Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio

Nilo Batista


Índice

Introdução

Uma especial vinculação entre a mídia e o sistema penal constitui, por si mesma, importante característica dos sistemas penais do capitalismo tardio1. Tal vinculação, marcada por militante legitimação do (ou, para usar um termo da moda, ``parceria'' com o) sistema penal - ``parceria'' na qual as fórmulas bisonhas do editorial ou do espaço cedido ao ``especialista'' concorde são menos importantes do que as mensagens implícitas, que transitam da publicidade às matérias esportivas - tal vinculação levou Zaffaroni a incluir, em seu rol de agências do sistema penal, as ``agências de comunicação social'', e os exemplos que ministrou (``rádio, televisão e jornais'')2 deixam claro que não se referia aos serviços de relações públicas de tribunais ou corporações policiais. Uma das constatações do presente trabalho sinaliza para a ultrapassagem da mera função comunicativa por parte da mídia, e nesse sentido falaremos da executivização dessas agências de comunicação social do sistema penal.

Não se cometerá a ingenuidade de supor que a legitimação do sistema penal pela imprensa seja algo exclusivo da conjuntura econômica e política que vivemos. Existem, contudo, certos elementos inéditos, que não podem ser associados apenas aos recentes saltos tecnológicos. Quando a imprensa, no século XVIII, acossada e censurada pelas burocracias seculares e religiosas do Antigo Regime, se engaja na revolução burguesa, participa intensamente do esforço pela deslegitimação racional das velhas criminalizações de linhagem inquisitorial e pela abolição das penas corporais cruéis e desproporcionais. Na fundação histórica do direito penal liberal, portanto, tendia a imprensa - afinada com o pensamento ilustrado, filosófico e jurídico - à limitação e ao controle do poder punitivo, larga e espetaculosamente exercido pelo absolutismo, e pagava por isso. A primeira edição de Dei delitti e delle pene é a edição de um panfleto apócrifo, cujo timorato autor previa problemas que efetivamente se esboçaram quando, provavelmente sob encomenda do Conselho de Veneza, incomodado pelas considerações de Beccaria acerca das denúncias anônimas, frei Angelo Fachinei o questionou duramente. Aliás, não seria impróprio assinalar nessa conjuntura aos panfletos e livros uma função perante os sistemas penais análoga à das drogas ilícitas no último quartel do século XX: não era necessário escrevê-los ou traficá-los, sendo suficiente adquiri-los, guardá-los ou trazê-los consigo, para uso próprio. No Rio de Janeiro de 1794, Silva Alvarenga - entre outros - permaneceria preso por quase três anos pela posse para uso próprio de obra dos abades Raynal e Mably, pouco lhe aproveitando defender-se alegando que ``não lera os ditos livros''3, antecipação brasileira do ``fumei mas não traguei'' do candidato Clinton.

Descartemos desde logo a mistificação, recorrente nas idealizações historiográficas da imprensa burguesa, de que seus linotipos guardaram fidelidade a este difícil começo, em nosso país representado seja pela simultânea instalação, em 1808, da Impressão Régia e da censura nas atividades de uma junta administrativa que velaria para que ``nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes''4 -, seja pela significativa circunstância de Hipólito da Costa ter de imprimir o Correio Braziliense em Londres. Sem embargo de órgãos e jornalistas que, isolada e eventualmente, perceberam e profligaram as opressões penais, a imprensa legitimou intensamente o poder punitivo exercido pela ordem burguesa, assumindo um discurso defensivista-social que, pretendendo enraizar-se nas fontes liberais ilustradas, não lograva disfarçar seu encantamento com os produtos teóricos do positivismo criminológico, que naturalizava a inferioridade biológica dos infratores. Quem se assusta hoje com o ``three strikes and you are out'' californiano poderia perfeitamente ter-se assustado há cento e vinte anos, quando von Liszt propunha o isolamento por tempo indeterminado para a terceira condenação por certos delitos5. O controle penal da indisciplina operária, de anarquistas e do lumpesinato urbano - dos ``vidas tortas'' (vadios, prostitutas, mendigos) - recebeu em geral da imprensa o mesmo incentivo que, nos dias atuais, recebem as razzias de guardas municipais contra camelôs e flanelinhas, ou a mesma complacência que merecem hoje as mortes acidentais nas violentas incursões policiais pelas favelas.

A especificidade da vinculação mídia-sistema penal no capitalismo tardio deve ser procurada antes de tudo nas condições sociais dessa transição econômica. Não é uma novidade histórica o emprego em escala da intervenção penal por ocasião de transições econômicas, como Rusche e Kirchheimer perceberam na dissolução da ordem feudal6: os desajustados daquela conjuntura seriam maciçamente executados até que seu aproveitamento útil, entre as casas de raspagem holandesas e os internatos de pobres ingleses, inventasse a prisão7. O empreendimento neoliberal, capaz de destruir parques industriais nacionais inteiros, com conseqüentes taxas alarmantes de desemprego; capaz de ``flexibilizar'' direitos trabalhistas, com a inevitável criação de subempregos; capaz de, tomando a insegurança econômica como princípio doutrinário, restringir aposentadoria e auxílios previdenciários; capaz de, em nome da competitividade, aniquilar procedimentos subsidiados sem considerar o custo social de seus escombros, o empreendimento neoliberal precisa de um poder punitivo onipresente e capilarizado, para o controle penal dos contingentes humanos que ele mesmo marginaliza. Paralelamente, não há comparação possível entre os honestos ganhos dos editores da Enciclopédia8 e os lucros astronômicos dos grandes negócios das telecomunicações, cuja tecnologia constitui um dos recursos materiais da própria transição econômica, além de contribuir significativamente para as próprias agências do sistema penal. A acumulação de capital que os negócios das telecomunicações propiciam transferiu as empresas de informação para um lugar econômico central: Pierre Bourdieu, em sua aula televisiva, tratou logo de lembrar ``que a NBC é propriedade da General Electric (o que significa dizer que, caso ela se aventure a fazer entrevistas com os vizinhos de uma usina nuclear, é provável que... aliás, isso não passaria pela cabeça de ninguém), que a CBS é propriedade da Westinghouse, que a ABC é propriedade da Disney''9. Em termos brasileiros, seria imaginável uma reclamação contra os serviços da Nextel veiculada pelo Jornal Nacional, ou contra uma lista classificada da OESP na primeira página do Estadão?

O compromisso da imprensa - cujos órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações - com o empreendimento neoliberal é a chave da compreensão dessa especial vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente legitimante. Tal legitimação implica a constante alavancagem de algumas crenças, e um silêncio sorridente sobre informações que as desmintam. O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo irradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada, crêem na pena como rito sagrado de solução de conflitos. Pouco importa o fundamento legitimante: se na universidade um retribucionista e um preventista sistêmico podem desentender-se, na mídia complementam-se harmoniosamente. Não há debate, não há atrito: todo e qualquer discurso legitimante da pena é bem aceito e imediatamente incorporado à massa argumentativa dos editoriais e das crônicas. Pouco importa o fracasso histórico real de todos os preventivismos capazes de serem submetidos à constatação empírica, como pouco importa o fato de um retribucionismo puro, se é que existiu, não passar de um ato de fé; neste último caso, talvez por isso mesmo o princípio da negação dialética do injusto através da pena nunca tenha alcançado um tão desnaturado sucesso. A equação penal - se houve delito, tem que haver pena - a equação penal é a lente ideológica que se interpõe entre o olhar da mídia e a vida, privada ou pública.

A primeira consequência da fé na equação penal é conduzir a certos hábitos mentais que recordam aquela inversão da violação tabu, descrita por tantos antropólogos: se a desgraça sobreveio, é certo que houve infração. Os temporais natalinos de 2001, com um saldo trágico de dezenas de mortos no estado do Rio de Janeiro, imprimiram a seguinte manchete: ``Ministério Público busca responsáveis pelas mortes'' (O Globo, 28.dez.01, p. 11). Se houve mortes, é certo que houve homicídio; do resto se encarregará uma muito mal digerida teoria da omissão.

