemporâneo: 1- Um estádio que vai desde o século
XVI até à aparição da imprensa de tostão;
2- Desde a imprensa de tostão ou penny press até à
II Guerra Mundial ; 3. Desde a II Guerra Mundial até aos anos 70
e 80; e finalmente , nos nossos dias, onde o jornalismo se depara com um
novo fenómeno comunicacional : as redes mediáticas.
Em relação ao 1º Estádio podemos dizer que
ele compreende o período que precede a configuração
do jornalismo como indústria. Na opinião de alguns autores,
durante este perído os jornais aparecem assumidamente vinculados
a máquinas partidárias ou a empreendimentos económicos
e limitam-se a veicular doutrina ou informações comerciais.
Não corroboramos esta opinião : o jornalismo, particularmente
no século XVIII e XIX para além dessa misssão oficialista
que lhe é atribuída torna-se um elemento estruturante de
uma opinião pública crítica, isto é que desafia
os poderes , configurando-se como o exercício de uma acto cívico.
Émile Zola que acompanhou de perto a passagem da imprensa de opinião
à imprensa de massas, lamentava-se que as novas regras de produção
jornalísticas surgidas no final do século XIX não
tornariam possível uma intervenção semelhante à
verificada no caso Dreyfuss. Os jornais da esfera liberal burguesa foram
o veículo provilegiado da produção de textos de autores
como Daniel Defoe, o autor de Robinson Crusoé, Adison e Steel, Goethe,
Garrett, Rodrigues Sampaio ou o já citado Émile Zola. O facto
de se tratarem de jornais políticamente empenhados que veiculavam
uma escrita de risco e que prolongavam muitas vezes, numa retórica
inflamada, o eco dos debates que decorriam nos parlamentos e nos clubes
não autoriza a que se esqueça esse período da história
do jornalismo. Trata-se de um período que precedeu a configuração
do jornalismo como indústria. Todavia, é uma via que, com
a emergência da penny press e com os fenómenos de urbanização
verificados no final do século XIX, foi sendo progressivamente abandonada,
o que não implica que deva ser riscada dos manuais ou dos empreendimentos
teóricos que têm por objecto a reflexão sobre o jornalismo.
O 2º perído diz respeito ao aparecimento do jornalismo
como indústria, o que evidentemeente implica a análise das
implicações sociais do aparecimento da publicidade. Quando
se começa a falar de indústria jornalística já
não nos referimos a uma actividade de redacção e edição
de publicações regulares mas espaçadas no tempo, caracterizadas
pela continuidade dos temas e por marcas de uma oralidade onde ressoam
a fluência dos argumentos terçados entre os contendores que
esgrimam no debate de ideias. O conceito o de indústria jornalística
pressupõe isso sim , uma actividade industrial e mercantil com características
bem definidas como sejam a produção em série; regras
precisas de construção da sua mercadoria; existência
de uma profissão dotada de uma ética, de saberes e de tecnologias
próprias; interesse profundo na recepção e agradabilidade
por parte das grandes multidões que animam a vida das grandes cidades
com vista à recuperação do onvestimento efectuado;
dotada de um poderoso efeito integrador nas sociedades modernas. Trata-se
de um período que tem alguns marcos fundamentais: Em França
as primeiras manifestações dessa imprensa de massas surgem
com as experiências de Émile Girardin- Le Síécle,
La Presse, Le Jornal des Connaissances Utils. Em Inglaterra, assiste-se
ao desenvolvimento da imprensa popular, em especial ao Domingo: Sunday
Times, Sunday Monitor e o Loyd`s Weekly News que fará a cobertura
(sangrenta) do caso de Jack, o Estripador. Nos Estados Unidos, Benjamin
Day lança o SUN ,seguindo-se-lhes -lhe o New York Tribune , New
York Herald entre outros profundamente marcadas por uma sofrega vontade
de conquistar o gosto popular. Em Portugal, a imprensa de tostão
chegará até nós com o Diário de Notícias.
