A FIGURA DO TRABALHADOR

Edmundo Cordeiro

 

IV. A FIGURA DO TRABALHADOR E A HISTÓRIA

A partir das palavras de Jünger, aquilo que se pode afirmar com maior segurança quanto à relação da figura do trabalhador com a história é o seguinte: a figura do trabalhador não se apresenta consequentemente numa linha do tempo, não é uma figura que possa ser explicada pela história, não é a sequência, por exemplo, da figura do "cidadão", ou do sujeito moderno. Jünger adverte que a figura deve ser procurada para lá da vontade e dos valores — e, para o que aqui importa, para lá da evolução. Jünger, aliás, não reconhece no Bürger, no indivíduo que corresponde à representação iluminista, uma ligação com a figura — nunca houve uma figura do cidadão ou do sujeito, deve faltar-lhes a ligação com as forças elementares: são "figuras" estabelecidas pela representação. E interessa pôr em relevo que as representações a que geralmente damos o nome de figuras, como por exemplo o estadista, o desportista, o intelectual, o louco, etc., não são figuras segundo a concepção de Jünger. Quando muito seriam tipos. Com estas representações, tal como com os tipos, podemos lidar historicamente. Com as figuras não.

"Alguma coisa de novo se passa no interior e no exterior da história", escreve Jünger em Annäherung, Drogen und Rausch (1). Isso que de novo se passa no interior e no exterior da história é aquilo que não pode ser considerado historicamente: a figura. A figura do trabalhador é um nome para isso que de novo se passa no interior e no exterior da história, sobretudo, no caso, no exterior da história, a figura daquilo a que Jünger chama, nesta mesma obra, uma Grande Passagem, a qual já não se processa no interior da história, como acontece com a Pequena Passagem. Grande e pequena passagem de onde para onde? A pequena passagem pode ainda ser encadeada numa sequência histórica, ela seria, portanto, uma passagem histórica. A grande passagem, no entanto, não o pode. A grande passagem releva da figura, seria uma passagem dentro do Inseparado. A questão que aqui se coloca é, segundo uma sua expressão em An der Zeitmauer, "uma questão grave": a grande passagem implica uma passagem para um outro tempo diferente do tempo histórico ou é uma mutação no tempo histórico? Quer dizer: tendo o tempo histórico sucedido, digamos, ao tempo do mythos, sucederia agora o tempo da figura ao tempo histórico? São questões que permanecerão sem uma resposta, sem uma explicitação de maior detalhe no espaço deste trabalho. Podemos contudo adiantar que Jünger não se refere a outras figuras "anteriores" à figura do trabalhador, e, da sua obra posterior a Der Arbeiter, conhecemos outras figuras, como a do "desterrado" e a do "anarca", as quais, porém, nos são apresentadas com um domínio menor — elas seriam, talvez, uma pequena passagem no interior da grande passagem da figura do trabalhador.

Como ele refere nas Maxima-minima: "Ce n'est pas l'histoire qui se meut a changer de sens, c'est l'événement qui n'est plus historique. (2)" Os acontecimentos sujeitos ao tempo da figura teriam a haver com uma mutação que é mais do que histórica e que descoordenaria os passos da história, os nossos passos, na mesma medida em que esses acontecimentos são invisíveis para o simples olhar. A irrupção de um tempo subterrâneo? Uma actualidade que corrói, destrói o estabelecido? — "O coxear tem por analogia a enfermidade dos Ciclopes zarolhos(...) Como é sabido, um dos dois astronautas tropeçou <quando da segunda descida na Lua> ao dar um salto que não estava previsto pelo ordenador(...) A actualidade é inultrapassável e é por essa razão que corrói a realidade. (4)" Aqui, como assinala Molinuevo, "trata-se de ver o homem como ser histórico e ser natural, mas numa história da qual já não é a medida. (5)" Isto implica que a figura do trabalhador requer e ao mesmo tempo possibilita um arroteamento, uma mudança, um Umbruch da visão da história: "La représentation <Repräsentation> de la Figure du Travailleur entraîne nécessairement des solutions d'une ampleur planétaire et impérialiste. Comme pour toute Domination, il ne peut s'agir simplement ici d'une administration de l'espace, mais en outre d'une administration du temps. A l'instant même où nous prendrons conscience de notre force productrice particulière et nourrie à des sources d'une autre nature, un renversement complet de la vision de l'histoire <ein völliger Umbruch der Geschichtsbetrachtung>, de l'appréciation et de l'administration des performances historiques deviendra possible."(T259/A223)