A segunda conseqüência da fé na equação penal reside no incômodo gerado pelos procedimentos legais que intervêm para a atestação judicial de que o delito efetivamente ocorreu e de que o infrator deve ser responsabilizado penalmente por seu cometimento. Tensões graves se instauram entre o delito-notícia, que reclama imperativamente a pena-notícia, diante do devido processo legal (apresentado como um estorvo), da plenitude de defesa (o locus da malícia e da indiferença), da presunção de inocência (imagine-se num flagrante gravado pela câmara!) e outras garantias do Estado democrático de direito, que só liberarão as mãos do verdugo quando o delito-processo alcançar o nível do delito-sentença (= pena-notícia). Muitas vezes essas tensões são resolvidas por alguns operadores - advogados, promotores ou juízes mais fracos e sensíveis às tentações da boa imagem - mediante flexibilização e cortes nas garantias que distanciam o delito-notícia da pena-notícia. No processo de minimização do Poder Judiciário, o neoliberalismo se vale de instrumento análogo aos empregados na sua obra econômico-social.

Bem próximo ao dogma da pena encontramos o dogma da criminalização provedora. Agora, na forma de uma deusa alada onipresente, vemos uma criminalização que resolve problemas, que influencia a alma dos seres humanos para que eles pratiquem certas ações e se abstenham de outras - e sempre com o devido cuidado -, que supera crises cambiais, insucessos esportivos e é mesmo capaz de semear lavouras, não nos desmintam as penitenciárias agrícolas. A criminalização, assim entendida, é mais do que um ato de governo do príncipe no Estado mínimo: é muitas vezes o único ato de governo do qual dispõe ele para administrar, da maneira mais drástica, os próprios conflitos que criou. Prover mediante criminalização é quase a única medida de que o governante neoliberal dispõe: poucas normas ousa ele aproximar do mercado livre - fonte de certo jusnaturalismo globalizado, que paira acima de todas as soberanias nacionais -, porém para garantir o ``jogo limpo'' mercadológico a única política pública que verdadeiramente se manteve em suas mãos é a política criminal. Alguém se recorda da última vez - à parte o caso da chamada ``lei da mordaça'', que pretendia intervir nos canais de comunicação entre operadores do sistema penal e suas agências de comunicação - alguém se recorda da última vez em que a promulgação de uma lei criminalizante foi objeto de crítica pela imprensa? Também aqui pouco importa que a criminalização provedora seja uma falácia, uma inócua resposta simbólica, com efeitos reais, atirada a um problema real, com efeitos simbólicos: acreditar em bruxas costuma ser a primeira condição de eficiência da justiça criminal, como os inquisidores Kraemer e Sprenger sabiam muito bem10.

Abaixo destas crenças, e de outras que delas derivam, temos a Igreja e seus sacerdotes, ou seja, o sistema penal e seus operadores. As imperfeições do sistema penal são vistas como produtos da corrupção humana no trato da fé. A brutalização à qual se expõem os integrantes das agências policiais não passa de uma questão moral (a chamada ``banda podre'' não configura uma constante subcultural com raízes no exercício profissional, e sim uma opção ética daquelas maçãs); a advocacia criminal constitui modalidade consentida de cumplicidade ex post facto com o delito; membros do Ministério Público vêem-se enaltecidos na razão direta do desprezo que tenham pela privacidade e outros direitos civis dos acusados; magistrados que levem a sério a tarefa de velar pelas garantias constitucionais e de conter o poder punitivo ilegal ou irracional são fracos e tolerantes (a tolerância já não é uma virtude, como supunha Locke). Os problemas do sistema penal são sempre e sempre conjunturais, e o melhor exemplo é a penitenciária. A despeito de todos os relatórios, de John Howard à última inspeção - melhor se diria, ao último motim - apontarem para a irremediável deterioração do emprisonamento sobre sua clientela, do que as taxas de reincidência penitenciária são o menos expressivo sinal, a boa penitenciária nos aguarda, num futuro eternamente adiado. Especial relevo ganham aqui os discursos que, afinados com as novas tendências, assumem a prisão pós-industrial como lugar de mero confinamento e neutralização do infrator. Em síntese, nenhuma das violências penais ultrapassa a consideração de disfunções momentâneas, desvios ocasionais no mais importante conjunto de repartições públicas que o Estado ainda detém, embora com crescente participação privada. A importância de um fluxo permanente de informações acríticas sobre o sistema penal será melhor aferida quando observarmos que uma de suas marcas em sociedades de classes, a seletividade, pode com êxito ser disputada e manipulada pela mídia.

Olhar para as relações entre a mídia e o sistema penal no capitalismo tardio implica abandonar instrumentos metodológicos tradicionais, essencialmente interessados no que se denominava criminogênese comunicacional11. Sem embargo da contribuição de muitos trabalhos assim orientados, cumpre reconhecer que quando o jornalismo deixa de ser uma narrativa com pretensão de fidedignidade sobre a investigação de um crime ou sobre um processo em curso, e assume diretamente a função investigatória ou promove uma reconstrução dramatizada do caso - de alcance e repercussão fantasticamente superiores à reconstrução processual -, passou a atuar politicamente. Quem duvida de que os infelizes foragidos cujos crimes são requintadamente exibidos no programa Linha Direta estão sendo julgados, sem defesa, naquele momento, e não pelo júri que referendará o veredicto de Domingos Meirelles? Simplesmente, poderíamos dizer que o tratamento do assunto se desloca da estética - recorde-se o interesse do positivismo criminológico por literatura - para a ciência política, e portanto os juristas têm algo a dizer e devem dizê-lo. Rigorosamente, o jornalismo já estaria nesse âmbito a partir do debate, tão escamoteado entre nós, da pioneira privatização real - através de concessões feudalizantes - da radiodifusão e da televisão12. O método da análise de discurso13 foi empregado com sucesso num estudo sobre o programa Linha Direta, ao qual nos referiremos adiante.

Editoriais

O método indiciário14 sugeriria que passássemos rapidamente pelos editoriais, onde encontraremos as formulações legitimantes mais explícitas e alvares, assumidamente opinativas e doutrinais. Há, contudo, dois bons motivos para abordá-los. Em primeiro lugar, sendo o editorial o lugar jornalístico da argumentação e da polêmica, concentra-se nele a disputa desigual entre o acuado discurso criminológico acadêmico e o discurso criminológico midiático. Se, através da investigação direta de delitos, da circulação de pautas de interesse criminal, ou da franca intervenção sobre processos em andamento as agências de comunicação social do sistema penal se aproximam das agências executivas, precisam de um discurso para fundamentar sua performance. Mais do que isso, precisam que seu discurso se imponha aos concorrentes. Neste sentido, toda e qualquer reflexão que deslegitime aquele credo criminológico da mídia deve ser ignorada ou escondida: nenhuma teoria e nenhuma pesquisa questionadora do dogma penal, da criminalização provedora ou do próprio sistema penal são veiculados em igualdade de condições com suas congêneres legitimantes. Os editoriais, que desconhecem as primeiras e enaltecem as segundas, estariam, dessa forma, pretendendo escusar-se por uma espécie de erro que lembra a ignorantia affectata do direito canônico. O fato é que a universidade não consegue influenciar o discurso criminológico da mídia, mas a recíproca não é verdadeira: a mídia pauta um bom número de pesquisas acadêmicas, remuneradas em seu desfecho por consagradora divulgação, que revela as múltiplas coincidências que as viabilizaram.

