A
UNIÃO EUROPEIA E OS MEDIA EM PORTUGAL
- OS CASOS DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS E DO PÚBLICO
Francisco Rui
Cádima, Universidade Nova de Lisboa
ÍNDICE
I.
Nota prévia
II. Os media
portugueses e a construção europeia - o caso do Público
III. Quando o
institucional é submetido ao factual
IV. A propósito da CIG de Turim - que estratégia de
comunicação para a União Europeia?
I.
Nota prévia (à edição apoiada pelo CECL)
A
partir de abordagens fragmentárias realizadas ao longo dos últimos anos fui
reflectindo sobre a forma como os principais matutinos de Lisboa tratavam a
matéria europeia. Trata-se de um conjunto de estudos no quadro dos relatórios
anuais da Fundesco (Fundación para el Desarrollo de la Función Social de las
Comunicaciones, de Madrid) em cooperação
com a Associação dos Jornalistas Europeus, publicados pela Fundesco, em Madrid,
em 1994, 1995 e 1996. Trata-se de um conjunto de edições que contaram com o
apoio da Comissão Europeia, da DGX, do Parlamento Europeu e da Secretaria de
Estado de Politica Exterior, de Espanha.
Nestes textos procuro fazer a
análise aplicada de uma forma de produzir matéria noticiosa sobre uma questão
central para o País, nem sempre assim vista pelos nossos técnicos do saber
prático. Apesar de tudo, e numa rápida síntese, configura-se uma evolução
positiva da imprensa portuguesa em análise, que se pode resumir no seguinte: de
um europessimismo por vezes militante passa-se para uma inquirição
tendencialmente crítica no tratamento dessa matéria. Sendo o processo de
distanciamento «europeísta» ainda um facto nas páginas da imprensa diária, e
sendo certo também que um «integracionismo» acrítico não serve a ninguém, longe estamos, no entanto, de uma
disponibilidade para informar de acordo com as exigências de transparência da
grande casa europeia.
Surgiu agora a
possibilidade de editar em português estes textos, que mantêm ainda a
actualidade resultante de uma visão restrospectiva em boa parte adequada à
informação que se continua a produzir nos media portugueses, neste fim de milénio,
sobre a questão europeia. Ao CECL (Centro de Estudos de Comunicação e
Linguagens) aqui ficam os meus agradecimentos pela concretização desta
iniciativa.
F.R.C.
II.
Os media portugueses e a construção europeia - o caso do Público
( * )
«A compreensão dos fenómenos
naturais e sociais (e de nós
próprio é,
em última análise, a condição da nossa segurança e
da nossa e
identidade; sobre ela repousa a nossa garantia de
liberdade.»
João Caraça
«Tenho
uma enorme preocupação pelo facto de a democracia
e o seu
funcionamento não ter em consideração as
consequências de que a nossa
civilização apareça totalmente
transcendida por uma dimensão que é a
dimensão mediática.»
Miguel Angel Martinez
1.
Europessimismo
De uma maneira
geral, parece-me que a imprensa e o campo dos media no seu conjunto, e em
particular o Público, o jornal por
nós estudado de forma mais aprofundada, têm uma atitude algo passiva, e por
vezes mesmo "europessimista", em relação à dinâmica da construção
europeia (relação que é mantida também pelos canais de TV, que em muitos
aspectos se limitam a seguir a estrutura de 'agenda' dos órgãos de comunicação
escritos).
A constatação
deste facto não constitui tanto uma crítica à prática jornalística neste âmbito
em específico, mas uma crítica mais generalizada às práticas e estratégias dos
jornalistas e do jornalismo e à função específica do campo dos media na
sociedade moderna neste final de século e à escala da "aldeia
global".
Quer isto dizer
que, do nosso ponto de vista, a imprensa - e os media - devem repensar a sua
função, e, nessa medida, também, a
estrutura tradicional da 'agenda-setting', as temáticas tradicionais, as
categorias de conteúdo, e o protagonismo da sociedade civil e dos
'opinion-makers'.
Mudando
necessária e radicalmente as estruturas de comunicação e as estratégias
mediáticas na esfera pública pós-moderna, teríamos o campo dos media com uma
função mais interveniente no espaço público e nas políticas de desenvolvimento
integrado, de tal forma que a crise de legitimação a que se assiste por parte
dos protagonistas do campo político - e nalguns casos do próprio sistema
democrático - seria reenquadrada por novas práticas políticas, mediáticas e por
um novo protagonismo público, que nos poderia conduzir mais rapidamente a uma
alternativa à democracia representativa em crise, com a emergência de uma
esfera social e política participada, onde o consenso fosse atingido não
através de modalidades impositivas criadas pelos 'acontecimentos' mediáticos,
mas sobretudo pela emergência de um novo decisionismo nascido no confronto de
ideias, no diferendo, e no reencontro da técnica do saber prático (o
jornalismo) com a opinião e o saber de experiência feito - ou seja, com os
actores sociais e os sujeitos singulares a que os media tradicionalmente não
dão a devida atenção, nem tão pouco o
acesso.
A questão é
fundamentalmente esta: os media devem deixar de procurar exclusivamente a
notícia como uma mercadoria. Devem, antes, fazer da informação uma
matéria-prima de valor estratégico. Quer dizer, quanto melhor forem tratadas as
temáticas estratégicas para o desenvolvimento das sociedades modernas, mais
rapidamente o campo mediático sobrevive à crise geral na qual está também
envolvido.
Infelizmente,
da análise por nós efectuada resulta um quadro global negativo da matéria
jornalística expressa (e das grandes ausências e alheamentos do processo em
si), ou pelo menos um quadro global "europessimista" - para a
experiência europeia no seu todo, ou tão só para a integração portuguesa no
contexto da Europa comunitária, como tentaremos mostrar neste texto.
2.
Macropolítica
Vamos procurar
dar um exemplo concreto do que acabamos de dizer com uma referência ao modo
como foi noticiado no Público o
alargamento da UE aos países nórdicos (Suécia, Finlândia e Noruega) e à
Áustria.
Após algumas
notícias em torno do tema, que vinham saindo de quando em vez ao longo do mês
de Fevereiro, a grande preocupação era aparentemente o acesso dos novos
candidatos aos fundos estruturais e as concessões da UE no plano agrícola. No
dia 9 de Fevereiro a temática era idêntica - "Doze fazem concessões mas
candidatos pedem mais". Na edição de 3 de Março de 1994, com chamada destacada à primeira página
("As Novas Fronteiras da União") a jornalista Teresa de Sousa dava o
mote, no seu "lead", para as duas peças da página 2 e 3 (uma crónica
jornalística sobre o decorrer das conversações, assinada por Isabel Arriaga e
Cunha, e a sua peça de enquadramento). Dizia o "lead" do artigo por
si assinado - "A Europa nunca mais será a mesma": «A Europa passará a ter fronteiras com a
Rússia e tornar-se-á vizinha da ex-Jugoslávia. Será mais
"livre-cambista" e menos proteccionista, mais rica, mas também muito
mais desigual. O seu centro de gravidade será mais a norte e mais ao centro e
os seus velhos equilíbrios mudarão. Sem saber exactamente para onde vai, a
União Europeia nunca mais será a mesma». O artigo é todo ele centrado na
análise macropolítica, na nova conjuntura geoestratégica, com contexto
retrospectivo e prospectiva. A jornalista interrompe depois a sua reflexão
sobre o futuro da nova Europa, para, aparentemente, colocar uma questão
relevante, objectiva: «Como harmonizar o
Norte com o Sul, os mais ricos com os mais pobres, os grandes com os pequenos?».
Uma questão que é, no fundo, todo um programa, e que bem poderia ser o
princípio de um interminável dossier nas páginas do Público. O tom geral prosseguia depois para concluir, em boa
redução da análise ao simplismo macropolítico e europessimista, que «a distância que separa, em termos
económicos, Portugal da Suécia aumentará a distância que nos separa das tão
almejadas médias comunitárias».
Macropolítica,
europessimismo, longas panorâmicas, 'travellings' e 'planos gerais' (para
utilizar termos da "ficção" mediática-europeísta), são a prática
corrente da matéria noticiosa sobre a construção europeia. E também as
"brancas", isto é, o esquecimento, o que não chega a ser noticiado, a
falta de acompanhamento constante das temáticas relativas à construção europeia
nos seus aspectos mais imediatos - o conhecimento e aplicação prática de
programas comuns.
Numa altura em
que a irrupção do acontecimento, na sua modalidade fragmentária, reaparece para
dar sentido à história (e às 'estórias' do quotidiano mediático), é certamente contraproducente insistir
prioritariamente, no plano "regional", nas estratégias e nas
perspectivas globalizantes, descurando as microanálises, os singularismos, o
saber-saber, o conhecimento, os acontecimentos pertinentes num sistema
integrado ao nível local, isto é, em cada Estado-membro, e designadamente nos
sectores onde se torna evidente o atraso em relação às potências mais
desenvolvidas da União Europeia.
Para sermos mais
claros, nestas duas peças acima citadas, a única referência a Portugal, para
além da citada, sublinhava que nenhum dos cenários orçamentais descritos, «modificará o montante que Portugal deverá
receber até 1999 por via dos fundos estruturais e de coesão». Ora, obter
fundos a qualquer preço, não é, definitivamente, boa estratégia. E, de facto,
pela imprensa portuguesa, parece que é essa, realmente, a estratégia do nosso
sistema político-mediático.
