Institucionalizações e colapsos
de sentido nas organizações
Rogério Ferreira de Andrade, Universidade Lusófona
"Processes
and sequences and routines and patterns, the stuff of the world, tend to repeat
themselves. Problems are simply moments of interruption in a process. When the
interruption is repaired, under the guise of problem solving, the process
continues to unfold and the vulnerability to interruption crops up again".
(Karl Weick, in: Sensemaking in organizations, 1995: 188/9)
As organizações, em particular as que actuam em mercados
emergentes, aspiram a institucionalizar um edifício público de memória que as
torne menos vulneráveis. Para compreender estes processos de
institucionalização, isto é, a comunicação narrativa, litúrgica que
desenvolvem, acompanharemos o trajecto da SysGlobal, uma empresa portuguesa de
engenharia de sistemas que, no início da década de 90, procurou
institucionalizar dois conceitos centrais inscritos no seu brasão comercial: o
conceito de "Produto Tecnológico" e o conceito de "Fábrica de
Produtos Tecnológicos". Mostraremos ainda como a SysGlobal, apostando na
integração de sistemas industriais, supostamente um terreno de negócio ainda relativamente
vago, não conseguiu superar algumas vulnerabilidades, as quais, acentuando-se,
conduziram ao colapso de sentido do seu projecto e ao próprio colapso físico da
empresa - afinal duas faces de uma mesma realidade.
Quando saí da SysGlobal (*), naquela manhã fria, observei mais demoradamente o edifício: uma fábrica de produtos tecnológicos? uma
fábrica "pós-moderna"? Evoquei, por momentos, as fábricas da minha
infância e perguntei-me que sentido tinha tudo isso, agora que quase
desapareceram os muros à volta das fábricas, como desapareceram as chaminés de
tijolo e as sirenes que ritmavam o trabalho desde a revolução industrial? Onde estavam as máquinas, a linha de
montagem, a atmosfera fabril da SysGlobal? Lá dentro, apenas notara solitários
investigadores em ambiente de "open space"."Veja de outra maneira o que fazemos aqui", disse-me,
entusiasmado, um dos responsáveis. "Pense-nos
como uma fábrica high-tec, uma fábrica de produtos tecnológicos". Eis,
então, o desafio de comunicação que, como um balbucio, me fora colocado:
provocar uma queda abrupta do digital no analógico, como forma de ajudar a nova
empresa a narrar-se e a integrar-se numa comunidade de interesses estabelecidos
onde ambicionava vingar.
Seria demasiado simples reduzir este episódio a um pedido de criação de uma
empresa retórica (1), já que, nesse caso, nada haveria de
novo, pois tal tarefa tem cabido, desde sempre, à publicidade. O que me pediam
tinha um outro alcance. Não era uma mera citação, um enxerto imaginativo de
sentido modernista naquela aventura "pós-moderna" protagonizada por
uma empresa de engenharia de sistemas à procura da melhor comunicação com os
clientes. Propunham-me que participasse na ocupação de um terreno de negócios
que a SysGlobal considerava relativamente vago e, simultaneamente, nas cerimónias -
entenda-se, nas sessões internas - em que se procurava institucionalizar os
sentidos estratégicos que diferenciariam tal empreendimento de outros afins e o
tornariam singular, ou seja, uma vitória
do lugar sobre o tempo, na excelente definição de estratégia proposta por
Michel de Certeau. (2)
Em contraponto à monumentalidade do que é edificado, ou à retórica dos
discursos, existem sempre estes momentos "moles", quase fusionais, na
criação das empresas e das suas estruturas, momentos em que o sentido se
procura e se estabiliza, ou antes, em que se institui numa narrativa possível
de entre as múltiplas narrativas consideradas plausíveis pelos instituidores
(fundadores ou estrategos). Sejam ou não evidentes, as vulnerabilidades estão
já inscritas no que é instituído, ameaçando-o e levando a instituição a
proteger-se. No entanto, um dia, sob a forma de uma mudança na estrutura ou no
seu sistema simbólico, a erosão e o colapso virão, porque outros instituidores
não deixam de se impacientar no útero do
tempo (3). Uma vitória do tempo sobre o lugar,
diríamos nós, invertendo a fórmula de Certeau.
