Pedro Jorge Braumann, Universidade Nova de Lisboa
1. O MERCADO AUDIOVISUAL EM PORTUGAL
A televisão, depois da abertura nos últimos anos à
iniciativa privada, tem gerado grandes debates sobre o conteúdo
da programação, a importância da produção
nacional, a qualidade da programação, ou mesmo até
que ponto o mercado publicitário português é suficiente
para suportar financeiramente os quatro canais existentes.
A importância de analisar a situação económica
e financeira dos diferentes empresas que exploram os canais de televisão
(RTP- operador público, SIC e TVI - operadores privados) tem sido
frequentemente descurada, mas na realidade grande parte das suas actuais
estratégias é muito condicionada pelo grau de resultados
financeiros altamente negativos nos últimos anos.
A situação financeira actual da RTP e TVI, conforme se pode constatar pelo Quadro I, não tem evoluído de forma muito positiva.
QUADRO I
SITUAÇÃO FINANCEIRA GLOBAL DOS OPERADORES DE TELEVISÃO
1992 a 1996* (a preços correntes com valores em milhões de contos)
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Valores Previstos.
Fontes: Relatórios e Contas da RTP, SIC e TVI (1992, 1993, 1994 e 1995).
Analisando o Quadro I é de salientar a degradação
da situação da empresa pública de televisão
(RTP), que apresenta em 1994 uma situação de falência
técnica (o Passivo é já superior ao Activo Líquido
em 8,071 milhões de contos, ou seja o Capital Próprio é
negativo), situação que aparentemente melhorou em 1995 (o
Activo é superior ao Passivo em 4,794 milhões de contos e
portanto o Capital Próprio é agora positivo), mas que na
prática é explicável sobretudo pelo valorização
dos Arquivos em 26,569 milhões de contos e pelo aumento de capital
em 12,8 milhões de contos.
A concorrência entre os diferentes canais e a escassez do mercado
publicitário é em grande parte responsável pela actual
situação financeira dos diferentes operadores de televisão,
mas se em parte os maus resultados são explicáveis pela subida
de custos de programação e pelos baixos preços cobrados
pelos spots publicitários, não é possível ignorar
os erros de gestão e de estratégia, que alguns destes mesmos
operadores não conseguiram evitar.
Não é estranho que nos primeiros anos de exploração
as televisões privadas tenham prejuízos mais ou menos elevados,
sendo até de salientar dentro do panorama europeu a rapidez com
que a SIC começou a ser líder de audiências e a apresentar
Resultados Líquidos do Exercício positivos. O que parece
mais invulgar é a progressiva degradação da situação
financeira e dos Resultados Líquidos do Exercício da RTP
sem que o Estado, seu único accionista, tenha tomado medidas de
fundo que conduzissem não só a um saneamento financeiro como
também a um planeamento estratégico alternativo ao modelo
actual para o qual parece não ter havido até agora saída.
Penso ser de salientar que nos últimos 5 anos, mesmo com subsídios
públicos de cerca de 7 milhões de contos ao ano (em 1996
os subsídios públicos aumentaram para 14,5 milhões
de contos), a RTP acumulou resultados negativos superiores a 74 milhões
de contos (em média cerca de 14,8 milhões de contos por ano),
a TVI superiores a 18,7 milhões de contos (em média cerca
de 3,7 milhões por ano) e a SIC cerca de 6,5 milhões de contos
(em média cerca de 1,3 milhões por ano, apesar de finalmente
em 1995 e 1996 apresentar resultados positivos).
O total de resultados negativos dos quatro operadores atingiu nos últimos
cinco anos cerca de 100 milhões de contos (99,29), ou seja em média
perto de 20 milhões de contos por ano.
Apesar da situação económica e financeira da SIC
começar a evoluir no bom caminho, o mesmo não se passa com
os outros operadores.
