Francisco Rui Cádima, Universidade Nova de Lisboa
Vindo a público em Dezembro
de 1997, o Livro Verde da Convergência «relativo à convergência
dos sectores das telecomunicações, dos meios de comunicação
social e das tecnologias da informação e às suas implicações
na regulamentação», começa por considerar que
os operadores dos media clássicos e em geral dos sectores afectados
pela convergência devem aproveitar as oportunidades oferecidas pelos
progressos tecnológicos optimizando serviços e conteúdos
e diversificando negócios. Exemplo de novos serviços e conteúdos:
homebanking, netshopping, voz na Net, dados através de plataformas
digitais, intercast, webcast, Web-TV, etc.
A convergência é, no
fundo, de acordo com o documento, «a capacidade de diferentes plataformas
de rede servirem de veículo a serviços essencialmente semelhantes,
ou a junção de dispositivos do consumidor, como o telefone,
a televisão e o computador pessoal»(1) integrados
em plataformas que têm como objectivo a aplicação comum
das tecnologias digitais aos sistemas e redes associados à entrega
dos serviços.
Os desafios para a sociedade europeia
destes novos serviços e conteúdos são de enorme relevância,
nomeadamente porque a integram mais rapidamente num processo global da
economia e do comércio electrónico. A Europa deve assim estar
aberta a esta mudança, sob pena de perder o comboio da economia
digital e da revolução da informação. Perdendo-o,
perde «um poderoso motor para a criação de emprego
e o crescimento», na perspectiva da UE, que permite aumentar «a
escolha do consumidor» e promover «a diversidade cultural».
Nesse sentido, impõe-se qualificar a força de trabalho europeia,
quer através da I&D, quer através das tecnologias da
convergência.
A sociedade da informação
origina, portanto, novos desafios designadamente pela crescente capacidade
das redes existentes e futuras servirem de suporte a serviços tanto
de telecomunicações como de radiodifusão. Trata-se,
portanto, de toda uma nova filosofia no que concerne à distribuição
de produtos de consumo cultural, que implicarão novas oportunidades
para aumentar a escolha dos consumidores, «facilitando o acesso aos
benefícios da sociedade da informação e promovendo
a diversidade cultural».(2) Trata-se de um posição
polémica, tanto mais que é aqui sobretudo a perspectiva do
consumidor e do «cliente» e não do cidadão que
está presente: «uma concorrência vigorosa nestas áreas
encorajará o desenvolvimento de novos serviços inovadores
que irão beneficiar os consumidores da Comunidade» (3).
Desse modo, o documento encoraja sobretudo políticas que impeçam
o surgimento de «posições proteccionistas» ou
«estrangulamentos anti-concorrenciais».
O Livro Verde, por fim, analisa
o fenómeno da convergência tal como se revela no mercado e
reconhece que a convergência pode conduzir a uma menor regulamentação
nos sectores das telecomunicações e dos meios de comunicação
social e não deve conduzir a uma maior regulamentação
nos domínios das Tecnologias de Informação, o que
vai ao encontro das estratégias do e-commerce.
O Livro Verde da Convergência
aborda essencialmente tendências para o futuro e não tenta
definir mercados para efeitos da aplicação da legislação
comunitária da concorrência. No fundo, os serviços
estão aí: operadores de cabo europeus integram já
broadcast, telefonia e serviços de natureza endereçada, como
plataformas com elementos da cadeia de oferta ou de valor que vão
da criação de conteúdos à entrega aos clientes,
passando pela organização do conteúdo e pela oferta
dos serviços. Mas, como se diz, a preocupação central
do documento não é «tecnológica», mas
pretende sobretudo estudar fenómenos empresariais e de mercado,
que estão a alterar as relações tradicionais entre
fornecedores e consumidores, sobretudo numa era de convergência de
redes fixas e móveis, e em que, além do mais, os conteúdos
são «moduláveis», isto é, podem ser utilizados
em diferentes ambientes e distribuídos em múltiplos suportes.
Quando se fala de cerca de 200 mil
milhões de ecus como valor estimado de transacções
electrónicas nos ano 2000, isto significa que os impactos da convergência
podem ser muito significativos. Segundo o Livro Verde, as receitas provenientes
dos sectores em causa podem sofrer uma redução de 40% até
ao ano 2005 (4).
Na área dos conteúdos
as expectativas para a Europa são favoráveis. Sobretudo quando
se sabe que a força de trabalho na área da indústria
dos conteúdos é muito inferior à norte-americana (1,8
e 2,6 milhões de empregados, respectivamente), tratando-se de uma
área de forte potencial e naturalmente estratégica para a
próxima década.