Neste nosso artigo relataremos alguns episódios da saga da SysGlobal em
busca da institucionalização dos seus produtos, bem como da sua própria
institucionalização como actor empresarial. Poremos em destaque o papel do
sentido e das narrativas nos processos de institucionalização, bem como a
articulação destes com a esfera da comunicação. Para a
elaboração do artigo recorremos a entrevistas com responsáveis e técnicos da
SysGlobal, realizadas quer em 1990, quer em 1999, tendo consultado diversa
documentação escrita da empresa (business
plans, relatórios, publicidade, entre outros).
Fábrica de produtos
tecnológicos
Regressemos à SysGlobal e ao momento em que esta ensaiava dar um sentido ao
que fazia. No início da década de 90, a SysGlobal - participada
maioritariamente por um grande grupo nacional de telecomunicações - narrava-se
como uma empresa portuguesa de engenharia de sistemas, manifestando um
interesse vital em diferenciar-se de outras, aliás muito poucas, empresas
integradoras de sistemas industriais. Apresentava-se como um parceiro
estratégico para o estudo, desenho, automação e informatização dos fluxos de
informação das empresas suas clientes numa perspectiva de Computer Integrated Manufacturing (CIM). O trabalho de engenharia
consistia em adaptar software generalista às necessidades específicas do
cliente, visando a gestão integrada de todas as esferas associadas à produção,
desde o planeamento às matérias primas, à contabilidade, às vendas, aos stocks
ou ao design.
A SysGlobal conhecia bem os seus principais oponentes e marcava as
diferenças. Os concorrentes directos da SysGlobal na integração de sistemas
industriais eram a Unisoft (Unisys), a Edisoft (Philips), Megasis (Tap e Grupo
Ilídio Pinho), Digitec (Ipe) e a Intersis (Autosil). Àcerca de dois deles, a
empresa opinava: a Megasis ("engenheiros
de informática administrativa, sem conhecimento do meio industrial") ou a Siemens ("oferecem produtos importados, que já foram feitos em qualquer
outro lado do mundo e são aplicados aqui"). De caminho, traçava um quadro relativamente sombrio das pequenas e
médias empresas da indústria nacional, suas potenciais clientes, identificando
alguns défices estruturais: "pouca
engenharia, muitas vezes não há sequer
um engenheiro nas empresas"; "incultura e impreparação
tecnológica"; "insuficiências na organização do trabalho (métodos
tradicionais de produção)"; "ilhas
de máquinas e de automação,
sem perspectiva de integração (parque de máquinas isoladas, sem ligação entre si ou fracamente interligadas,
por vezes mesmo incompatíveis"); "responsáveis, na sua maioria, autodidactas,
que escolhem equipamento por catálogo".
Diga-se, a propósito, que a SysGlobal estava consciente do seu pioneirismo
e do facto de que não haveria ainda um mercado suficientemente maduro para
receber propostas de sistemas e arquitecturas informáticas abertas,
independentes, sobretudo porque, até muito recentemente, pontificavam as
arquitecturas proprietárias, o fechamento informático das empresas sobre si
próprias (decorrente do próprio isolamento dos fornecedores). A aprovação de
normas internacionais sobre sistemas abertos veio permitir não apenas a
compatibilização de computadores, mas também de equipamentos de produção
industrial, o que, naturalmente, viabilizou os projectos empresariais de
engenharia de sistemas orientados para a indústria.