Se no futuro a SIC continuar a ser o canal líder das audiências
e das receitas publicitárias, nomeadamente devido à exclusividade
dos programas da Rede Globo, a sua viabilidade parece assegurada, mas no
referente à TVI e a RTP só uma mudança de estratégia
e eventualmente uma diversificação das suas fontes de financiamento,
que não se limitem à publicidade, poderá garantir
a sua capacidade de sobrevivência futura.
A TVI fez um esforço considerável de adaptação
a sua actual situação de mercado e reduziu o seu deficit
no último ano em cerca de 49% ( de -4,852 milhões de contos
em 1995 para -2,5 milhões de contos em 1996), mas a RTP pouco recuperou,
já que se reduziu o seu deficit anual em cerca de 40% (de -26,581
milhões de contos em 1995 para -16 milhões de contos em 1996),
isso se deve sobretudo ao aumento dos subsídios de exploração
por parte do Estado em 1996 (aumento de 6,654 milhões de contos
em 1995 para 14,5 milhões de contos em 1996), já que retirando
esse diferencial de subsídios de exploração por parte
do Estado (14,5 - 6,654 milhões de contos) o deficit da RTP em 1996
teria sido de cerca de 23,9 milhões de contos (o deficit anual só
teria assim diminuído entre 1995 e 1996 cerca de 10% , demonstrando
de facto um pequeno esforço de recuperação financeira
por parte do operador público).
A abertura a mais dois operadores privados da televisão em 1992,
embora vantajosa em vários aspectos, pareceu ignorar as possibilidade
do mercado publicitário televisivo português suportar os custos
de 4 canais generalistas e sem qualquer taxa no serviço público
(recentemente o actual Governo decidiu acabar completamente com a publicidade
na RTP 2 e reduzir a publicidade na RTP 1).
Entre 1990 e 1991 publiquei, com o meu colega Francisco Rui Cádima,
uma série de 3 artigos, dois em Portugal e um em França,
sobre a futura abertura a operadores privados da televisão em Portugal
(1). Nesses artigos não se contestava o processo de abertura à
iniciativa privada mas, de forma quantitativa e com projecções
de receitas publicitárias e de custos de exploração,
era posta em causa a possibilidade do mercado publicitário televisivo
português suportar os custos de 4 canais generalistas, não
tendo ainda pôr cima o serviço público direito a continuar
a cobrar a taxa. Na altura era apontado que a prazo um dos canais iria
quase inevitavelmente falir e que a desregulamentação então
em curso não podia ignorar as questões referentes a viabilidade
económica de 4 canais em concorrência mercado. Não
foram poucos os que nessa época nos consideraram como muito pessimistas.
Talvez até tenhamos sido optimistas demais e o mercado aí
esta a nos dar razão, já não sendo invulgar ver analistas
a dizer que o actual. mercado publicitário só dá para
dois canais e meio.
A evolução do mercado publicitário nos últimos
anos e as tendências futuras, parecem não permitir alimentar
grandes esperanças sobre a possibilidade, a médio prazo,
das receitas publicitarias serem suficientes para as necessidades financeiras
dos operadores de televisão em Portugal.
QUADRO II
EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO MERCADO PUBLICITÁRIO EM PORTUGAL
(Valores em milhões de contos)
(1) |
(2) |
(3)= (1)+(2) |
Publicitário Líquido (só televisão) (4) |
(5) |
(6) |
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* Previsão
Fonte: Plano de Reestruturação da RTP (1996-2000), com adaptações.
Os valores apresentados neste Quadro II permitem constatar que as receitas
publicita líquidas dos 4 canais (o valor estimado aponta para cerca
de 39,1 milhões de contos em 1996, quando só os Custos Totais
da RTP, orçamentados para 1996, eram de cerca de 42,9 milhões
de contos).
Perante a situação até aqui descrita não
parece difícil prever que o mercado televisivo português,
longe de ter atingido uma situação mais ou menos estável,
parece caminhar para grandes mudanças nos próximos anos.
