WEBJORNALISMO
Considerações gerais sobre jornalismo na web

João Canavilhas
Universidade da Beira Interior - Portugal


Comunicação apresentada no I Congresso Ibérico de Comunicação

 

Resumo

O aparecimento de novos meios de comunicação social introduziu novas rotinas e novas linguagens jornalísticas. O jornalismo escrito, o jornalismo radiofónico e o jornalismo televisivo utilizam linguagens adaptadas às características do respectivo meio.
Com o aparecimento da internet verificou-se uma rápida migração dos mass media existentes para o novo meio sem que, no entanto, se tenha verificado qualquer alteração na linguagem. O chamado "jornalismo online" não é mais do que uma simples transposição dos velhos jornalismos escrito, radiofónico e televisivo para um novo meio.
Mas o jornalismo na web pode ser muito mais do que o actual jornalismo online. Com base na convergência entre texto, som e imagem em movimento, o webjornalismo pode explorar todas as potencialidades que a internet oferece, oferecendo um produto completamente novo: a webnotícia.
Este artigo pretende identificar potencialidades do webjornalismo a partir de uma aproximação às linguagens utilizadas pelos actuais meios: jornal, rádio e televisão.


Introdução

Marshall McLuhan afirmava que o conteúdo de qualquer medium é sempre o antigo medium que foi substituído. A internet não foi excepção. Devido a questões técnicas, (baixa velocidade na rede e interfaces textuais), a internet começou por distribuir os conteúdos do meio substituído - o jornal. Só mais tarde a rádio e a televisão aderiram ao novo meio, mas também nestes casos se limitaram a transpor para a internet os conteúdos já disponibilizados no seu suporte natural. As emissões das rádios e dos telejornais na internet são tudo o que se pode encontrar actualmente. E apesar do inquestionável interesse da difusão destes conteúdos à escala global, é um completo desperdício tentar reduzir o novo meio a um simples canal de distribuição dos conteúdos já existentes. Olhar para o actual jornalismo online é algo semelhante a imaginar a transmissão de um telejornal onde alguém lê simplesmente um jornal frente a uma câmara.
Afirmar-se que "a rádio diz, a televisão mostra e o jornal explica" não é mais do que constatar que cada meio tem as suas próprias narrativa e linguagem. E a ser assim, a internet, por força de poder utilizar texto, som e imagem em movimento, terá também uma linguagem própria, baseada nas potencialidades do hipertexto e construída em torno de alguns dos conteúdos produzidos pelos meios existentes.
"De certa forma, o conceito de jornalismo encontra-se relacionado com o suporte técnico e com o meio que permite a difusão das notícias. Daí derivam conceitos como jornalismo impresso, telejornalismo e radiojornalismo." [MURAD 1999]
É, pois, com naturalidade que se introduz agora o conceito de webjornalismo e não de jornalismo online.
Se, para o jornalista, a introdução de diferentes elementos multimédia altera todo o processo de produção noticiosa, para o leitor é a forma de ler que muda radicalmente. Perante um obstáculo evidente, o hábito de uma prática de uma leitura linear, o jornalista tem de encontrar a melhor forma de levar o leitor a quebrar as regras de recepção que lhe foram impostas pelos meios existentes. O grande desafio feito ao webjornalismo é a procura de uma "linguagem amiga" que imponha a webnotícia, uma notícia mais adaptada às exigências de um público que exige maior rigor e objectividade.
Apesar de todas estas mudanças, o presente artigo visa apenas analisar os conteúdos a partir da exploração das potencialidades do continente. Pretende-se explorar a integração de elementos multimédia no jornalismo e, por consequência, tentar identificar algumas características de uma nova narrativa jornalística adaptada ao novo meio.


1. Texto e Interactividade
1.1 Interactividade

A máxima "nós escrevemos, vocês lêem" pertence ao passado. Numa sociedade com acesso a múltiplas fontes de informação e com crescente espírito crítico, a possibilidade de interacção directa com o produtor de notícias ou opiniões é um forte trunfo a explorar pelo webjornalismo. Num jornal tradicional o leitor que discorda de uma determinada ideia veiculada pelo jornalista limita-se a enviar uma carta para o jornal e a aguardar a sua publicação numa edição seguinte, tendo habitualmente que invocar a Lei de Imprensa para o conseguir. Por vezes a carta só é publicada dias depois e perde completamente a actualidade. Outras vezes o jornalista não responde, ou fá-lo de forma a encerrar a discussão, fechando a porta a réplicas.
No webjornal a relação pode ser imediata. A própria natureza do meio permite que o webleitor interaja no imediato. Para que tal seja possível o jornalista deve assinar a peça com o seu endereço electrónico.Dependendo do tema, as notícias devem incluir um "faça o seu comentário" de forma a poder funcionar como um fórum. No webjornalismo a notícia deve ser encarada como o princípio de algo e não um fim em si própria. Deve funcionar apenas como o "tiro de partida" para uma discussão com os leitores. Para além da introdução de diferentes pontos de vista enriquecer a notícia, um maior número de comentários corresponde a um maior número de visitas, o que é apreciado pelos leitores.