Esta transformação catalizou o surgimento do jornalismo como
indústria dotadas de regras de fabricação do produto
às quais o lucro não é, de modo algum, alheia. A generalidade
dos autores mais significativos, como Michael Schudson e Raymond Williams
considera ainda que a introdução da publicidade resultava
numa maior autonomia sobretudo em relação a projectos político
ideológicos. Porém, esta pretensão de independência
proclamada pela maior parte dos jornais identificados com a penny press
foi aceite por vezes de forma acrítica numa concepção
liberal da história da imprensa. Na realidade o que se passou merece
algum especial enfãse crítico.Os governos imediatamente criaram
taxas e impostos sobre a publicidade de forma a que a imprensa ficasse
(como dizia um dos legisladores) nas mãos de homens dotados de respeitabilidade
e propriedade. Por outro lado, os anunciantes mantiveram uma relação
com a imprensa que provocou um reforço dos valores dominantes, designadamente
pelo interesse em atigirem públicos -alvo dotados de meios económicos
avultados. Assim, os jornais conotados com os movimentos trabalhistas e
socialistas depararam com pouca receptividade por parte dos anunciantes
predominantemente conservadores que recearam suportar económicamente
jornais com tendências que contrariassem os seus interesses económicos
ou preconceitos polítiticos. Uma crescente sofisticação
das agências levava os publicitários a analisarem a composição
do universo de leitores dos jornais, através de sondagens. Os consumidores
dos jornais trabalhistas e reformistas coincidiam em grande parte com públicos
alvo de mais fracos interesses económicos. Alguns dos jornais optaram
por se despolitizarem adoptando fórmulas sensacionalistas. A publicidade
como corolário deste efeito teve um papel de controlo beneficiando
jornais que se identificavam com os valores sociais dominantes, restingindo
indirectamente outras possibilidades de pensamento que veiculassem valores
alternativos. Até à guerra de 1914 pode dizer-se que o jornal
se transforma num bem de consumo corrente, que comporta consideráveis
investimentos. No que respeita à formação de jornalistas
convirá dizer que este perído conhece a invenção
das grandes normas e dos grandes mitos que marcam o jornalismo moderno.
O estilo jornalístico conhece transformações no sentido
de prender o leitor. Os jornais deixam de ser o suporte de grandes cruzadas
político ideológicas para incluirem secções
destinadas ao entretenimento. Os jornalistas começam a discutir
as questões relacionadas com a objectividade e a imparcialidade
tendo em vista a necessidade de alcançar públicos mais vastos
independentemente da diversidade de credos e proveniências sociais.
Por outro lado, a acessibilidade psicológica paga o preço
do consumismo. Os negócios públicos, os problemas sociais,
assuntos económicos, educação e saúde são
classificadas como notícias de retorno retardado e preteridas por
notícias de retorno imediato que incluem os fait divers, as notícias
de rosto humano, eventos sociais, acidente, corrupção, desporto
, entretenimento. A penny press reclamava a neutralidade política,
dando origem a um novo género: a notícia como a conhecemos
hoje. Fosse por razões comerciais - a ambição de chegar
a qualquer indivíduo independentemente da sua convicção
política ou ideológica; fosse por defesa dos jornalistas
chamados a defender uma noção abstracta de interesse público
a penny press propunha-se "daguerrotipar a vida", como então se
disse para fazer a analogia entre a fotografia e o relato jornalístico.
Nos anos 90 do século passado o jornalismo estava sólidamente
impregnado pelo ambiente intelectual da época, designadamente pela
crença democrática numa ciência de índole positivista..
Os jornalistas, no interior das redacções americanas eram
punidos pela utilização de marcas de subjectividade: os pronomes
possessivos que implicassem a marca do sujeito do enunciado, a produção
de pronomes pessoais eram penalizados com multas no próprio ordenado.