2. ALGUNS CENÁRIOS POSSÍVEIS PARA O FINANCIAMENTO DA RTP
Dentro do panorama audiovisual português a reestruturação,
em diferentes vertentes, do operador público deve ser considerada
como fundamental.
A possível evolução futura da RTP será
em seguida objecto de análise detalhada, considerando diferentes
cenários, que devem ser perspectivados fundamentalmente como alternativas
possíveis de evolução para a RTP.
Por outras palavras, não se trata de procurar cenários
rígidos e definitivos, alem de obrigatoriamente mutuamente exclusivos,
mas sim de enquadrar o possível debate sobre as principais alternativas
de evolução da RTP.
1- CENÁRIO CONSERVADOR <C> (mantendo na generalidade as actuais tendências, com os cinco canais actuais e a RTP África):C1 - O Estado devido às limitações do mercado publicitário, conjuntamente com o facto da RTP ter dificuldade clara de contenção de custos e de reestruturação interna, vai gastar com subsídios directos e aumentos de capital pelo menos cerca de 25 milhões de contos por ano, mas provavelmente bastante mais (entre 4 a 5 milhões de contos), devido as dificuldades da empresa em reduzir custos e ao facto de novas despesas terem de ser feitas, com as «janelas regionais», a RTP África, a emissão em directo da RTP 1 para os Açores e Madeira, e a redução das receitas publicitárias (devido a recente decisão do Governo de acabar com a publicidade na RTP 2 e limitar a mesma a sete minutos e meio por hora de emissão na RTP 1).
C2 - O Estado mantém o modelo anterior mas financia a RTP através da compra dos seus Arquivos (num valor não inferior a 26 milhões de contos) e da constituição posterior de um Arquivo Público da Televisão. A RTP manterá os direitos sobre o Arquivo para exploração futura em canais temáticos e dos novos sistemas a pagamento.
C3 - O Estado continua a financiar a RTP, mas abre «janelas regionais» na RTP1 ou RTP2 (numa primeira fase com uma a duas horas diárias de produção regional, com uma programação em que a informação assumiria uma importância fundamental). Esse modelo poderia ser aplicado também em 1997 na RTP - Madeira e RTP- Açores. Também em 1997, mas na pior das hipóteses a partir de 1998 seria aplicado no Continente, com ou sem regionalização. Na hipótese do território continental ser regionalizado as diferentes regiões vão futuramente assumir, total ou parcialmente, os encargos financeiros das suas «janelas regionais». Este cenário, havendo regionalização do Continente, permitiria reduzir os encargos financeiros do Estado Central e alargar o papel da RTP na sua missão de serviço público.
C4 - A componente de serviço público da RTP é alargada e existe uma redução da emissão da publicidade, particularmente da RTP 1 no prime time. A situação financeira da RTP tendera a piorar, ou o Estado terá que aumentar substancialmente o seu financiamento.
C5 - O Estado mantém
o fundamental do modelo até aqui existente, mas não financia
a empresa e esta acaba por ficar numa situação de falência.
2- CENÁRIO LIBERAL <L> O Estado vai privatizar ou entregar por concessão parcial ou total um dos dois canais (RTP1 e RTP2) a um operador privado:
L1 - O Estado privatiza
ou entrega por concessão a RTP 1 (em regime de canal dependente
das receitas da publicidade), mantendo ou aumentando as dificuldades dos
operadores privados já existentes. O serviço público
é assegurado através da RTP 2 (eventualmente com «janelas
regionais»), com custos anuais que não vão ultrapassar
para o Estado os 10 milhões de contos. Por outro lado o Estado vai
sustentar a produção e a criação de alguns
programas nacionais de ficção, inclusive dos operadores privados
(que terão mais tarde a obrigação de os ceder à
RTPI), reorientando a utilização dos recursos públicos,
salvaguardando a sua cultura e língua e defendendo as indústrias
de produção nacional.