Referência
ainda para um dossier (obrigatório) sobre o tema do alargamento - "A
Comunidade mais ampla e a União mais longe", da correspondente em
Bruxelas, Isabel Arriaga e Cunha, no dia 26 de Fevereiro (pp. 32 e 33), que
neste caso em particular - o da macropolítica comunitária - é dado o
enquadramento global da questão. Mas mesmo em artigos sobre matérias
específicas - a reforma do sector vinícola comunitário, por exemplo (cf.
"Maus vinhos na UE", assinado pelo jornalista Manuel Carvalho, Público, 7 de Março de 1994) - a tendência
é para expôr a informação do ponto de vista do destinador - a Comissão e o
Parlamento Europeu -, sem serem ouvidas as organizações representativas dos
produtores nacionais, sem serem analisados os impactos desta mudança no
contexto nacional, etc. A Comissão e a UE, os procedimentos internos,
estratégia global, etc., aparecem assim, em geral, como as categorias que mais espaço ocupam nesta matéria, sendo
descurados os aspectos que dizem mais directamente respeito ao cidadão em geral
- os aspectos práticos - designadamente a informação pormenorizada sobre
programas e sua gestão aplicada ao caso português.
3.
Microanálise
Na sequência do
que acaba de ser dito, este campo - o das microanálises - é uma das
possibilidades realmente alternativas em relação à análise macropolítica. Um
bom exemplo são as peças "monográficas" da jornalista Lurdes Ferreira
publicadas no suplemento "Economia" do Público de 7 de Março "UE financia projectos de luta contra a
pobreza - O Custo da Sobrevivência" e "Apoios comunitários em dúvida
na Covilhã - A Europa Tão Longe das Aldeias de Montanha". Trata-se de
reportagens realizadas em comunidades do interior do país, na região da
Covilhã, apoiadas pelo programa Pobreza III. A jornalista aprofunda a forma
como foram detectadas mudanças positivas nessas comunidades após terem chegado
as primeiras verbas e terem sido lançados os projectos nas aldeias de montanha.
4.
Programas e Miragens
Pode dizer-se
que não foi feliz o trabalho do jornal Público
sobre a aprovação do Quadro Comunitário de Apoio (QCA) a Portugal, o primeiro a
ser assinado na UE. Uma chamada discreta à primeira página, de dia 1 de Março
de 1994, noticia "3500 milhões de contos até 1999". Na página 34 é
desenvolvida a notícia, por Lurdes Ferreira, como se se tratasse de uma notícia
de agência. Ficámos a saber que vamos receber muitos milhões da UE até 1999,
mas pouco mais se disse.
Antes (19/2/94,
pág. 7), soube-se em notícia de pé de página que o ministro "Valente de
Oliveira apresentou em Coimbra o QCA para a região Centro", com
"prioridade às grandes obras" - auto-estradas e hospitais. O mesmo
ministro era criticado, a propósito do mesmo tema, na mesma página, pelos
autarcas socialistas do Norte, em "Manifesto contra o centralismo". A 18/2/94 o jornal noticiava: "Governo
apresenta aos autarcas novo QCA" (1/4 de página) e a 17 de Fevereiro era a
apresentação no Nordeste, com as críticas dos socialistas ao QCA,
"secretista e burocrático".
Sobre o QCA
ficou uma quase total ignorância. Como caso pontual, o trabalho jornalístico do
Público sobre o Quadro Comunitário de
Apoio, representa, no fundo, em ponto pequeno, a estratégia da imprensa
portuguesa, em geral, face à integração
europeia e à complexidade dos seus problemas. Veja-se que numa "local",
com cerca de 2 mil caracteres ("Alentejo abre novo QCA"), este
programa operacional para Portugal era referido pelo Público (10 de Fevereiro de
1994), citando-se o ministro Valento de Oliveira, como um programa de «ambiciosos objectivos, que vão desde a valorização
da produção de qualidade, à dotação da região de infraestruturas e equipamentos
de acordo com a rede regional e à preservação de património, passando pela
melhoria das acessibilidades regionais e a garantia da qualidade do ambiente». Ora a questão é que perante um programa deste
âmbito, só uma editoria exclusiva sobre os problemas da Europa, os seus
programas, a análise, a sua implementação e o seu acompanhamento, pode, de
facto, seguir, como é necessário e imperioso, esses mesmos programas.
Miragem é ainda, de certo modo, a
referência ao lançamento do PEDIP 2, aquando da sua assinatura em Lisboa (Público, 21 de Abril), com uma descrição
dos montantes globais envolvidos, grandes áreas de actuação, mas sem qualquer
trabalho jornalístico de pormenor sobre o mesmo programa. A informação
portuguesa, de um modo geral, limitou-se a ouvir o ministro da Indústria e a
secretária de estado do Desenvolvimento Regional na conferência de imprensa de
apresentação do programa - e nada mais. Convém aqui ressalvar, no caso do Público, a publicação de um artigo de
opinião (21/4/94), de um industria têxtil, Pereira de Sousa, que formulava uma
crítica aos autores do PEDIP 2: «Ao
contrário do que pensam os autores do Programa (...) o problema central da
gestão das empresas não é a falta de estratégia, mas a falta de gestão do
quotidiano. (...) As medidas a tomar para obviar a esta situação passam
evidentemente por uma correcção profunda e urgente do comportamento
empresarial, porventura através de formação específica apoiada num sistema de
incentivos a atribuir às empresas cujos proprietários ou gestores, por exemplo,
frequentassem com aproveitamento acções sérias de formação na área da gestão
dos recursos humanos».
Em excelente
exemplo de como devem ser acompanhados os diferentes programas e projectos
comunitários é a entrevista monográfica de Carlos Pessoa a Michael Curtis (27
de Março), quadro do Serviço Político de Consumidores da UE, organismo
comunitário responsável pela concepção e aplicação das políticas de protecção e
segurança dos consumidores. Mas aqui é um pouco a excepção a fazer a regra.
4.
Bairrismos
Outro aspecto
que permite uma reflexão deriva dos regionalismos e por vezes mesmo
"bairrismos" no tratamento da matéria noticiosa. Trata-se aqui de
identificar problemáticas e dar "dignidade mediática" (por vezes com
manchete de primeira página), a assuntos que podem merecer adesão rápida por
parte do destinatário.
Veja-se o
exemplo das negociações para a entrada na UE da Noruega. O Público de 8 de Março de 1994 destaca para manchete da capa o
título "Lisboa concretiza exigências a Oslo" - e em lead: «(...) Lisboa exige pescar sete mil
toneladas de bacalhau e cantarilho nas águas da Noruega a par de uma
percentagem da quota global de onze mil toneladas a dividir pelos quatro países
mais pobres dos Doze (...)». Se se
disser que o bacalhau é talvez o "prato" preferido dos portugueses, e
que o "bacalhau da Noruega" tem fama de norte a sul do país,
explicar-se-á alguma coisa. Mas não haverá aqui um exagero informativo e mesmo
político (negocial), quando se sabe que o bacalhau está ameaçado enquanto
espécie e que a frota portuguesa está reduzida a 16 barcos ? Neste aspecto
afigura-se pertinente o "Comentário" de Daniel Deusdado (pág. 34).
Com efeito, nesta matéria, como noutras, "construir a Europa" só
poderá significar "preservar os recursos", defender a terra e o
homem, optar por soluções minimalistas para a conservação das espécies. Neste
caso concreto, a exploração desta temática pelo jornal não terá atendido tanto
aos aspectos da preservação dos ecosistemas como aos aspectos da preservação de
interesses e de influências nacionais-regionais. O mesmo se verifica na
continuação desta "novela do bacalhau", designadamente nos dias 9 e
10 de Março, onde o Público trata
sobretudo as exigência ibéricas em relação à entrada da Noruega e os restante
pontos em negociação.
5.
Mulher
Um estudo
sociológico recentemente divulgado em Portugal, concluía que o acesso das mulheres à televisão era praticamente
condicionado a declarações do foro específico 'feminista', raramento havendo
declarações, designadamente nos blocos de informação televisiva, noutros
sentidos, ou enquanto líderes de opinião, por exemplo. O mesmo se passa na
imprensa. O "lobby" europeu das mulheres reuniu em Lisboa para
discutir a política social da UE, e a jornalista Bárbara Reis fez o
enquadramento das problemáticas em discussão
- "Gravidez = desemprego",
25 de Fevereiro de 1994, pág. 21, centrando o seu texto sobre a questão
da "igualdade de direitos" e da "igualdade de
oportunidades", e concluindo que apesar do "lobby" das mulheres
europeias «pouco mudou a filosofia da
Bruxelas masculina» . Uma peça jornalística que confirma o estudo
sociológico acima referido: os media não conseguem integrar a experiência
social e a singularidade. Os lobbys aí estão a demonstrá-lo, reivindicando os
seus "oásis" nas páginas dos jornais. Refira-se ainda, de forma
complementar, o estudo apresentado em Toledo, em Abril de 1994, por Margaret
Gallagher (IV Conferência Mundial sobre Mulheres), segundo o qual só uma de
cada 20 horas emitidas pelas rádios e pelos canais de televisão europeus trata
temas que dizem directamente respeito às mulheres. É evidente que o panorama
dos media portugueses não é substancialmente diferente. Mas sobre este tema
veja-se ainda o texto publicado pelo Público
no Dia Internacional da Mulher (8 de Março), subordinado ao título
"Comissão Europeia contra interdição de trabalho nocturno feminino".
