O MERCADO AUDIOVISUAL EM PORTUGAL E OS
POSSÍVEIS CENÁRIOS PARA A EVOLUÇÃO DA TELEVISÃO PÚBLICA*

Pedro Jorge Braumann, Universidade Nova de Lisboa


* Este artigo, com algumas adaptações e novas perspectivas, tem como base um trabalho desenvolvido pelo autor para a "Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão em Portugal", cujo Relatório Final foi publicado em Outubro de 1996.

 

1. O MERCADO AUDIOVISUAL EM PORTUGAL

A televisão, depois da abertura nos últimos anos à iniciativa privada, tem gerado grandes debates sobre o conteúdo da programação, a importância da produção nacional, a qualidade da programação, ou mesmo até que ponto o mercado publicitário português é suficiente para suportar financeiramente os quatro canais existentes.
A importância de analisar a situação económica e financeira dos diferentes empresas que exploram os canais de televisão (RTP- operador público, SIC e TVI - operadores privados) tem sido frequentemente descurada, mas na realidade grande parte das suas actuais estratégias é muito condicionada pelo grau de resultados financeiros altamente negativos nos últimos anos.

A situação financeira actual da RTP e TVI, conforme se pode constatar pelo Quadro I, não tem evoluído de forma muito positiva.

QUADRO I

SITUAÇÃO FINANCEIRA GLOBAL DOS OPERADORES DE TELEVISÃO

1992 a 1996* (a preços correntes com valores em milhões de contos)

ACTIVO LÍQUIDO PASSIVO RESULTADO LÍQUIDOS
DO EXERCÍCIO
 
1992
1993
1994
1995
1992
1993
1994
1995
1992
1993
1994
1995
1996*
RTP
42,263
39,418
33,738
56,078 
30,817
37,860
41,809
51,809
-4,109
-7,833
-19,558
-26,581
-16,000
SIC
10,944
11,621
11,055
12,592
5,645
8,319
6,716
8,099
-0,691
-5,997
-1.962
0,154
2,000
TVI
6,448
8,078
17,936
15,545
4,895
8,557
9,667
12,129
-0,911
-5,479
-4,971
-4,852
-2,500
TO-TAL
               
-5,711
-19,309
-26,491
-31,279
-16,500

Valores Previstos.

Fontes: Relatórios e Contas da RTP, SIC e TVI (1992, 1993, 1994 e 1995).