É claro que há bloqueios
em todo este processo. Uns, de natureza regulamentar, outros de condicionamento
do acesso, outros pelos preços, pela indefinição dos
direitos de propriedade intelectual etc. Embora o objectivo do Livro Verde
seja estimular o debate, ainda assim foram apresentados princípios
que davam uma base comum para as futuras abordagens nos sectores da convergência.
A Comissão propunha assim cinco princípios para discussão.
1 - A regulamentação deve limitar-se ao estritamente necessário
para conseguir realizar objectivos claramente identificados. 2 - As futuras
abordagens regulamentares devem responder às necessidades dos utilizadores.
3 - As decisões regulamentares devem guiar-se pela necessidade de
um quadro claro e previsível. 4 - Devem garantir a plena participação
num ambiente de convergência. 5 - Num ambiente de convergência
será crucial a existência de regulamentadores independentes
e eficazes. E termina: «Embora a tendência geral seja para
um abrandamento da regulamentação, o aumento da concorrência
provocado pela convergência acentua a necessidade de regulamentadores
eficazes e independentes, A independência na regulamentação
é particularmente importante nos casos em que o Estado detém
uma participação num dado interveniente no mercado»(5)
.
Um outro documento surge entretanto,
concretamente o Relatório do Grupo de Alto Nível (6),
numa iniciativa do comissário europeu da tutela, Marcelino Oreja.
Considerado como um «sector vital e especial», o audiovisual
encontra-se de facto na encruzilhada das tecnologias digitais e aparentemente
continua a merecer prioridade na estratégia europeia.
A televisão, nomeadamente
este meio clássico, que desde sempre desempenhou «um papel
fundamental no desenvolvimento e na transmissão de valores sociais
(…) fonte mais importante de lazer e de cultura» (7),
caminha agora para um novo ciclo de forte interacção com
o público, alterando-se assim também o vínculo social
e cultural.
No âmbito do mercado, fortemente
estigmatizado pelas importações dos EUA, Oreja considerava
que a Comissão havia tomado nos últimos anos algumas medidas
para corrigir o «desequilíbrio», particularmente duas:
a Directiva Televisão Sem Fronteiras e o programa Media, que no
conjunto têm feito aumentar a programação europeia
ao longo dos anos 90. Mas quais então as respostas que se pediam
ao grupo de Alto Nível ? Essencialmente três: 1 - como poderá
a indústria europeia, produtora de conteúdos, tirar o máximo
proveito dos desenvolvimentos previstos? 2 - Como poderão as autoridades
europeias contribuir para apoiar a indústria europeia a enfrentar
os novos desafios, e, finalmente, 3 - Qual será o papel do sector
público de televisão no novo contexto?
A questão fundamental é
- continua a ser - o perigo de a proliferação de canais da
era digital vir a criar um acréscimo de programas americanos nos
écrans europeus. Por outro lado, na perspectiva do grupo, haveria
que assegurar um equilíbrio entre as forças de mercado e
o interesse público geral. Desenvolver prioritariamente o sector
da distribuição e da gestão de direitos. E apoiar
a produção, quer através de mecanismos destinados
a atrair novos investimentos e do reforço do programa Media, quer
de acordos de associação entre operadores privados e autoridades
públicas. Quer ainda na área da formação, criando
uma rede de excelência de escolas europeias de cinema e televisão.
Há inclusivamente nas recomendações finais um apelo
a que «se conceda mais importância à educação
em matéria de meios de comunicação social nos programas
escolares, desde os primeiros anos de aprendizagem» (8).
Para além dos aspectos já focados, na perspectiva do grupo,
haveria ainda que conceder especial atenção ao guionismo
e ao marketing.
Quanto ao serviço público,
é invocado o Protocolo de Amsterdão (1997) como base para
a boa consecução dos objectivos dos operadores públicos
na sociedade europeia: «compete aos Estados-membros, definir e organizar
os seus sistemas públicos de radiodifusão, assim como conceder-lhes
o financiamento necessário» (9) dentro dos
critérios de proporcionalidade e de transparência. Isto é,
que sejam exclusivamente concedidos para actividades de serviço
público e não ultrapassem o necessário e, relativamente
ao segundo ponto, que apresentem uma missão clara daquilo que constitui
a missão de serviço público e que tenham contabilidade
separada quando integrem actividades comerciais.
Cabe assim à Europa apostar
decididamente nos serviços de televisão digital criando condições
para uma indústria de produção audiovisual competitiva,
com «uma regulamentação específica para conteúdos
audiovisuais, baseada na distinção fundamental entre comunicação
pública e comunicação privada» (10).
