Globalização Eletrônica e América-Latina 1

Ivana Bentes
Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Conteúdo

Introdução

A idéia de um mercado transnacional, sem fronteiras nem barreiras, mercado ``universal'', já aparece como a perspectiva última do capitalismo no Manifesto Comunista de 1948. O que interessa aqui não é o caráter futurológico ou visionário da constatação, mas a consequência lógica dessa proposição, sublinhada por diferentes teóricos . Menos que uma ruptura, a globalização seria uma inflexão, um desdobramento inerente a vocação transnacional do capitalismo que se realiza no chamado capitalismo tardio ou pós-industrial. Inflexão que produz mudanças radicais em diferentes campos. Como ocorre com a idéia de pós-modernismo, globalização não é nenhum conceito mágico que explica o estado da cultura e da economia contemporânea, mas justamente o que deve ser explicado, já que não existe apenas uma, mas diferentes formas de entender o que é ``globalizar''.

A palavra ``globalização'' ganha hoje estatuto de um processo cultural autônomo e irrefreável em que a idéia de cultura e mercado se fundem em nome de uma concepção de mercado alargada e hipervalorada. Mercado pensado ``não como simples lugar de troca de mercadorias, mas como parte de interações sócio-culturais mais complexas'', como define Néstor García Canclini . Os mesmos suportes (redes eletrônicas, televisão, satélites, radiodifusão) que permitem o fluxo de capitais entre centros financeiros transnacionais, constituem o atual sistema de comunicação e cultura, seja na América Latina ou em qualquer parte do mundo.

Os fluxos desterritorializados de informação, bens, pessoas, imagens, idéias confundem-se com os fluxos financeiros que flutuam nos mercados transnacionais. Fluxos de informações que são apropriados, produzidos e consumidos na esfera das mídias e da cultura globalizada. Nesse contexto, globalização não significa mais intercâmbio e troca entre estados-nação, mas a produção em escala global de uma cultura mundial integrada que aponta tanto para uma hibridização como para uma homogeneização entre o nacional e o global.

A própria idéia de cultura volta a ser colocada em crise com o conceito de globalização, que vem substituindo ou concorrendo com as formas tradicionais de se pensar a cultura como pertencimento ou identidade (a idéia de cultura relacionada com nação, etnia, território). Essa cultura ou sociedade ``globalizada'', se afasta e põe em xeque os conceitos de identidade ou de nacionalidade, entendidos como unidade territorial, linguística ou político-social. A um conjunto de ``identidades locais fixas'' que comporiam a nacionalidade, a globalização vem opor ou acrescentar ``identidades globalizadas flexíveis'' ou seja, comunidades virtuais de produtores ou consumidores que compartilham comportamentos, manias, idéias num espaço virtual ou numa esfera que não é mais a do território real, mas a das mídias e redes de informação.

A globalização viria dar uma nova inflexão à própria idéia de indústria e mercado cultural, sobrepondo à idéia básica de centros hegemônicos de dominação cultural (monopólios impondo padrões) o que seria um sistema acentrado de rede, com centros variáveis e móveis de poder.

Globalizar tem pois diferentes sentidos e modos, principalmente se formos analisar a inserção da cultura latino-americana nas novas mídias ``globalizadoras'' como a Internet e os canais de televisão à cabo. Pode-se constatar o crescimento dessas comunidades transnacionais ou desterritorializadas: os telespectadores da CNN, da Televisa ou da Globo, os usuários da Internet, as comunidades on-line, os produtores e consumidores de cocaína ou coca-cola. Se não destitui, a globalização enfraquece as comunidades nacionais ou locais que resistem em maior ou menor grau a essa integração. É essa sobreposição, ressonância ou hibridização entre o local e o global que define o contexto atual.

Duas formas de globalizar

O modelo de comunicação de massa tradicional, concentrado em monopólios em que ``um'' produz para ``muitos'' dá lugar, na globalização eletrônica, a uma comunicação de ``muitos para muitos'', como na Internet, com suas Home Pages, Chats, listas e espaços de discussão on-line. A questão é que, paralela a essa coletivização da produção e consumo de informações, sua desmassificação e segmentação, cresce o que seria na expressão de Renato Ortiz uma ``cultura internacional popular'', definida por Nestor Garcia Canclini como um ``folclore-mundo cujos exemplos proeminentes são os seriados americanos e os cinemas de Spilberg e Lucas''. Se, por um lado a globalização eletrônica pode ser a base para uma desmassificação e descentralização da cultura experimentada como hibridização, consolidam-se, por outro lado, essas ``narrativas espetaculares fabricadas a partir de mitos inteligíveis a espectadores de qualquer nacionalidade'', ou seja uma cultura de massa internacional.

