O círculo (quase) fechado

Jorge Bacelar, Universidade da Beira Interior

Abril 1999

Tipografia é a correcta distribuição de letras e espaços (historicamente, com tipos de chumbo) numa superfície (vellum, pergaminho, papel e hoje aparentemente num monitor ou écran) para transmitir informação e facilitar a comunicação. Não sendo este o lugar para dissertar sobre a linguagem ou a literatura, é precisamente nessas áreas da nossa cultura que a tipografia mais se manifesta.

Apesar dos calígrafos não estarem incluídos na família tipográfica, a história da tipografia tem obrigatoriamente que ser iniciada com a caligrafia, pois quando Gutenberg inventou a imprensa de caracteres móveis, toda a informação e conhecimento que possuía sobre a forma dos caracteres, soletração, paginação, etc., tinha origem nos livros disponíveis que eram, naturalmente, manuscritos. Proporções harmoniosas, a quantidade de texto numa página, comprimentos de linha, colunas, margens, etc., estavam desde há muito tempo estabelecidas: tudo o que Gutenberg tentou foi produzir em série livros que parecessem ter sido feitos por um copista. Desde então, muitos tipógrafos tentaram o mesmo, tanto por finalidades práticas como estéticas, com graus de sucesso variáveis.

As letras individuais que transportam estas palavras para a mente do leitor apresentam formas distintas que se foram estabelecendo ao longo dos séculos por marcas deixadas em argila, papiro, cera, mármore, vellum ou papel. Utilizando instrumentos adequados, essas marcas eram raspadas, pintadas, entalhadas para representar os sons da linguagem. Hoje, e apesar da proliferação de designs, reconhecemos as 26 letras do alfabeto romano, juntamente com os numerais árabes e a miscelânea dos sinais diacríticos. Se não reconhecermos um A como um A, por exemplo, o princípio básico da comunicação escrita não se encontra presente, e este design falha logo no seu propósito primário, independentemente de quão belo e esteticamente agradável possa ser. Da mesma forma, esperamos ver um certo espaço em redor das letras numa palavra, entre as palavras, entre as linhas, colunas, margens. Se este espaço for manipulado para além de certos limites (tanto por exagero como por restrição), a leitura, a comunicação, é prejudicada. O primeiro dever, a prioridade do tipografo é, assim, para com o conteúdo da mensagem: ela deve ser legível.

Até há pouco tempo, os tipógrafos eram os profissionais que sabiam fazer (gravar e fundir) tipos, compô-los para uma página e imprimi-los: o material impresso limitava-se ao livro, cartaz, jornal e algumas outras aplicações de vida efémera. Nos últimos 100 anos, o poder da imagem amplificou-se ("uma imagem vale mil palavras") e o tipógrafo evoluiu para artista comercial, depois para designer gráfico e, hoje, desktop editor. Somos bombardeados com mensagens, tanto impressas como electrónicas, e os seus criadores tentam que cada uma seja mais convidativa e distinta que as restantes. Utilizando imagens, cor, contrastes de forma, tom, escala, fazem os seus cartazes, anúncios, revistas ou webpages, tentando dizer (gritar) "Lê-me!", "sou mais interessante (ou informativo, ou elegante, ou in) que aquilo acolá". Os tipógrafos contemporâneos estão a ultrapassar os limites da legibilidade, quebrando todas as regras estabelecidas ao longo dos 500 anos da palavra impressa, muitas vezes apenas porque o podem fazer. Se as coisas continuarem a processar-se desta forma, o público lerá cada vez menos (seja por ter menos tempo, seja porque é necessário fazer um grande esforço), recorrer-se-á cada vez mais ao uso de símbolos para transmitir informação essencial e condensada, e corremos o risco de ver fechado o círculo, de volta ao tempo dos pictogramas e das imagens nas paredes das cavernas.