Este Umbruch da visão da história por parte da figura do trabalhador não está dependente, por conseguinte, de uma "crítica do tempo" que se sustente no progresso, no pressuposto de um contínuo temporal. Já Nietzsche havia evidenciado o carácter simultaneamente destrutivo e anódino dessa crítica, desse "ajustar o passado às banalidades do momento (6)". Neste sentido, o Umbruch terá pressuposta uma outra concepção do tempo, a qual, segundo palavras de Agamben que podemos aplicar por inteiro a Der Arbeiter, implicará uma crítica, sim, mas do tempo contínuo e quantificado: "Ce n'est certes pas un hasard si la pensée contemporaine, dans les diverses tentatives qu'elle a faites pour concevoir le temps de manière nouvelle, a toujours commencé par une critique du temps continu e quantifié. (7)" Esta "concepção moderna" do tempo — a qual está na base do historicismo com que Nietzsche mediu forças, nomeadamente na Segunda Intempestiva — ela é, nas palavras de Agamben, uma laicização do tempo cristão, tempo este cuja imagem seria a de uma linha recta: "(...) saint Augustin peut-il oposer aux falsi circuli des philosophes grecs la via recta du Christ, et à l'éternelle répétition païenne, où il n'est rien de nouveau, la novitas chrétienne, où tout se produit une seule fois. (8)" A "concepção moderna" do tempo é a de um tempo rectilíneo e irreversível, cuja representação depende, refere Agamben, tanto da experiência geral do trabalho nas manufacturas quanto da concepção da mecânica moderna. Este tempo, sendo, como o cristão, rectilíneo e irreversível, já não possui, porém, a ideia de fim, conservando apenas o sentido de um processo estruturado segundo um antes e um depois. E a isto há que acrescentar a experiência do tempo morto, própria da vida nas grandes cidades e nos locais de trabalho, que reforça a ideia de um tempo humano que mais não seria do que instantes pontuais evanescentes, vazios. Sem o fim, o que é que fica? Fica o antes e o depois, que adquirem sentido sob a noção de processo e de progresso: "Le sens ne relève que du procès dans son ensemble, jamais du maintenant ponctuel et insaisisable; mais comme ce procès est en réalité une simple sucession de maintenant passant de l'avant à l'après, et comme l'histoire du salut s'est réduite entre-temps à une pure chronologie, pour préserver une apparence de sens il faut introduire l'idée, dépourvue en soi de tout fondement rationnel, d'un progrès continu et infini. Sous l'influence des sciences de la nature, "développement", et "progrès", qui traduisent simplement l'idée d'un procès chronologiquement orienté, deviennet les catégories pilotes de la conaissance historique. (9)"

Se o tempo da figura do trabalhador emerge, se nada nas formas adquiridas da história a pode dar a ver, pode-se designá-la uma figura supra-temporal ou trans-histórica. E assim sendo, ela não pode manifestar-se, por conseguinte, senão contra o tempo e contra a história — é intempestiva. Manifesta outro tempo — o tempo da vida ou do destino: "(...) la classification unifiante du temps en passé, présent et avenir a beau être utilisable pour le temps de l'astronomie, elle ne l'est pas pour le temps de vie ou du destin. Il ya un temps astronomique mais simultanément une multiplicité de temps de la vie qui battent chacun à son rythme, comme le balancier d'innombrables horloges."(T251/A215) O intempestivo, o tempo do instante, caracteriza-se por ser um tempo em que passado e futuro deixam de ser representações do tempo contínuo e rectilíneo e passam a ser formas originárias.