L2 - O Estado privatiza a
RTP 2, entregando a exploração por subconcessão ou
contrato de gestão a uma empresa privada, passando este canal a
um sistema de «pay-TV». A RTP1 asseguraria o serviço
público (eventualmente com um período horário de «janelas
regionais», de pelo menos uma a duas horas por dia) e iria beneficiar
das possíveis receitas da subconcessão da RTP 2.
3- CENÁRIO RADICAL <R> : A RTP aplica um plano de reestruturação radical, tipo relatório Mackinsey, atingindo num prazo de dois a três anos o seu equilíbrio financeiro, mas alterando radicalmente a sua estrutura organizativa e possivelmente a sua estratégia de programação e concorrência com os operadores privados.
4- CENÁRIO EVOLUCIONISTA <E> : O Estado tenta criar um serviço público moderno e adaptado às condições futuras. Para além de ter um bom serviço público o objectivo é criar um grupo empresarial com predominância portuguesa pública e capaz de concorrer em segmentos do mercado mundial, com parceiros estratégicos ao nível tecnológico e de conteúdos (comparativamente à SIC e a TVI a RTP é o único operador que não tem parceiros estratégicos internacionais), adoptando uma estratégia não só de serviço público, mas também de capacidade de criar produção audiovisual nacional e em língua portuguesa:
E1 - A RTP passa a ser
uma holding ( a exemplo do que parece ser o caminho de outros operadores
públicos europeus em países como o Reino Unido, Itália
ou a França), que no curto prazo (máximo de 1 a 2 anos, mas
que seria conveniente não demorar mais de 1 ano a implementar) é
constituída pelos canais já existentes e a RTP África.
A nova holding RTP vai ser financiada
por capitais públicos, directamente no mercado através da
viabilidade dos seus novos projectos e pela entrada de capital privado
minoritário nalgumas das empresas do grupo ( o que poderá
render pelo menos 20 milhões de contos de receitas para a empresa,
provavelmente mais se o plano de privatização parcial de
algumas das novas empresas a criar no seio da RTP for devidamente estruturado,
permitindo reduzir substancialmente o seu actual passivo e as dividas acumuladas).
A RTP 2 seria um canal de «pay-TV»,
parcialmente privatizada dentro da holding, numa percentagem não
superior a 49%. O que poderá possibilitar futuramente, logo que
o canal seja rentável, proveitos financeiros à RTP, e evitaria
em grande parte o actual prejuízo deste canal, que atingiu em 1995
um Resultado negativo de cerca de 9 milhões de contos).
O Estado irá impor a este
novo canal de «pay-TV» obrigações de emissão
e apoio à produção de filmes e ficção
nacionais (passível inclusive de ser emitida posteriormente na própria
RTP 1), o que ajudar a desenvolver uma indústria nacional de produção
audiovisual, todavia essas obrigações não podem ser
de tal forma pesadas que não seja possível viabilizar financeiramente
o canal.
A RTP 1 assumiria o papel fulcral
de serviço público, na medida em que uma parte da até
agora programação mais tradicionalmente reconhecida claramente
como de serviço público seria «transferida» da
RTP 2 (preferencialmente no período horário entre as 14 e
as 17/18 horas, eventualmente horários nocturnos mais avançados,
sendo provavelmente a perda de receitas publicitarias neste período
não superior a um valor entre 2 e 3 milhões de contos), abriria
«janelas regionais» (numa fase inicial entre 1 a 2 horas diárias
em média e possivelmente sem publicidade) e reduziria, em maior
ou menor grau, a quantidade global de publicidade emitida, viabilizando
assim mais facilmente a SIC e a TVI e estabilizando a curto prazo o mercado
publicitário televisivo em Portugal.
ESTRUTURA BASE DA HOLDING RTP:
- Conselho de Administração da Holding RTP alargado (10 a 15 membros) com administradores delegados de cada uma das empresas do grupo.