Essa oposição, a desmassificação global via Internet e o ``internacional popular'' (grandes espetáculos televisivos e cinematográficos), fica clara na própria estratégia da televisão que mantém o modelo da comunicação de massa nos canais abertos e aposta na heterogeneidade e na segmentação da TV à cabo, duplicando a nível planetário a divisão entre produtos standards para públicos globais e a segmentação e desmassificação para uma elite também internacional.

Como base comum dessas duas formas de globalização está um mesmo fenômeno: o crescimento da cultura a domicílio (rádio, televisão, vídeo, Internet). Tendência internacional de esvaziamento dos espaços coletivos (praças, estádios de futebol, cinemas, teatros), em que o público cede lugar ao privado ou doméstico. Ao invés de cinema e teatro, vídeo e TV. No lugar da praça e dos estádios, novos espaços de sociabilização como os shoppings centers e as comunidades eletrônicas. Na exata proporção da degradação do espaço urbano, considerado inseguro, lento, catastrófico, crescem as comunidades virtuais: consumidores, telespectadores e netcitizens, os cidadãos da rede eletrônica ou do cyberspace, que substitui com velocidade, eficiência e segurança os mega-territórios urbanos em crise.

A relativa eficácia das redes tecnológicas seriam a contrapartida para a degradação e desorganização urbanas, um encolhimento do espaço, na definição de Paul Virilio , em favor de uma cultura on-line, em tempo real, que tende a abolir o espaço, as fronteiras e os territórios. Virilio vê nessa contração do espaço em favor da velocidade e do tempo real da cultura on-line uma mutação radical em termos de percepção, uma precipitação do tempo no simultâneo que seria para ele algo da ordem do intolerável e do catastrófico. O excesso de informação produzindo uma desinformação estrutural, como a sensação de labirinto e perda numa longa sessão de navegação pela Internet em que muito facilmente se perde o ponto de referência ou a motivação inicial do percurso.

Mesmo qualidades como a da interatividade, colocados como um valor em si na globalização eletrônica podem ser questionadas, numa visão menos otimista das novas tecnologias. A capacidade de interatividade esta pondo o mundo ao alcance da mão, do mouse, da visão. Alguns sentem essa proximidade como uma nova liberdade outros como uma experiência de clausura, apequenamento do mundo, proximidade perigosa demais, sentimento de confinamento, como relata Virilio: ``A interatividade está para o espaço real como a radiotividade para atmosfera'', ou seja ao colocar o mundo on-line, a disposição cria-se uma saturação, precipitação de mundos virtuais que muda radicalmente nossa experiência de percepção do mundo. Com tantas informações e experiências a disposição, as novas gerações poderiam sofrer de um novo mal, a saturação, a tal ponto que alguém poderia se sentir vitimado por uma vida ``over'', saturada, e ``longa demais''.

Oralistas na rede eletrônica

Evitando as posições catastróficas ou deslumbradas com o novo contexto, nossa questão é tentar mapear como os países latino-americanos se inserem na globalização eletrônica e em que diferentes níveis essa globalização se dá aqui. Um primeiro dado é decisivo. Se experimentamos uma precipitação, uma aceleração, um aumento na velocidade de circulação das informações, se o acesso à informação torna-se cada vez mais fácil e diversificado, essa disseminação ainda se restringe a uma certa elite social e cultural.

No contexto latino-americano a globalização se dá a partir de realidades distintas. De um lado, temos uma população cuja cultura, educação e informação é basicamente oral e audiovisual e que tem um acesso restrito aos bens tecnológicos (vídeo-cassete, computador). De outro lado, uma elite, econônica e cultural que sofre não mais pela falta de informação, mas pelo excesso, pela impossibilidade de decodificar e assimilar a quantidade de dados que recebe.

Em relação às comunidades menos privilegiadas a disseminação da informação se dá quase que exclusivamente através do rádio e televisão, mídias populares que atingem diretamente esse segmento. Temos aqui uma cultura oral e audiovisual que vem substituindo a formação escolar clássica, letrada.

Essa informação oral/audiovisual está puglando uma massa de semi-analfabetos ou ``oralistas'' a um sistema de informação fragmentado e complexo, vivo, que pode ser, ao mesmo tempo, muito sofisticado ou limitado (mesmo uma pessoa que não sabe ler, aprende a usar um cartão eletrônico para movimentação de sua conta-salário ou conta-aposentadoria no banco).