O intempestivo, Unzeitgemässig, caracteriza uma série de considerações de Nietzsche sobre — e contra — o seu tempo: as Considerações Intempestivas, nomeadamente a segunda consideração, que toma como objecto o saber histórico. Nietzsche dirige o seu olhar, nesta segunda consideração, para o tempo presente: é um olhar que procura pôr a nu o próprio tempo, esse tempo que é obscurecido por uma concepção — "histórica" — segundo a qual o presente seria a consequência lógica do passado. Por conseguinte, trata-se de procurar ver o que lhe dá o carácter, o que lhe é necessário, aquilo que o faz ser, precisamente, um tempo presente: "uma acção intempestiva contra esta época, sobre esta época, e, assim o espero, em benefício do tempo que há-de vir. (10)" Sendo a vida humana histórica, a sua força histórica, a sua capacidade de acção e perpetuação, vem, no entanto, de algo que não é histórico. Nietzsche distingue três tipos de história que correspondem a três tipos de relação da vida com a história: história monumental, história tradicional e história crítica. São três experiências do tempo que têm a haver com três características vitais do homem: a actividade e a vontade, a conservação, o sofrimento e a libertação. Na medida em que se dê a união entre a "vida" e a história, pode-se pensar a história monumental como forma originária do presente, a história tradicional como forma originária do passado e a história crítica como forma originária do futuro (11): todas elas seriam criações intempestivas. Monumental, tradicional e crítico seriam, por conseguinte, três usos da história por parte da "vida", seriam possibilidades do próprio tempo, algo muito distinto da sua redução a um suceder objectivo, homogéneo, vazio.

Segundo o diagnóstico da "doença histórica" que é feito por Nietzsche nesta obra, todos estes usos da história encerram perigos, doenças: na medida em que seja a história a usar a "vida", na medida em que seja o tempo a determinar a "vida". E um dos remédios que Nietzsche apresenta para combater a doença histórica passa pela transformação da história em obra de arte (12), o que parece indicar-nos um ponto de apoio para a escrita da história a partir da figura do trabalhador. Jünger salienta que a história não engendra figuras — pelo contrário, ela é transformada pela figura. Daí a necessidade de se escrever uma nova história a partir da figura do trabalhador: "Une Figure est, et aucune évolution ne l'accroit ni ne la diminue.(...) De même que la Figure de l'homme précédait sa naissance et survivra à sa mort, une Figure est, au plus profond d'elle-même, indépendente du temps et des circonstances dont elle semble naître. Les moyens dont elle dispose sont supérieurs, sa fécondité est immédiate. L'histoire <Geschichte> n'engendre pas de Figures, elle se transforme au contraire avec la Figure. Elle est la tradition qu'une puissance victorieuse se forge à elle-même. Ainsi les familles romaines faisaient-elles remonter leur origine jusqu'aux demi-dieux; ainsi faudra-t-il également écrire une nouvelle histoire à partir de la Figure du Travailleur."(T116-117/A89)

Uma das conclusões a retirar da Segunda Intempestiva é que a acção do presente, Unzeitgemässig, não pode ser compreendida por uma razão histórica. A acção e a decisão seriam absolutamente inconcebíveis e não poderiam ser explicadas historicamente. O acto novo, o acto criador, não pode, por conseguinte, ser percebido nem pelo acto passado nem por uma suposta ordem supra-temporal (o processo, a linha contínua) — é uma acto que pode ser silencioso, e que, quando por vezes faz algum barulho, não é ouvido por muitos. Reconhecer que a origem da cultura histórica é histórica, seria então, para Nietzsche "(...) o imperativo do espírito dos "tempos novos", se é que eles têm algo de novo, de poderoso, de vital, de original. (13)"