Necessária também uma coerência jurídica no
sector, entre os diferentes Estados-membros. Por último, uma referência
a que se mantenha nas negociações comerciais internacionais
o princípio da «excepção cultural» neste
sector, que, em matéria de direitos de autor, haja um regime claro
no sentido do desenvolvimento da indústria e que, nomeadamente as
empresas, detenham o controlo sobre os conteúdos que produzem e
financiam.
Paralelamente ao estudo do Grupo
de Alto Nível sobre o futuro da política audiovisual europeia,
a Comissão apresenta, em 14 de Julho de 1998, um documento subordinado
ao tema «Política Audiovisual: Próximas Etapas»
(11). Nele faz o elenco das diversas iniciativas tendentes
a obter informação para a revisão das políticas
europeias - designadamente no âmbito da radiodifusão digital,
da política audiovisual e dos desafios e oportunidades da era digital
-, bem como da convergência.
A Comissão sugeria então
ao Parlamento Europeu e ao Conselho de Ministros que, designadamente, fossem
considerados novos mecanismos de apoio ao audiovisual europeu, de forma
a atrair mais investimentos privados para o sector da produção
e que fosse relançado e reforçado o Programa MEDIA II.
Que o diagnóstico da situação
então feito não era nem negativo, nem pessimista, não
era, de facto. Era citado o estudo da Norcontel (12)
avaliando-se o crescimento do sector em cerca de 70 por cento até
ao ano 2005 e salientando-se o potencial intrínseco do sector como
empregador - 1 milhão de postos de trabalho na Europa, em 1995.
No cinema, por exemplo, o número de entradas em salas europeias
havia chegado aos 748 milhões (13), o que significa
um aumento de 6,6 por cento relativamente ao ano anterior, estimando-se,
num cenário optimista, que o crescimento poderá chegar aos
30 por cento nos próximos cinco anos.
Negativo era realmente o défice
entre a Europa e os EUA: aumentou 11% em 1995 e 18% em 1996, tendo registado
nesse ano de 1996 um valor de 5 600 milhões de dólares em
filmes, programas de televisão e vídeo. Neste mesmo ano,
os EUA realizavam maior receita na exportação do que no mercado
interno (12/9 mil milhões de dólares, respectivamente).
Ponto importante no disgnóstico
da Comissão foi exactamente o salientar da «necessidade de
se passar de uma abordagem centrada na produção e em estruturas
fragmentadas para uma abordagem integrada e centrada na distribuição».
E de instituir paralelamente uma «acção de prestígio»,
um prémio europeu que consagrasse as melhores produções
europeias.
Quanto ao Porgrama MEDIA II, defendia-se
que o reforço no apoio a este programa se fizesse através
do apoio automático (14) à distribuição
(cinema, televisão e vídeo) de obras europeias, no desenvolvimento
de projectos, na formação e na promoção de
exportações, mantendo-se os mecanismos da «discriminação
positiva» beneficiando os Estados-membros com indústrias mais
débeis. Haveria ainda que desenvolver sinergias com outros programas
como o quinto Programa-quadro de I&D e o programa INFO 2000.
Em termos de apois financeiros,
pretendia-se criar um instrumento financeiro destinado a atrair capitais
privados para o audiovisual europeu. Através de um Fundo Europeu
de Garantia e/ou do Fundo Europeu de Investimento e de um plano de titularização,
isto é, da obtenção de financiamentos para a produção
através da venda antecipada, às instituições
financeiras, das futuras receitas de um conjunto de filmes. Também
seriam estudados os mecanismos de garantia já existentes para as
PME's.
No âmbito jurídico,
e seguindo a Conferência de Birmingham, pugnava-se pelo gradualismo
das alterações à regulamentação, mantendo
legislação específica nos subsectores e uma distinção
clara entre infra-estruturas e conteúdos. No on-line, previa-se
desde logo o modelo de auto-regulação. Ainda, como reorientação
estratégica, o estudo dos mercados não-europeus acompanhado
de incentivos específicos - criação de uma base de
dados, sistemas de garantia de exportação; seguros/empréstimos
para distribuição, etc. Finalmente, a Comissão considerava
conceder especial atenção à necessidade de assegurar
condições adequadas ao lançamento da televisão
digital num contexto competitivo.