Analisando o Quadro I é de salientar a degradação da situação da empresa pública de televisão (RTP), que apresenta em 1994 uma situação de falência técnica (o Passivo é já superior ao Activo Líquido em 8,071 milhões de contos, ou seja o Capital Próprio é negativo), situação que aparentemente melhorou em 1995 (o Activo é superior ao Passivo em 4,794 milhões de contos e portanto o Capital Próprio é agora positivo), mas que na prática é explicável sobretudo pelo valorização dos Arquivos em 26,569 milhões de contos e pelo aumento de capital em 12,8 milhões de contos.
A concorrência entre os diferentes canais e a escassez do mercado publicitário é em grande parte responsável pela actual situação financeira dos diferentes operadores de televisão, mas se em parte os maus resultados são explicáveis pela subida de custos de programação e pelos baixos preços cobrados pelos spots publicitários, não é possível ignorar os erros de gestão e de estratégia, que alguns destes mesmos operadores não conseguiram evitar.
Não é estranho que nos primeiros anos de exploração as televisões privadas tenham prejuízos mais ou menos elevados, sendo até de salientar dentro do panorama europeu a rapidez com que a SIC começou a ser líder de audiências e a apresentar Resultados Líquidos do Exercício positivos. O que parece mais invulgar é a progressiva degradação da situação financeira e dos Resultados Líquidos do Exercício da RTP sem que o Estado, seu único accionista, tenha tomado medidas de fundo que conduzissem não só a um saneamento financeiro como também a um planeamento estratégico alternativo ao modelo actual para o qual parece não ter havido até agora saída.
Penso ser de salientar que nos últimos 5 anos, mesmo com subsídios públicos de cerca de 7 milhões de contos ao ano (em 1996 os subsídios públicos aumentaram para 14,5 milhões de contos), a RTP acumulou resultados negativos superiores a 74 milhões de contos (em média cerca de 14,8 milhões de contos por ano), a TVI superiores a 18,7 milhões de contos (em média cerca de 3,7 milhões por ano) e a SIC cerca de 6,5 milhões de contos (em média cerca de 1,3 milhões por ano, apesar de finalmente em 1995 e 1996 apresentar resultados positivos).
O total de resultados negativos dos quatro operadores atingiu nos últimos cinco anos cerca de 100 milhões de contos (99,29), ou seja em média perto de 20 milhões de contos por ano.
Apesar da situação económica e financeira da SIC começar a evoluir no bom caminho, o mesmo não se passa com os outros operadores.
Se no futuro a SIC continuar a ser o canal líder das audiências e das receitas publicitárias, nomeadamente devido à exclusividade dos programas da Rede Globo, a sua viabilidade parece assegurada, mas no referente à TVI e a RTP só uma mudança de estratégia e eventualmente uma diversificação das suas fontes de financiamento, que não se limitem à publicidade, poderá garantir a sua capacidade de sobrevivência futura.
A TVI fez um esforço considerável de adaptação a sua actual situação de mercado e reduziu o seu deficit no último ano em cerca de 49% ( de -4,852 milhões de contos em 1995 para -2,5 milhões de contos em 1996), mas a RTP pouco recuperou, já que se reduziu o seu deficit anual em cerca de 40% (de -26,581 milhões de contos em 1995 para -16 milhões de contos em 1996), isso se deve sobretudo ao aumento dos subsídios de exploração por parte do Estado em 1996 (aumento de 6,654 milhões de contos em 1995 para 14,5 milhões de contos em 1996), já que retirando esse diferencial de subsídios de exploração por parte do Estado (14,5 - 6,654 milhões de contos) o deficit da RTP em 1996 teria sido de cerca de 23,9 milhões de contos (o deficit anual só teria assim diminuído entre 1995 e 1996 cerca de 10% , demonstrando de facto um pequeno esforço de recuperação financeira por parte do operador público).
A abertura a mais dois operadores privados da televisão em 1992, embora vantajosa em vários aspectos, pareceu ignorar as possibilidade do mercado publicitário televisivo português suportar os custos de 4 canais generalistas e sem qualquer taxa no serviço público (recentemente o actual Governo decidiu acabar completamente com a publicidade na RTP 2 e reduzir a publicidade na RTP 1).
Entre 1990 e 1991 publiquei, com o meu colega Francisco Rui Cádima, uma série de 3 artigos, dois em Portugal e um em França, sobre a futura abertura a operadores privados da televisão em Portugal (1). Nesses artigos não se contestava o processo de abertura à iniciativa privada mas, de forma quantitativa e com projecções de receitas publicitárias e de custos de exploração, era posta em causa a possibilidade do mercado publicitário televisivo português suportar os custos de 4 canais generalistas, não tendo ainda pôr cima o serviço público direito a continuar a cobrar a taxa. Na altura era apontado que a prazo um dos canais iria quase inevitavelmente falir e que a desregulamentação então em curso não podia ignorar as questões referentes a viabilidade económica de 4 canais em concorrência mercado. Não foram poucos os que nessa época nos consideraram como muito pessimistas. Talvez até tenhamos sido optimistas demais e o mercado aí esta a nos dar razão, já não sendo invulgar ver analistas a dizer que o actual. mercado publicitário só dá para dois canais e meio.
A evolução do mercado publicitário nos últimos anos e as tendências futuras, parecem não permitir alimentar grandes esperanças sobre a possibilidade, a médio prazo, das receitas publicitarias serem suficientes para as necessidades financeiras dos operadores de televisão em Portugal.

QUADRO II

EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO MERCADO PUBLICITÁRIO EM PORTUGAL

(Valores em milhões de contos)


 
Televisão

(1)

Restantes meios

(2)

Mercado Publicitário Bruto

(3)= (1)+(2)

Mercado

Publicitário Líquido (só televisão) 

(4)

Taxa de Crescimento do Mercado Publicitário Líquido (só televisão)

(5)

Estrutura de descontos no mercado televisivo

(6)

1995
47,6
30,5
78,1
37,7
--
20,8%
1996*
51,7
31,1
82,8
39,1
3,7%
24,4%
1997*
55,8
31,1
86,9
38,6
-1,3%
30,8%
1998*
59,7
31,6
91,3
42,1
9,1%
29,5%
1999*
63,9
31,9
95,8
41,5
-1,4%
35,1%
2000*
67,8
32,9
100,7
44,0
6,0%
35,1%

* Previsão

Fonte: Plano de Reestruturação da RTP (1996-2000), com adaptações.