Se este reconhecimento implicar a escrita de uma nova história, talvez a "reescrita do mito", expressão com que Molinuevo designa a apresentação da figura do trabalhador que é feita por Jünger, seja a escrita que corresponda a essa apresentação. Segundo Molinuevo, a "reescrita do mito" corresponde a um "discurso estético da história" que seria uma resposta à crise da historiografia do século XIX: "ou remediar as lacunas com novos dados recriando o passado, ou criando-o de novo. Nesta última opção se insere o discurso estético da história. (14)" Este discurso assentaria numa "estética do originário", a qual "parte da descoberta de que não existe o homem, e que essa palavra é só a roupagem vazia de uma fantasia ilustrada", o emprego da palavra 'homem' referir-se-ia "não aos seres humanos, mas antes às formas, às forças, da natureza. (15)" A "reescrita do mito" requerida pelos "tempos novos", ou pela neue Wirklichkeit, não se apresentaria aqui, no projecto de Jünger, como um prolongamento romântico em que o mito seria considerado como um refúgio mais doce — e tal como o futuro não seria apenas um espaço livre a preencher: "Ce qui demeure, c'est la vie élémentaire et ses motifs, mais la langue où elle se traduit change constament, et constament aussi change la distribution des rôles où se répète le grand jeu. Les héros, les croyants et les amants ne meurent pas: on les redécouvre à chaque nouvelle époque, et en ce sens le mythe ressurgit à chaque âge."(T129/A100-101) Deste modo, o mito não pode ser um recurso da história, bem como a luz que ilumina a figura não tem correspondência numa experiência histórica — mas numa experiência interior: "Sur la nouvelle scène, la lumière devient plus forte qu'elle n'a jamais brillé pour un changement de Figure, aussi loin que remonte le souvenir. Ce n'est pas l'expérience historique mais seulement l'expérience intérieure qui lui est conforme. Lorsque la pensée rétrograde dans l'histoire et dans le mythe comme dans un milieu doux ou comme dans des niches à demi obscures, c'est qu'elle ne s'est pas assez émancipée. Dans les crises, on conjure les héros, on montre les reliques, mais il n'en vient plus aucune réponse.(16)" É a experiência de um saber mais fundo: "O saber interior passou pela ameba, pela serpente, pelo sáurio; já se tinha apoderado da Lua, muito antes de aí abordar uma nave espacial. É nele que assenta a experiência, tanto da história universal como das evoluções geológicas — não apenas dos circuitos no tempo, mas das expedições fora do tempo. Muitos dos conhecimentos que tomaram forma tanto nas religiões como no mito não puderam ser "adquiridos" de outra maneira. (17)"

É à luz desta "experiência interior" e deste "saber interior" que se podem compreender as referências que são feitas às ruínas em Der Arbeiter. As ruínas do presente podem adquirir outro significado, pode-se supor uma poderosa unidade na paisagem de andaimes, tal como, também mediante essa outra consideração do tempo, as ruínas do passado podem adquirir uma significação diferente daquela que lhes é conferida pela actividade de museu <museale Tätigkeit> e pelo fetichismo histórico, actividade histórica que é designada por Nietzsche como história tradicional. A actividade de museu atem-se às réplicas <Abbildern>, às imagens segundas, sem considerar as imagens originárias <Urbildes>. Ela tece um véu <Schleier> que é lançado simultaneamente sobre o passado e sobre o presente: "les modifications importantes et secrètes sont masquées para elle comme pour un voile formel."(T252/A216) Mas as ruínas são testemunhos e não relíquias, testemunhos de uma obra à qual foi votado um trabalho anónimo e da qual a figura desapareceu: "Les symboles anciens reproduisent l'image seconde d'une force dont l'image originelle, dont la Figure a disparu."(Id.) E esta figura não pode ser restaurada pela "conservação", a conservação é mesmo a mais refinada profanação dessa imagem originária. Procede-se a um empalhamento, uma secagem dos símbolos por intermédio da qual o simbolismo da ruína se volve em objecto — para todos os usos, inclusivamente para a "crítica do tempo (18)". As ruínas, porém, são testemunho da vulnerabilidade do homem e ao mesmo tempo da sua ligação a potências superiores, são o símbolo de uma unidade superior, originária, ao ponto de a mais alta significação da obra ser dada, precisamente, pela ruína: "(...) l'esprit n'est jamais plus clairement touché par la signification de l'oeuvre qu'à la vue des ruines qui nous sont restées en témoignage d'ensembles vitaux engloutis.(...) D'une certaine manière, il semble qu'un très lointain écho de ces époques disparues habite le silence qui pèse sur leurs symboles en ruine, de même que le bruissement de la mer résonne dans les coquillages vides que le ressac a jetés sur la plage.(...) Elles sont le symbole de cette unité si profonde de la vie que le jour ne dévoile que rarement."(T95/A68-69)