6.
Hierarquias
Obviamente, a Comissão Europeia não necessita de lobbys
para chegar às páginas dos jornais. Os correspondentes em Bruxelas atendem
sobretudo às suas decisões ("Comissão quer dar voto a emigrantes da
CE", texto de I. A. C., 24 de Fev. pág. 28) havendo portanto uma presença
regular do poder e das superestruturas comunitárias nos media. Em oposição, os
actores sociais, a experiência social, têm um acesso restrito, ao ponto de
parecer não haver, de forma explícita, destinatários na política europeia.
Nesta linha veja-se ainda a especulação sobre a sucessão do Comissário
português João de Deus Pinheiro - "Europeias provocam remodelação",
págs 2 a 6, edição de 7 de Fevereiro do
Público - e sobre os salários dos
deputados portugueses ao Parlamento europeu, um assunto que de tempos em tempos
mobiliza a imprensa portuguesa, como se de uma miragem do El Dorado se
tratasse.
As referência
"basistas" emergem aquando de iniciativas, ou dos lobbys, como vimos,
ou da sociedade civil, ou ainda dos partidos da oposição ("PCP encerra
jornadas parlamentares com planos de luta contra a probreza", 23/2/94). Ou
através de referências esparsas às associações de cidadãos, como o texto de
Carlos Pessoa "Como distinguir os verdadeiros dos falsos alimentos
biológicos - Situação sem controlo na Europa comunitária", 20/2/94, pág.
33, um artigo baseado num estudo de associações de consumidores na Alemanha.
Outro exemplo
que deriva do privilégio concedido pelos media às hierarquias políticas e ao
sistema partidário (denegando a sociedade civil e os sujeitos singulares),
surge, bastante claro, na notícia de 10 de Março, sobre a luta política entre
os socialistas portugueses na escolha do seu representante para o Comité das
Regiões - "Duelos em Bruxelas" (como um título de filme): "Fernando
Gomes e Jorge Sampaio travaram ontem em Bruxelas um duelo muito especial:
tratava-se de saber quial dos dois iria representar os autarcas socialistas
portugueses na direcção do Comité das Regiões. Sampaio ganhou por 6 a 3".
O fenómeno da
preferência pelo desempenho político-mediático das hierarquias comunitárias é,
no fundo, o mesmo problema da análise macropolítica, embora aqui com o
particularismo "personalizado", ou pessoalizado. É, no fundo, o mesmo
problema da predominância da informação sobre o sistema político-partidário
sobre todas as outras, no plano nacional.
7.
Actualidade trágica
É compreensível
portanto que uma decisão como a do quase "ultimatum" da UE aos
sérvios, a pretexto do cerco de Sarajevo, mereça duas páginas do Público no dia 8 de Fevereiro de 1994. A
questão torna-se mais complexa quando o próprio desenvolvimento interno das
regiões periféricas parece estar hipotecado, nos media, à actualidade trágica
internacional. Torna-se obrigatório um tratamento igualmente aprofundado e
regular, constante, sobre as situações de abandono e exclusão social,
designadamente das regiões periféricas como as da Europa do Sul.
8.
Fait-divers
Muitas vezes a matéria noticiosa é tratada como se de
"fait-divers" se tratasse. Ou talvez mesmo como "actualidade
trágica", como Gérard Leblanc a definiu, embora neste caso, com aspecto
mais caricatos, por vezes com laivos de sensacionalismo (como sucedeu na
informação televisiva, por exemplo). Veja-se a notícia "Pescadores
franceses em fúria assaltam mercado de Rungis" (Público, 4 de Fevereiro de 1994). Neste artigo, algumas linhas
explicavam que as acções de protesto tinham a ver com o facto de estar a ser
feita "importação de peixe a preços mais baixos do que a tabela francesa,
de países exteriores à União Europeia". Mas apenas isto. Todo o artigo era
uma descrição das acções de violência e destruição, não passando de um
"fait-divers", isto é, não tendo havido um trabalho de enquadramento do problema no contexto
europeu.
9.
Opinião
São importantes, mas raros, os artigos de opinião sobre a
Europa, no Público. Cite-se o
essencial dos artigos encontrados relativamente ao período em análise. Em
"Uma Nova Estratégia para Portugal", João Ferreira do Amaral,
professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (suplemento Economia,
21/2/93) considera que Portugal não está preparado para a feroz concorrência
que virá com a liberalização do comércio mundial e propõe uma nova estratégia
que não passa pela convergência nominal para que apontava o Tratado de Maastricht.
Em vez de uma aproximação rápida à inflação média europeia, poder-se-á
conseguir um maior crescimento do investimento e da produção de bens
transaccionáveis e assim enfrentar com êxito, no século XXI, os desafios da
adopção da moeda única.
Outro
exemplo é o artigo do ministro da Indústria, Mira Amaral, publicado dia 11 de
Março, ocupando a totalidade de duas páginas (38 e 39) - "Uma estratégia
para o Vale do Ave" - uma região tradicionalmente apostada na indústria
têxtil e a viver um momento de crise acentuada.
Ainda
outras análises. É ainda um ministro - José Manuel Durão Barroso ministro dos Negócios Estrangeiros -, quem
escreve a 10 de Abril de 1994, um artigo subordinado ao título "O actual
debate institucional na Europa: um primeiro balanço", no qual se congratulava, num tom
euro-optimista, com o facto de a posição portuguesa ter ficado defendida pelas
últimas decisões tomadas neste contexto: «Ao
mesmo tempo que nos congratulamos com o facto de as nossas posições terem
ficado consagradas nesta difícil estapa que acabamos de atravessar, e também
por podermos abrir as portas da União Europeia a quatro países com os quais
estamos há muito estreitamente ligados, é essencial que comecemos a preparar a
nova fase do debate institucional. (...) Estamos confiantes em que se
conseguirá consolidar uma Europa mais coesa e mais unida».
Finalmente,
um outro artigo de opinião, de um conhecido historiador português, Fernando
Rosas, este num tom europessimista - "As duas Europas" (23 de Março):
«Dir-se-ia um cruel desmentido da
mirífica versão ciclística corrente, segundo a qual, com esforço e empenho,
acabaríamos por apanhar 'a cabeça do pelotão'. O facto é que a lógica desta
corrida nos distribuiu um triciclo para competir com as motos de grande cilindrada».
.
10. Editoria
Em conclusão,
fazem falta editorias sobre a Europa nos media portugueses. Daí raramente haver
análises sobre o balanço de projectos. Não há também apresentação detalhada dos
programas comunitários e do seu campo de intervenção social, educativa,
económica, etc. A prevalência é a do sistema macropolítico de Bruxelas, das
estratégias de bastidor, e a especificidade da integração portuguesa fica
menorizada no tratamento jornalístico.
Visão global
pessimista, reduzida informação sobre a aplicabilidade de dossiers e programas são assim os aspectos
que nos parecem necessitar de uma correcção rápida e urgente, a qual pensamos
que poderia ser conseguida com a criação de uma editoria específica nas páginas
dos jornais em geral.
Curiosamente
encontramos um exemplo claro de como o Público
privilegia a crítica à integração europeia neste período em análise (tanto
pelos seus silêncios como pelos textos que publica). A 14 de Março o Suplemento
Economia consagra três páginas à "Avaliação da adesão à Comunidade",
titulando "A Europa Não Está Connosco". Neste artigo, João Ramos de
Almeida baseia-se num estudo publicado em Portugal para afirmar: «Cerca de oito anos de integração europeia
talvez seja pouco tempo para avaliar os seus custos e benefícios. Aceita-se
unanimemente que a adesão foi um forte estímulo à mudança, uma fonte de
transferências comunitárias e de confiança no país, atraindo o investimento
estrangeiro. Mas o futuro ainda preocupa. Numa recente publicação editada pelo
ex-ministro das Finanças José da Silva Lopes, um conjunto de especialistas
percorre os vários aspectos económicos e deixa no ar sérios avisos que poderão
fazer a Europa não estar connosco».
Provavelmente
a reacção dos jornais e dos media em geral às matérias comunitárias deverão ser
vistas também em função de uma opção de gestão estratégica da comunicação
difundida por Bruxelas. Provavelmente estará também aí um défice de informação.
Mas esse é já um outro trabalho a fazer.
III. Quando o institucional é submetido
ao factual
Como dizia
Alain Touraine, a crise de legitimação do sistema político tende a ser
compensada pelo desempenho mediático 1 . Esta questão, com a qual concordamos
integralmente, não nos pode, em todo o caso, impedir de considerar que a
difusão da ideia de Europa é exterior ao regime de auto-legitimação política
das instituições e do protagonismo político-partidário, para a qual os media
muito contribuem na actualidade. Quer isto dizer que a ideia de Europa, não é,
do nosso ponto de vista, de modo algum, um qualquer produto de marketing
político. Mas, apesar disso, não deve ter preconceitos em relação às sua
regras. Está acima delas. Como conceito, e como realidade que emerge a partir
da experiência social europeia e da sua vida pública e política, e das
expectativas dos seus cidadãos e dos cidadãos do mundo.