Facts , facts nothing but facts. Esta crença entrava todavia em
contradição com a necessidade completamente assumida de de
que os factos se deveriam ser relatados de forma colorida a fim de suscitarem
interesse. Assim os livros de estilo começaram a oscilar entre receitas
que oscilavam entre a procura da objectividade "pura e dura" e outras que
visavam captar a agradabilidade das massas.
Para além de uma alteração profunda nos critérios
e métodos de selecção dos factos considerados como
dignos de ser erguidos em acontecimentos, a notícia própria
da penny press já contém elementos que hão-de ser
parte essencial dos livros de estilo das redacções: relatos
tendencialmente curtos, e ainda a exigência de actualidade -uma noção
nova- , vivacidade no relato e precisão.
A organização dos elementos da notícia por uma
ordem de importância decrescente, tem sido objecto de várias
explicações. O receio da falha na transmissão de notícias
à distância devido a avarias nos sistemas determinou que o
mais importante fosse transmitido em primeiro lugar. No final do século
XIX, nos países onde a industrialização da imprensa
se fizera de forma mais acelerada todos os relatos noticiosos começavam
pela resposta às clássicas perguntas quem?, o que? quando,
onde? como?. A necessidade de proporcionar uma leitura fácil aos
utente dos transportes colectivos terá sido o motivo que conduziu
ao parágrafo universalmente conhecido por lead. A leitura nos transportes
colectivos tornava-se difícil especialmente com jornais de grande
tamanho impressos em letra minúscula. Pulitzer, na América,
diminuiu o tamanho das páginas , aumentou o tamanho dos títulos
e introduzou o lead como parágrafo que resumia toda a informação
considerada essencial. O recurso a métodos comuns de recolha de
notícia -através da associação de jornais-
demandava uma espécie de escrita branca, minutada que agradasse
a todos os clientes da agência. A razão porque esse estilo
se tornaria dominante no jornalismo tem sido objecto de numerosas discussões.
A necessidade de proceder sob um ponto de vista idealmente "neutro" que
permitisse legitimar o discurso em nome do bem público contra os
chamados interesses particulares ou de facção, colocando
o jornalista ao abrigo de eventuais dissabores); a utilização
desse conjunto de procedimentos a fim de restabelecer a legitimidade do
relato noticioso em face da concorrência crescente de agentes de
relações públicas ou da contra informação
em tempo de guerra tem sido algumas das teorias avançadas por historiadores
e sociólogos.
Entre outras exigências colocadas para assegurar a agradibilidade
do relato contam-se a utilização da frase curta e concisa,
a necessidade de evitar ou abusar dos advérbios de modo, por dificultarem
a leitura, o recurso aos verbos na voz activa que conferem ao jornalismo
uma personalidade própria: é a urgência comunicacional
que deve vibrar em cada frase.
Depois da II Guerra Mundial, os jornais ameaçados pelas networks"
de rádio e, em especial, de televisão e pelo grau de entretenimento
cada vez mais fútil por elas veiculado acaba confrontado dcom uma
encruzilhada que é comum a grande parte da sua história:
ou são, em potência, o baluarte mais firme da esistência
a uma informação massificada no seio dos media ou cem à
concorrência feroz. . Os novos media impoem-se à subjectividade
do espectador, limitando as possibilidades da sua emancipação,
ao coartar-lhes a possibilidade de dizer e de contradizer. A imprensa,
muitas das vezes, opta por jogar no terreno da concorrência. Os debates
protagonizado em torno do signicado das normas jornalísticas conduziu
a reflexões audazes. De entre estes debates, um dos mais apaixonantes
é , naturalmente o que se trava em torno da objectividade, confrontado
agora com a emergência da imagem. Existem alguns exemplos históricos
que poem a nu as dificuldades que a objectividade, entendida como um conjunto
de procedimentos jornalísticos, muitas vezes interpretados de forma
estreita e rígida, colocava ao próprio papel da imprensa.
