A Resiliência da Cultura

Sebastião Amoêdo de Barros,  Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Primeiro Semestre de 1997

 

 

À memória de Abelardo Barbosa:

 um palhaço resilenciado.

 

Para ser um bom leitor da vida urbana,

 há que se dobrar ao ritmo e

gozar as visões efêmeras.

Néstor Canclini

 

 

                        SUMÁRIO

 

                        1 - Por uma conceituação de cultura

                        2 - Midiação da cultura moderna

                        3 - A tv e a comunicação de massa

                        4 - A resiliência comunicacional

                        5 - A cultura resilenciada pela tv

                        6 - Resiliência tecnológica

                        7 - Classe resilenciada

                                   Pesquisando a resiliência

                                   Como se mensuram as classes

                                    A metodologia da pesquisa Almap

                                   Os resultados da pesquisa Almap

                                   Marcas aculturadas

                                   A casa como espaço da cultura

                                   O discurso da felicidade

                                   Receptividade da midia

                        8 - Conclusões

                        9  - Referências Bibliográficas

                        10 - Bibliografia

 

 

 

 

Por uma conceituação de cultura

 

            Não temos nenhuma pretensão em estabelecer novos critérios conceituais de cultura. Nossa intenção é tão somente reconhecer algumas de suas principais abordagens, sem também cairmos no reducionismo do ex-Ministro da Cultura francês Jack Lang ao afirmar que cultura "é tudo aquilo que justifique uma direção geral" (1).

            Iniciamos recorrendo a  E.B. Tylor, professor de Antropologia na Universidade de Oxford, quando escreve que "a cultura pode ser vista como o conjunto inter-relacionado de crenças, costumes, formas de conhecimento, arte, etc., que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de uma sociedade particular e que podem ser estudados cientificamente"(2).

            Já Malinowski pontua que "os seres humanos diferenciam-se em função de sua estrutura corporal e características fisiológicas; o estudo dessas variações é a tarefa da antropologia física. Também se diferenciam em termos de sua "herança social" ou cultura, e essas variações são de interesse da "antropologia cultural". A cultura compreende artefatos, bens, processos técnicos, idéias, hábitos e valores... A cultura é uma realidade sui generis e deve ser estudada como tal".(3).

            Tais posições levam John Thompson a definir uma concepção descritiva de cultura de um grupo ou sociedade, por ele resumida como "o conjunto de crenças, costumes, idéias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de um grupo ou sociedade". (4)            Néstor Canclini (5) identifica quatro circuitos socioculturais. O primeiro deles é o histórico-territorial, ou seja, o conjunto de saberes, costumes e experiências organizado ao longo de várias épocas em relação com territórios étnicos, regionais e nacionais, e que se manisfesta sobretudo no patrimônio histórico e na cultura popular tradicional. Diferencia a cultura de elites, constituída pela produção simbólica escrita e visual (literatura e artes plásticas) da comunicação de massa, dedicada aos grandes espetáculos de entretenimento (rádio, cinema, televisão e vídeo), além dos sistemas restritos de informação e comunicação, destinados a quem toma decisões (satélites, fax, telefones celulares e redes de informação por computadores) 

            Ao escrever sobre políticas culturais urbanas ele "supõe que estas devam se referir ao conjunto de tradições, práticas e modos de interação que distinguem as populações de uma determinada cidade". (6) Sua visão é portanto de práticas e modos de relacionamentos adquiridos por uma sociedade, ou, por que não, por uma civilização.

            Alinha-se ao pensamento de Canclini o de Ernest Guellner, quando afirma que "para o homem comum, os limites da sua cultura são, senão exatamente os limites do mundo, pelo menos os limites de sua utilidade, de sua aceitabilidade social, de sua dignidade e de sua efetiva participação e cidadania". (7) Mais uma vez identificamos o estágio cultural como de uma qualificação daqueles seres que, por gregários, exigem-se em relacionamentos recíprocos, a ponto de não mais disporem de opções de sua própria escolha, já que nasceram e vivem no seio de instituições e na cultura de sua sociedade, moldados por este ambiente, sem formação prévia e sem direito de escolha. "Uma cultura é um sistema de pré-julgamentos. As instituições sociais e as culturais são raramente escolhidas: são nosso destino, não nossa escolha". (8)

            Analisando os estudos sobre cultura, Raymond Williams (9) vai identificar sua origem no processo de cultivo de vegetais e no de criação e reprodução de animais. Compreende-se assim sua concepção processual, ou seja,  um fenômeno que apresenta contínua mudança no tempo, ou qualquer operação ou tratamento contínuo, à luz da visão de Heráclito, que impossibilita a qualquer ser humano uma mesma experiência, já que ao entrar uma segunda vez no rio, nem o homem, nem o rio, será o mesmo. Assim sendo a cultura, como processo, orgânico ou psico-social, evolui com a superposição de novas experiências, fruto dos erros e acertos da existência.

            Raymond Williams prossegue explicando que a partir so século XVIII, a expressão cultura passou a ser considerada como o cultivo ativo da mente humana, configurando ou generalizando o espírito "que informava o modo de vida global de determinado povo".(10) Daí para o signicativo plural, foi apenas um passo, passando "cultura" a diferenciar-se de qualquer sentido singular ou unilinear de "civilização".

            Com a escola de Frankfurt conhecemos a importância da comunicação de massa e sua centralidade nas sociedades modernas, naquilo que foi denominado "indústria cultural". Como John Thompson escreve "Horkheimer e Adorno apresentaram uma das primeiras teorias sistemáticas da midiação da cultura moderna e tentaram trazer à luz as implicações desse processo para a análise da ideologia nas sociedades modernas". (11)

            Thompson nos fornece um bom estudo da midiação da cultura moderna, ou seja  "as maneiras como as formas simbólicas, nas sociedades modernas, tornaram-se crescentemente mediadas pelos mecanismos e instituições da comunicação de massa". (12) Sua crítica àquela escola é devida ao fato daqueles pesquisadores idealizarem uma sociedade como que fatalista, absorvendo como uma esponja todos os pressupostos veiculados, num processo de vitimização coletiva, sem direito de resguardo.

            Vamos retomar seus estudos com maior intensidade, haja vista sua importância para a fundamentação daquilo que identificamos como efeito de resiliência na comunicação e, por extensão, na cultura.

 

Midiação da cultura moderna

 

            Thompson entende tal midiação como um processo, ou seja, com toda aquela característica de um fenômeno que apresenta contínua mudança no tempo. Tal fenômeno é de natureza generalizada, atingindo todos os segmentos de uma sociedade, através de aparatos técnicos, que a cada momento ganham novas potencialidades  e possibilidades de expressão. Com isso é possibilitada a transmissão das formas simbólicas pelas indústrias da mídia. Segundo ele "vivemos, hoje, em sociedades onde a produção e recepção das formas simbólicas é sempre mais mediada por uma rede complexa, transnacional, de interesses institucionais".(13)

            Na medida em que corresponderem às demandas de consumo, as formas simbólicas, ententidas como "um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por ele e outros como construtos significativos" (14), serão valoradas, tornando-se assim mercadorias, ou "bens simbólicos", podendo ser cambiadas ou comercializadas no mercado, chegando algumas até a grandes somas, ganhando espaço em galerias ou casas de leilão.