Passa pelas
figuras da representação simbólica e mediática a compreensão dos mecanismos
através dos quais emerge uma concepção do mundo generalista e compósita. Daí
ser imprescindível, hoje, identificar o modo como é historicamente produzido um
sentido, uma 'consciência do tempo' enquanto representação.
A questão
agora é a de saber que 'consciência' se institui nessa ordem simbólica,
designadamente na imagem que os diários portugueses (Diário de Notícias e
Público) dão a ver da União Europeia e das suas instituições.
O primeiro
parâmetro que se destaca na pesquisa genérica que fizemos a partir da análise
dos conteúdos nos primeiros meses de 1995, configura um modelo de tipo
"contratual" onde é produzida uma visibilidade da Europa que, sendo
uma narrativa de veridicção e de legitimação, é também, paradoxalmente, um
processo ritualista de exposição do necessário, escondendo-se porventura o essencial.
Um discurso
quase sempre de redundâncias, raras vezes protocolar, é certo, muitas vezes
inclusivamente crítico, europessimista, mas sempre um discurso distanciado de
uma visão europeísta acima de qualquer suspeita, de um visão persuasiva da
Europa. A ideia de Europa não parece ser, por isso, uma ideia cara, simpática,
à comunicação social em geral. Como se se tratasse de algo mais do que de
pessimismo. De uma resistência passiva, indolente e indolor. Uma resistência ao
futuro, em suma.
Quando se coloca a questão de saber se
as instituições europeias têm ou não protagonismo - e se sim, se têm - qual a
valorização ou o índice de favorabilidade que apresentam numa análise
qualitativa de conteúdo feita aos principais meios da imprensa escrita
portugueses, a resposta seria simples: as instituições europeias têm pouco
protagonismo enquanto tal. O protagonismo que adquirem resulta de uma submissão
perversa, prática comum nos meios de comunicação: dar ao acontecimento - e por
vezes também ao fait-divers - a prioridade em termos editoriais, fazendo
depender do factual o que é do domínio do universal (ou do institucional, no
caso da União Europeia).
A
relevância que adquirem, conseguem-na, portanto, não em função das suas
atribuições e competências directas e específicas, mas enquanto subsistemas,
secundarizadas relativamente ao sistema da notícia. São portanto subsidiárias
de uma matéria noticiosa que não é considerada como um valor em si, mas como
uma mercadoria mais, como notícia que em geral "vende" e cria
audiências, cria público consumidor de jornais.
Confirma-se
assim de novo, para o caso português, o que havia sido já uma conclusão
genérica do relatório de Infoeuropa produzido no ano passado, designadamente no
texto assinado por Bernardo Díaz Nosty 2
. De facto, tal como
então, continua a não existir uma identificação supranacional, homogeneizadora,
estruturante da ideia europeia. Continuamos, no caso português, a depender
muito do localismo e das estratégias de interesses. Nessa medida, o principal
ausente é o texto de opinião. Sobre os discursos, as práticas, as estratégias e
os conceitos que dão e darão corpo à Europa pouco se trabalha. E sobre as
instituições enquanto tal, quase nada.
Continua,
por outro lado, a falar-se da Europa em suplementos específicos - suplemento de
Economia, no caso do Público, e suplemento Negócios, no caso do Diário de
Notícias, ou em editorias secundarizadas - por vezes o internacional, por vezes
a cultura.
A vantagem
de analisar um meio como a imprensa está no facto de se conseguir trabalhar num
registo com uma relativa entropia. Nada que se pareça com a obsolescência dos
meios audiovisuais. Nestes, estamos perante écrans do esquecimento, modalidades
enunciativas mais complexas, com outras capacidades e competências de
modelização do real. Na opinião de Paul Virilio 3 , a televisão concorre para a
degradação do sistema político tradicional uma vez que a vertigem das imagens
televisivas e a sua hipertelia acaba por anular a capacidade de retorno da
própria memória das coisas, ou tão só suscitar outras imagens do passado
recente. Trata-se, no fundo de perder o recuo entre realidade e representação,
e de apenas ficar a verdade efémera da "telepresença".
No caso da
imprensa estamos perante um registo diferente. O confronto com o texto dá-nos
um outro tempo de reflexão. É esta à partida uma das vantagens da imprensa
sobre a complexa lógica televisiva.
De um modo geral, na imprensa portuguesa, as
referências às principais instâncias da UE surgem assim em função de notícias
que têm um enfoque específico, designadamente em função do interesse - ou
daquilo que é suposto ser o interesse - do tecido social e político nacional.
Nâo se visualiza desde logo matéria informativa genérica, de formação, digamos
assim, de um conhecimento e uma consiência europeia. Matéria de fundo,
inclusivamente filosófica, que fornecesse modelos de referência, éticos,
políticos, matéria exterior a lobbys e a grupos de interesses.
Não há
assim, de um modo geral, uma visão
funcional, informativa, do que é a
Europa, de como é que ela está organizada, de como funcionam as suas
instituições, etc., nem tão pouco uma visão distanciada, construída através de
outro tipo de dados provenientes de áreas, pessoas, empresas, etc., que
integrassem competência e independência, e que dessa forma auto-legitimassem
uma perspectiva rigorosa e independente face aos desenvolvimentos do modelo
actualmente em construção.
Diga-se que
em determinadas áreas específicas, auditorias feitas do exterior em relação ao
modo de funcionamento de programas (Programa Media, por exemplo), e após a
análise dos relatórios finais por sectores e/ou entidades de competência
reconhecida, concluiu-se que não estavam a ser dadas cabalmente essas garantias
nem tão pouco se estava a fazer a divulgação necessária desses mesmo relatórios.
Actualidade-manifesta:
visões (comprometidas) da Europa
Vejamos agora alguns exemplos práticos do que acabamos de
dizer. "Alargamento da UE preocupa Valente". Num título como este
(Diário de Notícias, 10 de Março de 1995), o ministro português do Planeamento
e Administração do Território, Valente de Oliveira, confessava-se «preocupado com o previsível alargamento da
UE, que não demorará muito a reunir 20 ou 25 países (...) ». Nesta notícia,
como acontece em geral, não se trata de fazer uma análise da "actualidade
latente", uma análise aprofundada de um sistema ou tão somente de um
dossier, mas antes de ver a "actualidade-sintoma", as manifestações
de superfície, neste caso o interesse particular de um membro do governo do primeiro-ministro
Cavaco Silva, um interesse local face a um interese colectivo. E a imprensa
local, obviamente, é demasiado volúvel à repetição interminável deste género de
notícias. É um primeiro aspecto que deve ser matéria de preocupação.
Passando de
uma visão governamental (local), para uma visão da oposição socialista, dada
através de um técnico qualificado - Vitor Constâncio - ex-ministro da Economia
e ex-líder do Partido Socialista,
lemos, numa curta notícia do Diário de Notícias de 18 de Março de 1995
(suplemento Negócios): "UEM está bem viva e o SME moribundo".
Constâncio defendia, designadamente, e de um ponto de vista crítico, que "a Europa jé está a andar a duas
velocidades" devido ao facto de "ninguém
ter defendido a peseta" na crise cambial de Março de 1995, que levou
ao realinhamento da moeda espanhola. O leitor vulgar acreditará no depoimento
de um técnico creditado, mas, mais uma vez, trata-se de um depoimento que não pode ser desligada de uma estratégia de
interesses, políticos, económicos, partidários, eleitorais, nacionais
inclusivamente. Trata-se, no fundo, de um modelo regular: o criticismo como
adjuvante para tirar dividendos eleitorais locais. Isto é, estamos muito longe
da cidadania europeia. Este é um segundo aspecto para o desenvolvimento do qual
a comunicação social, em geral, pouco contribui.
Sobre a
crise monetária de Março, que conduziu
à desvalorização do escudo e da peseta, o jornal Público, de 9 de Março,
através da sua correspondente em Bruxelas, Isabel Arriaga e Cunha, dizia que o
Comissário responsável pela UEM "nada tinha a acrescentar" à
declaração da Comissão emitida dia 6. Era referida de novo o facto de se tratar
de "uma prova do bom funcionamento" do Sistema Monetário Europeu.
Apesar disso a jornalista fazia uma crítica subreptícia à Comissão devido ao
facto de esta actualmente não se fazer representar no G7. O texto da crónica
não deixava apesar de tudo margem para dúvidas: "Comissão tranquila".
Daí, em
conclusão, ser necessário incentivar as instâncias específicas da União
Europeia e também os media, obviamente,
para cada vez mais, no campo da difusão da informação e dos valores, e da
análise técnica, qualificada, do sistema europeu, e da acção política e
administrativa, procurarem cada vez mais, irem ao encontro dos sectores da sociedade
civil, do cidadão vulgar, onde as perspectivas de análise podem encontrar um
maior grau de autonomização face às estratégias de interesses, de
"lobbys", etc. As associações de cidadãos podem dar um excelente
contributo à criação daquilo a que poderemos chamar foruns civis, mas sobretudo
julgamos ser necessário criar ao nível das universidades uma espécie de centros
interdisciplinares internacionais (que integrem técnicos também do exterior da
UE) de estudo e análise das ideias
europeias, da prática institucional, que estejam acima de qualquer suspeita,
que desenvolvam relatórios específicos e relatórios periódicos sectoriais
fundamentalmente direccionados às estruturas da UE e simultâneamente à opinião
pública europeia e mundial.