Assim, o McCarthismo ou a a Guerra da Coreia foram objecto de um seguidismo
impressionante resultante de uma interpretação estreita dessas
normas, em especial quando a matéria era delicada.
Durante os anos 60 e 70, o problema agudizou-se. Em Portugal , apesar
dos inúmeros abusos cometidos há uma marca que desde logo
importa destacar : a abolição da censura prévia. A
elevada contrubação do período que se seguiu ao 25
de Abril impediu que a evolução do jornalismo fosse linear:
primeiro houve o período revolucionário onde se evidenciaram
as ingenuidades próprias da época, à mistura com uma
razoável falta de preparação para conseguir a afirmação
de uma imprensa livre e democrática; seguiram-se as nacionalizações
em relação às quais se pode dizer que foram marcadas
por episódios de grande dignidade e de menos dignidade. Se a imprensa
estatizada bem sempre foi sinónimo de subserviência não
há dúvida que esta convivência forçada da classe
política com os jornalistas revelou da parte da primeira uma inabilidade
insustentável e da parte dos segundos uma preocupante tendência
para uma promiscuidade perigosa. Vejam-se a propósito as Comunicações
do II Congresso dos Jornalistas Portugueses, onde apesar da defesa do sector
público, se nota hoje, com a distância proporcionada pelo
tempo, uma sensação de desencanto que aliás os Boletins
do Sindicato também faziam sentir. Ao nível externo, começa
a fazer-se sentir uma enorme pressão no sentido da concentração
da propriedade.
Nos nossos dias, a concentração da propriedade desde
os anos 80 é um dos sinais claros das novas tendências que
se verificam na Economia. Há uma penetração crescente
dos grandes grupos privados no sector da informação. Ao contrário
do que se pensa essa concentração não se verifica
apenas na televisão. Recentemente, o Liberation aumentou o seu capital
no sentido de permitir a penetração de um novo associado.
O único grande jornal europeu pertencente ao sector cooperativo
acabou por conceder a maioria do capital a uma empresa proveniente de outro
sector de produção- A tendência foi globalmente a constituição
de grupos multimedia , nos quais as empresas procedem a inevestimentos
simultaneos na televisão, rádio, imprensa e multimedia..
James Curran, autor de Power Wirthout Resposnability, descreve os passos
que geralmente tem sido seguidos na evolução dos mass media:
começa por se contratar um gestor que prodece á avaliação
do património e da viabilidade da empresa; segue-se uma vaga de
despedimentos que pode asumir contornos mais ou menos dramáticos
; finalmente assiste-se à completa inversão da linha editorial
do jornal no sentido do aumento das paáginas destinadas ao desporto,
ao entretenimento, e ás chamadas histórias de interesse humano.
Nelson Traquina, ex- Jornalista da United Press e hoje Professor Agregado
de Técnicas de Redacção Jornalística na Universidade
Nova de Lisboa, confessava-se admirado nas suas aulas com a vulgarização
que a expressão "contar uma estória" começava a ter
no seio da classe jornalística. A procura do ângulo humano
não tem necessáriamente que reportar ao sensacionalismo.
Todavia , neste contexto que aqui se descreve é importante que se
tenha avisadamente, em conta que esse é um dos campos em que o jornalismo
de sensação pode proliferar caso se ceda à facilidade
do kitsch e da lágrima ao canto do olho. Entre nós, a proliferação
de grupos privados de comunicação social veio trazer um impulso
inical de areajamento da nossa imprensa que se traduziu mesmo na edição
de alguns jornais de referência como é o caso do "Público".
Todavia, existem sintomas crescentes de que esta evolução
que remonta ao início dos anos 90 já encontrou o seu pico,
havendo sinceros receios de que estejamos a assistir à regressão:
o caso Dantas, a turbulência verificada no interior do jornal O Público,
para já nem falar do off the record de episódios pouco didgnificantes,
são sinais bem claros.
