Instabilidade vs. Complexidade na Mudança

Maria João Anastácio Centeno, Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa

 

Os profissionais da comunicação organizacional são a consciência e o agente de mudança da organização. Trabalham de dentro para resistir às injustiças feitas aos colaboradores e à sociedade. São activistas organizacionais, na medida em que activam a mudança nas organizações e na sociedade.
São eles que desmistificam a organização e as suas práticas e transformam-na numa instituição socialmente responsável perante todos os seus públicos. Esta organização, dita democrática, comunica de forma aberta com os públicos e está preparada para a mudança. Ao ser socialmente responsável, a organização beneficia os públicos sem esperar nada em troca.
Entender a relação entre a organização e os seus públicos desta forma é abrir o terreno à discórdia e à promoção do debate sem forçar o consenso e ao mesmo tempo criar as condições para a mudança. Procurar o consenso implicaria procurar um acordo injusto em que o mais poderoso, normalmente as organizações, sai vencedor.
A noção de diferendo de Lyotard pode ser utilizada para ilustrar a relação que se desenvolve entre organização e públicos. Uma discussão que acontece no quadro de referência de uma só parte não pode ser resolvida justamente para ambas as partes porque as regras usadas na resolução são incompatíveis.
"O consenso é impossível porque o diferendo é uma barreira aos esforços que tentam resolver as diferenças e explicar os acontecimentos." (Holtzhausen, 2000: 107)
O profissional de comunicação tem como missão alertar as partes envolvidas no conflito para a profundidade desse mesmo conflito e incentivá-las a testemunhar a incapacidade de resolver o diferendo. Os diferentes pontos de vista têm oportunidade de ser apresentados e aceites, o que configura uma situação em que é possível ser-se diferente e poder representar alguma coisa fora do sistema.
Os profissionais não têm que lutar pelo consenso, mas antes identificar os tensores entre a organização e os seus públicos. Ao proceder a esta identificação estão a ser criadas situações em que se produz um novo significado através da diferença e da oposição. Em vez de pairar no ar a impressão de que se alcançou o consenso, as partes envolvidas admitem que o resultado é claramente injusto para uma delas, que se revelou menos poderosa.
Ao assumir a impossibilidade do consenso, os profissionais estão a reconhecer e respeitar as diferenças, quer por parte da organização, quer por parte dos públicos. O que lhes permite encorajar as partes a mudar e liberta as pessoas para discordarem em situações que lhes parecem injustas, em vez de se comprometerem num falso consenso.
A teoria da complexidade , por seu lado, vem retirar o carácter consciente e racional às decisões tomadas pelas partes envolvidas na relação. Elas adaptam-se às situações à medida que vão acontecendo. "As decisões são tomadas repetidamente, desenhando um padrão de relacionamento, tanto pelo instinto, como pela estratégia ou autoconsciência." (Murphy, 2000: 451) Deste processo complexo pode emergir um estado estacionário em que as exigências de ambos os lados atingem um equilíbrio, comparável com o equilíbrio permeável à mudança da teoria simétrica.
A emergência deste equilíbrio temporário resulta mais de formas de adaptação local do que da realização de uma estratégia de longo prazo consciente.
Na medida em que a teoria da complexidade estuda interacções, a unidade de análise não contempla indivíduos ou variáveis simples, mas a interacção simultânea de múltiplas variáveis, especialmente o nível de mudança entre a organização e os seus públicos.
O ritmo vertiginoso da mudança é cada vez mais difícil de controlar, até porque as pessoas formam e saiem dos grupos consoante as necessidades sentidas num preciso momento. Toda esta situação torna difícil montar canais de comunicação permanentes e construir relações que levem a uma verdadeira compreensão e mudança mútuas. As pessoas não estão inclinadas a manter relações permanentes com um grupo. Tendem, isso sim, a criar relações curtas com um número de grupos que se identificam naquele momento com as suas preocupações.
A máxima de que a organização tem quase sempre mais poder do que os públicos está definitivamente posta em causa. Definir público como um grupo de pessoas que tem um interesse comum com uma organização é limitativo, na medida em que se assume que os públicos existem e têm importância somente como resposta a uma organização. Se os públicos só reagissem ao comportamento organizacional, nenhuma simetria, nenhum equilíbrio nos resultados seria possível. Se os públicos só reagissem, eles estariam sempre um passo atrás das organizações numa posição de desigualdade.
O profissional de comunicação não pode esquecer que a interpretação das mensagens usadas depende daqueles que as recebem. O significado é criado aquém da intenção do emissor e da estrutura da linguagem. "O significado da mensagem não é o que o emissor pretendia, nem alguma coisa dentro da mensagem, mas o que realmente acontece na mente de quem interpreta." (Botan e Soto, 1998: 35)
Os públicos não se limitam a reagir, são eles próprios "comunidades interpretativas".
A teoria simétrica defende um processo dialógico e de colaboração entre a organização e os seus públicos que levaria a uma compreensão melhorada, à resolução do confilto e à construção de um equilíbrio permeável à mudança.
As relações da organização com os públicos são tidas como equilibradas - relações em que ambas as partes ajustam o seu comportamento e os seus interesses aos do outro, através de uma negociação facilitadora do diálogo.
Esta simetria tem sido discutida em termos de consenso, no entanto, ao elevar o processo de colaboração que ocorre entre a organização e os seus públicos ultrapassa-se a noção relativa de consenso enquanto um fim em si mesmo.
Quando as organizações colaboram, atingem os seus objectivos mais facilmente e desenvolvem a reputação de serem organizações moral e socialmente responsáveis.
Os profissionais de comunicação dentro dessas organizações têm que saber ouvir, bem como argumentar. "Têm que recordar a si próprios e ao 'management' que a organização pode não ter razão e talvez seja melhor ouvir os seus públicos" (Grunig, 2000: 34), fortalecendo as relações comunitárias.
Esta perspectiva de dar primazia à opinião dos públicos vem reforçar a ideia de que a ambas as partes é possível expor e afirmar os seus interesses e ideias e de que desta diferença pode surgir um laço, uma relação forte e intensa. Se por um lado é importante criar relações, a verdadeira arte está em mantê-las!

Referências bibliográficas:

- BERGER, Bruce K. (1999) - The Halcion Affair: Public Relations and the Construction of Ideological World View, Journal of Public Relations Research, vol. 11, nº 3, pp. 185 - 203.
- BOTAN, Carl H./SOTO, Francisco (1998) - A Semiotic Approach to the Internal Functioning of Publics: Implications for Strategic Communication and Public Relations, Public Relations Review, vol. 24, nº 1, pp. 21-44.
- GRUNIG, James E. (2000) - Collectivism, Collaboration, and Societal Corporatism as Core Professional Values in Public Relations, Journal of Public Relations Research, vol.12, nº 1, pp. 23 - 48.
- HOLTZHAUSEN, Derina R. (2000) - Postmodern Values in Public Relations, Journal of Public Relations Research, vol. 12, nº 1, pp. 93 - 114.
- MURPHY, Priscilla (2000) - Symmetry, Contingency, Complexity: Accommodating Uncertainty in Public Relations Theory, Public Relations Review, vol. 26, nº 4, pp. 447 - 462.
- VASQUEZ, Gabriel M. (1996) - Public Relations as Negotiation: an Issue Development Perspective, Journal of Public Relations Research, vol. 8, nº 1, pp. 57 - 77.