            Abordando o multiculturalismo Canclini escreve: "como nos vídeos, a cidade se fez de imagens saqueadas de todas as partes, em qualquer ordem. Para ser um bom leitor da vida urbana, há que se dobrar ao ritmo e gozar as visões efêmeras" (15). Eis aqui uma visão da fugacidade dessa cultura midiada, que se nutre da tensão entre a modernização acelerada e as críticas à modernidade, perpassando o ambiente social com sua alta abrangência e sua baixa perenidade.

            Tal midiação coletiva e generalizante,  denominada como comunicação de massa favoreceu dentre outros fenômenos, a possibilidade da ideologia atingir grandes estratos da sociedade. Mas a comunicação de massa não criou apenas novos palcos para a apresentação dos líderes e de suas opiniões. Ela também fragilizou os líderes, tornando-os mais visíveis e vulneráveis, diante de audiências transnacionais.

            O caráter mercantilizado da produção e transmissão das formas simbólicas, agora midiatizadas em escala global, vem qualificar a cultura moderna, expressão da civilização contemporânea.

 

A tv e a comunicação de massa

 

            Segundo Thompson "em muitas sociedades industriais do Ocidente de hoje pessoas adultas gastam entre 25 a 30 horas por semana olhando televisão" (16). Esta e muitas outras observações, pesquisas e estudos especializados apresentam a influência da televisão na sociedade contemporânea, notoriamente como meio de maior penetração e abrangência para a midiação da cultura.

            Canclini aponta que "desde os anos cinqüenta, a principal via de acesso aos bens culturais, além da escola, são os meios eletrônicos de comunicação. A proporção de lares com rádio e televisão na América Latina é semelhante e em alguns casos maior do que a de lares em que seus membros completaram o primeiro grau" (17) assim sendo "os meios de massa foram agentes das inovações tecnológicos, nos sensibilizaram para o uso de aparelhos eletrônicos na vida doméstica, e liberalizaram os costumes com um horizonte mais cosmopolita" (18).

                No Brasil, a televisão representa um dos principais veículos de comunicação de massa. São mais de 40 milhões de aparelhos receptores, dispersos por todo o território nacional (19), captando as principais redes. Multiplica-se ainda em mais de uma centena de canais a cabo ou emissão codificada, constituindo uma audiência privilegiada não mais de massa, mas em massas concentradas de públicos.

                Atingindo lugarejos dos mais humildes e longínquos, não raro através de apenas um monitor coletivo - benesse do poder público em troca do prestígio do voto - penetra nas mais variadas "tribos", dos mais diversos segmentos econômicos e sociais.

            Se ativa ou passiva, sua função influenciadora  migra de fantasmagórico espelho falante a espelho de Narciso.

            A constatação de Muniz Sodré ao relatar a resposta de um jovem engraxate da favela da Rocinha, que indagado sobre o que gostaria de ver na televisão, responde: "eu" (20),  e o testemunho do menino Ivanei Carlos Martins, do interior de Minas Gerais, que identifica o monitor de televisão como "uma caixa de som com um espelho na frente" (21), nos remetem aos agentes básicos determinantes do processo de transmissão de valores. Pelo espelho falante de Ivanei Carlos Martins, a televisão exerce a função de agente emissor, reduzindo atemorizado assistente à condição de agente passivo. Já no espelho de Narciso, identificado por Muniz Sodré,  a projeção de uma auto-imagem estabelece uma relação circular a um mesmo tempo receptora e influenciadora, elevando o assistente à situação de origem e destino.

            Entre a Rocinha e o interior de Minas Gerais, insere-se um pesado debate sobre o poder influenciador da televisão, escolhida como exemplo dentre os diversos meios de comunicação de massa.

            Ainda que para a escola de Frankfurt e seus seguidores, a televisão exerça um poder manipulatório, maniqueísta, vitimizador ou de pressão, não  é possível desconsiderar a elevação da criticidade de diversos segmentos da sociedade, que iniciam um exercício  de discernimento entre o ideal   e a realidade, ou o delgado limite entre entre o sonho e a fantasia. Thompson chega a chamar de "mito do receptor passivo" a idéia de que os receptores das mensagens da midia são espectadores passivos, que simplesmente absorvem o que se passa diante deles na tela. (22)

            Tal questionamento nos leva a buscar qual seja o sujeito ativo do processo comunicacional, exigindo uma análise do quanto a televisão influencia e é influenciada pelo meio ambiente.

            Se por um lado ocorrem afirmativas de um poder manipulatório, maniqueísta, por outro lado também são identificadas massas de telespectadores integradas por interesses comuns e valores referenciais próprios.

            Tais grupos "tribalizados" sofrem uma menor pressão dos meios de comunicação, nem sempre  absorvendo a "mensagem" televisiva.

            Assim sendo, as mudanças ocorridas na sociedade, não teriam seu epicentro no tubo iluminado  de imagens, mas em todo um dinâmico inter-relacionamento, onde se apresentam não apenas o dualismo emissor - receptor, mas também um terceiro agente, gerado pela ocorrência de uma manifestação de "resiliência".

 

 

A resiliência comunicacional

 

            A "resiliência"  é uma propriedade da Física. Significa a capacidade de um corpo de, após ter sofrido uma pressão, devolver toda a energia nele depositada quando cessada a força.

            Por exemplo: uma barra de ferro, uma vez sofrendo uma pressão atinge um ponto de compressão. Quando a pressão  cessa, ela devolve a energia depositada, retornando não ao seu ponto  inicial, mas a um terceiro, eqüidistante entre  sua origem e o de compressão.

            Em nossa concepção a "resiliência" está presente no processo de comunicação. Ela se apresenta na  aptidão do receptor, de não apenas interagir, mas reagir às proposições da fonte emissora.

            Um cristão pentecostal, por exemplo,  assiste a um de seus clérigos agredir uma imagem de santo católico. Toda a imprensa vai contra. Não haverá imperiosamente para ele apenas duas posições: ficar a favor ou contra o clérigo. Ele poderá situar-se num ponto intermediário. Poderá exercer uma crítica evolutiva.

            Isso porque tal fenômeno reativo apresenta  situações de rejeição, adaptação ou até mesmo revolução, ante as novas proposições, representando condição predisponente para a transformação dos valores. 

            Identificamos que a relação emissor - receptor não é unidimensionada apenas por seus pressupostos básicos de agente - paciente, mas  numa outra possibilidade bem mais abrangente, como diria Emmanuel Carneiro Leão  "realizada ao sabor dos contatos com outras realidades".(23)

            Julgamos que a relação de trocas, processadas pela transmissão e recepção produzem nova fonte influenciadora. Tal fonte surge do todo sinérgico, em função de uma resiliência exponencial, elaborando uma historicidade, por sua vez fomentadora de uma evolução da cultura.