Daí também
que iniciativas promovidas por sectores da sociedade civil como as Conferências
internacionais promovidas por meios de comunicação social (veja-se a
Conferência do Semanário Económico, ou a do jornal Expresso), possam dar um
excelente contributo para uma perspectiva autonomizada do campo de dominação
comunitário. As personalidades escolhidas muitas vezes não correspondem ao
desejado (vide comunicação de James Baker na primeira das conferências - uma
perspectiva exclusivista do mercado), mas sempre aparecem depoimentos que devem
fazer reflectir (cf. Robert Hormats, vice-presidente da Goldman Sachs, que
apontava para a necessidade de ser repensado o modo de exercício do poder em
virtude de «a crise de liderança política
ameaçar já a construção de uma nova arquitectura europeia».
Actualidade-latente:
visões descomprometidas?
Continua a
ser em espaços específicos, designadamente no suplemento de Economia do jornal
Público, que aparecem os textos representativos de um outro modo de fazer
jornalismo, mais propriamente um jornalismo de investigação sobre casos
concretos - gerais e particulares - da gestão comunitária, que se apresenta de
uma forma que poderemos considerar próxima do que seria ideal, se fosse matéria
publicada com maior regularidade e ainda noutras editorias deste diário de
Lisboa. Sob o título "Viver com a Periferia" (13 de Março de 1995), a
jornalista Lurdes Ferreira volta a produzir um excelente texto de análise e
investigação sobre a lenta recuperação das regiões mais atrasadas da Europa, texto
aliás baseado no último relatório sobre a avaliação das disparidades, da
Comissão Europeia. O texto é de uma
forma geral respeitador do documento produzido pela Comissão, e dá-lhe mesmo um
tom "institucional", o que acaba por resultar numa óptima divulgação
do estudo desenvolvido pela UE. A interpretação analítica deste dossier de
Lurdes Ferreira aponta para uma realidade que não dever ser descurada pela
União Europeia: se a Europa quer ter
boa produção jornalística sobre a realidade europeia, deve promovê-la na raíz,
isto é, não pode alienar todo o saber da instituição e muito menos os processos
específicos da sua divulgação pelos media. Este é um exemplo claro de que,
quando tal é feito - desde a concepção à difusão do estudo - o resultado não
deixará de se ver.
Paradoxos
Curiosamente,
parece ser na área em que a União Europeia mantém escritórios de promoção das
suas actividades - caso dos Media Desk, afectos ao Programa Media, por exemplo,
ou os gabinetes da Europa (nas universidades e instituições pública e privadas)
que as coisas não correm tão bem como
seria desejável. A complexa dinâmica do programa Media não encontra por vezes,
devido quer à especialização dos temas, quer à sobreposição de circuitos e de
interesses - por vezes nomeando-se gestores que são directa ou indirectamente
parte interessada nos financiamentos envolvidos nos programas -, o acolhimento
ideal nos meios de comunicação. Depois,
também, porque os próprios meios não se adaptaram ainda à integração de
matérias que configuram uma ideia de
Europa.
Outras
vezes, haverá certamente deficiências nos serviços dos próprios gabinetes.
Outras vezes ainda, matérias que deveriam ser tratadas por gabinetes com as
características dos desks, são tratadas pelo "geral". É o caso das
quotas europeias, ainda no plano do audiovisual. De um ponto de vista
estratégico não é possível abordar este género de temas, apenas quando a
Comissão os discute (e mal) entre si. Em Portugal há como que uma necessidade
de "alfabetizar" o público sobre os assuntos europeus, e este é um
dos casos em que isso não é feito. Quer no que concerne ao programa Media, quer
no que concerne às estratégias possíveis para a política audiovisual europeia.
Assim, é
legítimo perguntar qual o interesse em pôr o problema das quotas de programação
europeia entre "estratégias liberais" (Alemanha, Reino Unido,
Dinamarca, Holanda) e "estratégias proteccionistas" (França,
Portugal, Bélgica), como o fez Isabel Arriaga e Cunha no seu texto do Público -
"Comissão chega a consenso com os Quinze divididos" (23 de Março de
1995), quando do que se trata é efectivamente de outra questão completamente
diferente, e que passa por um eufemismo da própria prática comunitária: a
verdade é que não existe absolutamente interesse nenhum em estabelecer quotas
de programação "obrigatoriamente europeia" se essas quotas incidirem,
como sempre tem acontecido, sobre "programas de estúdio" que, como se
sabe, incluem talk-shows, reality shows,
soap-operas, sit-com's, e tutti quanti, de qualidade muito duvidosa, etc.,
etc., isto é, sobre a "trash TV"... Será que a Comissão Europeia
defende para os diferentes serviços públicos europeus uma programação tablóide
em vez da ficção de qualidade norte-americana? Será que a Comissão Europeia
pensa em combater a boa ficção americana com as más produções europeias e/ou os
sub-géneros televisivos? São questões que os profissionais do sector e os media
devem conseguir levar a Bruxelas, sob pena de se hipotecar desde já a resposta
aos sistemas audiovisual e multimedia norte-americano. Questões que a
jornalista do Público abordou de forma sintética no seu texto, mas que são
claramente questões a tratar de forma especializada e com o destaque necessário
nas páginas dos jornais, dado tratar-se de um âmbito definido pela própria
União Europeia como "estratégico".
Honra seja
feita ainda ao Público numa outra área estratégia para a Europa - as
telecomunicações. Com efeito, nesta área complementar e de convergência com o
audiovisual, o jornal de Lisboa tem vindo a publicar com regularidade um conjunto
de textos, pela sua jornalista Maria Augusta Gonçalves, que permitem um amplo
acompanhamento dos problemas do sector. Veja-se por exemplo, os textos
"Três anos para agarrar o futuro" e "O Mercado Europeu e os
Outros" (Suplemento Economia, de 20 de Março de 1995), onde se concluía,
após longa análise descritiva, que «a
Europa tem três anos para anular o fosso que a separa dos Estados Unidos e do
Japão no que diz respeito ao desenvolvimento da aplicações multimedia e das
auto-estradas da informação».
Ainda na
área das comunicações, é de referir que uma das iniciativas da UE levadas a
cabo em 1995 - a abertura de um serviço de informação na rede Internet -, não
foi suficientemente divulgada pelos media portugueses, tendo passada quase
despercebida pela comunicação social em Portugal. O serviço, designado
genericamente "Europa", criado por ocasião da reunião do G7 em fins
de Fevereiro de 1995, em Bruxelas, contém informação sobre diversos aspectos da
estrutura comunitária, sobre a União Europeia em geral, defesa do consumidor,
aspectos práticos da vida nos países da comunidade, etc. Trata-se, sem dúvida,
de uma excelente opção da UE, mas também aqui de visualiza um paradoxo: como
chegar à informação quando ela não é dada a ver/conhecer?
Ainda assim, o Público, mais vez, através do jornalista
Carlos Pessoa, não deixava passar em claro esta iniciativa da comissária Emma
Bonino. No seu texto "Consumidores na Internet" (19 de Março de
1995), o jornal destacava a imagem de computador com o "European consumer
guide to the single market", como sendo a resposta menos dispendiosa da
comissária para veicular informação, na Europa (e para o mundo) sobre as
questões de consumo.
Necessidade
de editorias sobre a Europa
Daí voltarmos a referirmo-nos à inevitabilidade das
editorias sobre a Europa nos órgão de comunicação social em geral. Como
compreender que as páginas dos jornais se encham de notícias e suplementos
sobre sucessos e
tragédias do futebol europeu, ou que as curiosidades e o
fait-divers ocupem um espaço nobre nas páginas e capas dos jornais, por vezes com editoria própria, e a Europa,
que é, para a maior parte de nós, europeus, uma opção estratégica para o século
XXI, seja relegada para a esfera da actualidade-sintoma, para um espaço
secundarizado das notícias cada vez mais transformadas em mercadorias?
Parece-nos
uma inevitabilidade que a estratégia de comunicação da União Europeia se
refortaleça, tanto pelo campo da imagem , como no campo da imprensa escrita.
Particularmente neste último caso faz-se sentir a falta de uma ligação mais
efectiva das instituições europeias e das suas práticas ao campo jornalístico,
através das modalidades normais de facultação de matéria informativa geral,
sobre a própria Europa, e de matéria específica, não descurando a necessidade
de recriar a esfera pública sobretudo no campo da opinião e da motivação para a
ideia da grande casa europeia. Nessa medida, a comunicação social, e em
particular a imprensa, é de facto um factor crucial para a tomada de
consciência das novas realidades que se anunciam neste velho continente.
Aliás, a
opção tomada em Janeiro de 1995 de lançar um novo serviço de televisão por
satélite da Uniâo Europeia parece-nos vir ao encontro das expectativas do campo
dos media e dos cidadãos em geral. É um avanço claro. Mas deve ser complementar
de um bom serviço de comunicação escrita e documental.