Em segundo lugar, cabe anotar as contradições e ambigüidades do discurso midiático. Mais de uma vez observamos que uma característica dos sistemas penais do capitalismo tardio reside numa dualidade perversa: para os consumidores, mil expedientes para evitar a institucionalização; para os consumidores frustrados, encarceramento neutralizante duradouro. No Brasil, teríamos esses dois eixos bem representados na lei n^o 9.099, de 26.set.95, de um lado, e nas leis concernentes aos chamados crimes hediondos, de outro. Pois bem, o tema da prisonização, dos efeitos deteriorantes da privação de liberdade sobre o condenado, funciona nos editoriais para o primeiro campo, e desaparece deles para o segundo. Não por acaso, isto se repete também nos textos dos especialistas que participam da elaboração do discurso midiático. Leiamos um pequeno trecho de artigo de Julita Lemgruber:

Vamos reservar as prisões para os criminosos violentos e perigosos. Todos os outros podem e devem ser punidos com penas alternativas15.

Restaria para a psicologia judiciária a estafante construção conceitual do viológrafo, eis que o fracasso do perigômetro já comemorou um século.

Não nos deteremos sobre o nível teórico dos editoriais. O âncora Boris Casoy repete sempre o mesmo bordão (``isto é uma vergonha'' ou ``isto tem que acabar'') sempre que não está compreendendo muito bem um assunto criminal. O Jornal do Brasil afastava do âmbito dos direitos humanos alguns acusados de tráfico de drogas que, ``comportando-se como animais selvagens, não merecem qualquer comiseração''16. Um policial que, de Diadema a Cidade de Deus, lesse isto, poderia sentir-se incentivado a espancamentos; pobre dele, estaria - esteve - na primeira página.

Especialistas

A posição estratégica da questão criminal na mídia está muito distante da suposição ingênua - ainda que não necessariamente falsa - de que o sangue sempre aumenta as vendas. O discurso criminológico midiático pretende constituir-se em instrumento de análise dos conflitos sociais e das instituições públicas, e procura fundamentar-se numa ética simplista (a ``ética da paz'') e numa história ficcional (um passado urbano cordial; saudades do que nunca existiu, aquilo que Gizlene Neder chamou de ``utopias urbanas retrógradas''17). O maior ganho tático de tal discurso está em poder exercer-se como discurso de lei e ordem com sabor ``politicamente correto''. Naturalmente, esse discurso admite aliar-se a outros que não lhe reneguem o ponto de partida: a modernidade realizou-se plenamente, suas promessas estão cumpridas, e se o resultado final é decepcionante, tratemos de atenuá-lo pela caridade, pelo voluntariado, por campanhas publicitárias; mas lei é lei. Paralelamente a teorias sociais que excluem a conflitividade de suas costuras, caminham concepções jurídicas para as quais a teoria do delito é o mais audacioso limite da reflexão. Os conflitos sociais podem dessa forma ser lidos apenas pela chave infracional: a tragédia fundiária brasileira é reduzida à dogmática do esbulho possessório, ainda que, para honra nossa, alguns tribunais tenham, em acórdãos jamais noticiados na plenitude de suas estruturas argumentativas, encontrado no texto constitucional a superação desse paradigma medíocre. A pena já não interessa tanto como inflição de sofrimento ou mesmo fórmula desastrada de solução de conflitos: a pena interessa como recurso epistemológico, como instrumento de compreensão do mundo. Por outro lado, o desmonte do Estado encontra neste discurso uma eficiente picareta, capaz de exibir os vícios da burocracia estatal - historicamente dominada pelas oligarquias nacionais - como um problema do próprio Estado e não das classes sociais que quase sempre o ocuparam. Trata-se de procedimento análogo à enfática negação de qualquer determinismo nos crimes patrimoniais praticados por pobres: a ``moralização'' do delito é a legítima sucessora de sua ``naturalização'' positivista, e os caminhos da responsabilização penal ficam livre de todo escrúpulo. No reino do individualismo, só o indivíduo pode ser responsável por estar na penitenciária.

O discurso criminológico da mídia, cuja importância política dispensa maiores considerações, não se realiza apenas como noticiário, crônica (ainda que muitos cronistas se dediquem a ele) ou opinião (editoriais): àquelas seções científicas, versando da medicina à astronomia, vieram juntar-se umas seções criminológicas, regulares ou não. O formato habitual das matérias criminológicas noticiam resultados, parciais ou finais, de pesquisas acadêmicas. Freqüentemente, é possível reconhecer a fonte do financiamento a partir do objeto ou do método de tais pesquisas. Quando o governo do estado do Rio de Janeiro, dentro da ``pedagogia da paz'', promovia uma campanha contra armas, imediatamente o Iser (Instituto Superior de Estudos da Religião) concluiu uma pesquisa afirmando que as vítimas de roubo que estejam armadas são mais suscetíveis de serem mortas - conclusão extraída de duas dezenas de casos, que desconsiderava a substanciosa cifra oculta de reações exitosas por parte de vítimas armadas, não registradas. À pauta criminológica do FMI (custo do preso, lavagem de dinheiro, responsabilidade fiscal) quase sempre respondem financiamentos externos. Verbas da área da saúde ressuscitam o paradigma epidemiológico, cuja versão pós-moderna confronta-se com o horror de que - como na bomba de neutrons - já não se cogita de aniquilar os cortiços, mas sim seus habitantes, criminalizados pela droga.

Enunciados secundários do discurso criminológico da mídia (``a impunidade aumenta o número de crimes''; ``nas drogas é como uma escada, passa-se das mais leves para as mais pesadas''; ``penas elevadas dissuadem'', etc), que não alcançariam jamais constatação empírica, por serem completamente indemonstráveis, precisam de um respaldo ``científico'', que os conduza respeitavelmente à doutrina dos editoriais. É aí que entram os especialistas. Como o discurso criminológico da mídia não representa o produto de um esforço na direção do saber, mas sim uma articulação retórico-demonstrativa daquele credo a que nos referimos, ele selecionará os especialistas segundo suas opiniões coincidam ou dissintam daquelas crenças.

Bourdieu atribuiu-lhes o nome provocante de fast-thinkers:

Se a televisão privilegia certo número de fast-thinkers que propõem um fast-food cultural, alimento cultural pré-digerido, pré-pensado, não é apenas porque (...) eles têm uma caderneta de endereços, sempre a mesma (sobre a Rússia, o sr. X; sobre a Alemanha, o sr. Y): há falantes obrigatórios que deixam de procurar quem teria realmente alguma coisa a dizer, em geral jovens ainda desconhecidos, empenhados em sua pesquisa, pouco propensos a freqüentar a mídia, que seria preciso ir procurar, enquanto que se tem à mão, sempre disponíveis e dispostos a parir um artigo ou a dar uma entrevista, os habitués da mídia18.

Credenciados pelo exercício profissional ou acadêmico, pela ocupação de um cargo público ou mesmo por um episódio de vida privada (Associação de Vítimas, etc), os especialistas são chamados à complementação do noticiário, quando suas próprias idéias não sejam a notícia. O caso do ``maníaco do parque'' exumou a psiquiatria forense mais rasteira e atrasada; crimes ambientais chamam a opinião de biólogos e militantes verdes, que ingressam lepidamente em tormentosas questões jurídico-penais; na violência policial contra a classe média, a troupe dos direitos humanos ganha o centro do picadeiro, de onde é retirada, meio constrangida, quando o motim na penitenciária foi por fim controlado; etc. A regra de ouro deste circo, embora nem sempre percebida claramente, é que a fala do especialista esteja concorde com o discurso criminológico da mídia: se algum trecho se afasta do credo, será banido na publicação ``editada'' da fala.

O alimento criminológico do público, portanto, são esses hambúrgueres conceituais, servidos em poucas linhas nos jornais e em poucos segundos na televisão. Não cabe examinar seu baixo nível nutricional. Sua reciclagem pela crônica é freqüente, como se pode ver na seguinte passagem:

Como dizem os especialistas no assunto, a lavagem de dinheiro através do sistema financeiro transnacional exige algum grau de organização, porque precisa de uma rede de apoio fora do Brasil19.