Se é verdade que os indicadores
de produção de ficção e de frequência
de cinema, bem como o número de salas de cinema na União
Europeia têm vindo a crescer, o facto é que este aumento tem
beneficiado sobretudo a indústria americana, que viu a sua quota
de mercado aumentar de 56 % para 78 % nos anos 90. E se há dez anos
atrás as majors captavam, através da exportação,
30% das suas receitas, no final do século essa quota ascende aos
43%, sobretudo pelas vendas a canais temáticos e à pay TV
europeia. Por outro lado, a quota de mercado dos filmes europeus diminuiu
de 19 % para 10% no mesmo período. Ora, alguma coisa está
mal. Ainda assim, em 1997 a Europa chegou aos 750 milhões de espectadores
de cinema (+6,8%) em grande parte devido aos multiplexes e em parte também
devido ao sucesso de filmes nacionais nos seus próoprios mercados.
Dados relativos à produção
de ficção na Europa, são mais positivos, designadamente
na Europa meridional. Segundo um estudo de Milly Buonanno (Eurofiction
(15)) esse aumento verifica-se sobretudo no day time
(Italie 80%, Allemagne 70%, Espagne 65%, France 62%), com excepção
do Reino Unido (dois terços são prime time) sendo certo que
se trata de um género que atrai públicos, quer pela «proximidade
cultural», quer pela língua, quer ainda pelo fenómeno
de identificação.
Nos cinco principais mercados europeus
a produção de ficção atingiu as 4771 horas
o que significa um aumento de 16 por cento relativamente ao ano de 1997.
Destacam-se, por géneros, as séries com muitos episódios
no day time e também os telefilmes (48 por cento das novas produções).
Este crescimento foi mais nítido em Itália e Espanha e em
geral deve-se ao aumento do número de episódios por título.
De referir que este incremento da produção tem sido acompanhado,
nos principais mercados, por um aumento dos índices de audiências.
Para André Lange, do Observatoire Européen de l'Audiovisuel
«le suivi systématique des caractéristiques industrielles
(formats, genres, localisation dans les horaires de programmation, etc.)
et des principaux aspects culturels concernant la diffusion d'oeuvres de
fiction nationales par les chaînes nationales constitue un excellent
outil pour comprendre la configuration et les tendances du marché
en Europe».
O mesmo André Lange anunciava
em 1998 que o ritmo de crescimento da indústria audiovisual europeia
tinha tendência para enfraquecer. De facto, medindo o ritmo de crescimento
do sector pelo volume de negócios das 50 maiores empresas audiovisuais
europeias, em 1996 havia sido de 4,1 %, enquanto em 1995 havia sido de
9%. Os défices das trocas no sector aumentavam também para
18% em 96 (11% em 1995), atingindo os 5,6 mil milhões de dólares.
Tendencialmente positivos haviam
sido os indicadores relativos à TV por assinatura. Com cerca de
480 serviços de programas na Europa em MPEG-2 no final de 1997,
eram atingidos na Europa os 9 milhões de assinantes de «bouquets»
de satélite, contra 6,1 milhões no final de 1996. Quanto
à publicidade, continuava a crescer, em televisão, a um ritmo
superior à dos restantes media. E em termos de consumo de programas
interactivos atingiam-se na Europa os 2,7 mil milhões de ECU (3,3
para o cinema, 5,4 para o video e 3,7 para a pay TV).
Mais do que de avanços e
recuos na indústria audiovisual europeia nos últimos dez
anos, parece-nos que nesta análise retrospectiva ressaltam sobretudo
impasses, diferentes estratégias e hesitações que
têm de facto bloqueado uma profunda renovação do sector
desde que a Directiva TSF foi aprovada em 1989.
A identificação de
algumas das áreas em que a aposta europeia falhou, pode ser feita
desde logo, na área da educação especializada. A educação
e a formação neste sector são de facto essenciais
para que os europeus possam dominar com sucesso a nova era digital. É
o relatório do Grupo de Alto nível que o reconhece. Sugere-se
inclusive que os Governos nacionais concedam mais importância à
educação em matéria de meios de comunicação
social nos programas escolares, desde os primeiros anos de aprendizagem.
É uma constatação por demais evidente não se
compreendendo porque é que em dez anos pouco se avançou nesta
matéria.
Mas se a análise do passado
recente não é muito animadora, as perspectivas futuras poderão
provocar uma mudança significativa. De facto, prevê-se que
o mercado audiovisual europeu não só registará um
crescimento mais rápido a nível mundial, com uma taxa de
crescimento muito superior à dos Estados Unidos, como se pensa que
os produtores europeus obterão no futuro uma maior quota de mercado,
atingindo receitas que deverão passar dos 28% em 1995 para 30% em
2005. Apesar disso, continuarão numa posição consideravelmente
minoritária nos seus mercados nacionais. Contudo, nos mercados emergentes
como a televisão por assinatura, televisão interactiva e
os serviços multimedia) o aumento da quota de mercado dos
produtos europeus poderá atingir os 21% em 2005 (13% em 1995).