Fazem por
isso ainda algum sentido as palavras de Francisco Lucas Pires, deputado
português ao Parlamento Europeu, expressas há algum tempo já: «(...) Se a integração europeia tem avançado
no plano material e no plano moral, está ainda muito retraída e longe desse
horizonte no plano do discurso político e do diálogo multinacional sobre si
prórpia. Para a comunicação jornalística, amplamente centrada sobre as questões
nacionais em geral, a Comunidade é ainda mais notícia que mensagem e as
instituições e as decisões comunitárias só são objecto de informação quando e
na medida em que incidem sobre a vida concreta de um Estado ou sociedade
determinada» 4 . Este continua a ser de facto, ainda
hoje, um dos problemas centrais numa gestão integrada de comunicação por parte
das instâncias comunitárias. A solução
para este estado atrasado do desenvolvimento da ideia de Europa nos media europeus
só poderá ser ultrapassada, não apenas como pensava Lucas Pires, «com a imprensa europeia a falar a mesma
linguagem, isto é, a ver a construção europeia a partir de dentro e não a
partir de fora, como um todo e não como um mero conjunto de partes» 5
, mas sobretudo
através de uma reorganização de toda a estratégia de comunicação da União
Europeia, fazendo prevalecer o conceito e as suas aplicações, encontrando
canais e mecanismos mais funcionais para levar a informação do centro à
periferia - de Bruxelas às redacções dos jornais europeus - coisa que ao fim e
ao cabo, já os romanos, há dois mil anos atrás, com outros objectivos, é certo,
sabiam fazer quando estavam presentes na Península Ibérica e em todo o
Mediterrâneo - e não dispunham das modernas tecnologias de comunicação... Como
conclui Lucas Pires, no texto citado, «(...)
se a Europa sem fronteiras, mesmo sem política de comunicação, constituirá
sempre o nosso caminho natural para a "aldeia global" e o apogeu da
nossa "sociedade de comunicação", seria bom que dispusesse de meios e
capacidades para começar por se representar a si própria». Esta é sem
dúvida a grande questão, e continua, do nosso ponto de vista, e deste canto do
sudoeste europeu, a ter, ainda hoje, enorme actualidade.
Em
conclusão, importa revitalizar o discurso dos media sobre a Europa por forma a
aprofundar essa visão simbólica identitária - que se deseja ser a visibilidade
do real europeu. Dar a ver, portanto, o essencial do que estrutura e enforma a
grande Europa, acima das suas diferenças, não esquecendo, obviamente, as suas
singularidades.
Importa
captar o que está realmente a acontecer, a verdadeira experiência social,
cultural e política europeia. Importa retomar o campo participativo - encontrar
alternativas ao modelo representativo e aclamativo em crise de legitimação,
captar esse "mundo da vida" que todos ambicionamos venha a ser o
exemplo dado pela Europa aos novos mundos que virão para lá deste século. Tal
como dantes, a Europa tem para dar novos mundos ao mundo. Acreditemos na
virtude civil 6 . Acreditemos que nem tudo está
perdido.
IV. A propósito da CIG de Turim - que estratégia de
comunicação para a União Europeia ? *
Alguns dos
pontos fundamentais expressos nos relatórios por nós elaborados de 1994 e 1995 1, referentes ao caso português, foram
entretanto parcialmente superados, tanto pelo Diário de Notícias como pelo Público,
ainda que de forma não totalmente satisfatória. Refiro-me mais em particular à
questão da identificação de uma «editoria» dedicada à problemátca europeia,
tanto no plano da opinião, como, sobretudo, no plano da informação operacional
dirigida aos actores económicos, sociais e culturais que pretendem enquadrar os
seus projectos nas estruturas e acções de apoio da própria União Europeia.
Apraz-nos
verificar, com natural satisfação, que essa nossa proposta foi de alguma
maneira seguida na imprensa portuguesa, não tanto em termos de editoria, mas
sobretudo como secção ou sub-secção especial dentro da «política» ou do
«internacional». É o caso, exactamente,
do Diário de Notícias e do Público, como vamos passar a ver.
O caso do Diário de Notícias
Vejamos
então em particular, nesta primeira parte, o caso do Diário de Notícias, que efectivamente, e no que concerne em
particular à Conferência Intergovernamental para a revisão do Tratado de
Maastricht (Conselho Europeu de Turim
de 29 de Março de 1996), inicia a 25 de Março de 1996 uma série de artigos
diários sobre aquele «exercício polémico e complexo que definirá os contornos
da União Europeia na viragem do século».
Esta secção
- integrada na editoria Política - é identificada com o título «Europa em
Debate» e tem chamada de primeira página - «Ideias para rever Maastricht». Na
página 10, dedicada em exclusivo ao tema, André Gonçalves Pereira, professor
catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e representante
português no Grupo de Reflexão para a CIG, expunha, em entrevista, a questão
central do debate em curso: por um lado, a questão da revisão institucional,
por outro, a remodelação da Política Externa e de Segurança Comum (PECS),
manifestando as suas reservas em relação a uma estratégia de «assimilação
cultural», e defendendo, por conseguinte, a «complexidade como preço a pagar
para manter a diversidade.»
Em artigo
na mesma página, Marina Pinto Barbosa sintetizava o essencial do Grupo de
Reflexão para o Conselho de Turim: «aproximar a Europa dos Cidadãos (...) e
testar o nível de vontade política comum existente entre os Estados membros e o
modo como essa vontade se pode projectar na funcionalidade institucional.»
A 26 de
Março, na mesma secção, o Diário de
Notícias entrevistava Fausto Quadros, professor de Direito Comunitário nas
Faculdades de Direito das Universidades de Lisboa e de Estrasburgo, que se
manifestava também no sentido de que, ao contrário de Maastricht, o novo
tratado se viesse a tornar «um factor de coesão e de solidariedade entre os
Estados membros», mantendo e actualizando a possibilidade de «minoria de
bloqueio» e alargando «o uso da regra da maioria qualificada em detrimento da
regra da unanimidade», ficando esta para as questões consideradas «mais
importantes». Em texto publicado ao lado, Marina Pinto Barbosa sintetizava o
essencial para a adaptação das instituições a uma União alargada: «Objectivo:
eficácia».
É exactamente
a questão da «maioria qualificada» que constitui o destaque do texto da
jornalista Marina Pinto Barbosa no dia 27, onde se conclui que «a extensão da
votação por maioria qualificada no Conselho parece ser a solução para tornar
mais eficaz o processo decisório da União Europeia». Referência, ainda, na
mesma página, para um texto subordinado ao título «PS admite referendo sobre
revisão do Tratado da UE», que constituía uma previsão do debate parlamentar em
Portugal sobre a CIG de Turim. A possibilidade de referendo havia sido de facto
admitida pelos socialistas portugueses, desde que «se perspectivassem inovações
substanciais». A realização de um Forum Europeu anual, no início de cada sessão
legislativa, bem como «o lançamento de acções conjuntas de informação regular e
sensibilização da opinião pública sobre a CIG» era outra das propostas dos
socialistas.
Entretanto,
o suplemento Negócios do mesmo diário destacava na primeira página a abertura
do Quadro Comunitário de Apoio (QCA) à sociedade civil, por decisão do ministro
Cravinho - «Cravinho promete reuniões sistemáticas com o Parlamento e os
parceiros sociais sobre as matérias mais relevantes dos programas financiados
pela UE». Destaque ainda, no mesmo suplemento, para a criação de conselhos regionais para o acompanhamento e gestão do
II QCA, e para uma notícia com o título «Portugal na UEM antes da Espanha»,
onde o secretário de Estado das Finanças e do Tesouro, Fernando Teixeira dos
Santos, em entrevista à agência Reuter, referia: «Estamos melhor colocados, e
mesmo que a Espanha não entre na moeda única em 1999, penso que seria do nosso
interesse aderir».
Véspera da
CIG de Turim:o DN coloca no «Tema de Abertura» (páginas 2, 3 e 4), a secção
Europa em Debate, destacando o facto dos dois partidos maioritários - PS e
PSD (partido do governo e principal
partido da oposição) se juntarem para criticar o «antieuropeísmo» do Partido
Popular e dos comunistas.
Fernando de
Sousa, num despacho de Turim, destacava na página 3 que as diferentes posições
dos diversos Estados membros da UE para a CIG «deixam bem evidentes as
divergências entre os Quinze quanto ao figurino futuro da Europa e as
dificuldades para conseguirem uma plataforma de entendimento no fim dos
trabalhos». Referência ainda para um envio de Fernanda Gabriel, correspondente
en Estrasburgo, sobre a posição do Parlamento Europeu face à sua não
participação nos trabalhos da CIG. A certa altura fala-se na questão dos
resultados dos referendos de França e Dinamarca e levanta-se o véu da questão -
aliás, do nosso ponto de vista, uma das questões estratégicas para o projecto
Europeu -, que não tem tido o devido destaque, incluindo os múltiplos tópicos
da CIG de Turim que também a não referem de forma directa. Trata-se, enfim, da
questão da informação, ou mais em concreto, a questão da consubstanciação do
projecto europeu suportada por uma estratégia mediática consequente, quer no
plano da «informação» publicitária, quer no plano da distribuição e
publicitação da informação de características funcionais de forma a que essa
mesma informação chegue aos seus destinatários.
O citado
dossier do DN fechava, na página 4, com dois trabalhos de Marina Pinto Barbosa
sobre questões de defesa. Na mesma edição, um outro texto importante: a
jornalista Céu Neves escreve sobre o Fórum sobre Política Social que entretanto
decorria em Bruxelas.