Ausente desta passagem todo o questionamento teórico ao conceito de crime organizado; bem demarcadas as diferenças entre o sistema financeiro transnacional, ``limpo'' e ``ético'', e o dinheiro que pode sujá-lo, seria mesmo preciso um especialista para formular sua asserção básica? Se o assunto fosse química, alguém invocaria um saber especializado para a fórmula da água: como dizem os especialistas, a água é composta por hidrogênio e oxigênio?! A primeira oração (``Como dizem os especialistas no assunto'') não ultrapassa a função de argumento de autoridade; poderia ser suprimida sem qualquer perda semântica. Sua importância é puramente retórica: o cronista-criminólogo está fundamentado nos especialistas, e a coincidência entre suas concepções não passa de mera coincidência. René Dotti acertou em cheio quando, arrolando as dez pragas do sistema penal brasileiro, incluía entre elas o que denominou de ``juízes paralelos: determinados profissionais da mídia eletrônica e muitos juristas de plantão (...), apóstolos da suspeita temerária e militantes da presunção da culpa''20.

Vigilantismo

Sabe-se hoje que a criminalização secundária - realizada seletivamente, e ainda assim na dependência de fatores aleatórios que, dentre outros, vão da iniciativa ou omissão da vítima em registrar o delito ao interesse ou desinteresse da agência policial em investigá-lo - a criminalização secundária não passa de ser pífia amostragem, construída segundo o jogo dos estereótipos criminais e das vulnerabilidades sociais, do grande incognoscível da criminologia: a criminalidade real (ou seja, a totalidade dos fatos que poderiam subsumir-se na programação criminalizante primária, nas leis penais). Por isso mesmo se afirma que o poder criminalizante secundário é ``pouco significativo no marco total do controle social'', e que a criminalização secundária ``é quase um pretexto'' para um ``formidável controle configurador positivo da vida social, que em nenhum momento passa pelas agências judiciais''21; a vigilância sobre a população. Detenções breves, esclarecimentos de identidade, observação das atividades, registros oficiais ou paralelos, ``grampos'' telefônicos - autorizados ou não -, acesso clandestino a informações sigilosas bancárias ou fiscais são alguns exemplos desse poder de vigilância que o sistema penal, mesmo paralela ou subterraneamente, exerce. Pense-se em como a criminalização das drogas é diariamente utilizada como pretexto para o exercício de vigilância, e considere-se que no exercício de tal poder a seletividade é muito mais atenuada do que na criminalização secundária: após a privatização da telefonia, no Brasil, os psicanalistas perderam a primazia estatística da escuta.

O vigilantismo nasceu no capitalismo industrial, e devemos a Bentham sua formulação mais sincera e alucinada. O panóptico não era uma proposta restrita à penitenciária, mas estendia-se às fábricas, às escolas, aos asilos e hospitais22. Inteiramente compatível com a idéia benthamiana de que os pobres também deveriam usar uniforme, o panóptico era o princípio básico de uma sociabilidade da vigilância muito cara ao empreendimento burguês-industrial. A prevenção extremada e invasiva deste modelo se inviabilizou espacialmente, na segunda metade do século XIX, com a modernização e o crescimento das cidades. Substituído, na vigilância do disperso exército de reserva da mão-de-obra industrial, por um artefato ``científico'' do positivismo, a periculosidade pré-delitual que poderia ativar um medida de segurança detentiva, o princípio hibernaria à espera das condições tecnológicas que lhe concederiam um segundo e glorioso ciclo. Nessa linha, Arlindo Machado pergunta: ``o que são os modernos sistemas de vigilância senão a atualização e a universalização do panóptico''?23

A transição da subjetividade visual da câmera-arte para a objetividade da câmera-vigia, de que tratou Paul Virilio24, acelerada na guerra (John Ford filmava portos no Pacífico; Jean Renoir foi fotógrafo de reconhecimento aéreo), atingiria o paroxismo na vigilância policial de shoppings, aeroportos, estradas e logradouros públicos das últimas décadas. Para além dos avanços tecnológicos que aprimoraram seu desempenho e lhe reduziram os custos, a vigilância eletrônica se encontrará, nos sistemas penais do capitalismo tardio, com um personagem novo, que da execração e desprezo com que era visto nos albores da modernidade passou a um reconhecimento e respeitabilidade consagrados em muitas leis: o delator. A vigilância eletrônica é um delator em tempo real que, afora eventuais violações da intimidade, dispensa todo o debate moral e jurídico de seus símiles humanos. Era completamente natural que tal insumo técnico fosse aproveitado pelo sistema penal, no exercício de seu poder de vigilância. Não menos natural, contudo, seria que as agências de comunicação social do sistema penal, dispondo de equipamentos de última geração, se vissem tentadas a empregá-los diretamente, na linha dos reality shows que, como observou Garapon, dispensam a ficção por sua capacidade de ``agir no real, com a participação daqueles que estão diretamente envolvidos''25. Estamos prontos para assistir aos acalorados litígios na vara de família do Ratinho, ou à candid camera criminal do Fantástico.

Em 30 de março de 2001, o programa Globo Repórter ocupou-se de assédio sexual. Um Sérgio Chapelin doutrinal indagava ``qual o limite entre a paquera e o assédio sexual'', respondendo em seguida que ``o assédio causa constrangimento e muita dor'', e convocando a participação da enorme audiência: ``Você já foi vítima? Ajude-nos com a sua informação''. A seguir, foram apresentados alguns casos. Um alto funcionário municipal, de cidade vizinha ao Rio, recebera um cartão, exibido e parcialmente lido, com uma declaração de amor de uma senhora que lhe mandava flores ``até duas vezes por dia''. Registrou o fato na Delegacia de Mulheres local. Provocada a pronunciar-se, a delegada afirma à repórter que algumas pessoas lhe perguntaram: ``será que ele não é chegado à coisa''? O marido da sedutora, para decepção geral, nem a matou nem a abandonou. O segundo caso teve como protagonista uma jovem cuja chefe, homossexual, pretendeu conquistá-la. Imagens e a identidade da chefe, que se recusou a falar, foram exibidas. Entre uma história e outra, o especialista (no caso, o indefectível deputado Carlos Minc) se pronuncia. O último episódio se passa também na Baixada Fluminense; dessa feita, sequer existe uma relação de poder em causa. Um empregado de uma pequena fábrica teria dito para um colega, certa ocasião, que ela ``estava gostosa'', e teria tentado olhar seu banho, através de uma janela. A repórter bate à porta da fábrica, gravando, e o infeliz réu, aterrorizado pela câmera, diz que ele não é ele. O patrão confirmará que ele é ele, porém os outros empregados negarão os fatos. Nomes, fisionomias, tudo no ar. Ao final, a repórter lembra: ``a lei ainda está por vir''. De fato, um mês e meio depois dessa matéria, a lei n$^{o}$ 10.224, de 15.mai.01, viria a criminalizar o assédio sexual (art. 216-A CP). À parte a indigência da reflexão sobre assédio sexual do programa, a mídia teve poder suficiente para fazer lançar em documentos oficiais de uma Delegacia de Polícia - legíveis na reportagem - a rubrica assédio sexual. Ninguém conseguiria tal proeza: investigações policiais formalizadas sobre um crime que ``ainda está por vir'', a repartição pública como cenário de uma telenovela nutrida pela intimidade sexual de pessoas reais26. O que dizer da exposição da imagem dessas pessoas, anunciadas como ``acusadas'' de um delito que não existia?

Essas ``pegadinhas'' criminais devem ser completamente afastadas do debate acerca do jornalismo investigativo, até porque não há nada desconhecido nessa investigação; aqueles três episódios vulgares, que poderiam perfeitamente ter ocorrido nos estúdios da TV Globo, só ganharam visibilidade por causa da tese: precisamos criminalizar o assédio sexual que, como lembrou o prof. Chapelin, ``causa constrangimento e muita dor''. Um caso típico de criminalização provedora; após 15 de maio de 2001, certamente desapareceu do país o interesse sexual de superiores hierárquicos por qualquer de seus subordinados.