            À crítica do  possível poder manipulatório da televisão sobre uma audiência dispersa, adicionamos a expectativa da propriedade de tais públicos estarem  vinculados  a padrões de natureza ética, alicerçados em um ethos individual e coletivo. Tal massa de telespectadores encontra-se hoje dividida em segmentos múltiplos de públicos, alguns deles com um nível de criticidade suficientemente elevado para poder discernir entre a fantasia do meio eletrônico e a sua própria realidade. Entre os valores do meio de comunicação e os da sua "tribo".

            Esta "tribalização" da sociedade, na medida em que  propicia um recolhimento no próprio grupo e um aprofundamento das relações em seu interior, não representa o estabelecimento de um unanimismo, mas sim o ambiente para que o conflito exerça o seu papel.(24)

            Por sua dimensão interativa os meios eletrônicos participam da transformação dos valores, formando uma moral contemporânea, ao sabor das relações, não necessariamente vingando uma possível intencionalidade transformadora. Ou seja os atributos agregados pela televisão, nem sempre encontram campo fértil em parcelas do público a que se destinam.

            E quanto mais organizadas estiverem tais parcelas, menos influência terão os meios de comunicação, já que o elenco de suas crenças estabelecem os alicerces de seus valores, condicionantes em sua organização "tribal".

 

 

A cultura resilenciada pela tv

 

            É provável que arquétipos e padrões orquestrados de bens culturais contribuam para com a socialização dos indivíduos e até mesmo para a formação da sua identidade.

            Podemos elencar, dentre tantos, o exemplo de posturas à mesa de refeição, encenadas por atores em telenovelas, para "instruir" os telespectadores. Ou mesmo a utilização de seriados inteiros, como o que fez ressurgir as passeatas, protagonizadas por "caras pintadas" - numa evidente nostalgia da década de sessenta - que levaram milhares de jovens às ruas, exigindo a cassação do presidente da república, narcotizados pelo falso sentido de participação.

            "Mas é também provável que os indivíduos nunca são totalmente moldados por esses e por outros processos de socialização, e que eles são capazes de manter ao menos certa distância, tanto intelectual como emocionalmente, das formas simbólicas que são construídas deles, para eles e ao seu redor". (25) A afirmação de Thompson nos faz retornar ao exemplo específico da agressão à imagem de Nossa Senhora Aparecida, não necessariamente apoiada por todas as correntes pentecostais. Ou seja, nem todos os crentes da Igreja Universal do Reino de Deus ou de seitas congêneres,  apoiaram o gesto do Bispo Sergio Von Helder no dia 12 de outubro de 1995  em agressão à imagem da padroeira do Brasil..

            Há também exemplos, especificamente no segmento de informação, segmento esse de alto interesse manipulatório, já que produtor de substratos ideológicos. Eles ocorrem notoriamente quando representantes do jornalismo de canal de televisão são mal recebidos pela comunidade a que estão abordando em "cobertura" jornalística. Tendo em vista a contradição dos ideais das comunidades com o noticiário veiculado pela TV, elas sentem-se traídas. Ocorre, nesse caso, uma clara desconecção entre as formas simbólicas, abstratas, apresentadas pela televisão, e a realidade concreta, vivenciada pela comunidade. Em tais momentos são identificados os elementos fantasiosos e falaciosos da comunicação de massa, através da ruptura entre a verdade e o ideal, entre a realidade e a hiperrealidade, fazendo surgir a expressão crítica: "só em novela",  "isso é propaganda", ou mais incisivamente: "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo, rede hoje sinônimo de padrão televisivo em nosso país.

            Cabe aqui um curioso adendo sobre esta última palavra de ordem criada no movimento operário. Maliciosamente os dirigentes da rede adotaram o slogan distorcendo-o seu significado: "o povo não é bobo, prefere a Rede Globo", desconectando assim seu poder beligerante e opositor, desferindo-lhe golpe mortal.

            Os meios de comunicação de massa - no nosso caso específico a televisão - exercem sua função de construção de formas simbólicas, através da produção e geração ou difusão de tais formas. Mas é no reduto do espectador da mensagem que ocorre a recepção e apropriação das mesmas formas, reconstruídas ao sabor das vivências e experimentações dos receptores, que não absorvem simplesmente o material emitido sobre elas, mas se envolvem constantemente, num esforço para compreender, dar sentido àquilo que recebem, avaliando, relacionando-se com elas e partilhando-as com terceiros. Ainda que a recepção da mensagem sempre ocorra em contextos específicos, a sua apropriação é um processo contínuo, implicando uma verdadeira aquisição de natureza pessoal, um "tornar próprio". Este, por sua vez, não será necessariamente nem aquilo originariamente de interesse dos gestores do medium, nem tampouco a posição originária dos receptores. Após a natural pressão do meio, a reação dos atingidos virá, gerando um terceiro ponto, que não é nem o de origem do meio, nem dos receptores. Identificamos então o terceiro ponto, ou a resiliência comunicacional.

 

 

Resiliência tecnológica

 

            A tecnologia sempre influenciou a transmissão da cultura, alterando sua base material, seus meios de reprodução e transmissão. O desenvolvimento tecnológico, conquistado na modernidade, veio permitir a multiplicação de bens culturais, favorecendo sua disseminação ao nível das camadas menos favorecidas.

            O impacto tecnológico influencia pesadamente não apenas o desenvolvimento de novos media, a  ponto de não podermos precisar o que será disponível amanhã, como também amplia a capacidade de reprodução das manifestações culturais. Desde a impressão  gráfica, das prosaicas cópias de Gutemberg aos jornais a cores desse final de século. Da reprodução da música em vinil, passando pela fita, até chegar ao disco compacto, favorecendo imagem e som de alta qualidade. Desde as transmissões locais de rádio e televisão, às coberturas transnacionais de programas virtuais, via satélite com distribuição a cabo ou por ondas. Desde os sistemas pessoais de armazenamento de dados, às trocas mundiais através das redes que compõem hoje as super avenidas de informação, onde é impossível deixar de dispor de um dado. Este último  ambiente onde o indivíduo se torna sujeito não apenas de um sistema de trocas, mas também de um gestor do interesse coletivo, através do acesso indiscriminado de dados e intercâmbios, podendo chegar a ser um agente disseminar de uma causa ou cultura.

 

            "A televisão e outros meios geraram um novo tipo de domínio público, que não tem mais limites espaciais, que não está mais necessariamente ligado à conversação dialógica e que é acessível a um número indefinido de pessoas que podem estar situadas dentro de locais domésticos privados. Ao invés de soar o sino fúnebre da vida pública, o desenvolvimento da comunicação de massa criou um novo tipo de publicidade que transformou, fundamentalmente, as condições sob as quais a maioria das pessoas são capazes de vivenciar o que é público e de participar, hoje, no que pode ser chamado de um domínio público". (26)

 

            A constatação de Thompson situa a importância da tecnologia ao aproximar pessoas e interesses, ligadas não mais por uma contiguidade física, mas por uma proximidade ideológica, numa universalização de crenças, opiniões e valores, pelo menos entre aqueles atingidos e identificados com seus pressupostos.