Uma pesquisa realizada pelo Media Effects Research Laboratory revela que há uma espécie de "efeito multidão" que conduz os leitores para notícias que registam grande número de visitas. Na experiência realizada, os participantes foram convidados a ler notícias seleccionadas por um editor de notícias de um jornal, por um computador (escolha aleatória) e por outros intervenientes no estudo. Convidados a classificar os conteúdos das notícias analisadas quanto à confiabilidade/credibilidade, os participantes valorizaram em primeiro lugar as notícias seleccionadas pelos outros utilizadores. Shyam Sundar, um dos responsáveis por este estudo, conclui que os leitores acreditam que a um grande número de visitas corresponde uma notícia importante. [SUNDAR e NASS 1992] Este dado, revelado pela possibilidade de interactividade, é importante na hora da selecção das notícias.
Entre as muitas conclusões do estudo realizado pelo Media Effects Research Laboratory, saliente-se igualmente o facto dos leitores considerarem que o recurso à interactividade e a elementos adicionais (vídeo, som, fóruns, etc) alteram para melhor a percepção do utilizador acerca do conteúdo, mesmo que esses elementos não sejam muito usados.

1.2 Texto e Hipertexto

O estudo referido no parágrafo anterior revela ainda que os utilizadores preferem navegar livremente num texto separado em blocos a seguir obrigatoriamente a leitura de um texto compacto escrito seguindo as regras da pirâmide invertida. A possibilidade de conduzir a própria leitura revela uma tendência do utilizador para assumir um papel proactivo na notícia, ainda que apenas por força do estabelecimento da sua própria pirâmide invertida. Este dado é importante, pois como é sabido, a técnica da pirâmide invertida é a base do jornalismo escrito.
No webjornalismo não faz qualquer sentido utilizar uma pirâmide, mas sim um conjunto de pequenos textos hiperligados entre si. Um primeiro texto introduz o essencial da notícia estando os restantes blocos de informação disponíveis por hiperligação.
Um estudo efectuado por Jacob Nielsen e John Morkes revela que a esmagadora maioria das pessoas que navegam na internet (79%) não lê as notícias palavra por palavra, limitando-se a fazer uma leitura por varrimento visual (scan the page) à procura de palavras ou frases.
Estes dados levam Jakob Nielsen a sugerir aos webjornalistas a utilização de "texto esquadrinhável" (scannable text), usando para isso algumas regras:
a) Destacar palavras-chave através de hiperligações ou cores, por exemplo;
b) Utilização de subtítulos;
c) Exprimir uma ideia por parágrafo;
d) Ser conciso;
e) Usar listas sempre que a notícia o permita. [NIELSEN e MORKES, 1997]
Desta forma, tenta-se conduzir o leitor num texto que, muitas vezes, se pode tornar de difícil leitura dada a profusão de elementos multimédia e links que lhe estão associados.

1.3 Leitura não-linear

Aparentemente, a integração de elementos multimédia na notícia obriga a uma leitura não-linear. Se em termos físicos isto é verdade, já não o é em termos mentais.
"Se por um lado a leitura de um texto implica um trabalho específico de imaginação, por outro lado, a percepção das imagens não prescinde da capacidade de elaboração de um discurso." [RODRIGUES 1999; 122]
Quer isto dizer que perante um texto ou imagem se verifica imediatamente uma associação mental entre os dois campos. Assim, a disponibilização de um complemento informativo permite ao indivíduo recorrer a ele sem que isso provoque alterações no esquema mental de percepção da notícia. Esta estrutura narrativa exige uma maior concentração do utilizador na notícia, mas esse é precisamente o objectivo do webjornalismo: um jornalismo participado por via da interacção entre emissor e receptor.