Em termos do investimento das famílias,
cerca de 48% das receitas totais no sector dos meios de comunicação
social provirão, por volta do ano 2005, do consumo directo dos agregados
familiares (contra 33% actualmente). Segundo as previsões, a televisão
interactiva e os serviços multimedia contribuirão
significativamente para este crescimento, não tanto por substituírem
os produtos e serviços existentes, mas pelo facto de os complementarem.
Relegitimado o serviço público
pelas «necessidades democráticas, sociais e culturais de cada
sociedade» e pela «necessidade de preservar o pluralismo dos
meios de comunicação social» o Tratado de Amesterdão
reconhece que é da responsabilidade de cada Estado-Membro definir
e organizar o seu sistema de serviço público de radiodifusão
da forma que considere mais adequada, confiando-lhe as funções
que considere necessárias à prossecução do
interesse público. Da mesma forma, o Tratado não prejudica
a competência dos Estados-Membros de financiarem o serviço
público de radiodifusão, na medida em que tal financiamento
seja concedido para a execução da sua missão de serviço
público conforme definida por cada Estado-Membro e desde que não
afecte a concorrência dentro da Comunidade de uma forma contrária
ao interesse comum, embora deva tomar em conta a necessidade de concretização
da missão de serviço público.
Tal como se reconhece no Relatório
do Grupo de Alto Nível a qualidade e a diversidade devem constituir
a base do serviço público de radiodifusão. A transmissão
de programação educativa, a informação objectiva
da opinião pública, a garantia do pluralismo e a transmissão,
democrática e gratuita, de programas recreativos de qualidade devem
contribuir para o reforço da produção europeia e respectiva
adaptação aos novos mercados, e assim participar na nova
evolução digital.
É naturalmente legítimo
que os radiodifusores públicos procurem abranger um público
alargado, de forma a satisfazer as necessidades de todos os grupos sociais,
muito embora não seja claro o que é que isso significa em
termos de «share» e de audiência média. Há
no entanto claras divergências entre radiodifusores públicos
e privados no que se refere às suas atribuições e
competências e à estratégia política europeia
no sector, muito embora não seja posto em causa o princípio
de dualidade público/privado para o sector.
Veja-se finalmente a questão
da avaliação das Directivas do Audiovisual (1989-97). A questão
do cumprimento das quotas e dos pressupostos legais comunitários
relativos ao Audiovisual consta de um relatório da Comissão
relativo à aplicação dos artigos 4º e 5º
da Directiva 89/552/CEE, concluído em 1998.Trata-se de um documento
que se refere essencialmente aos anos de 1995 e 1996 e inclui uma avaliação
geral da aplicação desses artigos no período 1991-1996
(16).
O documento começa por fazer
os resumos dos relatórios nacionais comunicados pelos Estados-membros
e pelos países da Associação Europeia de Comércio
Livre (EFTA) e inclui ainda o parecer da Comissão sobre os dados
obtidos. Há ainda uma referência à introdução
futura no mercado europeu da televisão digital
No período de 1995-96 a Comissão
retira a conclusão de que «os canais de televisão cumprem
globalmente, de forma satisfatória, os objectivos dos artigos 4º
e 5º, uma vez que esses objectivos são atingidos na maioria
dos casos.»
Quanto ao cumprimento do artigo
4º da Directiva, relativo à difusão de uma «percentagem
maioritária de obras europeias», são considerados dois
grupos de países. Um primeiro grupo regista uma progressão
notável nos resultados dos seus canais de televisão durante
o período em causa. (Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda,
Países Baixos e Portugal). Um segundo grupo (Bélgica, Grécia,
Luxemburgo e Reino Unido), apresenta dados mais irregulares com situações
mais extremadas. Áustria e Suécia apresentam dados ou não
satisfatórios ou insuficientes, respectivamente, e Espanha e Itália
pura e simplesmente não apresentaram os seus resultados na totalidade.
Quanto ao cumprimento do artigo
5º, relativo à integração de produções
independentes no tempo total de emissão, os resultados são
«globalmente satisfatórios», na perspectiva da Comissão.
Relativamente ao período
de 1991-96, a Comissão analisou três relatórios específicos
sobre a aplicação dos artigos 4º e 5º da Directiva
concluindo que no âmbito da difusão das obras europeias, se
verificou uma estabilização da percentagem de obras difundidas.