            Chegamos então a um momento de domínio da alta cultura pelas coletividades populares, que passam a acessá-las com igual ou maior ênfase e intensidade. Transformam-se portanto os meios de comunicação de massa em disseminadores de uma cultura emergente, antes sacralizada e acessível apenas àqueles iniciados, pertencentes a uma elite social e cultural. Ou não podemos afirmar que é alta cultura a transmissão internacional pela televisão a cabo da Ópera Eqüestre Zíngaro,  ou a Missa Flamenca, de Paco Peña, espetáculos condenados ao confinamento físico e intelectual de raríssimos iniciados em tamanha dimensão cênica.

            A crise que daí advém, se assim podemos entender, é essencialmente da perda de poder dessas elites do monopólio da cultura, vulgarizada, ou seja levada ao vulgo, através da tecnologia. Ao desacralizar a alta cultura os meios de comunicação de massa tornam-se a casa de espetáculos do século XVIII, onde um moribundo Wolfgang Amadeus Mozart apresenta a beberrões e prostitutas a sua Flauta Mágica, produzindo em Salieris enciumados a dor da perda de sua hegemonia artística.

            Thompson alicerça nosso pensar ao afirmar:

 

            "Vivemos, hoje, em sociedades em que a difusão de formas simbólicas através dos meios eletrônicos se tornou um modo de transmissão cultural comum e, de uma maneira cada vez maior, uma cultura eletronicamente mediada, em que os modos de transmissão orais e escritos forma suplementados - e até certo pondo substituídos - por modos de transmissão baseados nos meios eletrônicos". (27)

 

 

Classe resilenciada

 

            Para analisar a resiliência na comunicação tomamos como exemplo o trabalho desenvolvido pela agência de publicidade Almapbbdo,  entitulado "O poder da classe D", que tem no Plano Real o ponto de pressão resilencial.

 

            Pesquisando a resiliência

 

            Apresentado em cinco capítulos o trabalho aborda, além dos naturais aspectos de relação com o consumo, os estilos de vida e os modelos do eu. A grande surpresa é a ascensão da classe D, notoriamente mais carente e desprovida de bens de consumo ou culturais. Esta classe tem apresentado um impulso consumista de natureza emergente, guardando, no entanto, princípios básicos que identificam um ethos solidamente edificado, que comprova não disporem  os meios de comunicação de massa da possibilidade de atingir plenamente seus pressupostos, dito maniqueístas,  manifestos em seus mecanismos de pressão, mais especificamente através das campanhas de persuasão.

 

            Como se mensuram as classes

 

            Inicialmente precisamos explicar que o mercado publicitário, a serviço dos mecanismos de consumo, estratificam a sociedade em classes sociais, nominadas por letras de A a D. Ainda que não exista uma divisão de castas, já que os componentes de cada categoria podem migrar, ascendendo ou descendendo de sua classificação, há uma forte definição da potencialidade de cada uma delas no acesso aos bens de consumo e aos bens culturais.

            Existem duas modalidades básicas de distinção de tais classes. A da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado - Abipeme e a da Associação Nacional de Empresas de Pesquisa de Mercado - Anep. Elas se diferenciam, fundamentalmente, nos critérios de pontuação do patrimônio econômico e social de cada chefe de família. Exemplificando: o grau de escolaridade é medido pela Abipeme, ou pela Anep, na respectiva proporcionalidade. Primeiro grau completo 10 ou 3 pontos; segundo grau completo 15 ou 5 pontos; superior completo 21 ou 15 pontos. Há que se convir que o resultado final é bastante diferenciado. Assim sendo a Associação Brasileira de Anunciantes tem dado maior apoio aos critérios da Anep, por julgá-los mais rigorosos.

 

            A metodologia  da pesquisa Almap

 

            O ponto de partida da pesquisa da Almapbbdo foi de natureza qualitativa. Foram realizadas dezesseis entrevistas em profundidade - técnica utilizada para auscultar as razões de escolhas das pessoas - na grande São Paulo, com homens e mulheres de 18 a 38 anos, dentro de duas classes sociais C e D, pelo critério ABA.

            Foi também realizada pesquisa quantitativa através da aplicação pessoal de questionários estruturados, com pessoas de ambos os sexos, na faixa dos 16 aos 45 anos, residentes em São Paulo e pertencentes às classes A e B, também pelo critério ABA.

            No total foram entrevistadas trezentas pessoas, sendo cem de cada uma das classes sócio-econômicas, divididas por sexo e idade.

            Posteriormente os resultados foram ponderados para recuperar a proporcionalidade entre as classes sócio-econômicas, sexos e idades, segundo sua presença na população da cidade de São Paulo.

            O trabalho de campo foi realizado no decorrer do mês de julho de 1996 e foram cruzados com estudos da Marplan, importante empresa de pesquisa, e do Datafolha, que também realiza levantamentos.

            A pesquisa objetivou orientar a classe publicitária  sobre os valores das classes sociais e como abrir um maior diálogo com o consumidor de baixa renda.

 

            Os resultados da pesquisa Almap

 

            Seus resultados mostraram que as mudanças econômicas trazidas pelo Plano Real possibilitaram o ingresso no mercado de consumo de uma série de consumidores de baixa renda, quer seja porque passaram a consumir bens aos quais não tinham acesso previamente, quer seja porque aumentaram a freqüência de consumo de alguns itens. Como resultado, verifica-se entre os consumidores emergentes uma transição para um estilo de compra mais próximo ao da classe média, aumentando também o nível de exigência em relação aos itens de consumo.

            Neste processo, uma proporção grande de consumidores de baixa renda está passando de um modelo de subsistência para um modelo de imersão no consumo. E este ganho de posição na sociedade tem reflexos sobre a sua auto-estima - aumento do poder - e sobre a maneira como ele quer ser tratado e retratado publicamente.

            O emergente é um consumidor que está dando passos mais arrojados na arena do consumo, mas não tem o mesmo traquejo do consumidor experiente.

            A necessidade de informações e atenção no momento da compra é muito grande. Ele quer ser tratado com dedicação, respeito e honestidade.

            É um consumidor que se apoia na palavra do vendedor e, na ausência desta, na palavra do fabricante. A marca tem um peso importante no processo de escolha e, se satisfeito, tende a se manter mais fiel a sua escolha do que o consumidor mais experiente.

            Embora a sua escolha seja muitas vezes orientada por preço, ele discrimina claramente as marcas de qualidade das marcas que têm como única vantagem o preço. Estas últimas são escolhas circunstanciais, dependendo da disponibilidade financeira do momento.

            Em algumas categorias, este consumidor emergente não abre mão de marcas de qualidade, independente de preço. O líder da lista é o sabão em pó, seguido da geladeira, televisor, tênis e outras categorias de produtos.

            As marcas que têm maior notoriedade para este consumidor - maior visibilidade na mídia e maior aceitação no grupo de referência - desempenham importante função na relação de consumo. Através delas o consumidor pode aumentar o nível de certeza em relação à sua escolha e pode também exercitar o seu poder.