No próprio
dia em que decorre a CIG, 29 de Março, Marina Pinto Barbosa faz o ponto da
situação (p. 10) e titula: «Quinze
querem resolver questões prioritárias para os cidadãos - A Europa mais perto» -
e o DN aproveitava para entrevistar ainda Durão Barroso, ex-ministro dos
Negócios Estrangeiros e presidente da Comissão Parlamentar dos Negócios
Estrangeiros, que aliás destacava como essencial o seguinte: «Que sejam dados
passos na construção de uma Europa mais próxima dos cidadãos, na melhoria da
eficácia de funcionamento das instituições comunitárias e na promoção da
visibilidade externa da União». Mais uma vez aqui a questão da informação como
opção estratégica, que não surge, por exemplo, no documento final 2. Embora no texto de Marina Pinto
Barbosa - «A Europa mais perto» - se faça referência à questão da
«transparência», associada à questão da informação - o que do nosso ponto de
vista pode iludir, ou descaracterizar o ponto essencial -, mesmo apesar de se
dizer no texto que «o acesso à informação sobre a União e seu funcionamento é
fundamental para conciliar os cidadãos com a Europa». Questão que, aliás, teria
sido incluída nos trabalhos do grupo
de reflexão, tendo sido proposto
que o direito de acesso à informação fosse concedido no Tratado como um direito
dos cidadãos da união. A própria «publicidade» das decisões do Conselho
deveria, segundo outros, ser reenquadrada,
bem como tornar mais simples o direito e a sua acessibilidade. Questões
importantes, sem dúvida, mas que do nosso ponto de vista iludem de facto a
opção estratégica central face ao cidadão: informar, informar, informar.
Na página
11 do DN de 29 de Março, o despacho de Fernando de Sousa de Turim - «União
Europeia declara guerra ao desemprego». E no sábado, 30 de Março, na secção
Europa em Debate, o DN titula: «O Emprego acima de tudo - Cimeira de Turim abre
possibilidade de cooperação reforçada só entre alguns países». Fernando de
Sousa volta a assinar a reportagem e logo na abertura escreve: «Com um
documento que, na prática, deixa tudo por definir, a UE abriu o caminho para o
aprofundamento da integração política e futuro alargamento, ao lançar, ontem,
em Turim, a Conferência que irá rever o Tratado de Maastricht». Ao lado, em
comentário, o mesmo Fernando de Sousa escreve: «O documento produzido nesta
cimeira (...) procurou não estabelecer qualquer compromisso ou limitação para o
futuro das negociações». E a terminar: «Se a CIG tiver resultados
desapontadores, a UE entrará numa crise de identidade (...); se for bem
sucedida, abrir-se-á caminho para um desenvolvimento político importante, que
servirá de resposta aos desafios do alargamento e da moeda única.»
Em despacho
de Turim, Manuela Paixão, correpondente do DN, reconhece curiosamente que, no
plano da informação, a Itália está entre os membros «mais informados» (o que
entra em contradição com o facto de ser um dos Estados que mais subutiliza os
financiamentos) e refere as palavras de Susana Agnelli, ministra dos Estrangeiros,
que «não hesitou em pôr no banco dos réus os meios de comunicação social que
decretaram uma greve geral para o próprio dia da cimeira»...
Domingo, 31
de Março, o DN destacava na editoria Sociedade o final dos trabalhos do Forum
Europeu de Política Social - que se propõe «construir uma Europa para as
pessoas, baseada na defesa dos direitos cívicos e sociais, com o apoio das
organizações não governamentais e parceiros sociais».
Dir-se-ia
finalmente que a matéria noticiosa imediatamente subsequente ao Conselho de
Turim não revelou nenhum efeito significativo no plano do debate público e
político em relação às grandes questões em discussão. Veja-se por exemplo a
pequena notícia dedicada à primeira reunião da CIG, em Bruxelas, no
pós-conferência de Turim (DN, 3 de Março, pág. 9). Referência apenas para um
texto de opinião de José Medeiros Ferreira 3 onde este ex-ministro dos Negócios
Estrangeiros se refere à crise balcânica como sendo a evidência de que a UE
deve criar quanto antes a sua «unidade de análise, de previsão, de prevenção e
de planificação» que o relatório do Grupo de Reflexão já propunha no âmbito da
CIG/96 - e conclui José Medeiros Ferreira: «É pouco mas é necessário. O pior
será se a UE, para garantir algumas medidas de defesa comum, perde as condições
da sua segurança geral».
O caso do Público
Voltando ao
início do nosso período em análise, vejamos agora o caso do Público. Precisamente no início da
semana em que iria decorrer a cimeira
de Turim, o Público, em exclusivo com
o Libération, publica excertos do
texto de Jacques Chirac - «Para um modelo social europeu» (25 de Março de
1996), um texto que é todo um programa político no que concerne à presença na
cena internacional, à subsidariedade, desemprego, moeda única, equlíbrio
institucional, etc. Na mesma edição, ainda um texto de opinião, do colunista
João Carlos Espada, disserta sobre as «razões europeístas», criticando o
projecto federalista para a União Europeia e considerando que «a bem da Europa
devemos manter as soberanias nacionais e a aliança com a América».
A
publicação de textos de opinião - prática que passará a ser seguida com
regularidade pelo Público
posteriormente à cimeira de Turim -, exemplifica de alguma maneira uma espécie
de demissão do jornalismo meramente informativo sobre as matérias práticas,
aplicadas, do funcionamento das próprias estruturas administrativas europeias,
da informação dos gabinetes da Comissão, dos jornais oficiais, das acções de promoção, dos anúncios relativos
a concursos, etc. A incapacidade da Comissão fazer chegar aos media toda essa
matéria informativa, deixando-os inundados de opinião é de facto, no nosso
ponto de vista, uma das pechas da estratégia de comunicação da UE.
Continuemos,
no entanto, a análise descritiva dos artigos publicados por este diário de
Lisboa. Terça-feira, 26 de Março, o Público,
através de Isabel Arriaga e Cunha, correspondente em Bruxelas, destacava em
título uma questão essencialmente política, a propósito da cimeira de Turim e
titulava, a abrir o Internacional: «PE excluído da reforma de Maastricht»,
reconhecendo no entanto que apesar do PE ter sido «excluído das negociações de
revisão do Tratado de Maastricht», os parlamentares europeus ficavam em
«'associação estreita' aos trabalhos através de um extenso processo de
consultas.»
Uma nova
questão, agora de política interna, domina a manchete superior esquerda do
Público de 27 de Março: «Europa hoje em debate na Assembleia - Portas escreve a
Jaime Gama». Ao contrário do que anunciava a capa, a CIG de Turim é o grande
destaque no interior («À procura do CIGnificado»), ficando o texto sobre a
carta do deputado Portas relativamente secundarizado nas quatro páginas do
destaque. No texto de abertura fala-se do «Documento de Lisboa», aprovado em
Conselho de Ministros, que define a posição portuguesa para Turim: princípio de
rotatividade da presidência; presença dos Estados-membros em todas as
instituições; em suma, defesa da legitimidade face à eficácia. São depois
expostas as diferentes posições dos partidos com assento parlamentar e a
jornalista Teresa de Sousa, a fechar este primeiro bloco, assina um comentário
de título genérico: «Auto-exclusão». A abrir, escreve: «Os trabalhos da reforma
de Maastricht vão começar, na sexta-feira, em Turim, num clima de confusão e
pessimismo que não faz prever um resultado compatível com os desafios que a
União Europeia vai enfrentar nesta viragem do século». E mais à frente
considera que o Governo socialista se encontrava «assustado com uma opinião
pública que, pela primeira vez, começa a mostrar-se desconfiada e reticente
quanto ao balanço da participação de Portugal na construção europeia», para
concluir: «Ao auto-excluir-se de qualquer protagonismo, Portugal está a
auto-excluir-se de um círculo de influência que será determinante para o futuro
da Europa e que poderia ser determinante para o seu próprio futuro. Ou então, a
render-se ao cenário da desagregação europeia, no qual só muito dificilmente
poderá vislumbrar um futuro.» O destaque desta edição de 27/3 fecha com as
propostas do Benelux para a CIG e com uma entrevista ao primeiro-ministro da
Bélgica, Jean-Luc Dehaene, conduzida por Isabel Arriaga e Cunha. Para Dehaene,
é o «princípio da diferenciação» que deverá presidir ao alargamento da UE. Uma
leitura oposta à apresentada por Portugal.
Na mesma
edição de 27/3, agora na rubrica Economia, o Público reportava a visita de dois
dias da Comissária Wulf-Mathies sob o signo do compromisso entre ambiente e
desenvolvimento.
É também na
editoria Internacional que surge matéria do âmbito da CIG na edição de 28 de
Março. Com o ante-título «Paris apresenta memorando para a CIG contra o
desemprego», Teresa de Sousa titula: «O 'modelo social europeu' francês», e
ironiza chamando «socialista» a Chirac, pelo facto deste defender o emprego
como prioridade europeia, com políticas intervencionistas.
Tal como no
DN, a Conferência de Turim era destaque no Público de 29 de Março. Uma pequena
chamada à primeira página, no canto inferior esquerdo, titulava:
«Europessimismo na revisão de Maastricht», com o seguinte texto: «Os Quinze
lançam hoje, em Turim, a Conferência Intergovernamental que, durante um ano ou
mais, vai negociar a revisão de Maastricht. São baixas as expectativas, apesar
da dimensão dos desafios que a Europa tem de enfrentar nesta viragem de século.