Os valores apresentados neste Quadro II permitem constatar que as receitas publicita líquidas dos 4 canais (o valor estimado aponta para cerca de 39,1 milhões de contos em 1996, quando só os Custos Totais da RTP, orçamentados para 1996, eram de cerca de 42,9 milhões de contos).
Perante a situação até aqui descrita não parece difícil prever que o mercado televisivo português, longe de ter atingido uma situação mais ou menos estável, parece caminhar para grandes mudanças nos próximos anos.
 
 

2. ALGUNS CENÁRIOS POSSÍVEIS PARA O FINANCIAMENTO DA RTP

Dentro do panorama audiovisual português a reestruturação, em diferentes vertentes, do operador público deve ser considerada como fundamental.
A possível evolução futura da RTP será em seguida objecto de análise detalhada, considerando diferentes cenários, que devem ser perspectivados fundamentalmente como alternativas possíveis de evolução para a RTP.
Por outras palavras, não se trata de procurar cenários rígidos e definitivos, alem de obrigatoriamente mutuamente exclusivos, mas sim de enquadrar o possível debate sobre as principais alternativas de evolução da RTP.
 

1- CENÁRIO CONSERVADOR <C> (mantendo na generalidade as actuais tendências, com os cinco canais actuais e a RTP África):
C1 - O Estado devido às limitações do mercado publicitário, conjuntamente com o facto da RTP ter dificuldade clara de contenção de custos e de reestruturação interna, vai gastar com subsídios directos e aumentos de capital pelo menos cerca de 25 milhões de contos por ano, mas provavelmente bastante mais (entre 4 a 5 milhões de contos), devido as dificuldades da empresa em reduzir custos e ao facto de novas despesas terem de ser feitas, com as «janelas regionais», a RTP África, a emissão em directo da RTP 1 para os Açores e Madeira, e a redução das receitas publicitárias (devido a recente decisão do Governo de acabar com a publicidade na RTP 2 e limitar a mesma a sete minutos e meio por hora de emissão na RTP 1).
Tendo em linha de conta o Plano de Reestruturação da Empresa apresentado ao Governo, que é claramente optimista nas projecções das receitas publicitarias e nas reduções de custos a implementar, o financiamento público terá de ser, mesmo com algumas medidas de saneamento económico-financeiro, de cerca de 110 milhões de contos a preços correntes, para o período entre 1997 e 2000 (cerca de 25 milhões de contos ao ano de financiamento público directo e 10 milhões de contos de dívida bancária a pagar pelo Estado em 2001).
Este Plano de Reestruturação se parece evitar a falência financeira da RTP no médio prazo (até ao ano 2000), esta longe de resolver os problemas financeiros da empresa, para além de dificilmente a preparar para os desafios do futuro e para o desenvolvimento de um real plano estratégico de reconversão e adaptação as novas tendências do mercado audiovisual.
Mais do que evitar a falência interessa também à RTP um real plano estratégico de adaptação ao futuro.

C2 - O Estado mantém o modelo anterior mas financia a RTP através da compra dos seus Arquivos (num valor não inferior a 26 milhões de contos) e da constituição posterior de um Arquivo Público da Televisão. A RTP manterá os direitos sobre o Arquivo para exploração futura em canais temáticos e dos novos sistemas a pagamento.

C3 - O Estado continua a financiar a RTP, mas abre «janelas regionais» na RTP1 ou RTP2 (numa primeira fase com uma a duas horas diárias de produção regional, com uma programação em que a informação assumiria uma importância fundamental). Esse modelo poderia ser aplicado também em 1997 na RTP - Madeira e RTP- Açores. Também em 1997, mas na pior das hipóteses a partir de 1998 seria aplicado no Continente, com ou sem regionalização. Na hipótese do território continental ser regionalizado as diferentes regiões vão futuramente assumir, total ou parcialmente, os encargos financeiros das suas «janelas regionais». Este cenário, havendo regionalização do Continente, permitiria reduzir os encargos financeiros do Estado Central e alargar o papel da RTP na sua missão de serviço público.