            Principalmente para os bens duráveis, os critérios de definição de qualidade das marcas se baseiam muito em resultados, tanto do ponto de vista concreto - durabilidade e eficiência -, quanto do ponto de vista emocional - prazer, conhecimento, inclusão.

            No aspecto da satisfação emocional com as marcas, a propaganda desempenha papel muito importante.

            Este consumidor quer se sentir incluído na sociedade de consumo e se ver retratado com dignidade e pertinência na propaganda. Para falar com este consumidor na propaganda é preciso entender o seu estilo de vida, a simplicidade das suas estratégias de felicidade e a diferença entre o discurso do poder - material - e o discurso de viver.

            As zonas de encontro do consumidor emergente com a propaganda parecem ser, sobretudo:

            A mensagem direta e simples, de preferência a palavra encenada, lembrando sempre que para este consumidor há uma grande distância entre a concretude das coisas e o vazio das palavras.

            O retrato da vida, do cotidiano, vivido com alegria e criatividade, evitando-se trabalhar o aspecto aspiracional através do vetor da ascensão social. O aspiracional faz mais sentido no contexto das relações humanas, familiares e dos momentos de lazer.

            A zona do sonho, mantendo os limites bem definidos com a realidade. Sonhar e viver, mas sem fantasiar o lugar em que vivemos. Apenas viver criativamente.

            O consumidor de baixa renda está desenvolvendo um estilo de compra mais próximo da classe média, exigindo maior atenção e acesso à qualidade, tendo no consumo não apenas a realização de suas necessidades, mas também a satisfação de seus desejos.

            Quase a metade desses consumidores satisfaria de imediato um desejo reprimido se dispusessem de um dinheiro extra. No entanto o ato da compra apresenta-se ainda com duas abordagens. Por um lado pode ser prazeroso, mas por outro permanece angustiante, uma vez que a possibilidade de reposição de uma má compra é remota.

            Por isso ele prioriza a relação concreta com o produto, através de uma experiência anterior positiva, sua ou de terceiros. O aval de uma boa marca e um bom atendimento.

            A concretude do consumidor emergente se manifesta, também, na forma como avalia a qualidade dos produtos, já que os signos utilizados situam-se, essencialmente, no plano do "ver para crer", ou seja, no plano da aparência e no plano dos resultados palpáveis.

            O signo abstrato de muita relevância para esse consumidor é a marca, que em primeira instância sinaliza e assegura a qualidade do produto, que ele faz questão de obter, independentemente do preço.

 

            Marcas aculturadas

 

            Seguindo a já citada definição de cultura de E.B. Tylor, podemos considerar a escolha de marcas como um conjunto inter-relacionado de costumes, adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de uma sociedade particular, podendo ser estudados cientificamente.

            O estudo Almapbbdo nos apresenta marcas totem, que são para os consumidores sinônimo máximo de qualidade, podendo servir como referenciais dos padrões de aquisição dessas classes.

            Assim sendo: Aparelho de som é Gradiente. Sandálias de borracha são Havaianas. Shampoo é Colorama. Antiácido efervescente é Eno. Tênis é Nike, seguido de muito perto por Reebok. Tinta para parede é Suvinil. Bolachas e biscoitos são Tostines. Molho de tomate é Pomarola. Detergente líquido é ODD e Limpol. Analgésico é Doril. Maionese é Hellmann’s. Margarina é Doriana. Chocolate é Nestlé. Sabão em pó é Omo. Iogurte é Danone. Salsicha é Sadia. Suco e refresco em pó é Tang. Inseticida é Baygon. Escova de dentes é Kolynos. Salgadinho em pacote é Elma Chips. Televisão é Mitsubishi. Cerveja importada é Budweiser. Creme de Barbear é Bozzano. Refrigerante é Coca-Cola. Freezer é Brastemp, seguido de perto pela Consul. Sorvete é Kibon. Geladeira é Consul, seguida de perto pela Brastemp.

            Curioso notar que a compra, ao se instalar como ato prazeroso, traz também inúmeros referenciais de cada classe. A compra de artigos pessoais é a maior fonte de prazer para o consumidor emergente, e, nesse, sentido, ele é muito parecido com as classes de maior poder aquisitivo. Assim como os mais ricos, ele gosta de andar bem-vestido e sente-se especialmente atraído pelos calçados. À medida que diminui a renda do consumidor, aumenta significativamente a satisfação em comprar alimentos, particularmente os básicos.

            Dentre os itens de consumo considerados indispensáveis para a existência, estão em ordem de importância, o fogão a geladeira e a televisão. O rádio fica em sexto lugar, precedido da máquina de lavar roupa e do liqüidificador, o que comprova o alto interesse em acessar os meios de comunicação de massa, midiatores da cultura.

            O computador pessoal ocupa um modesto décimo-sexto lugar, ainda que portador de um forte potencial  persuasivo. Existe uma linha demarcatória entre a novíssima geração e a geração ainda nova, mas com um rumo profissional e familiar já definidos. Os da primeira manifestam forte proximidade psicológica ao computador, enquanto ícone da modernidade, mesmo que sua posse efetiva seja muito remota; os da segunda colocam esse produto fora do seu círculo de desejos de consumo, talvez por representar uma outra linguagem e um outro tempo, numa clara demonstração de mneísmo, ou seja, aversão às inovações.

            Perante os bens jovens, o computador parece ter uma conotação não só de modernidade, com o status que dela decorre, como também de um novo canal de mobilidade social, representando talvez, uma atualização, que o curso de inglês e a datilografia já representaram.

            O computador, ítem recém-chegado no universo do consumo, hoje já faz parte do desejo de todas as classes sociais. Setenta e nove por cento delas acha que é muito importante. Apenas vinte e um por cento acredita não ser importante. Ainda que cinqüenta e oito por cento responda que dá para ficar sem computador, apenas vinte e um por cento afirma que já não dá para viver sem um.

           

            A casa como espaço da cultura

 

            O consumidor de baixa renda se sente vítima de um processo de deterioração que foge ao seu controle e não tem perspectiva de melhora a curto prazo. Ele parece estruturar a sua vida cotidiana dentro de uma mentalidade de sobrevivência.

            Seu primeiro mandamento é o de que "o sobrevivente tem que aprender a andar com pouca bagagem", o que pode significar a supervalorização de pequenos prazeres como um amigo e uma boa prosa, um bar e uma cerveja gelada, sair com a família e visitar parentes, um cigarro e uma profunda tragada, um bom pagode, uma televisão e um aparelho de som, uma boa comida, relacionamento afetivos e relaxar.

            O sentimento de exclusão vivido no mundo da rua parece compensado por uma supervalorização do mundo da casa e da família, sendo os filhos os grandes depositários da esperança de um dia ele poder se sentir incluído na sociedade mais ampla.

            Nesse sentido, pode-se dizer que o imaginário desse consumidor é dominado pela utopia de uma segunda chance de ser feliz, onde a ascensão profissional do filho resgata a estrutura do conto de fadas: um história que começa mal, com sofrimento, mas termina com final feliz.