É neste contexto que a SysGlobal dará a conhecer o valor, isto é, o sentido
daquilo que fazia, procurando institucionalizar dois conceitos e, afinal, duas
narrativas empresariais: a) "Fábrica de Produtos Tecnológicos" - nas
palavras da própria SysGlobal, essa fábrica de tipo novo "operaria segundo métodos criados pela engenharia de sistemas,
sempre em parceria com industriais, recorrendo a diversos fornecedores de
equipamentos (independência), com padrões de qualidade internacionais
(certificação do sistema de qualidade) e elevados índices de produtividade ; b)
"Produto Tecnológico" - ainda nas palavras da SysGlobal, era o
"conjunto de intervenções integradas
a nível de equipamentos, software, engenharia e organização, com vista à
resolução de um problema específico de uma indústria".
A empresa apostava em alguns produtos que, em boa verdade, eram ainda projectos em investigação ou em
desenvolvimento, não tendo obtido suficiente validação por parte do mercado. Alguns
desses produtos chegaram a mostrar as sua potencialidades, como foi o caso dos
produtos específicos para modernizar a indústria da cerâmica (em unidades de
fabricação de tijolo e telha na zona de Leiria) e para indústria dos moldes de
plástico ou de vidro (na Marinha Grande). Outros, como o AIDA (ajuda
informatizada ao dagnóstico de avarias) ou o SIGEPI (gestão de processos
industriais) tiveram ensaios embrionários, respectivamente na Renault e nos
Laboratórios Jamba; outros ainda, como o SIREP (um sistema redactorial em
português), destinado a empresas nacionais de comunicação social, não tiveram
sequer a oportunidade de se estrear.
A narrativa empresarial do negócio explicitava-se do seguinte modo no business plan da SysGlobal: "Não
existe nenhuma empresa portuguesa integradora de sistemas que se posicione tão
claramente como a Globalsis, na área industrial, enquanto integradora de
sistemas... (Assim), neste contexto
de grande indefinição da concorrência e crescimento acelerado do mercado, a
possibilidade de sermos uma empresa lider no mercado português de Sistemas
Industriais reside mais na nossa capacidade de aproveitar as oportunidades que
abundam e menos no posicionamento da concorrência". Muito embora a política da empresa fosse"estruturar toda a sua intervenção,
segmento por segmento de mercado, em termos de produtos
tecnológicos", o certo é que
quer o conceito de "fábrica de produtos tecnológicos", quer o de
"produto tecnológico" foram insuficientemente trabalhados nas
narrativas que os poderiam alimentar, em particular as do marketing e da
publicidade, pelas dificuldades que enumeraremos mais adiante. Nestas circunstâncias, como
institucionalizar satisfatoriamente tais narrativas e, sobretudo, como as
traduzir em conteúdos de comunicação que insuflassem nos produtos uma
vitalidade proporcional ao entusiasmo que animava os engenheiros da SysGlobal?
O sentido que as narrativas
transportam
As empresas, para além da carne (institucional) e do músculo
(organizacional) que as reveste e as torna visíveis, não podem viver sem a
produção de sentido que as anima, isto é, sem operar distinções ("Fábrica
de Produtos Tecnológicos" ou "Software House"?). Nessa
construção e interpretação de sentido, quer as organizações quer os
indivíduos refazem sempre as mesmas
questões: o que é "isto" para mim? Para onde me leva
"isto"? O que ganho ou perco com "isto"? Que satisfação ou
insatisfação me traz? Não nos apressemos a ver quaisquer ressonâncias
metafísicas nesta apresentação do conceito de sentido. O sentido advém aqui e
agora, ou antes, é aqui e agora que extraio ou gero sinais com os sensores e os
interpretantes culturais e técnicos que consigo reunir. O sentido é o que as
organizações elaboram como experiência a partir desses sinais do presente e nos
ambientes sempre porosos em que estão mergulhadas. Criar sentido é "criar facticidade, tornar algo
sensível" (Weick, 1985: 14). Mas criar sentido e interpretar
sentido são duas actividades distintas, se bem que interligadas, pois para
criar (inventar) tenho, primeiramente, de ser um intérprete (descobridor) de
outros sentidos instituídos ou de sinais ainda latentes.