C4 - A componente de serviço público da RTP é alargada e existe uma redução da emissão da publicidade, particularmente da RTP 1 no prime time. A situação financeira da RTP tendera a piorar, ou o Estado terá que aumentar substancialmente o seu financiamento.

C5 - O Estado mantém o fundamental do modelo até aqui existente, mas não financia a empresa e esta acaba por ficar numa situação de falência.
 

2- CENÁRIO LIBERAL <L> O Estado vai privatizar ou entregar por concessão parcial ou total um dos dois canais (RTP1 e RTP2) a um operador privado:


L1 - O Estado privatiza ou entrega por concessão a RTP 1 (em regime de canal dependente das receitas da publicidade), mantendo ou aumentando as dificuldades dos operadores privados já existentes. O serviço público é assegurado através da RTP 2 (eventualmente com «janelas regionais»), com custos anuais que não vão ultrapassar para o Estado os 10 milhões de contos. Por outro lado o Estado vai sustentar a produção e a criação de alguns programas nacionais de ficção, inclusive dos operadores privados (que terão mais tarde a obrigação de os ceder à RTPI), reorientando a utilização dos recursos públicos, salvaguardando a sua cultura e língua e defendendo as indústrias de produção nacional.

L2 - O Estado privatiza a RTP 2, entregando a exploração por subconcessão ou contrato de gestão a uma empresa privada, passando este canal a um sistema de «pay-TV». A RTP1 asseguraria o serviço público (eventualmente com um período horário de «janelas regionais», de pelo menos uma a duas horas por dia) e iria beneficiar das possíveis receitas da subconcessão da RTP 2.
 

3- CENÁRIO RADICAL <R> : A RTP aplica um plano de reestruturação radical, tipo relatório Mackinsey, atingindo num prazo de dois a três anos o seu equilíbrio financeiro, mas alterando radicalmente a sua estrutura organizativa e possivelmente a sua estratégia de programação e concorrência com os operadores privados.
4- CENÁRIO EVOLUCIONISTA <E> : O Estado tenta criar um serviço público moderno e adaptado às condições futuras. Para além de ter um bom serviço público o objectivo é criar um grupo empresarial com predominância portuguesa pública e capaz de concorrer em segmentos do mercado mundial, com parceiros estratégicos ao nível tecnológico e de conteúdos (comparativamente à SIC e a TVI a RTP é o único operador que não tem parceiros estratégicos internacionais), adoptando uma estratégia não só de serviço público, mas também de capacidade de criar produção audiovisual nacional e em língua portuguesa:


E1 - A RTP passa a ser uma holding ( a exemplo do que parece ser o caminho de outros operadores públicos europeus em países como o Reino Unido, Itália ou a França), que no curto prazo (máximo de 1 a 2 anos, mas que seria conveniente não demorar mais de 1 ano a implementar) é constituída pelos canais já existentes e a RTP África.
A nova holding RTP vai ser financiada por capitais públicos, directamente no mercado através da viabilidade dos seus novos projectos e pela entrada de capital privado minoritário nalgumas das empresas do grupo ( o que poderá render pelo menos 20 milhões de contos de receitas para a empresa, provavelmente mais se o plano de privatização parcial de algumas das novas empresas a criar no seio da RTP for devidamente estruturado, permitindo reduzir substancialmente o seu actual passivo e as dividas acumuladas).
A RTP 2 seria um canal de «pay-TV», parcialmente privatizada dentro da holding, numa percentagem não superior a 49%. O que poderá possibilitar futuramente, logo que o canal seja rentável, proveitos financeiros à RTP, e evitaria em grande parte o actual prejuízo deste canal, que atingiu em 1995 um Resultado negativo de cerca de 9 milhões de contos).
O Estado irá impor a este novo canal de «pay-TV» obrigações de emissão e apoio à produção de filmes e ficção nacionais (passível inclusive de ser emitida posteriormente na própria RTP 1), o que ajudar a desenvolver uma indústria nacional de produção audiovisual, todavia essas obrigações não podem ser de tal forma pesadas que não seja possível viabilizar financeiramente o canal.
A RTP 1 assumiria o papel fulcral de serviço público, na medida em que uma parte da até agora programação mais tradicionalmente reconhecida claramente como de serviço público seria «transferida» da RTP 2 (preferencialmente no período horário entre as 14 e as 17/18 horas, eventualmente horários nocturnos mais avançados, sendo provavelmente a perda de receitas publicitarias neste período não superior a um valor entre 2 e 3 milhões de contos), abriria «janelas regionais» (numa fase inicial entre 1 a 2 horas diárias em média e possivelmente sem publicidade) e reduziria, em maior ou menor grau, a quantidade global de publicidade emitida, viabilizando assim mais facilmente a SIC e a TVI e estabilizando a curto prazo o mercado publicitário televisivo em Portugal.
 