            Conforme a tendência mundial, por falta de segurança e proteção, as pessoas tendem ao enclausuramento doméstico, o consumidor emergente também procura tornar sua casa um refúgio de prazer, onde encontra supridas suas prioridades básicas.

            Os instantes de prazer de cada um, no espaço da casa, podem ser definidos como o espaço da liberdade. Esses momentos correspondem a uma espécie de festa, onde o descontínuo, a pausa, se sobrepõe ao contínuo, que é a batalha pela vida na rua, o universo da polêmica, do desgaste e da luta. Através desses pequenos prazeres, pode-se rastrear o percurso gerador de um prazer maior: o prazer de poder nada fazer, usufruindo da liberdade de estar só, de ficar sossegado, de ser dono do próprio tempo sem precisar dividir o pouco espaço da casa com outros da família. Para então poder  viajar através da leitura, penetrar na aventura ou obter descontração através das novelas e filmes da televisão, o relaxamento e a vazão aos sonhos, a música.

            A casa aparece como o lugar privilegiado desses momentos de prazer, o que aliás não poderia ser diferente, já que o ritmo diário do consumidor emergente se concentra num "casa-trabalho-casa". A casa é onde convivem o cotidiano, como rotina e como festa, o trabalho como descontração, do tipo fazer uma horta, ou o não fazer nada, não ter obrigação.

            Os instantes de prazer, quando há algum tempo livre só para si, podem ser ocupados com o sono, ou ouvindo música ou escutando rádio, assistindo televisão ou a leitura. Mas sempre, sempre deitado.

            Destaca-se nesse grupo o valor da música, como um fazer catártico ou terapêutico, que ajuda a pensar a própria vida e aliviar as suas dores. Nesse nada fazer, lambiscar e bebericar podem funcionar como simulação de ação.

            A casa como espaço privilegiado do prazer sobrevaloriza os equipamentos de lazer e as facilidades domésticas como prioridades de desejo de consumo, criam possibilidade de uma relativa homogeneização entre as classes.

                       

            O discurso da felicidade

 

            Ao falar sobre felicidade, o consumidor emergente assume um tom mais solene do que quando fala de seus momentos de prazer. O discurso da felicidade tem um tom quase religioso e traz, subjacente, a idéia de merecimento, pois prega valores como honestidade e sinceridade.

            Talvez porque a própria palavra felicidade lhe remeta a coisas maiores, mas menos tangíveis como Deus, saúde, paz, harmonia, amor e prosperidade, seu discurso como os votos de felicidade que se transmite na passagem de ano: "Adeus, Ano Velho, Feliz Ano Novo, muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender".

            Outra diferença observada entre o relato de momentos de prazer e o discurso da felicidade: o primeiro opera no plano concreto de fazer, da criatividade, o segundo no plano mais abstrato e mais distante do ter e do estar, cujo alcance é sempre uma busca, uma batalha. Por isso uma dona de casa recusa falar em felicidade, porque "a desejaria apenas se fosse eterna". O prazer é portanto concreto, já a felicidade, é abstrata.

            O contentamento ou satisfação parece ser um estado intermediário entre a fugacidade do prazer  e o distanciamento da felicidade. Um porteiro seria um homem contente se pudesse exercer o seu direito de escolha e "cortar o cabelo num lugar que corta bem e não ter que cortar no lugar mais barato, onde o cara mete a tesoura".

            A felicidade, para o consumidor emergente, vai do concreto para o abstrato. Da casa, saúde, emprego e dinheiro à amizade, paz, amor, alegria e sucesso. A felicidade está estreitamente ligada ao espaço da casa e à instituição  família e à revitalização das crenças e raízes. A felicidade se encontra, no seu sentido mais profundo, no bem estar, e esta é a síntese entre o possível e o sonhado, entre a fantasia e a realidade.

            Mas não se abandona o sonho, pois é ele que viabiliza a vida ao viabilizar sensibilidade, a capacidade de se maravilhar diante do belo, expresso na música, nos reluzentes carros, nas viagens promovidas pelos filmes e livros, nas idas a lugares aprazíveis, em hotéis com mordomias, ou ainda, no prazer de adquirir produtos, marcas possíveis como ponto de partida para se chegar lá - lá é o sucesso.

            A linguagem se cobre de concretude, deixando transparecer uma ideologia social determinada. A conquista pelo esforço  e determinação. O discurso não encerra uma explicação última da felicidade e, sim, uma materialidade própria ligada às necessidades: uma boa alimentação, um lar confortável, um bom emprego, relacionamento de amor e amizade, num equilíbrio de vida sem exageros, onde retira-se alegria das coisas mais simples e comuns da existência.

            A felicidade é, pois, a totalidade do sucesso que se pretende e que contém em seu cerne um limite. No discurso, há alguma coisa de ambição como há de modéstia, e ambas estão aderentes àquele interno imposto pela condição financeira e pela autocensura.

            O modelo de realização pessoal difere entre os sexos. Para as mulheres gira, principalmente, em torno do ser. A maternidade é o grande motor da felicidade feminina, tipificada pelo poder de ser mãe, de nutrir e proteger os filhos. A capacidade de fecundar é um poder absolutamente democrático, acessível a ricos e pobres.

            As mulheres mais jovens elegem, ao lado da imagem da maternidade, a figuração da mulher-liberdade, independente, em contato íntimo com a natureza.

            Para os homens a figuração da felicidade gira, principalmente, em torno do fazer e as operações criativas que giram em torno dele. O estudo, para os mais jovens. A criatividade; a independência e a relação de proteção do pai com o filho.

            As pessoas mais admiradas são aquelas que demonstram coragem. Capazes de superar obstáculos, tipicamente representadas pela mãe pobre, que criou sozinha os filhos. Curiosamente a figura do pai não tem uma presença tão constante e forte no segmento de classe mais baixa.

            Já como vencedor o eleito é Ayrton Senna. "Era uma pessoa corajosa, ele poderia sair em terceiro lugar, no final chegava na frente, eu mesmo não teria essa coragem". "A coragem que ele tinha, de ficar correndo lá naquelas pistas, sabendo que era perigoso. Pela força de vontade de lutar pelo Brasil, ele corria lá era para quê ?", "Era para lutar pela pátria dele". "Era uma pessoa com determinação, tinha vontade de vender e venceu. Eu admirava o Senna pela vontade de vencer". (28)

            Na sua visão de mundo, e de seu lugar no mundo, o consumidor emergente tem com clareza a noção dos limites entre o possível e o sonhado. Isso gera uma percepção marcada pela contradição, já que ele se identifica simultaneamente com ditados que implicam na aceitação dos limites impostos pela condição financeira e no endosse aos freios da ambição "Não se pode ir com muita sede ao pote que ele arrebenta,",  "nem só de pão vive o homem",  "quem tudo quer, nada tem", ou com ditados que são uma porta para a esperança de dias melhores, muitas vezes através das mãos de Deus que "escreve certo por linhas tortas".