Karl Weick, na esteira de autores da esfera interpretativista como Schutz,
Goffman ou Garfinkel, identifica sete propriedades típicas de qualquer
actividade de criação de sentido (sensemaking): a) criar sentido é construir
uma identidade; b) essa construção é sempre retrospectiva; c) realizada num
contexto social; d) através da acção e do discurso performativos, isto é,
capazes de criar ambientes sensíveis ("enactement"); e) a criação de
sentido reporta-se a eventos em curso ("ongoing events"); f) de onde
se extraem sinais ("extracted cues"); g) e guia-se pela
plausibilidade e não pela verdade" (Weick: 1995: 61/2). Mas Weick não é
verdadeiramente um interpretativista. Vejamos como ele distingue cuidadosamente
as actividades de "criar sentido" e "interpretar sentido". A
primeira é mais geral, mais abstracta do que a segunda. A confusão entre ambas
pode resultar de "um erro de tipos lógicos". Para o evitar, "a
criação de sentido (sensemaking) deve ser separada da classe de actividades
interpretativas que ela convoca, e colocada acima desta classe como um nível
mais elevado de abstracção que as inclui" (Weick, 1995: 16). Concluimos
que a produção de sentido é constitutiva, cria o que não estava lá, tem um
valor ontológico superior ao das actividades cognitivas que o procuram colher e
ordenar em esquemas ou sistemas de interpretação. Um bom exemplo do que acabou
de se dizer é o "enactement", um dos conceitos, ou antes, um dos
processos centrais no pensamento de Weick e que devemos traduzir como o acto
constitutivo (produtivo) que opera pela enunciação e pela autoridade. Enunciar
uma categoria ou uma lei é, na verdade, instituir - mesmo que transitoriamente
- um campo de constrangimentos, de actos futuros condicionados. Se ao
"sensemaking" se segue a criação de um aparelho normativo e de
sanção, isso é apenas uma consequência do acto instituidor, do
"enactement". Embora sem o reclamar claramente, Weick aproxima o seu
"enactement" de um verdadeiro "processo de
institucionalização", quer quando não aceita que se fale - como Gareth
Morgan - de "sensemaking" enquanto simples metáfora, quer sobretudo
quando escreve: "a criação de sentido é a fonte que alimenta (the feed
stock) o processo de institucionalização" (Weick, 1995: 36).
O sentido global escapa-se-nos sempre. Apenas vemos, experimentamos e
compreendemos quadros, isto é, porções de realidade. Produzir ou captar
sentidos implica que me coloque ou me deixe colocar numa encruzilhada. Mas
quantos caminhos há numa encruzilhada? Dois, sempre dois, mesmo que comecem por
ser muitos. Reencontramos a redução binária, isto é, a narrativa, isto é, o
sentido, isto é, a acção como formas de explorar, mais factual ou mais
imaginativamente, os mundos em que diariamente nos movemos e se movem as
organizações.
Os sentidos são instituídos como narrativas e passam a circular na
organização por redes mais restritas ou mais alargadas. Deveremos considerar
como narrativas tanto as leituras estratégicas de mercado e de novas
tecnologias que os indivíduos levam a efeito, como as decisões sobre
participações financeiras, os critérios de promoção dos empregados ou ainda as
regras, rotinas e valores, que são apenas "regras de narração, típicas de
um dado tempo e lugar" (Czarniawka, 1997: 42). Porque se falará tanto de narrativas neste meu artigo? Em boa
parte porque desde sempre senti algum
fascínio: a) pelos instantes em que as restituições narrativas de processos,
acções ou incidentes - isto é, as histórias que nos contam ou contamos nas
conversas diárias que têm lugar na organização, do topo à base - revelam o
essencial do que aí se passa, do que alguns desejariam que se passasse e do que
afinal não se chegou a passar; b) pelo modo como os indivíduos são tocados por
essas histórias, por esses "textos" simultaneamente enunciados e
encenados (scripts), e como deles se apropriam para fazer ou desfazer sentido,
para produzir acção ou inacção.