Há no Rio de Janeiro centenas de pontos de venda de drogas ilícitas, basicamente cocaína e maconha. A prisão de todos os vendedores de um ponto jamais impediu que, tão logo a força policial se ausente do local, as vendas se restabeleçam, com a imediata substituição da mão-de-obra: se os interesses do mercado lograram alterar a Constituição, como se deteriam perante uma lei ordinária? Toda a gente já leu a notícia provocadora ``Tráfico retorna a suas atividades 24 horas depois da PM deixar o morro X''. Toda a gente sabe também onde ficam tais pontos, inclusive a polícia, cuja aproximação, saudada por alguns rojões, suspende as atividades mercantis ilegais, até sua retirada. Em agosto de 2001, repórteres da TV Globo simularam comprar drogas em algumas favelas e mesmo em ruas da Zona Sul, naturalmente com uma microcâmera. Numa favela, surpreenderam ou estimularam uma espécie de pregão, similar aos das bolsas de mercadorias. Em todos os locais visitados, duas dezenas de jovens vendedores foram fotografados com clareza suficiente para resultar em algumas indicações, com três prisões. Nada, absolutamente nada que não fosse conhecido, salvo a fisionomia de alguns dos milhares de jovens negros e favelados que têm neste comércio ilegal sua perigosíssima estratégia de sobrevivência27. Nada de novo: ganharam o prêmio Esso. Nas comemorações (Bom Dia Brasil, 19.dez.01), além de frisar que seus colegas entraram ``numa das favelas mais perigosas da cidade'', a jornalista enfatizava a ``ousadia'' dos ``bandidos'': ``oferecer drogas''. O merecimento nem sempre provém do que se informa, mas também daquilo que se omite: a improvável reportagem sobre o desemprego e a miséria nas favelas.

Na mesma linha, sob o logotipo de uma lupa com a inscrição ``O Dia investiga''28, temos outra ``pegadinha''. É fato tolerado no Rio de Janeiro - durante curto período, legalizado pela chamada ``lei do bico'' - que policiais suplementem seus ganhos trabalhando em vigilância patrimonial privada, como ocorre em tantos países. É claro que tal prática não se restringe às ruas dos mais valorizados bairros da cidade: também na Vila Mimosa, o resíduo local da zona de baixo meretrício do Rio, e talvez ali com maiores razões, encontraremos policiais no ``segundo emprego''. Só um olhar muito preconceituoso e conservador, que no limite inabilitaria a prostituta para qualquer ato oneroso da vida civil, farejaria um rufianismo na remuneração pelos certamente difíceis serviços de manter a ordem na zona. A grande descoberta investigatória de O Dia - com fotos na madrugada que imediatamente levaram à prisão oito policiais militares - foi essa: na zona é como no Leblon.

Tanto na reportagem ``Feira de Drogas'' quanto na ``Farra na Vila Mimosa'', o importante não é o conteúdo da investigação jornalística, sabido e ressabido: o importante é a direta mobilização do sistema penal, o cumprimento de uma tarefa própria das agências executivas do sistema penal. Sob tais circunstâncias, nas quais a mídia está não apenas pautando as agências executivas do sistema penal, como também selecionando entre candidatos à criminalização secundária (os repórteres de ``Feira de Drogas'' foram à Mangueira e à Rocinha: poderiam ter preferido Mineira e Borel; o repórter da ``Farra'' foi à Vila Mimosa: poderia ter escolhido qualquer das inúmeras ``termas'' em funcionamento), cabe falar de uma ``executivização'' das agências de comunicação social do sistema penal.

O álibi para disfarçar essa articulação óbvia é buscado na tradição liberal do jornalismo investigativo. Todos se recordam da campanha que O Globo moveu contra a Legião da Boa Vontade, com manchetes diárias de primeira página, em março de 2001. O que provavelmente todos ignoram é que a LBV recebera, dias antes, a concessão para exploração de um canal aberto de televisão educativa. Não temos qualquer apreço pela LBV, nem lhe reconhecemos aptidões específicas para administrar uma televisão educativa. A LBV representa a indústria da caridade da ``velha economia'', como diriam os locutores globais; a mesma indústria da caridade opera hoje por outros métodos, terceirizados, combinando recursos públicos com doações de campanhas ``politicamente corretas''. Com as matérias publicadas, a LBV foi pautada para o Ministério Público, a Receita Federal, o INSS etc. Festejando, meses depois, uma auditoria do INSS, um editorial afirmava: ``O trabalho jornalístico, enfim, abriu os olhos do Estado para as falcatruas debaixo do seu nariz''29.

Apesar do álibi de cariz liberal, fica evidente que o ``trabalho jornalístico'' não apenas pautou agências do sistema penal e outras agências públicas, como também que ``abriu os olhos do Estado'' na escolhida direção da LBV, não das centenas de corporações nas quais provavelmente se encontrariam ``falcatruas'' similares, tendo em suas mãos portanto a seletividade própria do sistema penal.

O vigilantismo não se reduziu aos meios fotoeletrônicos que lhe concederam esta segunda e gloriosa vida. O princípio subsiste em inúmeras propostas. O conhecido sociólogo Luiz Eduardo Soares, ao expor ao jornal O Globo projetos de seu partido para o governo do Estado do Rio de Janeiro, mencionou ``a idéia de montar nos batalhões de Polícia Militar centrais de telemarketing, que ofereceriam mão-de-obra cadastrada nas favelas''. Ouçâmo-lo:

- Os batalhões podem montar cadastros desses prestadores. ONGs forneceriam pessoas para trabalhar num serviço de telemarketing muito simples, anotando os pedidos da população. Os batalhões funcionariam como fiadores desses prestadores e checariam, no fim, se o trabalho foi bem feito - explica o sociólogo30.

Trabalhadores pobres cadastrados na polícia, e supervisionados pela polícia. Para quem leu Bentham, qualquer comentário seria supérfluo. Proposta formulada por um especialista do Partido dos Trabalhadores. Tempos confusos.

Noticiário

O paradoxo de que a um Estado social mínimo corresponda um Estado penal máximo conduz às conseqüências concomitantes de despolitização dos conflitos sociais e politização da questão criminal. Os faits-divers da antiga página policial migraram para a primeira página, e as páginas políticas recebem um tratamento policialesco. A gigantesca transferência de poder e riqueza do âmbito público para o privado tem no desmerecimento de agentes políticos um poderoso indutor de opinião: serviços públicos são ineficazes, e administrados por gangsters. Decisões do Congresso Nacional capazes de afetar milhões de brasileiros obtêm divulgação ínfima se comparada com as atividades inquisitoriais de alguma CPI, ou com investigações sobre a própria conduta de parlamentares. A questão criminal se politiza igualmente como descredenciamento de administrações locais ou forças partidárias que se oponham ao credo criminológico midiático, à expansão da intervenção penal. Todos viram a reação da imprensa quando o então ministro da Justiça José Carlos Dias falou em direito penal mínimo: era o homem certo no lugar certo, porém na ocasião errada.

Na televisão, os âncoras são narradores participantes dos assuntos criminais, verdadeiros atores - e atrizes - que se valem teatralmente da própria máscara para um jogo sutil de esgares e trejeitos indutores de aprovação ou reproche aos fatos e personagens noticiados. Este primeiro momento no qual uma acusação a alguém se torna pública não é absolutamente neutro nem puramente descritivo. A acusação vem servida com seus ingredientes já demarcados por um olhar moralizante e maniqueísta; o campo do mal destacado do campo do bem, anjos e demônios em sua primeira aparição inconfundíveis. Para ficar num caso sobre cuja inconsistência há unanimidade, vejam-se os noticiários contemporâneos do inquérito policial da Escola Base.