EMPRESAS DA HOLDING:
RTP 1 - Base do serviço
público e só com capitais públicos;
RTP 2 - Canal de «pay-TV»
parcialmente privatizado até 49%. No caso da RTP não conseguir
ser ela o motor do projecto, poderia entregar por subconcessão ou
contrato de gestão a exploração do canal a uma empresa
ou consórcio privado;
RTPI/ RTP África -
Constituída pelos canais internacionais de carácter generalista,
aberta também à difusão de programas dos operadores
privados e/ou públicos em língua portuguesa.
Esta empresa terá um Estatuto
próprio que proteja os interesses portugueses, nomeadamente junto
dos PALOPS, podendo ser eventualmente financiados, a exemplo de outras
países europeus, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O capital devera ser totalmente público;
RTP Regional - Esta empresa
poderia ser constituída por sub-empresas de cada um dos pequenos
canais regionais. A empresa teria maioria de capital da RTP, mas poderia
ser aberta a investidores públicos e/ou privados de cada uma das
regiões;
RTC - Com a actual estrutura
de controle da publicidade e desenvolvendo também a obtenção
do patrocínio e merchandising da holding. O capital seria maioritariamente
público, mas poderia ser aberto (até 49%) aos investidores
privados estrategicamente convenientes;
RTP Produção
- Seria lançada, dentro da holding, uma nova empresa de produção
audiovisual e multimédia, também passível de ser parcialmente
privatizada até 49%;
RTP Publicações
- Empresa para exploração das publicações (TV
Guia e outras publicações), também passível
de ser parcialmente privatizada até 49%;
RTP Novos Sistemas - Além
da comercialização de novos produtos a partir dos arquivos
e do desenvolvimento do marketing, esta empresa iria aproveitar as sinergias
do seu arquivo, compras e produção própria de programas,
relações privilegiadas com parceiros internacionais (particularmente
na Europa, no Brasil e nos USA), para desenvolver projectos de novos canais
temáticos ou generalistas de interesse público (possivelmente
também sistemas de «pay-per-view» e NVOD - Near Video
on Demand) portugueses que serão criados logo que as condições
técnicas, económicas e legais o possibilitem.
A RTP estaria também envolvida
no desenvolvimento dos sistemas digitais e participaria, em aliança
com os seus possíveis parceiros estratégicos, na sua implementação
e futuro alargamento das suas emissões a sistemas de televisão
de alta definição.
Esta Empresa poderia também
ser aberta ao investimento privado até 49%;
E2 - Semelhante ao anterior, mas tendo como alternativa uma abertura ao investimento e à participação na estratégia da nova holding de investidores nacionais ligados à indústria de conteúdo e/ou distribuição.
Conclusão: O Estado poderia obter vantagens financeiras evidentes da implementação deste estratégia, reduzindo substancialmente a partir de 1998 ou 1999 o financiamento à RTP. Seria possível reduzir os custos financeiros actuais, de cerca de 25 a 30 milhões de contos, para cerca de 10 a 15 milhões de contos por ano. No futuro e à medida que o canal de «pay-TV» seja rentável o esforço financeiro do Estado ira diminuir ainda mais.
Por outro lado a reestruturação da empresa, ira permitir uma melhor afectação dos quadros de pessoal às necessidades da holding e eventual maior flexibilidade nas mudanças de fundo que a esse nível poderá vir a ser necessária, reconverter toda a estrutura organizativa, encontrar formas de gestão mais actualizadas, rigorosas e adaptativas, traçar um plano estratégico viável e bem definido e particularmente «obrigar» a RTP, que tem revelado nalgumas áreas uma certa inércia, a adaptar-se ao futuro.
Este Cenário Evolucionista
<E> parece ser o mais adequado aos interesses futuros estratégicos
da RTP e ao reequilibro do mercado audiovisual português, muito embora
seja conveniente aprofundar, com estudos complementares, algumas das mudanças
mais importantes para que aponta.
3. A NECESSIDADE DE UM DEBATE PÚBLICO
Os cenários anteriormente
referidos tinham como objectivo provocar um debate público sobre
o futuro da RTP.