E muitas as divisões entre os 15 países da União». No interior, o texto
principal deste destaque sobre a Conferência Intergovernamental, na página 2, é
assinado por Isabel Arriaga e Cunha e o título, à largura de toda a segunda
página, volta a ser «Europessimismo em Turim». E cita-se um «aviso» de
Bruxelas, depois de se exporem as múltiplas divergências entre os
Estados-membros: «se a Europa não se fizer com os cidadãos, contra os
desempregados e os excluídos, é natural que não haja Europa». O destaque fecha
a páginas 5 e 6, respectivamente com um texto do ministro britânico dos
Negócios Estrangeiros, - «O alargamento é uma responsabilidade histórica», e,
na página 7, um exclusivo Público/Instituto de Estudos Estratégicos
Internacionais: «Financiamento e Defesa da Europa». Como curiosidade, em
Portugal começava nesta altura o Congresso do principal partido da oposição, o
PSD, tema que ocupava nove páginas (8 a 16) desta edição do Público, sintoma da
evidente preponderância do sistema político no conjunto das categorias de
conteúdo do discurso mediático em Portugal.
Sábado, 30
de Março, ainda no canto inferior esquerdo da primeira página, o Público voltava a pôr em pequeno
destaque a cimeira de Turim. Título (algo em contradição com o dossier da véspera):
«Todos satisfeitos, tudo em aberto». E o texto de chamada à primeira página:
«Os Quinze aprovaram ontem, em Turim, um mandato para a Conferência
Intergovernamental que vai rever Maastricht suficientemente vago para deixar
toda a gente satisfeita. Daqui a um ano se verá qual foi o rumo traçado para a
Europa do terceiro milénio. Até lá, o primeiro-ministro português pode
considerar-se satisfeito pelo facto de o emprego ter sido incluído na agenda da
CIG.» O congresso do PSD continuava a ser o acontecimento em destaque nesta
edição, ocupando o grande destaque da primeira página, as páginas 2 a 6 e parte
da página 44. Às conclusões da Conferência Intergovernamental, junto com o
problema das «vacas loucas», eram dadas 2 páginas (10 e 11) na editoria Internacional.
Domingo, 31
de Março, as sete primeiras páginas voltam a ser sobre o Congresso do PSD e a
Conferência tem a metade inferior da página 15 (Internacional), onde Isabel
Arriaga e Cunha se pergunta, em termos das «grandes questões» da CIG de Turim:
«Como reforçar a integração europeia?». Depois de referir os próximos grandes
«testes» da UE (a PESC, a luta contra o desemprego e contra o crime
organizado), a jornalista Arriaga e Cunha concluía: «Queiram ou não, e muito
antes de terem concluído a reforma de Maastricht, os Quinze vão ser obrigados a
provar aos cidadãos a sua determinação real de transformar a UE em algo mais
que o 'gigante económico, mas anão político e larva militar', como foi
classificada pelo antigo chefe da diplomacia belga, Mark Eyskens». Na mesma
edição, Luís Pedro Nunes concluía o trabalho sobre o Fórum Europeu de Política
Social e titulava significativamente: «Desempregado e sem reforma: é você».
Segunda-feira, 1 de Abril, a CIG não tem qualquer referência e o Congresso do
PSD ocupa de novo o grande destaque da primeira página e as páginas 2 a 6.
No período
em análise a que nos propusemos, referência ainda para os dois trabalhos
entretanto publicados: um, na última página da edição de 3 de Abril, sobre a
primeira reunião pós-Turim em Bruxelas, sobre a cidadania e a cooperação
policial e judiciária.
Finalmente,
sexta-feira, 5 de Abril, o Público abria a sua «sub-secção» Conferência
Intergovernamental, nas páginas do Internacional, para entrevistar o ministro
dos negócios estrangeiros, Jaime Gama. Teresa de Sousa titula palavras do
ministro: «Devemos fazer tudo para estar no motor da UE». Gama rectifica a
posição portuguesa à luz dos trabalhos de Turim e a certa altura põe o dedo na
ferida - à pergunta sobre a transparência e a aproximação aos cidadãos,
responde sobre a necessidade de «um conhecimento maior dos cidadãos sobre o
debate político e as decisões do Conselho Europeu, uma maior percepção pela
opinião pública do funcionamento das instituições e da administração
comunitárias (...)» para concluir, no final da entrevista «(...) por uma maior
exigência da opinião pública e da imprensa em relação aos membros do Governo
que participem nas decisões»... Curiosamente, na mesma página, o Público
anunciava aos seus leitores (em 5 de Abril de 1996): «A partir de hoje e todas
as sextas-feiras, o Público dedica duas das suas páginas à informação
sistemática sobre as negociações, os problemas e as dificuldades que vão estar
à mesa da Conferência Intergovernamental convocada para rever o Tratado da
União Europeia. Estas páginas vão contar com a opinião de especialistas
portugueses e estrangeiros e incluirão fichas sobre o que é conveniente saber
sobre as instituições e o modo de funcionamento da UE. Uma entrevista com o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, sobre o que Portugal vai
defender na CIG pareceu-nos a melhor maneira de estrear esta nova rubrica».
Dir-se-ia que a promessa em relação a Gama foi cumprida, mas a regularidade da
informação prometida nem sempre foi seguida e sobretudo não soube chegar à
informação eficaz, funcional, mobilizadora dos actores económicos e sociais,
colectivos, individuais, enfim, mobilizadora da experiência social, tout court. Com mais crença e menos
crítica, ou pelo menos, adequando a eficácia à crença (ou à informação, no
mínimo), e a legitimidade à crítica.
Conclusão
Tal como
havíamos referido nos relatórios de anos anteriores parece-nos que há um grande
trabalho a fazer relativamente à transparência da União face ao exterior,
designadamente face ao cidadão, aos grupos sociais minoritários, associações,
enfim, relativamente à sociedade civil, mais do que em relação aos grupos de
interesses e grupos económicos que têm em regra os seus lobbys e os seus canais de informação estruturados.
O grande
trabalho será portanto dinamizar os media europeus no sentido de se abrirem à
informação comunitária, de eles próprios se tornarem transparentes face ao que
é essencial, que releva no fundo do pragmatismo e da eficácia dos objectivos
que o cidadão possa sentir directamente no seu dia-a-da e não tanto da máquina
política da União e das suas performances institucionais e burocráticas.
Enquanto o institucional ocupar o espaço público mediático como uma espécie de
forum de legitimação permanente da União, tudo o resto fica secundarizado, e o
cidadão vulgar, porventura não se reconhecerá nesse debate.
O papel dos
porta-vozes oficiais, dos gabinetes de comunicação, dos centros de documentação
europeia, dos eurogabinetes, etc., deve ser de alguma forma repensado dentro
dessa estratégia de repôr a transparência e renovar a informação ao cidadão
comum europeu, renovando também as estratégias de comunicação no plano dos
media e ainda no plano da publicidade. A pergunta é: será que ele - cidadão
comum -alguma vez sentiu a transparência e a objectividade da informação da
União, ou, pelo contrário, sempre julgou estar perante um mastodonte
burocrático e inacessível?
Referências bibliográficas:
Bertram, Christoph, «As lições do boicote britânico», Público, 28 de Junho de 1996.
Pires, Francisco Lucas, Portugal
e o Futuro da União Europeia, Difusão Cultural, Lisboa, 1995.
Wright, David e Jacquemin,
Alexis (coord.), Os desafios europeus
pós-1992: factores estruturantes, actores estruturantes, Dom Quixote,
Lisboa, 1996.
«As recomendações de Florença para a CIG», Público, 28 de Junho de 1996.
«Conselho Europeu de Turim - Conclusões da Presidência»,
DOC/96/2, de 96/03/96, Centro Jacques
Delors, Lisboa.
Portugal
e a Conferência Intergovernamental para a revisão do Tratado da União Europeia, Lisboa, Ministério dos Negócios
Estrangeiros, 1996.
* Análise qualitativa de conteúdo do diário Público realizada ao longo de três meses (de 1 de Fevereiro a 30 de Abril de 1994).
1 Alain
Touraine, "Communication politique et crise de représentativité", Hermès, Cognition, Communication, Politique,
Paris, 1989.
2 Bernardo Díaz Nosty, "La Unión Europea en la prensa", La Unión Europea en los medios de comunicación, Fundesco, Madrid, 1994.
3 Paul Virilio, L' Art du Moteur, Galilée, Paris, 1993.
4 Francisco Lucas Pires, A Imprensa e a Europa, Lisboa, 1992, Edição de Autor.
5 Francisco Lucas Pires, op. cit., pág. 46.
6 Pierre Bourdieu, "A virtude civil", Revista de Comunicação e Linguagens, nº 9, Lisboa, Maio de
1989.
* Texto que parte de uma análise qualitativa de conteúdo do Diário de Notícias e do Público, no período de 25 de Março a 8 de Abril de 1996.
1 «Entre la pasividad y el europesimismo», La Unión Europea en los medios de comunicación, Informe anual
Fundesco/Associación de Periodistas Europeos, Fundesco, Madrid, 1994, pp.
211-221; e «Los hechos se imponen a las
instituciones», La Unión Europea en los
medios de comunicación, Informe anual Fundesco/Associación de Periodistas
Europeos, Fundesco, Madrid, 1995, pp. 233-242.
2 Ver designadamente «Declaração de Turim», Diário de Notícias, 30 de Março de 1996.
3 «A União Europeia entre a Segurança e a Defesa», Diário de Notícias, 2 de Abril de 1996.