Por fim, a observação puramente quantitativa revela a importância estratégica da criminalização das relações sociais no noticiário. Tomemos a edição de O Globo de sábado, 5 de janeiro de 2002. Deixando de lado o caderno que se ocupa de economia, mundo e esportes, restam 16 páginas sobre o país e o Rio, além de colunas, editoriais e artigos. Leiamos essas 16 páginas. Na primeira, há três chamadas de matérias criminais (``Seqüestrador mantém reféns em Porto Alegre''; ``Polícia do Rio prende dois chefes do tráfico''; ``Fernando Pinto apanhou com canos de ferro'') e duas correlatas (``Governo suspende pílula do dia seguinte'' e ``Filho de Cássia Eller já é disputado''): acrescidas à foto, do episódio de Porto Alegre, somam 70% da centimetragem. A página 2, além de uma coluna econômica, só publica outras chamadas: das oito, cinco são criminais. A página 3, salvo uma coluna no rodapé, é toda dedicada à manchete: ``Terror no microônibus''. Na página 4, além de uma coluna, temos a complementação da matéria sobre o microônibus e reportagem sob o título ``Dutra Pinto apanhou com canos de ferro''. Na página 5, além de um anúncio, quatro matérias: ``Garoto de 13 anos mata amigo de 12 com tiro'' (manchete); ``Diretor de presídio já tinha sido condenado'', seguida de ``Situação é tensa no (presídio) Urso Branco'', e ``Feirante que teve o pênis cortado receberá prótese''. A página 6 publica os editoriais e cartas dos leitores: das 17 cartas, 5 têm por objeto um processo civil, 2 a segurança no réveillon, 1 um crime ambiental, 3 a morte de Fernando Dutra Pinto. Na página 7, uma coluna e dois artigos. Na página 8, das sete matérias três estão em nosso terreno (a pílula do dia seguinte, tramitação da nova lei de drogas e um crime eleitoral). A página 9 se ocupa inteira do tema de sua manchete: ``Começa a briga por Chicão''. As páginas 10 e 12, com tradicionais colunas, são exceções. Na página 11, de quatro matérias as duas maiores são ``Mosteiro de São Bento tem segurança particular depois de sofrer 3 assaltos'' (manchete) e ``Juizado decidirá destino de menina''. Na página 13, ``biólogo denuncia crime ambiental''. A página 14 é uma propaganda. Na página 15, além do obituário, cinco matérias criminais (``Prisão de Polegar em Fortaleza'' - manchete -, ``PF prende no Paraná ladrões de banco do Rio'', ``Bandidos atacam posto da PM e ferem sargento'', ``Bandidos ferem cinco pessoas na saída do piscinão'' e ``Traficante que resgatou cúmplice de hospital é preso''. Por fim, na página 16, um imenso anúncio cercado de seis pequenas notícias, quatro das quais criminais (dois acidentes de trânsito, um bloco carnavalesco ensaiando em decibéis ilícitos, e ``Homem agarra criança e pula de 7 metros de altura''. Eis aí: quase 80% do noticiário desta edição sobre o país e o Rio é criminal ou judicial. Será ingênua esta leitura do país e do Rio? Ou servirá para esconder algumas coisas e alavancar outras?

Variedades

Bourdieu definiu magistralmente os programas de variedades como transmissores de uma ``espécie elementar, rudimentar de informação que é muito importante porque interessa a todo mundo sem ter conseqüências e porque ocupa tempo, tempo que poderia ser empregado para dizer outra coisa''31.

Cada vez mais, programas de variedades adotam formas judiciais. Em nosso país, a televisão aberta do chamado horário nobre intoxica o povo com diversos programas de variedades: informações inconseqüentes, tricas e futricas de bastidores, números musicais no geral indignos do nível que alcançamos nessa arte, entrevistas bem comportadas, tempo gasto no inócuo e na mesmice. Já mencionamos a Vara de Família do Ratinho, com aquelas cenas patéticas da mulher perseguindo o homem - há momentos em que se pode legitimamente suspeitar que os seguranças do programa deliberadamente facultam-lhe um tapinha só, daqueles que não doem - logo após a revelação do resultado de um exame de DNA ao vivo e a cores; estará o filho em casa vendo a disputa de seus pais?

Quem tiver paciência para assistir à longa entrevista (40'59'') da cantora e bailarina Gretchen à jornalista-modelo Luciana Gimenez32 terá uma visão de como seria o processo civil de uma ação de reparação de danos. Gretchen foi ao Recife e, estando presente numa casa noturna, dispôs-se - ou foi convidada - a dançar num tablado contíguo a uma fogueira, resultando-lhe queimaduras. Testemunhas se pronunciaram, as lesões são exibidas, não falta a prova pericial - no telefonema de um médico -, a família se solidariza, enquanto a produção do programa tenta em vão obter um pronunciamento da outra parte. Afora a revelia virtual dos gerentes da casa noturna, são quase três quartos de hora nos quais uma lide, com todos os condimentos probatórios, diverte o público e adverte o infeliz magistrado que dela se ocupará no futuro.

Estamos fora do modelo convencional do trial by media: não se trata aqui de influenciar um tribunal, senão de realizar diretamente o próprio julgamento.

Esportes

O desempenho dos juízes de futebol é sempre avaliado negativamente quando eles tentam, como se diz, ``segurar'' o jogo valendo-se da pena menor (cartão amarelo). Perante uma jogada duvidosa quanto à intenção de atingir o adversário, os juristas das leis do futebol encarregados da apreciação daquele desempenho, geralmente árbitros aposentados, invariavelmente se posicionam pela exclusão do atleta (pena máxima, cartão vermelho). Advertências verbais, ainda que severas, são mal vistas. Alguém se recorda de algum desses comentaristas criticar um árbitro por excessivamente rigoroso? Imperceptivelmente, a reportagem esportiva colabora na disseminação das idéias de que o melhor juiz é o que opta sempre por penas mais severas, e de que as sanções são o instrumento mais adequado para manter a ordem em campo.

Quando, nas cercanias do esporte, surge algum episódio criminal, as coisas ficam mais explícitas, tal como se deu no tratamento dispensado aos passaportes falsos, ou aos ``gatos'' cujos pais ou treinadores fizeram um segundo registro civil para viabilizar a participação em competições de faixa etária limitada. Casos de doping são especialmente atraentes, porquanto se comunicam com o imaginário da droga. Quando um exame na urina de Júnior Baiano detectou detritos associados à cocaína, na primeira transmissão subseqüente de uma partida os telespectadores de Galvão Bueno votaram majoritariamente em favor da pena máxima de suspensão para ele - e era um zagueiro da seleção brasileira! Ficou claro que Galvão Bueno tem seu público na mão, bem como que não havia nada mais importante a conhecer deste público além de sua brandura ou severidade penal.

Uma última observação, útil porque nem sempre a mística liberal pode ser desmentida com tanta clareza. Uma reportagem esportiva deveria abranger a incondicional possibilidade de, em casa, o telespectador saber de tudo o que se passa no estádio. Retratos de Che Guevara, maciçamente usados por uma facção da torcida do Flamengo, nunca são enfocados. Em compensação, o exibicionismo mais tolo e individual, do tipo ``querido Galvão, mostra nós'' ou ``a gente se vê por aqui e em Conceição da Roça Grande'' são o tempo todo mostrados. Também o áudio é ciosamente controlado: quem ficou sabendo que o nome de Osama Bin Laden foi gritado no Maracanã, no primeiro jogo das finais da Copa Mercosul de 2001? A prova dos nove pode ser obtida numa constatação mais simples. Criou-se o hábito de jogadores comemorarem seus gols exibindo, numa segunda camisa portada sob a do clube,alguma inscrição. É também geralmente algo tolo, variando de ``papai te ama'' a ``foi Jesus quem marcou''. Contudo, é potencialmente perigoso, porquanto uma inscrição mais irreverente pode quebrar o monopólio do discurso: quem escolhe o que o telespectador vê é a emissora, não o atleta. No dia em que Romário descobriu essa veia de tantos cronistas atuais, a indignação a favor, fez uma inscrição de apoio ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Mal estar na civilização global: era a favor, porém rompia um princípio. A solução foi entremostrar a inscrição, um pouco rapidamente, sem muitos comentários. O fato é que os goleadores correm diretamente para a câmera atrás da baliza, porém esta câmera é cortada até que os censores se certifiquem da inocuidade do escrito. Aí, sim, a transmissão é autorizada. Naquela memorável olimpíada, na qual os campeões norte-americanos levantaram o braço com a saudação dos Panteras Negras, as câmeras de hoje só enquadrariam até a cabeça.