As narrativas organizacionais, e o sentido que transportam, foram já
objecto de estudos que realizei anteriormente (4). Nesses
estudos sustentava que os géneros discursivos
que uma organização produz são múltiplos (narrativo, deliberativo,
prescritivo, etc) e correspondem a especificações funcionais. A narrativa, como
género, era um deles. Tal como a entendíamos, a narrativa era a fixação, pela
linguagem, de transformações que ocorrem no espaço organizacional e que são
contadas e seguidas pelos seus membros ou parceiros.
As narrações que se desenrolam a todos os níveis da organização são comunicação narrativa, implicam a
construção, pelos indivíduos ou grupos, de uma tela de experiências, tela parcialmente partilhável e a partir da
qual estes avaliam a sua adesão a valores, projectos, assim como as vantagens
da sua precipitação na acção. Sublinhava-se, então, o fundo narrativo de todas
as nossas acções e dos nossos juízos. As histórias que construimos para
explorar a realidade são idênticas às que criamos para comunicar com os outros.
A comunicação narrativa que permanentemente realizamos precisa de interacções,
“alimenta-se" das nossas conversas ou, se quisermos, das intrigas
("encruzilhadas") que aí criamos ou que nos envolvem. Bárbara
Czarniawska, uma vez mais, resume de forma estimulante o que acabámos de
referir: "criamo-nos projectando as nossas identidades contra intrigas
acessíveis, mas cada perfomance muda, aumenta, distorce ou enriquece o
reportório de intrigas existente" (1997: 44). Resulta, então, na nossa
perspectiva, que dificilmente acedemos a níveis mais elaborados ou mais
abstractos do pensamento sem essa tela
narrativa prévia onde visualizamos e fixamos o nosso
trajecto como protagonistas das acções em que nos envolvemos, mesmo se a
verdade destas nos escapa ou, aliás, porque a verdade destas nos escapa. Não
acedemos à reflexão ou ao ajuizamento sem contarmos - mesmo se implicitamente,
por vezes em monólogo explorativo - a história dos acontecimentos sobre os
quais vamos emitir juízos factuais ou avaliativos.
Embora continue a realçar a importância desta construção narrativa de uma tela de experiências (estruturas narrativas de pensamento),
pretendo ir um pouco mais longe neste artigo sustentando que as narrativas se
incluem em processos mais amplos - os processos
de institucionalização. De facto, as narrativas assumem um papel
fundamental nos processos de institucionalização porque - dito, com Goffman, em
forma de parábola - "semeamos histórias ao vento" e esperamos que
elas "protejam a estabilidade do universo e a nossa própria
estabilidade" (Goffman, 1974: 23).
Processos de
institucionalização
O modo como temos apresentado o trajecto da SysGlobal pode, talvez
erradamente, dar a ideia de que os conceitos de "fábrica" e de
"produto tecnológico" eram consensuais, que haveria, de alto a baixo,
uma consonância entre todos os actores da empresa quanto às estratégias de
investigação e de negócio a seguir. Ora, isso não correspondia à realidade. Na
verdade, às empresas jovens como a SysGlobal que, no início da década de 90,
começavam a operar no domínio dos sistemas e das tecnologias de comunicação e
de informação, colocavam-se problemas novos, os quais, como veremos, não eram
de fácil superação. A institucionalização da própria empresa no mercado era
problemática. Analisando, uma vez mais, o business
plan da SysGlobal, pode ler-se: "Devido
ao forte atraso tecnológico da indústria portuguesa, prevê-se forte
investimento no triénio 90-92 em novo equipamento produtivo, o que permitirá a
sustentação e crescimento do mercado da integração, organização e gestão
industriais a partir de 1993".
Ora, porque não esteve a SysGlobal à altura deste cenário optimista? Porque
falharam os processos de institucionalização que ensaiou?