            Ditados populares foram submetidos, durante a pesquisa, a uma análise fatorial, procurando identificar como essas frases se agrupam entre si para produzirem conjuntos, sinalizando posturas diante da vida. Por trás de trinta frases testadas, existem quatro fatores básicos:

            "Deus escreve certo por linhas tortas"- esse fator é representado por uma postura de vida muito característica das classes mais baixas. Para vencer na vida, é preciso se esforçar bastante e fazer por merecer uma ajuda do destino". O apego a esta filosofia é mais típico na classe D e menos típico nas classes altas (A/B).

            "Quem tem boca vai a Roma". Esse fato põe em destaque a perseverança como motor da realização dos desejos pessoais. Essa postura de vida tende a ser comum a todas as classes sociais.

            "Um dia é da caça, outro do caçador". Esse fator agrupa posturas de vida de uma ética duvidosa, circunstancial, que prega que se deve devolver com a mesma moeda aquilo que se recebeu. As classes C e D se identificam mais com esta postura de vida do que a classe A/B.

            "Não se pode ir com muita sede ao pote que ele arrebenta". Esse fator sinaliza que "a pressa é inimiga da perfeição". Tudo acontece no seu devido tempo e no seu devido lugar. Para a classe D, essas frases refletem também a idéia de que é preciso se conformar com o que se tem e não almejar algo que esteja muito fora do alcance. Não se notam diferenças significativas entre as classes sociais sob a ótica desse fator.

            As três classes sociais não diferem muito quando destacam os valores que gostariam de ver perpetuados nos seus filhos: honestidade, respeito, responsabilidade, ajudar a quem precisa, coragem, lealdade, esforço, otimismo, solidariedade, aproveitar as oportunidades que aparecem, saber correr atrás das chances, religião, persistência, esperteza, patriotismo.

            O otimismo e a persistência são valores com maior presença nas classes A/B, enquanto que a religiosidade tem um destaque maior na classe D.

 

 

           

 

Receptividade da Mídia

 

            As classes emergentes apresentam, de uma maneira geral uma alta proximidade com o meio rádio, considerado um bom companheiro nas horas de solidão.

            Com as revistas há um distanciamento. Talvez por custar dinheiro é uma mídia distante até psicologicamente. Falta hábito,  restringindo-se a sua leitura a empréstimos da vizinha ou a leituras em sala de espera de médico, dentista ou cabeleireiro. Para as mulheres, a revista é um complemento da televisão, um lugar privilegiado de saber as fofocas sobre artistas e novelas. Destaque-se o claro posicionamento de Veja perante o segmento, apesar do baixo índice de leitura. Veja é considerada uma revista completa, que mostra tudo o que aconteceu. Nesse sentido, é como se fosse um jornal, está sempre ali para ver o que está acontecendo no mundo, pronta para mostrar uma realidade que os noticiários de televisão às vezes escondem. Entre as mulheres, a imagem de uma revista que fala demais de política pode se constituir um fator de afastamento de Veja.

            Os programas de televisão preferidos permitem diferenciar dois perfis de espectadores: o time da novela/filme e dos programas de auditório e o time dos noticiários/programas especiais como Globo Repórter, Fantástico e Jô Soares. Essa contraposição desvela a crescente importância da televisão como fonte de informação. Além de transportar para o mundo da fantasia (filmes e novelas), a televisão cada vez mais insere o expectador no mundo da realidade, transformando-o numa testemunha ocular da própria história. O que é particularmente importante para quem se ressente de seu confinamento ao mundo da casa, até por falta de dinheiro para ter um lazer externo.

            Já as zonas de encontro da propaganda com o consumidor emergente parecem ser sobretudo:

            A zona da sensação - provar sensorialmente mais do que dizer (a palavra encenada), lembrando-se que para esse consumidor há uma distância muito grande entre a concretude das coisas e o vazio das palavras.

            A zona do viver como um fazer, onde a criatividade é o artifício que harmoniza a democracia dos bolsos com a aristocracia dos gostos. D.W. Winnicott define criatividade como "um colorido de toda a atitude com relação à realidade externa". Segundo ele, é através da percepção criativa, mais do que qualquer outra coisa, que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida. (29)

            A zona do sonho ( em seus limites bem definidos com a realidade) em vez da zona da fantasia ( e sua falta de limites com a realidade) .

 

 

Conclusões

 

            Poderíamos afirmar que os meios de comunicação de massa, com destaque para a televisão, exerceram um forte impacto resilencial sobre a cultura, influenciando sua alocação no espaço, no tempo, na forma e no conteúdo da mensagem.

            O espaço de absorção de bens culturais exclui a rua e opta pelo ambiente do lar, pela própria tendência mundial de falta de segurança e proteção. O  claustro doméstico é mitigado pelo refúgio tecnológico de prazer, onde as necessidades básicas podem ser supridas. O cabaré do século XVIII ou a casa de espetáculos do século XIX, migram para o espaço privilegiado da liberdade, onde tudo é descontínuo e festa. Onde se pode dominar o tempo. Ser dono do castelo e por conseguinte da ação.

            O que é o tempo nesse novo meio de comunicação ? É algo que pode ser metodicamente fracionado e oferecido em doses homeopáticas. O libreto passa a ser seriado, criando a expectativa entre um e outro capítulo, onde a historieta enreda e motiva o passeio ao mundo dos sonhos. Ao fracionar o tempo a televisão passa a pontuá-lo, criando uma nova forma de contagem. Há a novela das sete, leve e humorada, o jornal das oito, sanduichado entre dois folhetins. E há a novela das oito e meia. Sempre um dramalhão.

            Não é possível ainda acertar o relógio no "Jô onze e meia" mas é possível identificar com alguma proximidade o horário de sua ocorrência.

            Na nova cultura resilenciada, marcam-se compromissos às nove e meia, ou após a novela? Em Portugal, conta-se, o gabinete governamental encerra às pressas sua reunião em função da audiência da novela. E o almoço? Este tem de ser no horário do Jornal Hoje.

            A televisão influencia ainda a forma de transmissão da cultura, tanto na emissão de informações, quanto na de bens culturais. O telejornalismo tem adquirido ao longo de sua execução, uma linguagem própria de ser, adaptando as formas gutemberguianas tradicionais. A imagem já pode ser apresentada em tempo virtual, elevando o expectador não apenas a mero receptor da notícia, mas autêntica testemunha, também ocular, da história. A câmera e o monitor da televisão, como extensões da visão humana, retêm os fatos, documentando-os para a posteridade. A telenovela e demais produtos da dramaturgia, adquiriram encenação própria, não raro valorizando a interpretação facial e a gesticulação passível de enquadramento no vídeo. O ator que se impõe no palco é um profissional do passado já que agora a perspectiva da tela não permite uma visão permanente da totalidade do cenário. Permite-se assim a televisão ressaltar a fácies do personagem, com os múltiplos recursos que lhe propiciam a moderna tecnologia. O olhar aproximado quer o detalhe, não o todo. O Narciso contemporâneo parece indispor-se com seu corpo, já que o lago que o reflete não comporta o seu todo.