2.Som

A utilização do som consome largura de banda, mas, indubitavelmente, acrescenta credibilidade e objectividade à notícia. E se no campo do texto, o webjornalismo vai buscar algumas das características ao jornal impresso, no caso do som é a rádio a fornecer algumas das suas especificidades.
"A rádio está na posse, não só do maior estímulo que o Homem conhece, a música, a harmonia e o ritmo, como também é capaz de oferecer uma descrição da realidade através de ruídos e com o maior e mais abstracto meio de divulgação de que o Homem é dono: a palavra." [ARNHEIM 1980; 16]
Neste caso falamos da "palavra dita" e não da "palavra escrita".
A Guerra dos Mundos é um bom exemplo das potencialidades da linguagem radiofónica. A palavra, o ruído e o silêncio combinados permitem criar ambientes e imagens sonoras. O jornal jamais poderia causar um efeito semelhante sobre os leitores e a televisão só com recurso a meios de produção caros poderia obter igual resultado.
A base da linguagem radiofónica começou por ser a palavra escrita, herança da imprensa escrita, para se tornar em palavra dita, embora assente numa lógica textual. Mas o jornalismo radiofónico só ganha características próprias quando os enunciados assumem um sentido intertextual e polifónico: a notícia tem a voz do jornalista, mas também a de eventuais intervenientes no conteúdo da notícia que, desta forma, confirmam o texto.
Umberto Eco defende que o texto é "uma sucessão de formas significantes que esperam ser preenchidas (...)" [ECO 1982; 2] Este preenchimento é quase sempre efectuado com outros textos. Pierce chama-lhes os "interpretantes" do primeiro texto. É justamente o que se verifica na linguagem radiofónica. Estes "outros textos" são o chamado RM (registo magnético) ou RD (registo digital), que "interpretam" a palavra dita pelo jornalista.
São estes "interpretantes", sob a forma de sons, que o webjornal pode ir buscar ao jornalismo radiofónico. Mais do que citar, o webjornal pode oferecer o som original do citado, caminhando assim para um jornalismo mais objectivo.

3.Vídeo

A imagem colhida no local do acontecimento é outro recurso multimédia passível de ser utilizado na webnotícia. Mais do que a cor da palavra, a verdade da imagem recolhida no local empresta à notícia uma veracidade e objectividade maior do que a simples descrição do acontecimento. "Uma imagem vale mais que 1000 palavras" e por isso a introdução do vídeo na notícia só enriquece o produto final.
No entanto, há grandes diferenças entre o papel desempenhado pelo vídeo no jornal televisivo e no webjornal.
Na televisão, o texto da notícia (voz-off) deve ser totalmente pleonástico com a imagem. Quer isto dizer que não se deve verificar nenhuma concorrência semântica entre estes dois elementos da informação. Texto e imagem são um só produto e não têm significado quando separados.
"Em certas condições de coerência, a imagem tem estrutura de um texto autónomo. A imagem, em geral, pode ser legível e compreensível sem necessidade de uma legenda ou um texto escrito cuja função é contextualizadora. Mas no caso da imagem informativa, é evidente que esta desperta curiosidade e incerteza e, por isso, o espectador/leitor recorre ao comentário verbal.(...) Toda a representação da imagem informativa se constrói em torno de um discurso retórico com as suas próprias regras de funcionamento (mostrar a causa a partir do efeito, mostrar a parte pelo todo, produzir redundância em detrimento da quantidade de informação semântica)."[VILCHES 1985; 175]
Em lugar da redundância, o vídeo assume no webjornal um carácter legitimador da informação veiculada no texto.
Outra diferença pode ser encontrada no papel da imagem vista a partir das condições técnicas. "A imagem televisiva é um excelente vector da emoção (a afectividade, a violência, os sentimentos, as sensações) (...)" [JESPERS 1998; 72]
No webjornal este "vector de emoção" perde-se em função da dimensão da imagem. O facto de a janela de vídeo ter dimensões reduzidas, devido à pouca largura de banda, faz com que a emoção se dilua, não perdendo, no entanto, o papel legitimador antes referido.

5. Conclusão

"Cada meio fomenta o desenvolvimento de capacidades específicas, mas estas só se aplicam ao próprio meio." [SALOMON 1879]
A televisão, tal como a rádio e o jornal, fomentaram no receptor capacidades para a apreensão das suas linguagens. A internet, neste caso o webjornalismo, terá de fazer o mesmo. Mas não basta juntar à notícia um conjunto de novos elementos multimédia, pois esse acto pode apenas criar redundância e até mesmo ruído.
"A possibilidade de uma leitura multilinear, transformando os dados espaciais e temporais da produção e da exploração da informação, (...) [permite] saltar de um documento a outro e fazer tanto a leitura linear clássica como um percurso individual." [MURAD 1999]
A introdução de novos elementos não-textuais permite ao leitor explorar a notícia de uma forma pessoal, mas obriga o jornalista a produzi-la segundo um guião de navegação análogo ao que é preparado para outro documento multimédia. O jornalista passa a ser um produtor de conteúdos multimédia de cariz jornalístico - webjornalista. Por sua vez, o utilizador do serviço não pode ser identificado apenas como leitor, telespectador ou ouvinte já que a webnotícia integra elementos multimédia, exigindo uma "leitura" multilinear.
A utilização destes recursos obedece a critérios directamente ligados com o conteúdo informativo e com as características daqueles elementos multimédia. O que se segue são alguns exemplos da sua possível integração na webnotícia.