Todas as organizações, ocupem-se elas do lucro ou da dádiva, sejam
fortemente centralizadas ou em rede, aspiram à institucionalização, a
tornar-se, pelo menos na esfera simbólica, verdadeiras "armaduras de
ferro", isomórficas (DiMaggio e Powell, 1991: 63). No entanto, a vertigem
da mudança obriga-as a actualizações contínuas de si-mesmas, isto é, à produção
de sucessivas versões de si-próprias, da sua identidade e do sentido do negócio
ou do serviço social que desenvolvem, o que acaba por comprometer a desejada
estabilização institucional. Uma
versão inovadora da instituição é-nos proposta no artigo "Sobre
extituciones: reflexiones críticas para la psicología social de las instituciones"
(in: Tirado, Francisco; Domènech, Miquel, publicado na Revista
da Universidad de Guadalajara, Nº
11, 1998). Uma curiosa tese em que os autores, partindo da institucionalização
como forma de criar condições para habitar, literalmente, edifícios (com as
suas normas e hábitos), propõem em seguida, inspirados em Serres, o conceito e
a prática da extituição. Uma
extituição "requer ser pensada longe do edifício, do plano arquitectónico
e da geometria ou, melhor dito, da topografia... Toma a configuração de uma
rede, de uma amálgama de conexões e associações móveis. O que conta são as
vizinhanças, proximidades, distâncias, adesões ou relações de acumulação... E
todos estes movimentos locais e descontínuos têm um efeito global. Esses mesmos
movimentos geram uma totalidade, frágil, incerta, mutável, mas no fim de contas
totalidade, ordenação". De que falamos? Da experiência de constituição de
uma rede de suporte psiquiátrico comunitário integrada no projecto de saúde
mental da Catalunha. O que se quer pôr em relevo? A não existência de "um
edifício central como referência, de uma oposição dentro/fora". E a
conclusão? Trata-se de dar conta de uma experiência que "não obedece a um
esquema institucional, mas extitucional".
A novidade está do facto de que institucionalizar, e sobretudo
"extitucionalizar", já não significam, para as organizações actuais,
cristalizar ou burocratizar. É pela institucionalização ou
micro-institucionalização de um sentido, e das respectivas narrativas que o
transportam, que as organizações, aliás como os indivíduos, criam um campo de
influência, estabelecem uma "cotação" ou reputação, procuram fundar
um valor pelo qual possam ser avaliadas num mercado económico, numa praça
financeira ou numa "bolsa" de opinião pública ou privada.
A SysGlobal, também ela, procurava institucionalizar um imaginário
narrativo repetidamente convocado sempre que, em Portugal, nos confrontamos com
"terrenos vagos" e causadores de ansiedade colectiva. É assim que,
nas suas brochuras promocionais, vemos aparecer, entre outros elementos
temáticos, a saga dos descobrimentos ("os
portugueses das descobertas marítimas integraram
conhecimentos produzidos de forma
dispersa, utilizando-os com elevado nível de qualidade", o sublinhado
é nosso) e, por outro lado, a filiação numa linhagem ilustre de conceptores
portugueses que passava por Bartolomeu de Gusmão e a sua passarola, bem como
pelo génio do arquitecto Cassiano Branco, que tantas obras deixou em Lisboa. Afinal,
os engenheiros de sistemas, à semelhança dos seus antepassados descobridores ou
dos arquitectos seus contemporâneos, apresentam-se como "conceptores de projectos, de sistemas integrados". A
própria assinatura da empresa ("Gerir a inovação, gerar a confiança")
desejava contribuir, deliberadamente, para alimentar um discurso sobre a
inovação tecnológica (gerir a instabilidade, a incerteza e o risco dos
"saltos tecnológicos"), discurso esse que, repetindo-se, tornava-se
uma peça importante no processo de institucionalização dos produtos e, também,
da identidade da empresa.