O recente "Contrato de Concessão
do Serviço Público de Televisão" (31 de Dezembro
de 1996), assinado entre o Estado Português e a RTP (Radiotelevisão
Portuguesa, SA.), não parece ter levado em linhas de conta que a
perspectiva claramente maioritária da "Comissão de Reflexão
sobre o Futuro da Televisão em Portugal" apontava para o Cenário
Evolucionista anteriormente referido, já que as principais alternativas
colocadas por esse mesmo cenário parecem ter sido quase completamente
ignoradas.
Apesar de o novo Contrato de
Concessão introduzir um maior rigor financeiro na RTP e mecanismos
externos de controle, até agora ausentes ou quase esquecidos, não
deixa de ser paradoxal que futuramente os encargos financeiros obrigatórios
por parte do Estado, com o Serviço Público, vão crescer
substancialmente. Por outro lado, são no mínimo duvidosos
os efeitos práticos, deste Contrato de Concessão, numa melhor
regulação do mercado publicitário televisivo e dos
media em geral.
Recentes informações,
com base nas obrigações impostas a RTP com o novo Contrato
de Concessão parecem apontar para a necessidade de financiamentos
públicos de cerca de 33 milhões de contos em 1997.
Supondo que é justificável,
perante usos alternativos dos dinheiros públicos, aumentar o actual
esforço financeiro do Estado Português com o Serviço
Público de televisão, não seria eventualmente bem
mais razoável avançar com um Canal de Televisão Educativo
ou ainda apoiar, na sua fase de arranque, as futuras experiências
de televisões regionais e locais?
Será que o esforço
de reestruturação financeira e de controle de custos que,
em pequena escala, a RTP é agora obrigada a desenvolver, justifica
as elevadas verbas que a empresa ira receber futuramente de forma garantida?
A questão fundamental talvez
seja a de saber, independentemente da qualidade da programação,
filosofia de antena, ou do serviço público prestado ao pais
pela RTP, mesmo aceitando que eventualmente tudo isto melhorou muito e
ira ainda melhorar muito mais no futuro próximo, se o preço
pago pelo Estado pela prestação de Serviço Público
não é uma das variáveis mais relevantes a considerar.
Pondo a questão da forma mais clara possível, outra empresa
não poderia fazer tudo o que faz a RTP, talvez ainda melhor, com
um custo para o Estado muito mais baixo?
Se esta ultima hipótese que
coloquei for verdadeira então mesmo que aceitemos que o actual serviço
público de televisão prestado pela RTP é o que melhor
serve o interesse público, o que francamente não acredito
pessoalmente, então a questão que se deve abordar será
a de saber se o "preço cobrado" pela RTP pelo fornecimento deste
Serviço Público é um preço justo, ou seria
possível fazer o mesmo ou melhor a um preço muito mais baixo?
Se considerarmos que um Serviço
Público não tem que estar obrigatoriamente afastado das regras
de eficiência económica e financeira, sendo possível
fazer o mesmo Serviço Público que a RTP faz, só que
a um preço muito mais baixo, então o que o Estado esta a
pagar em Portugal é não só o Serviço Público,
mas também claramente as ineficiências produtivas da empresa
RTP, sendo se calhar injusto exigir os custos dessa mesma ineficiência
aos portugueses.
Não houve até agora
um verdadeiro debate sobre estas questões na sociedade portuguesa,
sendo claro que o Relatório da "Comissão de Reflexão
sobre o Futuro da Televisão em Portugal" poderia ser um dos
instrumentos de trabalho útil para esse debate, nomeadamente discutindo
qual o sentido e o papel desejável do Serviço Público
de televisão, num momento em que muito esta em causa na Europa nas
tradicionais empresas de Serviço Público de televisão
(actualmente por exemplo uma das linhas estratégicas de força
da reputada BBC é avançar para os sistemas de difusão
digital e para canais de pay-TV).