Hoje, segmentos inteiros da sociedade têm no rádio, nas narrativas radiofônicas e e no audiovisual, nas informações vindas da TV, no folhetim eletrônico, a sua fonte principal de educação e formação. A palavra ``oralistas'' usada para designar esse contigente de pessoas que não dominam a cultura letrada, é, a meu ver, um bom conceito para expressar esse tipo de cultura midiática, oral e audiovisual que forma certa população.

As rádios comunitárias, os trabalhos com vídeo e televisão junto a essas populacões não-letradas têm apontado para uma realidade aparentemente paradoxal: a existência de populações e comunidades inteiras inseridas na cultura midiática, oral e audiovisual, formados, informados e deformados por essa cultura midiática: os não letrados da era da informação. Populações que podem chegar a um nível sofisticado de elaboração dessas informações recebidas pela mídia

A entrevista de Marcinho VP, um dos traficante do Morro Dona Marta, ao Jornal do Brasil, no início do ano, deixa claro o que significa ``globalização'' para determinadas comunidades. Dominando o discurso sociológico sobre a interdependência entre tráfico, corrupção e violência, relacionando o tráfico com uma situação social e econômica complexa, Marcinho VP gaba-se do seu auto-didatismo parabólico dizendo que não precisa ir a universidade para estar antenado e informado com o que acontece, que a televisão supre essa lacuna. Todos os barracos do morro têm parabólicas captando o mundo via satélite, resta saber como essas informações desterritorializadas serão absorvidas e reprocessadas por essa comunidade.

A questão hoje é mapear as ``maneiras desiguais com que os grupos se apropriam de elementos de várias sociedades, combinando-os e transformando-os'', o que se traduz por um conceito como o de hibridação. É o desafio lançado por Canclini quando diz que hoje trata-se de ``entender simultaneamente as formações pós-nacionais e a remodelação das culturas nacionais que subsistem'' na globalização.

E aqui voltamos a um enunciado de base, o de que hoje, tão grave quanto a falta de informação, é o seu excesso. O excesso de informações descontextualizadas, excesso de informações fragmentadas e que não se pode ou não se consegue concatenar, ou dar sentido, e que atinge de forma diferenciada a segmentos da sociedade. Hoje, tanto quanto a necessidade de uma cultura letrada, de alfabetizados, é preciso pensar estratégias de alfabetização audiovisual, que é o grande canal de formação da cultura urbana contemporânea.

A cultura midiática globalizante é a base comum que forma, em diferentes níveis, o filho do favelado, o jovem universitário, o traficante e o teórico de comunicação. Com uma linguagem sedutora e veloz, essa cultura midiática impõe novos condicionamentos e formas de percepção e conhecimento. A questão é saber como nos relacionar com esse novo cenário sem cairmos no catastrofismo _ a globalização vista como homogeneização e padronização planetária_ ou no discurso eufórico que prevê a constituição de uma ``grande família universal'', heterogênea, colorida e auto-regulamentada. Nos dois modos de globalizar constata-se que a alta mobilidade do capital e das informações faz do mercado globalizante uma entidade autônoma que o neo-liberalismo acredita ser capaz de regular e/ou substituir o cultural, o social e o político.

A pergunta seria, como nos integrarmos ao fluxo e a velocidade da informação e do capital, sem nos ``desintegrarmos'', sem cairmos numa cultura que seja simplesmente uma cultura de acompanhamento, de duplicação do midiático e do mercado?

Um dos sentidos de globalização significa incorporar os ``subúrbios pós-nacionais'' (como Canclini chama a parte da cultura e da economia latino-americana, e mesmo européia, standartizada) enquanto consumidores e clientes das elites produtoras transnacionais.

Outro sentido de globalização significa produzir espaços e comunidades virtuais, apontar eixos e questões que atravessem as fronteiras. Nesse sentido o mundo das artes plásticas, com suas Bienais e Salões vem indicando esses espaços: ``individuação de eixos que atravessem as fronteiras'' com propostas de produção de obras desterritorializadas que se adaptam a públicos globais. A Bienal de Veneza com sua proposta de uma ``Arte Nômade'', a Bienal de São Paulo lançando o tema da ``Imaterialidade da Arte'' como eixo em torno do qual se individualizam obras e artistas de todo o planeta.

Globalizacão estética

A Pop Art significou uma mudança de atitude diante da cultura técnica: dissolveu a idéia de ``estilo'', e fomentou não um desencorajamento da estética pela descoberta dos ready-mades, mas a sua celebração numa arte transitória, popular, serial, de baixo custo, rendosa, espirituosa. A pop art, a contracultura, conhecem um verdadeiro renascimento com as redes eletrônicas. A cybercultura disseminada na Internet vem desterritorializando a arte de forma radical. A arte em rede, a possibilidade de se produzirem obras criadas e compartilhadas por diferentes artistas, dissolve velhas oposições individual/coletivo, local/global .

