ADORNO E A RECUSA DO NOME

João Correia, Universidade da Beira Interior

A passagem do virtual ao actual constitui a principal obsessão da modernidade. Todo o pensamento social vive da nostalgia de um nome perfeito que acalme as estratégias da não identidade que se tornaram a marca angustiante do fim do século. É em nome do virtual que se constrói a possibilidade de transformar o agir em acontecer, graças ao qual o amnhã ganha contornos ou de paraíso ou de inferno. Porém, o momento utópico é o principal sacrificado da redução da utopia à tecnologia. Na estratégia adorniana - suficientemente original para não ser enquadrada nos limites estreitos de um projecto institucional - a realização da emancipação significa uma síntese na qual o todo trunfaria . Como o todo é falso a, utopia de Adorno é a única que permanece num estado de tensão constante, ou seja permanece utopia porque exige constantemente não ser realizada. Valerá a pena como fazem alguns autores , descobrir nesta abordagem o uma estrutura aporética pelo o facto de este se mostrar fascinada pela negatividade, criticando o devir unilateralmente instrumental da dominação, quando outro não é o pressuposto desta forma de pensar: a insistência na crítica racional da própria razão? Na inquietação de Adorno a paz é o estado de "distinção sem dominação, com o distintivo integrando cada um dos participantes." Ou seja, só a não identidade pode impedir que o espírito, obcecado pelo idêntico elimine do objecto o não idêntico. A linguagem conceptual é olhada como a emergência de dispositivos técnicos que prolongam a auto-preservação do sujeito. O que é possível e desejável, e até incontornável no contexto da tradição crítica que surge desde o interior das luzes, é a possibilidade de o homem se poder distanciar em relação à sua própria situação, buscando uma superação, em que mantenha uma tensão entre o sujeito e o objecto de uma forma que nunca significa uma divisão cartesiana entre estes dois planos, mas a manutenção de um campo de forças dialéctico entre objectividade e subjectividade: em suma, a permanência intransigente na negatividade. Nos termos da dialéctica, a reconciliação só é possível em termos da superação da divisão entre sujeito e natureza, só pensável na construção da espécie humana através do sacrifício e da renúncia. : "A Arte e a filosofia constituiriam os únicos domínios da actividade nos quais o espírito quebra as crostas da reificação através da interacção próxima entre racionalidade e mimesis."
Assim, a crítica da razão identitária poderia ter permanecido afinal como a probabilidade de poder fundamentar uma concepção não-formalista e plural de racionalidade, abrindo espaços onde o seu pensamento se não reduz à ameaça de de impasse. O que é estranho e tem proporcionado uma crítica coerente e bem fundamentada desta estratégia é que a intransigência de Adorno na não identidade acabou por conduzi-lo a um impasse teórico, que afinal não é senão o reflexo do medo de todos os impasses provocados pela prática, a qual se expressa, em termos históricos, num devir instrumentalista que toma a forma de sucessivos totalitarismos. A corência negativa de Adorno permite-lhe aludir à forma reificada que atinge a linguagem e à impossibilidade que a fere de tocar o absoluto, sem se perder em propostas que suavizem a consciência do que que se afugura ser um perigo onipresente. Forja-se deste modo uma recusa intransigente para dar o nome à alternativa ao mundo como existe, tendo em vista o equivalente que tal decifração teria com a descrição de Deus ou do Paraíso, proibida pela cultura judaica. "O Absoluto não pode ser descrito, apenas ansiado.", afirma Horkheimer na nota necrológica de Adorno. Para Adorno: "o materialismo trouxe essa proibição para a forma secular, não permitindo que se represente essa uotpia positivamente: é este o conteúdo da sua negatividade." Num raciocínio tocado de perto pelo messianismo judaico, pensa-se que toda a música "tem por ideia a forma do Nome divino" pelo que a hipótese de redenção da a