Sem duvida que a actual estratégia
definida pelo Estado para o operador público de televisão
(RTP) permita estancar os prejuízos futuros da empresa, a custa
de um esforço financeiro bem maior por parte do Estado Português,
mas não prepara a RTP para o novo quadro evolutivo futuro do sector
audiovisual.
Uma das variáveis mais importantes
a ser considerada neste problema é claramente a da qualidade da
programação do operador público, mas será que
é possível continuar a ignorar a necessidade de reconversão
profunda e a preparação para a própria sobrevivência
estratégica futura da RTP, nomeadamente num quadro evolutivo em
que a próprio conceito de Serviço Publico esta longe de ser
totalmente estável e imutável ao longo do tempo ?
Gostaria de referir, como exemplo,
que a passagem da RTP a uma holding foi aceite por unanimidade na "Comissão
de Reflexão sobre o Futuro da Televisão", sendo hoje
também politica vulgar noutros países europeus, como por
exemplo na Grã- Bretanha com a BBC, todavia o assunto nem sequer
até ao momento foi debatido e estudado devidamente em Portugal.
Para concluir direi que a reconversão
da RTP, seja qual for a estratégia adoptada, tem que englobar, além
de programação e aspectos tecnológicos, também
uma reconversão económico - financeira, que ultrapasse somente
as alterações na estrutura de receitas e despesas e de equilíbrios
financeiros, tendo como preocupação fundamental a reconversão
organizativa e empresarial, para ser capaz de responder não só
as questões de curto prazo, mas sobretudo aos desafios de médio
e longo prazo.
A experiência recente da RTP,
desde 1992 até agora, mostra que a empresa, apesar de partir de
uma posição monopolística no mercado, foi incapaz
de seguir uma politica estrategicamente correcta.
Não será altura de
retirar os ensinamentos desta experiência recente, considerando que
provavelmente o futuro ainda será bem mais complicado do que foi
o passado recente, sendo necessário agora pensar estrategicamente
as possíveis tendências desse mesmo futuro?
Parece que será cada vez
mais difícil os poderes públicos continuarem a tentar controlar
a difusão, sendo no futuro bem mais conveniente uma reorientação
da utilização dos recursos públicos, salvaguardando
a sua cultura e defendendo as indústrias de produção.
O objectivo poderá ser agora encorajar o mercado de serviços,
que parece ser o futuro do audiovisual, e defender a produção.
Provavelmente a crise económica
do serviço público devera aumentar ao mesmo tempo que a publicidade
continuara, ainda por alguns anos, a ser a principal fonte de receita do
sector.
Será que futuros governos
irão financiar tão generosamente a RTP, ou mesmo terão
condições financeiras para o fazer? Será que uma futura
panóplia de canais e de novos sistemas de difusão não
irão por rapidamente em causa o actual modelo organizativo da RTP
e as reais necessidades do Serviço Público de televisão?
Será que no futuro não fará mais sentido uma politica
pública em que uma parte substancial do financiamento público
devera ser mais orientada para subsidiar programas, seja qual for o canal
que os vá difundir, e cada vez menos pelo subsidio a canais, particularmente
quando uma parte substancial dos programas emitidos por estes canais dificilmente
poderá ser identificada como Serviço Público?
As anteriores questões não
tem resposta fácil e imediata e é por isso que devem ser
discutidas publicamente, não esquecendo todavia que deste debate
não podem nem devem ser afastados, para além do Governo e
da RTP, o público telespectador em geral, e os diferentes actores
do sector audiovisual em particular (canais de televisão privados,
difusores de cabo, anunciantes, agências publicitárias, produtores
e realizadores de cinema e de obras audiovisuais, operadores de telecomunicações,
etc.).
BIBLIOGRAFIA
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BRAUMANN, Pedro Jorge - "Evolução do Mercado e Perspectivas da Televisão em Portugal", Revista TENDÊNCIAS XXI, nº 1, APDC, Lisboa, Março de 1996.
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