A título de exemplo, em 1993, 80 canais, num total de 118, difundiram
uma percentagem maioritária de obras europeias (67,7%). A Comissão
insiste, no entanto, na necessidade de interpretar estes dados com muita
precaução. De facto, trata-se de valores em bruto que não
dão conta da evolução, muitas vezes considerável,
de certos canais durante o período em causa, nem da posição
exacta dos canais em relação à percentagem de 51%.
Além disso, a situação do sector televisivo nos Estados-membros
apresenta diferenças fundamentais, tanto a nível da realidade
técnica e organizativa de cada um deles, corno a nível das
opções, dos objectivos e dos princípios regulamentares
postos em prática no respeito do direito comunitário.»
(17)
No domínio da produção
independente verificou-se um nítido aumento das percentagens comunicadas
pelos Estados-membros: num primeiro relatório, 68,4% dos canais
cumpriam o disposto na Directiva. Essa percentagem subiu depois para 85
%: em 1996, 151 canais europeus (em 214) cumpriam a directiva. No fundo,
são os canais temáticos e os canais de «pay TV»
especializados que maior dificuldade têm em cumprir as quotas, essencialmente
por uma questão de disponibilidade de «stock» em géneros
como o cinema, muito em particular. No que respeita à obrigação
relativa às obras provenientes de produtores independentes, verifica-se
portanto um nítido aumento, durante o período em causa, das
percentagens comunicadas pelos Estados e, por conseguinte, do cumprimento
do disposto no artigo 5º da directiva. Espanha, Portugal e Irlanda,
por exemplo, registaram em 1991-92, resultados bastante inferiores a 10%
preconizados, com excepção de um canal português que
cumpriu a directiva
Perante estes dados, a Comissão
elaborou o seu parecer procurando encontrar tendências gerais procurando
estudar o impacto e os limites da aplicação do disposto no
articulado da Directiva. A Comissão começa por constatar
o aumento significativo de canais europeus nos últimos anos, reconhecendo
que essa tendência pode tornar-se um obstáculo concreto à
monitorização do sistema: 189 em 1995 e 214 em 1996. Nos
anos anteriores, os totais eram de 162 em 1994, 159 em 1993 e 124 em 1991-92.
Relativamente ao cumprimento da
obrigação de difundir uma percentagem maioritária
de obras europeias, bem como do que se refere às produções
independentes, «os resultados que se podem extrair dos relatórios
nacionais são globalmente satisfatórios na medida em que
os objectivos da directiva são atingidos na maioria dos casos.»
(18)
Nos anos 1995-96 e agora em particular
em relação ao caso português, o nosso país apresentou
resultados referentes a cinco canais (Canal1, TV2, RTPi, SIC e TVI). Três
desses canais não atingem a percentagem majoritária em 1995
(Canal 1, SIC e TVI) e dois não a atingem em 1996 (SIC e TVI). Contudo,
reconhece a Comissão, regista-se um aumento da percentagem atingida
por quatro canais durante todo o período em causa. «As razões
invocados pelo Estado-membro dizem respeito à concorrência
das produções brasileiras já amortizadas quando chegam
ao mercado nacional, e por conseguinte, mais competitivas do que as produções
nacionais (…). As autoridades portuguesas sensibilizaram alguns canais
para a necessidade de cumprir os objectivos da directiva. Tendo em conta
a progressão dos resultados, não foi aplicada qualquer sanção.»(19)
De facto, por exemplo em relação à TVI, que em 1995
apenas emitiu 21,6 e 23,8 por cento de obras europeias, existe um atenuante.
Trata-se efectivamente do último operador a chegar ao (pequeno)
mercado nacional, num país com um pequeno uma produção
audiovisual reduzida e uma área linguística restrita, beneficiando
da evolução das percentagens obedecer ao carácter
progressivo previsto no nº1 do artigo 4º da directiva. Refira-se
em todo o caso que no mesmo período, a SIC apenas apresentou 30,7
e 37,9 por cento de produções europeias, havendo aqui claramente
uma dificuldade imposta por opções de programação
e de produção que têm a ver com o «produto»
telenovela brasileira.
No que respeita ao cumprimento do
artigo 5º da directiva, relativo às produções
independentes, nos resultados apresentados por Portugal, referentes aos
mesmos cinco canais, verifica-se que apenas um (a TVI, em 1995) não
atingiu a percentagem exigida, mas é salientada a progressividade
dos resultados, ainda que diminuta (de 7,9 para 10,6, entre 95 e 96). No
conjunto, chama-se a atenção de novo para o problema específico
dos países com produção audiovisual reduzida e de
uma área linguística restrita, o que tem sido interpretado,
noutros documentos, como devendo ter, em contrapartida da UE, apoio directo
enquanto «discriminação positiva».