Hiperligações - Utilização em textos extensos, ligando várias pirâmides invertidas da notícia, notícias anteriores em arquivo, bases de dados ou textos externos ao jornal. É recomendável que estas ligações abram em novas janelas de forma a manter o utilizador ligado ao webjornal.

 

Vídeo - Os materiais jornalísticos mais apropriados para acompanhar uma notícia são as declarações de intervenientes ou de especialistas nas matérias em questão. A utilização do vídeo impõe-se em situações de difícil descrição ou que exijam muito texto. Ideal para a utilização em notícias relacionadas com desporto.

 

Flash e 3D - Utilização em situações como catástrofes ou acidentes, em que não existe o registo vídeo da situação. Recorrendo a imagens de síntese é possível criar e/ou antecipar virtualmente as situações.

 

Flash e Gráficos - Aconselhado para notícias que contêm grandes quantidades de informação associadas a questões técnicas. Notícias de cariz económico, como as relacionadas com a Bolsa, podem tirar grande partido de gráficos.


Áudio
- Nem sempre é fácil citar nem descrever o estado emocional do entrevistado. Com o recurso a ficheiros áudio é possível transmitir a cor das palavras. O áudio poderá integrar a webnotícia enquanto elemento interpretante.

A incorporação do som na webnotícia permite ainda que a notícia "lida" possa ser disponibilizada numa secção do webjornal exclusivamente dedicada a invisuais. O www.webjornal.pt/inv pode ser uma listagem simples das notícias disponíveis. Ao passar o cursor sobre um título, é ouvida a leitura desse mesmo título.

 

Outros elementos

Para além dos elementos referidos, há ainda outros recursos importantes que podem ser utilizados pelo webjornal, tal como já fazem alguns jornais online.

1) Distribuição. O webjornal pode enviar para os assinantes (caixa de correio electrónico ou telemóvel) mensagens com os títulos e leads das notícias nas áreas escolhidas pelo utilizador. Este serviço poderá funcionar 24h/dia, acompanhando as actualizações do webjornal.
2) Personalização. Através de cookies ou de escolhas feitas pelo utilizador na hora da assinatura do serviço, o webjornal pode transformar-se num informativo pessoal que embora disponibilize a informação mais importante a cada momento, garanta uma primeira página onde se destaquem as áreas de interesse do utilizador.
3) Periodicidade. O webjornal não deverá ter periodicidade. A actualização é constante e os destaques de primeira página estão em constante mutação. Se os acontecimentos não têm periodicidade, as notícias também não. Por estar online, o webjornal está acessível à escala global, a utilizadores de diferentes fusos horários e, portanto, não se justifica acorrentar a cadência noticiosa ao ciclo biológico das pessoas que o utilizam.
4) Informações Úteis. O webjornal poderá disponibilizar informações para os utilizadores, como telefones úteis, classificados, etc.

7. Bibliografia

ARNHEIM, Rudolf. [1980] Estética Radiofónica, Gustavo Gili, Barcelona.
BALSEBRE, Armand. [1996] El Lenguage Radiofónico. Ed. Cátedra.
CASETTI, Francesco e DI CHIO, Federico. [1997] Análisi della televisione. Bompiani RCS Libri, Bolonia.
ECO, Umberto. [1982] "Beato de Liébana, o apocalipse e o milénio", in Cadernos do Norte, nº14.
JESPERS, Jean-Jacques. [1998] Jornalismo Televisivo. Minerva, Coimbra.
LANDOW, George P.. [1992] Hipertext. The convergence of contemporary critical theory and technology. Jihns Hopkins University Press.
LOCHARD, Guy e SOLAGES, Jean-Claude. [1998] La communication télévisuelle. Armand Colin.
MURAD, Angéle. [1999] "Oportunidades e desafios para o jornalismo na internet" in Ciberlegenda, nº 2.
NIELSEN, Jacob e MORKES, John. [1997] "How users read on the web" in http://www.zdnet.com/devhead/alertbox/9710a.html
OUTING, Steve. [s/d] "Writing for the web" in http://www.useit.com/paper/webwriting
RODRIGUES, Adriano Duarte. [1994] Comunicação e Cultura. Presença, Lisboa.
SALOMON, G.. [1879] Interaction of Media, Cognition and Learning.. Jossey-Bass, S. Francisco.
STANFORD POYNTER INSTITUTE. http://www.poynter.org/eyetrack2000
SUNDAR, S. S. e NASS, C. [1996] "Source Effects in Users' Perception of Online News" in http://www.psu.edu/dept/medialab, Media Effects Research Laboratory.
VILCHES, Lorenzo. [1984] La lectura de la imagen. Prensa, cine, televisión. Ed. Paidós, Barcelona.
VILCHES, Lorenzo. [1999] La televisión: los efectos del bien y del mal. Ed. Paidós, Barcelona.