A executivização em seu nível máximo: Linha Direta

O interesse do Instituto Carioca de Criminologia pelo programa Linha Direta foi despertado por uma notícia que relatava a morte, em confronto policial, de um assaltante cuja biografia criminal fora dias antes exposta naquele programa (12.ago.99). O programa subseqüente (19.ago.99) comemorava o feito. Examinando os vídeos de ambas as edições, solicitamos e obtivemos do Procurador Geral da Justiça do Estado da Bahia, Fernando Steiger Tourinho de Sá - a quem agradecemos - cópia do procedimento concernente ao confronto que vitimara o agora famoso Marcos ``Capeta''.

O exame do primeiro programa mostra um cruel Marcos ``Capeta'', chefe de numeroso bando, que maneja uma metralhadora ponto 50, instalada na carroceria de uma picape, contra policiais atônitos, que empunham revólveres calibre 38, numa Kombi que explode. Desnecessário será dizer que as chamas da explosão, naquilo que terá parecido ao diretor um grande achado, emolduram o rosto cínico de Marcos ``Capeta'', cuja alcunha se prestava a uma espécie de demonização ao pé da letra. Lamentavelmente, os documentos depõem em outro sentido. Marcos ``Capeta'' foi morto numa casa situada em local ermo, isolada e portanto facilmente sitiável. Seu corpo tinha 22 orifícios de entrada de projéteis de arma de fogo, além de uma aparentemente desnecessária lesão contusa na região cervical. Das quatro armas que a polícia disse ter encontrado no local, uma não disparara (exame negativo para pólvora combusta), e as outras três (dois revólveres 38 e uma pistola 380) estavam parcialmente carregadas: mas a metralhadora ponto 50 da encenação do Linha Direta simplesmente não existia. O numeroso bando também estava reduzido a um garoto de 14 anos, com pelo menos oito lesões de projéteis de arma de fogo (o respectivo laudo tem passagens ilegíveis). Do depoimento da irmã de Marcos ``Capeta'' consta uma sorte de última declaração dele: ``Linha Direta só disse mentira''. A festejada secretária de Segurança Pública da Bahia, nas colunas sociais freqüentemente apresentada como ``a blonde Kátia Santos'', declarou ao segundo programa, o comemorativo: `` bandido aqui na Bahia não faz carreira longa''.

Perguntávamo-nos aqui no Instituto: quem matou Marcos ``Capeta''? Um grupo de policiais baianos, fascinados pela fama ao alcance do dedo, ou o jornalista Marcelo Rezende - quer dizer, a TV Globo? Parecia-nos que a agência de comunicação social, dispondo dramaticamente sobre fatos e personagens reais, inclusive e especialmente policiais pautados para aquela caçada, estava assumindo um papel próprio das agências executivas do sistema penal; pela primeira vez, cogitava-se da hipótese de ``executivização'' daquelas agências.

O grande estudo sobre Linha Direta foi empreendido por Kleber Mendonça33, no marco teórico da análise do discurso. Kleber Mendonça revela como a TV Globo se coloca ali como instância de serviço público que tende a corrigir as insuficiências do sistema penal, ``a fazer a justiça funcionar como deveria''. Até abril de 2001, ou seja, em quase dois anos de atividades (o primeiro programa é de 27.mai.99), o programa comemorava a prisão de 103 foragidos (ignora-se se Marcos ``Capeta'' integra este número). Observa Mendonça que o sucesso do programa pode ser explicado na (perigosíssima) reunião de aspectos de telejornalismo e telenovela, ``os dois produtos de maior audiência da emissora''. A partir do ``lugar de autoridade'' do qual o programa se investe, a mistura de dados reais e dados ficcionais (na dramatização de um crime que muitas vezes não foi presenciado por ninguém) se encaminha, de forma grosseiramente óbvia, a despertar a indignação dos telespectadores, convocados a informar algo sobre o paradeiro do vilão, que escapou às conseqüências de seu bárbaro cometimento. Mendonça desnuda com maestria as ``marcas da verdade'' que estarão afiançando as simulações dramatizadas. Cenários e diálogos inventados depõem sobre a frieza de assassinos, ou sobre os deleites do estelionatário foragido. Impressiona o fato de que o acusado, quando consegue falar, tem suas declarações editadas, entrecortadas por cenas ou observações destinadas a descredenciá-las; como diz Mendonça, ``a cada declaração de inocência do acusado, o programa intercala uma outra ainda mais enfática, que não só atesta que ele de fato é um criminoso como ainda reafirma o cinismo do preso''. Inúmeras deslealdades narrativas do Linha Direta são expostas por Kleber Mendonça, como no caso em que um preso tenta dar uma cabeçada na câmera da TV Globo, e o fato é duplicado: ``tentou dar outra cabeçada no cinegrafista'', diz o apresentador, porém, esclarece Mendonça, ``o telespectador, de fato, via a cena pela segunda vez, já que a edição abriu a reportagem com esta cena''. Paralelamente, as vítimas vivem situações, reais ou dramatizadas, em que todos os recursos - Mendonça se deteve sobre a música de fundo - sinalizam para a inocência e a desproteção.

O trabalho de Kleber Mendonça é definitivo, e põe a nu as múltiplas violações de garantias constitucionais semanalmente praticadas naquele sinistro empreendimento. No caso de réus ainda não sentenciados, a presunção de inocência e o direito a julgamento justo são simplesmente escarnecidos; não falemos da imagem. Interessa-nos, contudo, especialmente ressaltar a executivização da comunicação social. Pense-se na coincidência de que o Linha Direta inicia suas caçadas humanas três anos após o processo penal brasileiro ter assumido o princípio de que o acusado tem o direito de conhecer real - e não ficticiamente - a acusação para defender-se (lei n. 9271, de 17.abr. 96). Linha Direta é um processo e um julgamento público que não devem satisfações à Constituição ou às leis, porém produzem efeitos reais: o mais importante não reside na prisão, e sim no próprio julgamento que fará, por exemplo, o júri de uma cidade do interior, perante o qual provavelmente um promotor zeloso exibirá uma cópia do programa.

Encerremos com um episódio ilustrativo. Pouca gente sabe por que Marcelo Rezende foi substituído por Domingos Meirelles. É que, em 25 de novembro de 1999, a juíza da 12^a Vara de Família do Rio determinara a intimação de Marcelo Rezende, por edital, para submeter-se a exame de DNA numa ação de reconhecimento de paternidade, que aliás seria julgada procedente em primeira instância34: estava ele na situação de ``residência incerta e não sabida'', como rezava o edital, tal e qual suas vítimas. O implacável perseguidor de foragidos também era, de certa forma, um homem procurado pela Justiça.

À guisa de conclusão

Desgarrando-se de suas bases estruturais econômicas, o credo criminológico da mídia constituiu-se como um discurso que impregnou completamente o jornalismo, das menores notas ao obituário35, abrangendo inclusive publicações que se pretendem progressistas36.

Este discurso aspira a uma hegemonia, principalmente sobre o discurso acadêmico, na direção da legitimação do dogma penal como instrumento básico de compreensão dos conflitos sociais. Este discurso habilita as agências de comunicação social a pautar agências executivas do sistema penal, e mesmo a operar como elas (executivização), disputando, com vantagem, a seletividade com tais agências. A natureza real desse contubérnio é uma espécie de privatização parcial do poder punitivo, deslanchado com muito maior temibilidade por uma manchete que por uma portaria instauradora de inquérito policial.