            Resilencia ainda a televisão o conteúdo dos bens culturais, transmutando-os à sua necessidade e semelhança. O romance, o drama ou a comédia, sofrem severas adaptações, excluindo-se ou anexando-se personagens ao sabor estético do freguês. A obra literária contida num codex fixo precisa metamorfosear-se em capítulos, expandidos ou reduzidos na mesma proporção que satisfatórios, ou não, a um patrocinador.

            A continuidade literária não necessariamente é a mesma da imagem contextualizada. A fantasia do autor nem sempre compreende o sonho do roteirista.

            Ao mesmo tempo que influencia o espaço, o tempo, a forma e o conteúdo dos bens culturais, agregando-lhes ou não valor, a televisão fornece-lhes a exposição liberatória, apresentando-lhes em larga extensão no meio ambiente. Serve assim para levar o erudito ao vulgo, democratizando os bens culturais, antes exclusivos a uma minoria de iniciados. Nesse momento ela opera um dos ingredientes básicos da cidadania, o acesso a informação, homogeneizando as classes sociais através da disseminação da atualização e da cultura.         

            A televisão não é apenas lazer, é, e muito, informação. É o sujeito ativo da disseminação do conhecimento, elevando aqueles menos aquinhoados pela fortuna a acessar não apenas os bens, mas os múltiplos epicentros geradores de cultura. Sua capacidade de encenar a palavra propicia o fim da fantasia - já que passível de despojar-se do irreal - para dar início ao sonho.

            O óbito da fantasia se deve essencialmente ao fator resilencial da cultura televisiva. O espelho que fala e anda muito rápido deixa de construir o ideário falacioso de incautos e passivos espectadores para transformar-se no sonho encantado com começo, meio e fim, onde a palavra encenada é idealizada mas jamais vivida.

            A televisão é o palco de luz, o picadeiro sombreado, onde o palhaço, o mágico, o trapezista e a mocinha idealizam uma vida, que envolvem, comovem, mas não substituem o mundo da realidade.

            Assim a comédia, o mistério, o drama e o romance, apresentam-se no mundo dos sonhos àqueles que ousam sonhar. Porque sonhar não é viver, não implica no fantasiar. Sonhar pode até ser o desejo reprimido, mas contem em sua permissividade a noção do limite da existência.

             Podemos então perguntar se a televisão ainda forma arquétipos. Se ainda manipula as almas. Porque sua exponencial capacidade geradora fez-se entrópica, concentrando-se sua função muito mais na diversão do que no engodo.

            Com isso há muito o povo iniciou um processo seletivo de absorção de idéias e ideais. Já não podemos afirmar que este povo é bobo.

 

Referências bibliográficas

 

(1) Canclini,1996. p.247.

(2) Thompson, 1995. p. 171.

(3) Idem. p. 173

(4) Idem.

(5) Canclini, 1996. p 37.

(6) Idem. p. 101.

(7) Gellner, 1996. p. 96.

(8) Idem. p. 160.

(9) Williams, 1992. p. 10.

(10) Idem.

(11) Thompson,  1995. p. 105.

(12) Idem. p. 104.

(13) Idem. p. 12.

(14) Idem. p. 79.

(15) Canclini, 1996. p. 133.

(16) Thompson, 1995. p. 9.

(17) Canclini, 1996. p. 208.

(18) Idem. p. 140.

(19) Mello, 1996. p. 8.

(20) Sodré, 1990. p. 10.

(21) REVISTA VEJA, 1990. p.s 98 e 99. Por sua importância  para nosso trabalho reproduzimos a reportagem:

           "Sem espelho falante. O país que não assiste à TV e não come pizza nem hambúrguer se assusta com o que aparece no vídeo.

               A vida em Estouros, povoado a 290 quilômetros de Belo Horizonte segue um ritmo que parece eterno. Não é necessário relógio. Acorda-se com o raiar do sol e dorme-se quando as estrelas começam a surgir. Os homens trabalham a terra e as mulheres cuidam da casa e dos filhos. Nas refeições, as famílias se alimentam daquilo que a terra lhes devolve. Feijão, arroz, couve, abóbora. De vez em quando, carne de porco ou de galinha, criados no quintal. Ali não se conhece hambúrguer, pizza nem maionese. Tem gente que no mês passado tomou Coca-Cola pela primeira vez na vida.

               Os jornais só aparecem para embrulhar encomenda. Estouros é um lugar sem aquele eletrodoméstico que ocupa o lugar central na residência da maioria dos brasileiros - um aparelho de TV. O que é a TV?

               O menino Ivanei Carlos Martins, 10 anos, sete irmãos criados por um lavrador de Estouros, que todos os dias caminha 12 quilômetros para ir à escola e voltar, explica : "É uma caixa de som com um espelho na frente". Ivanei tem um irmão mais velho, Wilson, que já viu TV nas redondezas. Mas, se pudesse, Wilson não compraria um aparelho. Uma égua de 3 anos teria maior utilidade. "Eu descansaria das pernas. A gente anda sempre a pé ou no caminhão do leite". Wilson assistiu a uma exibição do Aqui Agora, do SBT, e ficou de olhos esbugalhados. Não se conforma até hoje: "A gente vê batida de carro, roubo", espanta-se. "Aqui não tem nada disso. Tem bandido que mata a pessoa à toa. Aqui a gente mata porco. E para comer". Outro habitante de Estouros, Luciano Felisberto Filho, tem outra lembrança do único programa de TV a que já assistiu. "Minha idéia não dá para assistir tanta coisa junta. Não entendo o que vejo. O povo fala muito".

 

(22) Thompson, 1995. p. 37.

(23) Carneiro Leão, 1983. p. 12.

(24) Maffesoli, 1987. p. 126.

(25) Thompson, 1995. p. 143.

(26) Idem. p.s 320-327.

(27) Idem. p. 297.

(28) Almapbbdo, 1996. Arquivo 5.

(29) Winnicott, apud Almapbbdo, 1996. Arquivo 5.

 

 

Bibliografia

 

1 - ALMAPBBDO. O Poder da Classe D. Site na Internet: http.www.almapbbdo.com.br/semanal/poder.html

 

2 - CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro. Editora da UFRJ, 1995. 266p.

 

3 - CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Ética e Comunicação. Ética na   Comunicação/organizadora Ester Kosovski: Alessandro Barata...[et al]. Rio de Janeiro: Mauad.1995.8p.

 

4 - GELLNER, Ernest. Condições da Liberdade: a sociedade civil e seus rivais. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1996. 193p.

 

5 - MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos; o declínio do individualismo nas sociedades de massas. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987. 232p.

 

6 - MELLO, Paula Martinez. Você Decide. Sim ou não à Interatividade. Dissertação de Mestrado em Comunicação da Escola de Comunicação da Universidade Federal     do Rio de Janeiro. 1996.

 

7 - SODRÉ, Muniz. A máquina de Narciso. São Paulo: Cortez, 1990. 140p.

 

8 - THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995. 427p.

 

9 - REVISTA VEJA. Sem espelho falante. São Paulo: Editora Abril, a.29, n1, r janeiro 1994.p.s 98 e 99.

 

10 - WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 306p.