 

ESTRUTURA BASE DA HOLDING RTP:

- Conselho de Administração da Holding RTP alargado (10 a 15 membros) com administradores delegados de cada uma das empresas do grupo.

EMPRESAS DA HOLDING:

RTP 1 - Base do serviço público e só com capitais públicos;
RTP 2 - Canal de «pay-TV» parcialmente privatizado até 49%. No caso da RTP não conseguir ser ela o motor do projecto, poderia entregar por subconcessão ou contrato de gestão a exploração do canal a uma empresa ou consórcio privado;
RTPI/ RTP África - Constituída pelos canais internacionais de carácter generalista, aberta também à difusão de programas dos operadores privados e/ou públicos em língua portuguesa.
Esta empresa terá um Estatuto próprio que proteja os interesses portugueses, nomeadamente junto dos PALOPS, podendo ser eventualmente financiados, a exemplo de outras países europeus, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. O capital devera ser totalmente público;
RTP Regional - Esta empresa poderia ser constituída por sub-empresas de cada um dos pequenos canais regionais. A empresa teria maioria de capital da RTP, mas poderia ser aberta a investidores públicos e/ou privados de cada uma das regiões;
RTC - Com a actual estrutura de controle da publicidade e desenvolvendo também a obtenção do patrocínio e merchandising da holding. O capital seria maioritariamente público, mas poderia ser aberto (até 49%) aos investidores privados estrategicamente convenientes;
RTP Produção - Seria lançada, dentro da holding, uma nova empresa de produção audiovisual e multimédia, também passível de ser parcialmente privatizada até 49%;
RTP Publicações - Empresa para exploração das publicações (TV Guia e outras publicações), também passível de ser parcialmente privatizada até 49%;
RTP Novos Sistemas - Além da comercialização de novos produtos a partir dos arquivos e do desenvolvimento do marketing, esta empresa iria aproveitar as sinergias do seu arquivo, compras e produção própria de programas, relações privilegiadas com parceiros internacionais (particularmente na Europa, no Brasil e nos USA), para desenvolver projectos de novos canais temáticos ou generalistas de interesse público (possivelmente também sistemas de «pay-per-view» e NVOD - Near Video on Demand) portugueses que serão criados logo que as condições técnicas, económicas e legais o possibilitem.
A RTP estaria também envolvida no desenvolvimento dos sistemas digitais e participaria, em aliança com os seus possíveis parceiros estratégicos, na sua implementação e futuro alargamento das suas emissões a sistemas de televisão de alta definição.
Esta Empresa poderia também ser aberta ao investimento privado até 49%;

E2 - Semelhante ao anterior, mas tendo como alternativa uma abertura ao investimento e à participação na estratégia da nova holding de investidores nacionais ligados à indústria de conteúdo e/ou distribuição.

Conclusão: O Estado poderia obter vantagens financeiras evidentes da implementação deste estratégia, reduzindo substancialmente a partir de 1998 ou 1999 o financiamento à RTP. Seria possível reduzir os custos financeiros actuais, de cerca de 25 a 30 milhões de contos, para cerca de 10 a 15 milhões de contos por ano. No futuro e à medida que o canal de «pay-TV» seja rentável o esforço financeiro do Estado ira diminuir ainda mais.