Entre as múltiplas omissões desta resenha, está a publicidade. Um importante estadista do século XX sabia que ``quando a propaganda já conquistou uma nação inteira para uma idéia, surge o momento asado para a organização, com um punhado de homens, retirar as conseqüências práticas''37. Linha Direta já retira conseqüências práticas do discurso criminológico único da mídia, da qual a publicidade não passa de um continuum retórico. Podemos estar nos aproximando do momento em que certas iniciativas processuais de alguns operadores do sistema penal que aceitaram este jogo só possam ser compreendidas através dos manuais de propaganda e marketing, sem que ao mesmo tempo o cidadão entrevistado por uma reportagem policialesca tenha assegurado seu direito ao silêncio.

Quando da sanção da nova e tão atrasada lei de drogas (lei n 10.409, de 11.jan.02), o Presidente da República vetou o artigo 54, que o Congresso Nacional aprovara: ``Os meios de divulgação manterão sob sigilo os valores atribuídos a drogas e equipamentos apreendidos''. Desejo destacar não a inconstitucionalidade do dispositivo, que representava uma vedada censura, mas sim a familiaridade com a qual a agência política de criminalização primária tratou aí as agências de comunicação do sistema penal. Era como uma proibição dirigida a uma agência executiva: as delegacias de polícia judiciária manterão sob sigilo... Se as tendências de legitimação e superposição que tentamos descrever neste artigo se incrementarem, talvez o dispositivo vetado e outros similares tenham vigência, num futuro não muito distante: por decreto.



Notas de rodapé

... tardio1
Para uma simplificada exposição das demais características dos sistemas penais do capitalismo tardio, remeto o leitor a três artigos meus: ``Prezada Senhora Viégas: o anteprojeto de reforma no sistema de penas'' (Discursos Sediciosos - crime, direito e sociedade n. 9-10, p. 103 ss), A violência do Estado e os aparelhos policiais'' (Discursos Sediciosos - crime, direito e sociedade n. 4, p. 145 ss) e Poder, historia y sistemas penales (Capitulo Criminológico, vol. 29, n. 3, p. 5 ss); para um aprofundamento, David Garland, The Culture of Control, Oxford, 2001, ed. Univ. Oxford, p. 167 ss; Loïc Wacquant, Punir os pobres, Rio de Janeiro, Freitas Bastos/ICC, 2000; J.M. Silva Sánchez, La expansión del derecho penal, Madri, Civitas, 1999.
... jornais'')2
Derecho Penal - Parte General, Buenos Aires, Ediar, 2000, p. 18.
... livros''3

Autos da Devassa - Prisão dos Letrados do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Arq. Púb. RJ, 1994, p. 147.

... costumes''4
Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, p. 23.
... delitos5
La teoria dello scopo nel diritto penale. Milão, Giuffrè, 1962, p. 57. Para a execução de tal condenação, Liszt não descartou como medidas disciplinares castigos corporais, a cela surda e um ``rigorosíssimo jejum''.
... feudal6
Punição e estrutura social. Rio de Janeiro, Freitas Bastos/ICC, 1999, p. 52 ss.
...ao7
Por todos, Dario Melossi e Massimo Pavarini, Cárcel y Fábrica. México, Siglo XXI, 1980.
...edia8
Robert Darnton. O iluminismo como negócio. S. Paulo, Cia. das Letras, 1996.
... Disney''9

Sobre a televisão. Rio de Janeiro, Zahar, 1997, p. 20.

... bem10

Cf. O martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro, Rosa dos Ventos, 1991, p. 49 ss.

... comunicacional11
Para uma síntese, Nilo Batista, ``Comunicação e crime'', em Punidos e mal pagos, Rio de Janeiro, Revan, 1990, p. 133 ss.
...ao12
Sobre tal debate nos Estados Unidos, cf. Noam Chomsky, Secrets, Lies and Democracy, Tucson, Odonian, 1996, p. 45ss.
... discurso13
Eni P. Orlandi. Análise de discurso. Campinas, Pontes, 2001; da mesma, As formas do silêncio, Campinas, EdUnicamp, 1997; Paul Henry, A ferramenta imperfeita, Campinas, EdUnicamp, 1992.
...ario14
Cf. Carlo Ginzburg. ``Sinais - raízes de um paradigma indiciário'', em Mitos, emblemas e sinais, S. Paulo, Cia. das Letras, 1989, p. 143 ss.
... alternativas15
``Prisões ou escolas?''. Jornal do Brasil, 10.dez.01, p.6.
...ao''16
Editorial, 15.dez.95. Remetermos o leitor aos rodapés da revista Discursos Sediciosos - crime, direito e sociedade, onde uma seção - Florilégio - recolhe muitos exemplos similares .
...ogradas''17
``Cidade, identidade e exclusão'', revista Tempo, Rio de Janeiro, Relume-Dumará/UFF, v. 2, n. 3, 1997, p. 111.
... mídia18
Bourdieu, op.cit., p. 41.
... Brasil19
Marcelo Beraba. ``A bola e a rede'', Folha de S.Paulo, 7.dez.01, p. 2.
... culpa''20
``As dez pragas do sistema penal brasileiro'', em James Tubenchlak (org.). Doutrina, Rio de Janeiro, ID, 2001, v. 11, p. 288.
... judiciais''21
Zaffaroni, op. cit, p. 12.
... hospitais22
Le Panoptique, Paris, P. Belfond, 1977, especialmente as cartas XVIII e subseqüentes (p. 150 ss).
...optico''?23
Máquina e imaginário. S. Paulo, Edusp, 1956, p. 222.
... Virilio24
A máquina de visão. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1994, p. 72 ss.
... envolvidos''25
Antoine Garapon. O juiz e a democracia. Rio de Janeiro, Revan, 1999, p. 112.
... reais26
Alberto Torón registrou o caso de um Delegado de Polícia Federal que preparou para a mídia o cenário de uma cela ocupada por um preso rico. Cf. ``Notas sobre a mídia no crimes de colarinho branco e o Judiciário: os novos padrões'', em Rev. IBCCrim n. 36, S. Paulo, RT, 2001, p. 260-261.
...encia27
Sobre o assunto, Vera Malaguti Batista, Difíceis ganhos fáceis, Rio de Janeiro, Freitas Bastos/ICC, 1999.
... investiga''28
``Acaba a farra na Vila Mimosa''. O Dia, 4.dez.01, p. 11..
... nariz''29
O Globo, 27.nov.01, p. 10.
... sociólogo30
O Globo, 25.dez.01, p. 3.
... coisa''31
Bourdieu, op. cit., p. 23.
... Gimenez32
Rede TV!, programa Superpop, 19.dez.01.
...ca33
A punição pela audiência - um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro, Quartet/Faperj, 2002.
...ancia34
O Dia, 2.dez.99, p. 4, e 10.nov.00, p. 4.
...ario35
A saudosa Rosa del Olmo notabilizou-se pelo pioneirismo e argúcia com os quais seus trabalhos revelaram as funções políticas - inclusive a nível internacional - e sociais da criminalização das drogas. Seu obituário no Jornal do Brasil (20.nov.01, p.20) frisava que na América Latina ``não havia ninguém como ela para discorrer sobre tóxicos e seus malefícios'', referindo-se ainda ao ``notório vigor com que sustentava a luta contra os tóxicos''.
... progressistas36
Cf., por exemplo, a cobertura que Cadernos do Terceiro Mundo deu à I Conferência Executiva de Segurança Pública para a América do Sul (out-nov. 2001, n. 236, p. 14 ss).
...aticas''37
Adolf Hitler. Minha luta. S. Paulo, Moraes, p. 363.