Na minha perspectiva , é difícil abandonar as técnicas
que tem feito a história do jornalismo moderno. Porém em
vez de se falar de técnicas é altura de se falar de ética
justamente por causa da aceleração das técnicas.Um
jornalista ignorante e bem intencionado é um perigo sob o ponto
de vista deontológico. É pelo menos tão perigoso como
um indivíduo inteligente e conhcedor das técnicas que veja
em qualquer "tablóide" uma oportunidade para a prática selectiva
do assassinato de carácter.
2. A complexidade crescente das sociedades exige outros saberes que
permitam ultrapassar a "dignissíma tarimba." Os problemas inerentes
à legitimidade da profissão, as especializações
crescentes, a mundialização da indústria cultural,
a complexidade cada vez maior das sociedades e as responsabilidades sociais
que , na minha opinião, continuam a incumbir à imprensa fazem
com que o jornalista não reduza os seus saberes ao conhecimento
do livro de estilo, à capacidade narrativa, ao uso do prontuário
e ao domínio da língua portuguesa. Não está
em causa a respeitabilidade destes saberes cujo carácter central
e incontornável e é, ou deveria ser, de uma evidência
que resistisse a toda a ignorância ou ingenuidade. Apostar num jornalismo
de excelência exige que os saberes atrás referidos estejam
sempre presentes. Porém, o acesso à formação
no domínio de um conjunto de ciências e de saberes (Teoria
Política, Sociologia da Comunicação, Ética,
Deontologia, Economia, Técnicas de Redacção Jornalística
) ganham um interesse crescente. Quem escreve sobre o mundo tem que lançar
sobre ele um olhar cada vez mais avisado.
Não se escamoteia que a questão da formação
dos jornalistas deve ser equacionada com a sua habilitação
literária. Se é assim que se passa na maior parte dos países
e, Portugal não deve considerar, através de uma espécie
de projecto igualitário de nivelação feita a partir
de baixo, que os seus jornalistas pertencem a uma classe inferior. É
mais do que claro que há execelentes jornalistas com a 4º classe
que, sem favor para ninguém, apresentam uma postura ética,
uma dignidade profissional, um saber narrativo e uma cultura que excedem
a de muitos licenciados. Da mesma maneira há licenciados que jamais
atingirão a excelência de alguns dos profissionais a que aludi
na frase anterior: gente como António Paulouro, Joaquim Duarte,
Diana Andringa José Pedro Castanheira ou Adelino Gomes não
serão decerto fácilmente imitáveis pelo mero processo
de aprendizagem em licenciatura. Todavia, as exigências crescentes
que se colocam ao profissional da informação, implicam que
muito do que antes se conseguia através de um valoroso autodidactismo
só possa hoje ser obtido através de um conjunto de saberes
ministrados de forma sistemática. Da mesma maneira, a dignificação
das profissões implica a sua establilização. Isto
é, penso que seria extremamente frutuoso elevar os níveis
de exigência no acesso à profissão, até porque
se democratizou o acesso também se deve generalizar a exigência.
Sem quaiquer preocupações de ser acusado de elitismo parece-me
extremamente perigoso entregar uama das mais exigentes profissões
intelectuais que se praticam em Portugal ao puro autodidactismo. A proliferação
de pequenos órgãos de comunicação social permitiu
o acesso à profissão quase através da autonomeação.