As ruínas do passado, imagens daquilo que o tempo destruiu, são no entanto imagens de uma destruição sossegada, que estamos prontos a aceitar porque se confia numa unidade de que elas fazem parte e de que são necessárias. Mais difícil é manter essa aceitação no que diz respeito às ruínas da paisagem de andaimes. A destruição que é aí visível corresponderia à destruição das formas históricas — e talvez o termo "desfiguração" não seja o mais apropriado para designar esse processo. Jünger refere que na grande passagem há destruição das formas segundo um princípio que só é comparável a si próprio e que está presente em toda a parte, destruições que seriam "resvalamentos de terra no interior do ser (19)": "Do mesmo modo que o fogo terrestre está presente em toda a parte e não só nos vulcões, existe no tempo um elemento intemporal. (20)"

No caso das destruições da paisagem de andaimes, elas teriam que ser consideradas a partir deste elemento intemporal, donde surgiriam como "preliminares": "Il faut se tenir là où la destruction ne se conçoit pas comme point final mais comme préliminaire. Il faut voir que l'avenir peut intervenir dans le passé et le présent."(T127/A98) Mas o que nessas destruições surge como novidade tem a haver com a mobilização total da técnica e que é protagonizada pelo facto de a destruição estar agora na mão do homem, depender da sua decisão, poder ser total, "même si cette possibilité se déroule seulement dans l'imagination humaine (21)" — isso constitui um dos sinais da saída para fora do espaço histórico (22). A "catástrofe" desempenharia um papel no mundo, afinal sempre o mesmo: "Elle est non seulement le signe que l'ordre est troublé; elle est le signe, encore, qu'il veut se rétablir (22)" — "Par elle, non seulement quelque chose est perdu, mais aussi quelque chose est gagné, son action dans certains domaines produit un vide, en d'autres une densité accrue. (23)" A catástrofe, as catástrofes parciais que se sucedem no século XX e a catástrofe total — possível — seria o sinal da entrada numa constelação nova: "Já não se trata aqui de assinalar qualidades e formas ligadas a um estilo. Surgem novos campos de referência — não já no interior de sistemas dados, mas sim como constitutivos de sistemas. (24)" — Trata-se de saber "si nous ne sommes pas pris dans un rapport originel <Urverhältnisse> nouveau et particulier dont la réalité n'a pas encore réussi à s'exprimer au niveau du phénomène."(T252/A217)