Sem pretendermos ser fastidiosos, enumeremos alguns dos meios que a
SysGlobal mobilizou no processo de institucionalização (5) da própria empresa e dos seus produtos, desde a fase de habitualização à fase, aliás nunca verdadeiramente atingida, da sedimentação: a) apoiar-se numa "teia
de êxitos" que resultasse da
aplicação bem sucedida dos seus produtos tecnológicos em pequenas e médias
empresas (com o que terá obtido alguns resultados no sector da cerâmica) de
modo a provocar um efeito mimético junto de industriais; b) promover ligações
certas a centros tecnológicos, universidades, ao ministério da indústria e
tecnologia (PEDIP, CDC-Centros de Competência); c) privilegiar os laços com
associações industriais; d) intervir pessoalmente a nível de top management de médias e grandes empresas; e) participar, com artigos técnicos
ou de divulgação, em revistas especializadas e seminários;
f) alimentar uma rede de delegados comerciais nos principais centros
industriais e que, pela proximidade, pudessem gerar confiança nos responsáveis
empresariais tecnologicamente impreparados; g) demonstrar, nas unidades
industriais, o valor dos seus produtos tecnológicos e das suas aplicações
concretas.
A vontade de institucionalizar, isto é, de tornar algo uma instituição,
revela a necessidade muito antiga de os indivíduos e das suas organizações
assegurarem a estabilidade de condutas, ganharem um "centro do mundo"
(o que, para uma empresa, seria por exemplo ocupar um lugar privilegiado no
espaço ou na rede interorganizacional em que se inclui). Por essa razão é que,
apesar de respeitáveis teses em contrário, sustento que o "fim das
narrativas" é ainda uma suculenta narrativa. Aliás, as narrativas
apocalípticas, sobretudo as marcadamente anti-narrativistas, são, no presente,
as mais bem sucedidas, pois transportam o sentido que queremos ouvir: nada vai
bem, refaça-se o cosmos colocando-nos no centro (Eliade). No entanto, correndo
subterraneamente, é sempre a narrativa primeira que regressa - a do tempo, a da
incerteza e das encruzilhadas da existência, seja a dos indivíduos ou a das
organizações. (6)
Uma instituição, num sentido lato, é a tipificação
recíproca de acções habituais (Berger
e Luckmann), a repetição ritual de um
padrão (Tolbert e Zucker) ou as regras culturais que conferem sentido colectivo e valor a entidades e actividades
particulares (Meyer, Boli e
Thomas). Para nós, institucionalizar é produzir uma distinção de sentido que se
repete e, repetindo-se, adquire um estatuto, uma legitimidade consentida aos
olhos de uma comunidade existente (p. ex., uma comunidade empresarial) ou
suposta (p. ex., a comunidade científica), implicando ainda, para além da
duração e da diferenciação de sentido, que se normalizem e sancionem os desvios
ao instituído. Estará, aliás, por inventar o modelo de instituição, e
seguramente de "extituição", que - desejando perdurar - não crie os
seus sistemas de regulação normativa ou simbólica, bem como o regime de sanções
para os desvios e de recompensa para as conformidades.
Philip Selznick (7), passando em revista os processos de
institucionalização que têm lugar nas organizações, enumerava-os: "a
infusão de uma actividade com valores; a criação de uma estrutura formal; a
emergência de normas informais; o recrutamento selectivo; os rituais
administrativos, as ideologias" e, de um modo geral geral, "tudo o
que resulta de uma história especial da organização para atingir os seus
objectivos, resolver problemas e adaptar-se" (Selznick,1996: 271). Afinal,
o problema parece residir antes em saber o que não é um processo de
institucionalização, pois, nesta lista, tudo pode potencialmente tornar-se
processo de institucionalização.
Para ser bem sucedida, a institucionalização impõe que tenha lugar um
processo completo de institucionalização, isto é - e agora na
nossa linguagem - que vingue uma narrativa
hegemónica a qual teve condições
para se opor, com sucesso, a outras narrações - e a outros narradores - que
ensaiaram mas falharam, ou falharam parcialmente, processos de institucionalização
de sentidos alternativos, suportados em narrativas antagónicas. Na SysGlobal
conflituavam narrativas que se pretendiam instituidoras, seja quanto à
identidade da empresa, à engenharia financeira a aplicar (tornar-se uma
holding?), ao papel da I&D ou ainda à configuração dos produtos. Veremos
que é precisamente nesta conflitualidade entre narrativas, e entre narradores,
que residem algumas das principais vulnerabilidades, quer do sentido que a
empresa procurava atribuir ao que fazia, quer, consequentemente, das estruturas
institucionalizadas em que o objectivava.