Criando em rede, conectado com outros artistas ou outras máquinas, o autor assiste como espectador, observador, ao nascimento da sua própria obra. No campo da arte, a globalização eletrônica pode significar novos territórios, novos nômades, novos agenciamentos na produção estética. Daí não ser difícil entender porque na Internet o que mais compartilhamos é a sua própria celebração, celebração de um povo, de muitos povos que inventam a cada dia novos territórios e estão mobilizados num work in progress coletivo e pleno de virtualidades.

A globalização traz de volta essa questão crucial, a possibilidade de se criar um espaço cultural virtual, um espaço cultural latino-americano ou um espaço cultural europeu ou euro-latino-americano, para além dos espaços configurados atualmente.

Mercado multicultural

A constituição de um mercado transnacional e os debates sobre o multiculturalismo parecem andar juntos. O que seria, no âmbito da cultura latino-americana, o equivalente a um mercado integrado? O Mercosul, o quarto maior bloco comercial do mundo, parte agora para a segunda fase de sua construção. Depois de países como Brasil e Argentina desarmarem suas fronteiras, desmontarem seus serviços de espionagem e assinarem tratados de cooperação na área de energia nuclear, o Mercosul (união dos mercados do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai) pensa numa estratégia e política de defesa conjunta diante de temas como instabilidades políticas, narcotráfico terrorismo, etc. (Clóvis Rossi aborda o tema na sua coluna na Folha de São Paulo de 9/11/96). Fala-se de uma política supranacional de defesa e cooperação, o que implicaria em novas configurações de poder. Da mesma forma a Comunidade Econômica Européia busca cooperações e políticas comuns entre a Europa e a América Latina, como forma de resistência a hegemonia norte-americana. Seria pois decisivo estender esse tipo de discussão e de política para a esfera do social, do estético e do cultural, mesmo que nessas esferas seja ainda mais complexo pensar em ``integração'' , mas pode-se pensar em hibridações e criação de territórios estéticos.

É cedo para se falar em globalização como uma indiscriminada e circulação de bens e informações num sistema idealmente azeitado, de tal modo que nada resista a ele ou não seja atingido por esse fluxo globalizador. Um certo fatalismo em termos do que seriam os efeitos da globalização vislumbra uma espécie de síndrome de deficiência imunológica no campo da economia e da cultura, em que a globalização produziria uma incapacidade de resistir a infecção e proliferação virótica do capital e da informação em escala transnacional. A metáfora do vírus e da contaminação nesse campo é produtiva. A globalização funcionaria com uma queda das resistências econômicas e culturais, com o fim do protecionismo e da reserva de mercado em nome de uma ``livre'' circulação das informações, desejável para muitos setores.

A questão é que, fazer circular o capital, financeiro ou simbólico, de forma mais veloz e azeitada pode implicar não apenas em queda de resistências, mas em novas formas de resistência e de configurações do local e do nacional, e não apenas a sua dissolução.

Por outro lado, a valorização do local e do nacional em si, como forma de resistir a globalização também não nos parece uma estratégia inquestionável. Comunidades construídas em tornos de certas afinidades (esporte, rock, igrejas, grupos de discussõs na Internet que orbitam em torno de sites de ódio, "I hate ", e amor, `` I love'' ) podem reativar estereótipos fundamentalistas e racistas.

A Guerrilha eletrônica

Se me perguntassem hoje, que acontecimento melhor caracteriza esse processo de globalização eletrônica, não hesitaria em dizer que é a guerrilha zapatista na Internet, guerrilha liderada desde 1994 pelo sub-comandante Marcos, líder dos guerrilheiros de Chiapas, numa das regiões mais pobres e isoladas do México. Uma guerrilha que tomou a Internet de assalto, na primeira apropriação política radical de uma mídia globalizadora. Uma nova entrevista ou artigo sobre o sub-comandante Marcos, novos textos e comunicados, proliferam de forma espantosa na rede. Home Pages são dedicadas a anunciar, divulgar, convocar, mobilizar para as ações do Exército Zapatista de Libertação Nacional. Toda a história da guerrilha, seus manifestos e estratégias estão a disposição para serem impressos, fotocopiados, passados por e-mail. O que seria um acontecimento da ordem do nacional ou do local tornou-se uma `netwar', uma guerra na rede, com alcance global.