Por fim, a Comissão insistia
na necessidade de obter dos Estados-membros relatórios nacionais
completos, «a fim de poder levar a cabo eficazmente o exercício
de acompanhamento, tendo nomeadamente em conta a introdução
no mercado dos novos canais e dos novos operadores.» E quanto ao
seguimento a dar ao relatório, a Comissão «avaliará
o grau de observância das percentagens fixadas, bem como a necessidade
de dar seguimento a acções por eventuais incumprimentos por
parte dos radiodifusores, em função da situação
específica destes últimos, ou seja, inter alia, em
função do carácter exequível da obrigação
decorrente da própria natureza dos canais, da progressividade dos
resultados, da média da totalidade dos canais e dos investimentos
realizados. A Comissão reserva-se a possibilidade de actuar contra
Estados-membros que não cumpram os objectivos decorrentes dos artigos
4º e 5º».(20)
No documento constam ainda um conjunto
de perspectivas de futuro relativamente ao acompanhamento a fazer no contexto
das alterações produzidas pela nova Directiva Televisão
sem Fronteiras, adoptada em 30 de Junho de 1997. O novo documento não
altera, em substância, o disposto nos artigos 4º e 5º,
tendo o legislador mantido o texto de 1989. A data-limite para a transposição
da directiva pelos Estados-membros é 30 de Dezembro de 1998. Donde,
o próximo exercício de acompanhamento da aplicação
dos artigos 4º e 5º da directiva será efectuado com base
na nova directiva.
Refira-se que a nova Directiva tem
por objectivo precisar e clarificar certas definições, designadamente
a competência dos Estados-membros relativamente aos radiodifusores,
bem como a introdução de regras relativas aos serviços
de televendas e bem assim o reforço da protecção dos
menores. Quanto ao artigos 4º e 5º, a obrigação
decorrente das novas disposições continua a ser considerada
«mais uma obrigação de comportamento do que uma obrigação
de resultado». Também a base de cálculo utilizada para
determinar as percentagens previstas nos referidos artigos passa a ser
constituída pelo tempo de antena, excluindo o tempo consagrado aos
noticiários, a manifestações desportivas, concursos,
publicidade ou serviços de teletexto ou de televendas.
É ainda redefinida a noção
de «produtor independente» com vista a tornar mais fácil
e eficaz a aplicação das disposições da directiva
pelos Estados-membros. Também a definição das obras
europeias passa a incluir co-produções com certos países
terceiros, isto esde que a participação dos co-produtores
comunitários no custo total da produção seja maioritária
e que esta não seja controlada por um ou mais produtores estabelecidos
fora do território dos Estados-membros. É ainda criada um
Comité de Contacto composto por representantes das autoridades dos
Estados-membros e presidido pela Comissão que tem por objectivo
analisar a aplicação das disposições da nova
directiva e eventualmente sugerir actualizações legislativas
em função dos novos pressupostos tecnológicos.
Inevitavelmente, o novo contexto
televisivo sofrerá uma profunda mutação. Inevitavelmente
também o futuro quadro do audiovisual europeu dependerá cada
vez mais do impacte das tecnologias digitais. A aplicação
da nova directiva e o próximo exercício de acompanhamento
(1997-98), caracterizar-se-ão portanto por um acentuado crescimento
do número de canais, através da multiplexagem digital, e
serviços de televisão na Europa (Pay TV, Pay Per View, VOD,
NVOD (etc.).
O facto é que ao contrário
do que é privisível, na perspectiva da Comissão, «a
utilização da técnica digital não se traduz
apenas num crescimento quantitativo do mercado audiovisual, mas transforma-o
também qualitativamente. Essa transformação afecta
tanto o conteúdo difundido como os próprios vectores de transmissão.
De facto, com a multiplicação dos canais, o conteúdo
dos programas torna-se cada vez mais rico e variado.» (21)
Outro é o problema do controlo
da directiva no novo contexto tecnológico: «à dificuldade
crescente para efectuar um acompanhamento baseado no conceito de canal
de televisão devido à multiplicação dos canais,
acresce o facto de o próprio conceito de «canal» de
televisão apresentar um carácter cada vez mais impreciso.
De facto, será que uma difusão do tipo «near-video-on-demand»,
em que o mesmo programa é difundido 20 vezes, com intervalos de
15 minutos entre cada programa, ainda se pode incluir no conceito de «canal»
? E o que dizer da multiplexagem digital, em que o mesmo espectro pode
ser utilizado por 3 ou 6 canais consoante a natureza dos programas?»