O "bichinho" do jornalismo é altamente louvável se for acompanhado
por profissionais qualificados e com provas dadas. Pelo menos, os lugares
de chefia e de responsabilidade editoriais devem ser entregues tanto quanto
possíveis a pessoas que tenham sido objecto de uma preparação
sistemática: Essa preparação pode ser universitária
ou uma formação profissionalizante complementada com formação
académica adequada. Parece consensual para todos que o jornalismo
pode ser ensinado a nível superior. Deve-se é na medida do
possível, lutar para que essa formação corresponda
às expectativas da classe . Nesse sentido, os jornalistas devem
ter a corageme de exigir o melhor e o melhor nem sempre é o caminho
mais fácil. Em todo o lado a profissionalização do
jornalismo conheceu um destino acidentado. O Dicttionaire Français
des Professions, à semelhança de reputadas enciclopédias
comentava o jornalismo não é uma profissão no sentido
habitual da palavra. É-se engenheiro mesmo quando se não
exerce; é-se médico ou advogado mesmo quando não existem
clientes. Mas não se é jornalista a não ser quando
se escreve no jornal; deixa-se de o ser ao outro dia. Não existe
diploma nem certificado..Baseadas na comparação com o direito
e a medicina, as teorias que analisam o profissionalismo, consideram que
uma profissão "para existir tem que ter um controlo sobre a base
cognitiva da profissão". O problema do jornalismo é o sem
número de caminhos organizacionais que podem conduzir à carreira
e que tornam instável a estandartização da base cognitiva
necessária para o exercício da profissão, conduzindo
a problemas de reconhecimento/ autoreconhecimento e de legitimidade. Nesse
sentido, procede a discussão ainda não encerrada em diversos
países acerca de quem pode ser jornalista. A afirmação
de que não se é jornalista quando se escreve no jornal pode
ter como corolário simétrico a conclusão de que basta
escrever no jornal para ser jornalista. Esta consideração
aterrorizadora terá sempre acompanhado a questão da legitimidade
da profissão, aliás constantemente invocada por razões
estratégicas sempre que um poder establecido é posto em causa.
Como resposta assiste-se a uma forte socialização dos jornalistas
no sentido de interiorizarem um conjunto de regras técnicas e de
normas éticas a fim de exorcizar essa sempre eminente crise de legitimidade.
O perigo, é que numa sociedade extremamente complexa uma cultura
desse género dificilmente proporciona um saber reflexivo, isto é
um saber que questione o próprio saber. Ora , este tipo de saber
- que questione o próprio saber adquirido - é provavelmente
um dos mais urgentes.
Os jornalistas têm discutido com afinco "os caminhos de acesso
à profissão", questionando não apenas o problema da
base cognitiva que legitime esse acesso, como as próprias regras
técnicas com que exercem o seu ofício.
Nem os académicos se devem encerrar numa torre de marfim rodeada
de livros e de pó nem os jornalistas devem ter preconceitos em exigir
mais para si próprios. A condição preferencial indicada
pelo Sindicato deve passar a ser, dentro de um prazo razoável como
condição obrigatória pelo menos no que respeita aos
cargos de chefia, sem prejuízo das situações e direitos
entretanto já adquiridas, e admitindo-se, no máximo, excepções
para curriculas altamente relevantes, avaliados e reconhecidos por Comissões
independentes. Deve-se sem traumas nem divisões tornar este caminho
como um caminho nornal forçando-o o mais possível sem o impor
de forma rígida. Isso não obriga a que o jornal seja feito
apenas por jornalistas. Nem todo o que escreve no jornal tem que ser jornalista.
O que é próprio e adeqauado é que aqueles que fazem
do jornalismo uma profissão renumerada e a tempo inteiro tenham
acesso a formação adequada.
Aqui importa fazer uma ressalva que considero muitíssimo importante
: as regiões e o jornalismo que nelas se pratica pressupõe
especificidades que não devem, de maneira nenhuma implicar cedências
na formação dos jornalistas sob pena de se cair numa condescendência
paternalista em relação às empresas jornalísticas,
em relação aos profissionais e em relação aos
públicos leitores. As regiões precisam de um jornalismo de
excelência. Por isso, a título pessoal, se defende, de forma
clara e sem tibiezas, que, para já, no imediato, as Universidades
e Institutos Superiores através de uma relação institucional
com as empresas jornalísticas e com Institutos de Formação
já existentes desenvolvam acções viradas para a preparação
, formação e reciclagem de profissionais qualificados e de
públicos cada vez mais exigentes e informados.
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