Por outro lado a reestruturação da empresa, ira permitir uma melhor afectação dos quadros de pessoal às necessidades da holding e eventual maior flexibilidade nas mudanças de fundo que a esse nível poderá vir a ser necessária, reconverter toda a estrutura organizativa, encontrar formas de gestão mais actualizadas, rigorosas e adaptativas, traçar um plano estratégico viável e bem definido e particularmente «obrigar» a RTP, que tem revelado nalgumas áreas uma certa inércia, a adaptar-se ao futuro.

Este Cenário Evolucionista <E> parece ser o mais adequado aos interesses futuros estratégicos da RTP e ao reequilibro do mercado audiovisual português, muito embora seja conveniente aprofundar, com estudos complementares, algumas das mudanças mais importantes para que aponta.
 
 

3. A NECESSIDADE DE UM DEBATE PÚBLICO

Os cenários anteriormente referidos tinham como objectivo provocar um debate público sobre o futuro da RTP.
O recente "Contrato de Concessão do Serviço Público de Televisão" (31 de Dezembro de 1996), assinado entre o Estado Português e a RTP (Radiotelevisão Portuguesa, SA.), não parece ter levado em linhas de conta que a perspectiva claramente maioritária da "Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão em Portugal" apontava para o Cenário Evolucionista anteriormente referido, já que as principais alternativas colocadas por esse mesmo cenário parecem ter sido quase completamente ignoradas.
Apesar de o novo Contrato de Concessão introduzir um maior rigor financeiro na RTP e mecanismos externos de controle, até agora ausentes ou quase esquecidos, não deixa de ser paradoxal que futuramente os encargos financeiros obrigatórios por parte do Estado, com o Serviço Público, vão crescer substancialmente. Por outro lado, são no mínimo duvidosos os efeitos práticos, deste Contrato de Concessão, numa melhor regulação do mercado publicitário televisivo e dos media em geral.
Recentes informações, com base nas obrigações impostas a RTP com o novo Contrato de Concessão parecem apontar para a necessidade de financiamentos públicos de cerca de 33 milhões de contos em 1997.
Supondo que é justificável, perante usos alternativos dos dinheiros públicos, aumentar o actual esforço financeiro do Estado Português com o Serviço Público de televisão, não seria eventualmente bem mais razoável avançar com um Canal de Televisão Educativo ou ainda apoiar, na sua fase de arranque, as futuras experiências de televisões regionais e locais?
Será que o esforço de reestruturação financeira e de controle de custos que, em pequena escala, a RTP é agora obrigada a desenvolver, justifica as elevadas verbas que a empresa ira receber futuramente de forma garantida?
A questão fundamental talvez seja a de saber, independentemente da qualidade da programação, filosofia de antena, ou do serviço público prestado ao pais pela RTP, mesmo aceitando que eventualmente tudo isto melhorou muito e ira ainda melhorar muito mais no futuro próximo, se o preço pago pelo Estado pela prestação de Serviço Público não é uma das variáveis mais relevantes a considerar. Pondo a questão da forma mais clara possível, outra empresa não poderia fazer tudo o que faz a RTP, talvez ainda melhor, com um custo para o Estado muito mais baixo?
Se esta ultima hipótese que coloquei for verdadeira então mesmo que aceitemos que o actual serviço público de televisão prestado pela RTP é o que melhor serve o interesse público, o que francamente não acredito pessoalmente, então a questão que se deve abordar será a de saber se o "preço cobrado" pela RTP pelo fornecimento deste Serviço Público é um preço justo, ou seria possível fazer o mesmo ou melhor a um preço muito mais baixo?
Se considerarmos que um Serviço Público não tem que estar obrigatoriamente afastado das regras de eficiência económica e financeira, sendo possível fazer o mesmo Serviço Público que a RTP faz, só que a um preço muito mais baixo, então o que o Estado esta a pagar em Portugal é não só o Serviço Público, mas também claramente as ineficiências produtivas da empresa RTP, sendo se calhar injusto exigir os custos dessa mesma ineficiência aos portugueses.
Não houve até agora um verdadeiro debate sobre estas questões na sociedade portuguesa, sendo claro que o Relatório da "Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão em Portugal" poderia ser um dos instrumentos de trabalho útil para esse debate, nomeadamente discutindo qual o sentido e o papel desejável do Serviço Público de televisão, num momento em que muito esta em causa na Europa nas tradicionais empresas de Serviço Público de televisão (actualmente por exemplo uma das linhas estratégicas de força da reputada BBC é avançar para os sistemas de difusão digital e para canais de pay-TV).
