O ENSINO DO JORNALISMO VISTO PELOS JORNALISTAS

João Correia, Universidade da Beira Interior

1. O ensino do jornalismo nas escolas superiores de Comunicação Social preocupa os jornalistas de uma forma acentuada. O Congresso dos Jornalistas Portugueses dedicou a este tema mais do que uma simples observação. Na prática, a sucessão geracional que se verifica no interior da classe acabou por se tornar o principal elemento de discussão no interior daquele forum. Confrontados com a chegada em massa de jovens profissionais ao mercado de trabalho, os dirigentes sindicais lançaram grande parte do seu discurso sobre a identidade da classe. Como se aprende a profissão? Quais as condições que é necessário preencher para que se possa dizer que se é oficial de tal ofício? Será que só é jornalista quem escreve nos jornais? Como é que se forma um jornalista? Se é a situação profissional que o define - exercida a tempo inteiro e renumerada, como ocupação principal - então será que todos os que escrevem nos jornais e deles retiram os seus proventos maioritários são, por definição, jornalistas? Ou, pelo contrário, ser-se jornalista pressupõe a adopção de um certo estilo e de técnicas narrativas e de recolha de dados, o que implica alguma padronização de um saber especializado? Quando descemos ao concreto, a resposta perde a sua evidência.

2. A discussão sobre o ensino do jornalismo está bem longe de ser nova. De uma forma simplista, podemos pensar de que um lado estão os defensores da boa "tarimba", que acreditam que o talento jornalístico não pode ser ensinado nas academias já que a prática e a experiência, mãe de todos os saberes, fornecerão os elementos essenciais aos profissionais para exercerem o seu mester com arte e sabedoria. Do outro, surgem os teóricos que afirmam que sem uma cuidada preparação ética, deontológica, filosófica, sociológica, cultural e técnica, o jornalista não está preparado para exercer a sua profissão. A preto e branco, as posições poderiam resumir-se a estas duas. O Congresso dos Jornalistas Portugueses trouxe para o exterior esta discussão, tendo ficado claro que, mesmo no interior da profissão, as opiniões se dividem. Todavia, a questão está longe de se esgotar aqui. Aceitando-se que existam saberes que devem e podem ser ensinados, quais os que devem ser ministrados no ensino superior? Serão esses saberes específicamente dirigidos para o Jornalismo ou o Jornalismo deve ser integrado num corpo teórico mais amplo que, geralmente se designa por Comunicação Social ou Ciências da Comunicação? Deverá ser obrigatório ser titular de uma Licenciatura para se ser jornalista? Mais ainda, deverá ser-se titular obrigatório de uma licenciatura específica ? Se for esse o caso, mais uma vez , quais os saberes que a devem integrar?

3. A querela entre teóricos e práticos é antiga, embora seja previsível que as razões e os argumentos das partes tenham mudado. Do 1º Boletim do do Sindicato dos Trabalhadores de Imprensa (1926) já constava a proposta de criação de uma Escola Superior de Jornalismo que, ao tempo, mereceu o seguinte comentário do Director do Comércio do Porto: "da mesma forma que não há escola de poesia também não há escolas de jornalistas.". Em 8 de Fevereiro de 1941, o Presidente da Comissão Administrativa do Sindicato Nacional de Jornalistas entregou ao Subsecretário de Estado da Educação Nacional um ofício dirigido ao Ministro da tutela onde se continha um projecto de um Curso de Formação Jornalística, justificado pela necessidade de "promover, de maneira decisiva, a valorização profisional dos jornalistas bem como o seu nível de cultura para os limites exigidos para a missão que desempenha." Finalmente, em Fevereiro de 1970, uma delegação da direcção sindical composta, entre outros, por Cáceres Monteiro, António dos Reis, Jacinto Baptista, José Lechner, Oliveira Figueredo e João Gomes apresentam a proposta de criação do Ensino Superior de Jornalismo, acompanhada do respectivo estudo. Para Silva Costa, Presidente do Sindicato, "estará chegada a vez de Portugal possuir o ensino do jornalismo a nível universitário." O estudo prevê que o Curso teria uma duração idêntica à dos restantes cursos existentes em Portugal, quer para Bacharelato quer para licenciatura. O projecto previa a atribuição do grau de Bacharel, Licenciado e Doutor. Entre 1941 e 1970, a classe foi perpassada por numerosos projectos e debates que, no essencial apontavam para a criação do Ensino Superior neste domínio. A criação do ensino universitário de jornalismo identificou-se, em larga medida, com a defesa da própria liberdade de expressão. Já então se percebia que a defesa da formação universitária nesta área era uma exigência que se identificava com a aprópria dignificação da profissão. O jornalismo era das poucas profissões intelectuais que era exercida sem Curso Superior. A introdução do ensino superior obrigaria à dignificação dos profissionais em termos renumeratórios e em termos da sua capacidade de intervenção. Obviamente, esta posição teve e tem inimigos. Será que ninguém se dá conta dos interesses estratégicos que existem por detrás das posições assumidas pelos principais grupos empresariais contra a obrigatoriedade de licenciatura? Será que não se compreende, de forma clara, que a tendência para elevar a formação dos quadros pertencentes a uma pofissão introduz também o problema do seu estatuto renumeratório?

4. O principal defeito de algumas das referências feitas no Congresso dos Jornalistas Portugueses em relação à formação exigida para se exercer a profissão vislumbra-se na exaltação de uma certa prática do jornalismo que remete para um "ontem" melhor do que o de hoje". O Sindicato preocupa-se com o destino dos jovens jornalistas que levam a cabo estágios que não são acompanhados pelo conselho de um chefe eventualmente aborrecido mas atento e paternal. Os jornalistas da jovem geração perderiam algo da essência da missão que lhes competia por não compartilharem desta iniciação, a qual, supõe-se, constituiria uma forma de aprendizagem mais séria e competente do que a que é propagada pelos Cursos de Comunicação e de Jornalismo. Trata-se de um de uma preocupação justa. A precaridade de trabalho é inimiga da liberdade de expressão. Porém, não me parece que a crítica a essa precaridade possa ser sustentada por um discurso da perda ou da queda em relação a um estádio eventualmente menos interesseiro e competivo quando é sabido que o maior obstáculo à liberdade de expressão eram, nesse "antes" que se contrapõe ao "hoje", além da precaridade e dos baixos salários, a existência da Censura e do Exame Prévio.
Finalmente, não me parece que essa crítica possa ser sustentada por qualquer termo de comparação implícita que coloque o Chefe de Redacção ou o colega de tarimba num posição mais favorável do que a do docente universitário do Curso de Comunicação ou Jornalismo. Para já, isso não seria realista e significaria uma espécie de negação do que é irreversível. Por outro lado, significaria um recuo implícito às posições insistentemente tomadas pelo Sindicato dos Jornalistas, desde 1941, que claramente apontam para o Ensino Superior como exigência para a formação dos jornalistas.
Nesse sentido, o que parece realista e razoável não é fazer um discurso generoso contra o excesso de competividade. Importa, isso sim, enfrentar os desafios de hoje. Estes passam por uma jogada em vários tabuleiros que não são contraditórios: exigir uma formação crescente dos jornalistas, que compreende uma clara dimensão universitária e um olhar cada vez mais interessado à componente ética e fazer o possível para que esse percurso académico seja cada vez mais perfeiçoado à dimensão teórica e prática da preparação dos profissionais. O resto é estéril, antiquado e tem a ver com a realidade de uma classe que conhece mutações cada vez mais aceleradas..