linguagem teria como modelo a música, enquanto uma linguagem na qual o próprio conteúdo se encontraria revelado. A linguagem significante quer dizer o absoluto de forma imediata e este absoluto não cessa de lhe escapar (…) a música atinge-o imediatamente, mas imediatamente ele se torna obscuro, como se o olho fosse encadeado por uma luz excessiva, e não pode mais ver o que é perfeitamente visível." Por isso a obra de arte aparece como uma espécie de imagem de puzzele, no sentido no sentido em que o que ela mostra, à semelhança da carta do conto de Poe "A Acrta Roubada", está em todo o lado mas esconde-se a si própria. A arte só pode ser verdadeira no sentido de ser fiel à realidade na medida em que mostra a realidade irreconciliada, antagonista, dividida consigo própria. A única contribuição que a dialéctica negativa pode dar à utopia é recusar um presente que a exclui, sem jamais nomear um futuro que a possibilite. É", assim, pela negação do nome que a linguagem filosófica se aproxima do nome." Ou seja, a utopia permanece sempre negativa, sem que se conheça o nome de Deus. Será que toda a filosofia teria que per pensada sob o ponto de vista da redenção? O possível real está muito mais próximo, é verdade, aos olhos de Adorno, do desastre do que da redenção. Porém, a insistênsia no apocalipse é uma forma de manifestação de um absoluto. Num contexto de absoluto determininismo nem existe qualquer razão ou sequer qualquer condição de possibilidade para um esforço de libertação. Adorno parte do a priori metafísico da reificação total, e imagina uma resistência que se mantém do ponto de vista da redenção, ao mesmo que proclama a sua impossibilidade, receoso que a redenção seja, ela própria, uma forma de queda, no sentido de uma síntese em que o sujeito aceitaria a harmonia e a reconciliação. "A frase de Brecht: o partido tem mil olhos mas o indivíduo não tem mais que dois é falsa como todas as verdades primeiras. A imaginação exacta de um dissidente pode ver mais do que mil olhos aos quais puseram as lentes cor-de-rosa da unidade e que confudem o que eles apreendem com a universalidade do verdadeiro."
Trata-se da "estratégia da hibernação", que tanto lhe foi criticada ou da diléctica da quietude que conduz á rejeição de todo produtivismo e a um estado quase anoréxico a que se alude em Minima Moralia ? O devir concentracionário da razão que constitui o cume do pensamento de Adorno, é a manifestação de uma paradoxal aspiração universal à liberdade entendida, sob uma forma negativa, como fim de todos os constrangimentos e autonegações. O olhar arguto que lança sobre essa impossibilidade mostra-se fascinado pelos impossível que deseja mas que, por descrença e cepticismo, nega. Adorno é o triunfo do Iluminismo desesperado, da razão que não cede e que, frustrado a vaga esperança de a ver realizada na dinâmica social, encontra na arte o seu último lugar possível: lugar da negatividade, do exercício intelectualista do conflito e da recusa da totalidade como resposta à metafísica. Há uma permanência quase obsecada na crítica do humanismo, seja ele marxista ou burguês, que, pela sua intensidade, quase toma contornos ascéticos. Se a história do núcleo duro da Escola de Frankfurt é especialmente a história de um afastamento desiludido em relação às possibilidades defendidas por Lukacs da realização de uma totalidade harmónica, Adorno é o protagonista mais intransigente deste caminho, como aliás Mann o retrata (com o nome de Settembrini) na "Montanha Mágica", em renitente combate com Naphta, o jesuíta inflamado atras do qual se encontra o nome de Luckacs. Na Dialéctica do Iluminismo a teoria luckacsiana da reificação é de tal modo desligada das suas potencialidades messiânicas e emancipatórias que a reificação emerge como um traço ontológico da existência humana. A Filosofia Social crítica torna-se, afinal, uma auto-clarificação pessimista a qual é confinada à estética e à critica filosoófica da totalidade falsa. "Afinal, é somente por causa do desesperado que a esperança nos foi concedida."