Sem duvida que a actual estratégia definida pelo Estado para o operador público de televisão (RTP) permita estancar os prejuízos futuros da empresa, a custa de um esforço financeiro bem maior por parte do Estado Português, mas não prepara a RTP para o novo quadro evolutivo futuro do sector audiovisual.
Uma das variáveis mais importantes a ser considerada neste problema é claramente a da qualidade da programação do operador público, mas será que é possível continuar a ignorar a necessidade de reconversão profunda e a preparação para a própria sobrevivência estratégica futura da RTP, nomeadamente num quadro evolutivo em que a próprio conceito de Serviço Publico esta longe de ser totalmente estável e imutável ao longo do tempo ?
Gostaria de referir, como exemplo, que a passagem da RTP a uma holding foi aceite por unanimidade na "Comissão de Reflexão sobre o Futuro da Televisão", sendo hoje também politica vulgar noutros países europeus, como por exemplo na Grã- Bretanha com a BBC, todavia o assunto nem sequer até ao momento foi debatido e estudado devidamente em Portugal.
Para concluir direi que a reconversão da RTP, seja qual for a estratégia adoptada, tem que englobar, além de programação e aspectos tecnológicos, também uma reconversão económico - financeira, que ultrapasse somente as alterações na estrutura de receitas e despesas e de equilíbrios financeiros, tendo como preocupação fundamental a reconversão organizativa e empresarial, para ser capaz de responder não só as questões de curto prazo, mas sobretudo aos desafios de médio e longo prazo.
A experiência recente da RTP, desde 1992 até agora, mostra que a empresa, apesar de partir de uma posição monopolística no mercado, foi incapaz de seguir uma politica estrategicamente correcta.
Não será altura de retirar os ensinamentos desta experiência recente, considerando que provavelmente o futuro ainda será bem mais complicado do que foi o passado recente, sendo necessário agora pensar estrategicamente as possíveis tendências desse mesmo futuro?
Parece que será cada vez mais difícil os poderes públicos continuarem a tentar controlar a difusão, sendo no futuro bem mais conveniente uma reorientação da utilização dos recursos públicos, salvaguardando a sua cultura e defendendo as indústrias de produção. O objectivo poderá ser agora encorajar o mercado de serviços, que parece ser o futuro do audiovisual, e defender a produção.
Provavelmente a crise económica do serviço público devera aumentar ao mesmo tempo que a publicidade continuara, ainda por alguns anos, a ser a principal fonte de receita do sector.
Será que futuros governos irão financiar tão generosamente a RTP, ou mesmo terão condições financeiras para o fazer? Será que uma futura panóplia de canais e de novos sistemas de difusão não irão por rapidamente em causa o actual modelo organizativo da RTP e as reais necessidades do Serviço Público de televisão? Será que no futuro não fará mais sentido uma politica pública em que uma parte substancial do financiamento público devera ser mais orientada para subsidiar programas, seja qual for o canal que os vá difundir, e cada vez menos pelo subsidio a canais, particularmente quando uma parte substancial dos programas emitidos por estes canais dificilmente poderá ser identificada como Serviço Público?
As anteriores questões não tem resposta fácil e imediata e é por isso que devem ser discutidas publicamente, não esquecendo todavia que deste debate não podem nem devem ser afastados, para além do Governo e da RTP, o público telespectador em geral, e os diferentes actores do sector audiovisual em particular (canais de televisão privados, difusores de cabo, anunciantes, agências publicitárias, produtores e realizadores de cinema e de obras audiovisuais, operadores de telecomunicações, etc.).
 




NOTAS
  1. "Televisão em Portugal: que mercado para os anos 90", Revista Comunicações, APDC, Lisboa, Janeiro de 1991; "Televisão - Oásis ou miragem?", Revista Marketing & Publicidade, Lisboa, Outubro de 1990 ( o mesmo artigo foi publicado com o título: "Où va la télévision portugaise?", Revista MÉDIASPOUVOIRS nº 24, Paris, Outubro de 1991).

BIBLIOGRAFIA

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