Uma questão que aqui se põe é a de saber se esta grande passagem associada a uma figura implica uma destruição de outra ou outras figuras, aquilo a que se chamaria uma "desfiguração". Talvez não possamos falar em destruição ao nível da figura, havendo que confinar a destruição apenas àqu ilo que é visível nas formas. Não há destruição no seio do Inseparado. Em relação às figuras talvez se deva falar em sobreposição. Uma figura, embora ameaçadora e violenta, como a potência da natureza e da vida, não trará como resultado a morte de outra figura: sobrepõe-se-lhe em determinação sobre os fenómenos, o que não significa maior "valor" — "(...) la signification d'un nouveau principe n'est pas a rechercher, par exemple, dans le fait qu'il élèvait la vie à un niveau supérieur. Elle tient plutôt a son altérité de nature contraignante."(T124/95-96) Isso não implicaria a destruição de outras figuras no seu reduto estático, mas a destruição do seu poder sobre os fenómenos. A bonança que se segue à tempestade não faz com que acabe a figura da tempestade nem que acabe o poder desta enquanto figura. E vice versa. Também não se pode dizer da figura do cavaleiro que, em relação à figura do trabalhador, não existe, ou que tenha menos valor — "De même que la vie chevaleresque s'exprimait dans le fait que chaque détail de l'attitude devant la vie s'appuyait sur un sens chevaleresque, de même la vie du Travailleur est autonome, expression de lui-même et par là Domination(...)"(T100/A74) A figura do cavaleiro existe, existe enquanto figura, foi e é esse o seu poder — o mesmo, precisamente, que o da figura do trabalhador. " 'A mónada não tem janelas' — isto quer dizer: em última análise não há qualquer intercâmbio, unicamente ser maciço. Afinidade, tal como nós a apreendemos no tipo e na figura, é identidade que se ramifica no interior do tempo"(TNG, § 130).

E num passo de Typus.Name.Gestalt onde Jünger convoca Baudelaire, ele dá a entender que aqui o progresso é de outro género: "Arromba-se uma porta para deixar entrar ar puro, enquanto as janelas já estavam rasgadas. "Neo" e "Novo" são a maior parte das vezes palavras diferentes para "antigo".(...) "Por progresso entendo o progredir da matéria„. A frase procede de Baudelaire que possuía para os sombreados do declínio não só um ouvido afinado como um olho penetrante(...). Em tais máximas dá-se a entender mais do que aquele que as exprime suporia."(TNG, §§51-52)

 

Notas:

1. Drogas, Embriaguez e Outros Temas, ob. cit., p.267.

2. Ob. cit., p.21.

3. Drogas, Embriaguez e Outros Temas, pp.309-310.

4. José Luis Molinuevo, La Estética de lo Originario en Jünger, Editorial Tecnos/col.Metropolis, Madrid, 1994, p.103.

5. Friedrich Nietzsche, Considerações Intempestivas, trad. Lemos de Azevedo, Presença, Lisboa, 1976, p.155. (Or. Unzeitgemässe Betrachtungen II.) Foi utilizada também a versão francesa de Pierre Rusch, Oeuvres Philosophiques Complètes II *, "Considérations Inactuelles I e II, Gallimard, Paris, 1990.

6. Giorgio Agamben, "Temps et histoire", in Enfance et Histoire, trad. Yves Hersant, Payot, Paris, 1989, p.126.

7. Ob. cit., p.117.

8. Id., p. 120.

9. Friedrich Nietzsche, ob. cit., p.203.

10. Vj. a este propósito Juan Luís Vermal, La Crítica de la Metafísica en Nietzsche, Anthropos, Barcelona, 1987, pp.25-44.

11. "(...) é só quando a história pode ser transformada em obra de arte, portanto em pura criação da arte, que ela pode conservar e até despertar instintos." Ob. cit., p.164.

12. Id., p.175.

13. Ob. cit., p.95.

14. Id., p.17.

15. Maxima-minima, p.49.

16. Drogas, Embriaguez e Outros Temas, p.273.

17. "(...) la critique du temps consiste à se constituer une base de réalisations historiques pour aborder le présent à partir d'elle. Ce procédé semble évident; il est cependant lié au présupposé selon lequel il existe une unité continue des temps, et donc de ce passé particulier, car sans cela, une unité de critère de mesure est impensable."(T250/A215)

18. Drogas, Embriaguez e Outros Temas, p.262.

19. Id., p.307.

20. Le Mur du Temps, ob. cit., p.173.

21. Id., id.

22. Id., id.

23. Id., p.181.

24. Dorgas, Embriaguez e Outros Temas, p.263.