(22). E não há dúvida que a especialização
crescente dos canais é também uma uma nova dificuldade, na
medida em que a escolha de um conteúdo específico e limitado
pode impedir um canal de atingir uma percentagem maioritária de
obras europeias. Aqui os exemplo são inúmeros - cinema, novela,
ficção científica, etc.
Cabe assim à Comissão
acompanhar a aplicação da nova directiva, de modo flexível,
atendendo às circunstâncias, mas sem perder de vista o objectivo
essencial - produzir mais, mas também melhor televisão e
em particular melhor ficção e mais documentário na
Europa. E de forma decidida. A década de 90 e os dez anos de aplicação
das directivas da televisão não foram muito convincentes
nesse domínio.
Bibliografia:
- Emili Prado e Rosa Franquet, «Convergencia digital en el paraiso tecnológico: claroscuros de una revolución», Zer - Revista de Estudios de Comunicación, FCSC, Bilbao, Mayo de 1998, pp. 15-40.
- Francisco Rui Cádima, Desafios dos Novos Media, Editorial Notícias, Lisboa, 1999.
-, «Portugal e os Desafios da Comunicação», Actas do Colóquio Internacional Portugal e a Transição de Milénio, Fim de Século, Lisboa, 1998.
- Manuel Castells, La Era de la Información - Economia, Sociedad, Cultura, Vol. III, «Fin de Milenio», Madrid, Alianza Editorial, 1998, p. 394.
- Marcelino Oreja (Pres.), L'ère numérique et la politique audiovisuelle européenne - Rapport du Groupe de Réflexion à Haut Niveau sur la Politique Audiovisuelle,. Comissão Europeia, ECSC-EC-EAEC, Bruxelas 1998.
- Michio Kaku, Visões, Lisboa, Bizâncio, 1998, p. 58.
- Neil Barrett, The State of the Cibernation - Cultural, Political and Economic Implications of the Internet, Kogan Page, London, 1997.
- Serge Proulx e Michel Sénécal, «Interactividade técnica - simulacro de interacção e de democracia?», Tendências XXI, nº2, APDC, Lisboa, Setembro de 1997.
Outros documentos:
Economic Implications of New Communication Technologies on the Audiovisual Markets, Norcontel Ltd., 1997.
Livro Verde da Sociedade de Informação, Ministério da Ciência e Tecnologia, 1997.
Livro Verde Relativo à Convergência dos Sectores das Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às suas Implicações na Regulamentação, Comissão Europeia, COM (97) 623, Bruxelas, 1997.
Política Europeia: Próximas Etapas, Comissão das Comunidades Europeias, COM (1998) 446 final, Bruxelas, 1998.
Relatório da Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão, Presidência do Conselho de Ministros, Lisboa, 1996.
Relatório da Comissão Interministerial Para o Audiovisual, Ministério da Cultura, Lisboa, 1997.
Terceira Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu Relativa à Aplicação dos Artigos 4º e 5º da Directiva 89/552/CEE «Televisão Sem Fronteiras», CCE, COM (98), Bruxelas, 1998.
1 Livro Verde Relativo à Convergência dos Sectores das Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às suas Implicações na Regulamentação, Comissão Europeia, COM (97) 623, Bruxelas 3 de Dezembro de 1997, p.1.
6 L'ère numérique et la politique audiovisuelle européenne - Rapport du Groupe de Réflexion à Haut Niveau sur la Politique Audiovisuelle, presidido por Marcelino Oreja. Comissão Europeia, ECSC-EC-EAEC, Bruxelas 1998.
11 Política Europeia: Próximas Etapas, Comissão das Comunidades Europeias, COM (1998) 446 final, Bruxelas, 1998.
12 Economic Implications of New Communication Technologies on the Audiovisual Markets, Norcontel Ltd., 1997.
13 Em 1996, a Europa totalizava 669 filmes (412 produções nacionais e 424 co-produções), os EUA, 421 e o Japão 279. Como vimos, de todas as produções europeias, só cerca de 60-70 por cento estreiam em salas.
14 Em 1998 o apoio automático à produção representava 71% em França, e 47% em Espanha.
15 Eurofiction é um programa de pesquisa plurianual, coordenado pela Fondazione Hypercampo, da Universidade de Florença.
16 Terceira Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu Relativa à Aplicação dos Artigos 4º e 5º da Directiva 89/552/CEE «Televisão Sem Fronteiras», CCE, COM (98), Bruxelas, 1998.