``A revolução não será televisionada, mas estará on-line'', é um dos slogans sobre a guerrilha que estão na Internet. A idéia de uma guerrilha latino-americana on-line e que usa a própria rede para criar uma espécie de comunidade virtual de ativistas, simpatizantes e informantes é a melhor tradução das interações e hibridações possíveis entre o local e global. Diariamente pode-se ler na Net comunicados do Exército Zapatista de Libertação. Mesmo isolados nas montanhas mexicanas, num local quase inacessível, a guerrilha conseguiu tomar proporções e importância internacional, graças a Internet. De tal forma que o ataque a guerrilha passa hoje pelo bloqueamento das linhas telefônicas a partir das quais os guerrilheiros se plugam com seus micro-computadores e modens a grande rede.

`` Tudo para todos. Nada para nós''. `` Basta!'' , ``Marcos somos todos'' , são alguns dos slogans que circulam nos sites eletrônicos dedicados a uma guerrilha que tem grande participação da população indígena de Chiapas e concentra mais de seis diferentes etnias e a participação virtual de simpatizantes no Japão, Alemanha, EUA, Brasil, França, etc. Nessas páginas da Internet, produzidas por simpatizantes de todo o mundo, pode-se encontrar desde informação histórica sobre o México até o último manifesto zapatista, de agosto de 1996, convocando os ativistas da rede a acompanharem e participarem pela Internet do ``Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo'', que aconteceu em Chiapas em agosto e reuniu militantes de vários países. Na mesma Home Page, pode-se participar de uma passeata virtual, uma ``marcha pela paz no cyberspace'' com assinaturas do mundo todo.

É uma nova idéia do político que se configura nessa experiência e é sintomático que o nosso mais típico produto latino-americano, a guerrilha, seja a grande novidade na Internet. A rede eletrônica e a guerrilha latino-americana têm características comuns: dependem de uma rede de informação acentrada, móvel, veloz, maleável, não são passíveis de massificação, constroem estratégias e ações ponto-a-ponto. Não dependem de um líder ou de um centro. E isso aparece na própria patente do líder da guerilha que se intitula ``sub-comandante''. Marcos se define como o porta-voz de um exército que ``sub-comanda'' . O próprio sub-comandante criou para si uma imagem absolutamente singular. Um rosto encapuzado em que só aparecem os olhos. A idéia de que o líder da guerrilha não tem um rosto e pode ser qualquer um, faz de Marcos uma figura mítica, um ícone da cultura eletrônica. ``Marcos somos todos nós'' é a frase que aparece junto do rosto encoberto nos botons vendidos no México e nas imagens da Internet.

Outra característica que faz do sub-comandante Marcos o primeiro pop-star revolucionário da globalização eletrônica é um certo sentido do poético nos seus manifestos e comunicados. Marcos tem uma origem misteriosa, fala-se de um professor universitário que abandonou tudo para se isolar nas montanhas de Chiapas ou, segundo seus detratores, de um homossexual que trabalhava num bar em São Francisco. Seus textos não citam Marx, Lenin ou Mao, mas Cervantes, Garcia Lorca e sonetos de Shakespeare no original. Seu exército tem 35% de participação de mulheres com idade entre 17 e 26 anos, além do grande contigente da população indígena.

Nos manifestos zapatistas, o romatismo pop-revolucionário de Marcos é catártico: `` No teníamos palavra. No teníamos rosto. No teníamos Nombre. No teníamos mañana. Nosotros no existíamos.'' O manifesto adentra por metáforas telúricas em que os zapatistas ouvem a montanha de Chiapas aconselhar: ``La montaña nos habló de tomar las armas para así tener voz. Nos habló de cubrirmos la cara para así tener rosto. Nos habló de olvidar nuestro nombre para así ser nombrados. Nos habló de guardar nuestro passado para así tener mañana.'' (...) ``Esto somos nosotros. El Ejército Zapatista de Liberación Nacional.'' (...) `` Detras de nuestro rostro negro. Detras de nuestra voz armada. Detrás de nuestro innombrable nombre. Detrás de los nosotros que ustedes ven. Detrás estamos Ustedes.'' Zapata, Che, Marcos estão on-line! A guerrilha é real, mas também é um efeito da rede, uma guerrilha eletrônica, com idéias nacionalistas, zapatistas, contra o neo-liberalismo. Um exemplo radical dos caminhos que pode tomar a globalização.



Notas de rodapé

...erica-Latina 1
Texto publicado no livro Signos Plurais: mídia, arte, cotidiano na globalização, organização de Philadelpho Meneses. Editora Experimento. 1997. Pgs. 11-23. São Paulo