Poderá, em alguns momentos desta exposição, ficar a ideia de que as
organizações seriam mónadas absolutas, institucionalizando ou
desinstitucionalizando campos des sentido, dentro de si ou nos seus arredores,
com uma liberdade quase total, sem constrangimentos. Ora, os ambientes em que a
organizações evoluem, tanto os que denominamos impropriamente
"interiores" (regras e crenças instituídas, democraticidade, estilo
de liderança, agonística de interesses e projectos, métodos de produção), como
os "exteriores" (espaço interorganizacional, conjuntura tecnológica,
crescente integração dos mercados) influenciam o trajecto da organização. Deveríamos,
por essa razão, falar em dois ambientes dominantes, entrelaçando-se: um ambiente institucional e um ambiente
técnico, sendo que "uma perspectiva institucional acentua a
importância dos aspectos simbólicos do ambiente..., incluindo os sistemas
normativo e cognitivo", enquanto que os ambientes técnicos são aqueles em
que "um produto ou serviço é trocado num mercado de tal modo que a empresa
é premiada pelo efectivo e eficiente controlo do seu processo de trabalho" (Scott, W. Richard, “Symbols and
organizations: from Barnard to the institutionalists”, in: Hassard, John;
Parker, Martin (eds), Towards a new
theory of organizations, ed. Routledge, London, 1994: 49).
De qualquer modo, e apesar deste esclarecimento, não deveremos perder de
vista que as empresas são sistemas abertos, autopoiéticos, isto é, que se
auto-constroem, se auto-organizam. São, pois, redes de acção colectiva
(Czarniawska) que criam e
interpretam os sentidos que as fazem mover (Weick). Embora consideremos a análise institucional de extrema riqueza,
teremos sempre de a confrontar - ou, antes, de a enriquecer - com a perspectiva construtivista, uma vez
que é a organização quem "constitui (enact) activamente os seus ambientes
através da interacção social, .. . (cabendo) ... à gestão estratégica a tarefa
de realizar a organização - isto é,
criar e manter sistemas de sentido partilhado que facilitam a acção
organizada" (in: Smircich, Linda; Stubbart, Charles, “Strategic management
in a enacted world”, in: Academy of
Management Review, Vol. 10(4),1985: 724).
Reforçando esta ideia, Porac, Thomas e Baden-Fuller referem que a
etnometodologia, insistindo no papel da interpretação, "traz substância psicológica a anteriores
hipóteses e observações ad hoc... Ao
fazê-lo, o relato interpretativista expande o trabalho dos teóricos
institucionalistas ... que têm sustentado que as crenças consensuais
socialmente construídas influenciam as acções de organizações em competição. A
presente perspectiva expande esta tese pois localiza tais crenças nos modelos
mentais dos estrategos organizacionais" (Porac, Joseph; Thomas, Howard,
Baden-Fuller, “Competitive groups as cognitive communities: the case of
Scottish knitwear manufacturers”, in: Journal
of Management Studies, Vol. 26, 1989: 401). Resulta mais claro que os
indivíduos constroem activamente interpretações de sentido estando atentos a
sinais e integrando estes em estruturas cognitivas que desenvolveram, não se
limitando a conformar-se a estruturas colectivas consensuais (por exemplo, a
valores, normas ou métodos impregnados de uma pressuposta cultura instituída).
Contrariamente a alguns defensores das teorias institucionalistas que
tendem a sobrevalorizar a acção colectiva nas organizações, atribuo uma
razoável importância à intervenção dos indivíduos nos processos de
institucionalização. Neste ponto estarei mais próximo de Tolbert e Zucker
quando exploram precisamente as virtualidades da ponte possível entre o
indivíduo, a organização e a instituição, "entre o modelo do actor
racional e o modelo institucional" (1996: 176), recusando que os
indivíduos estejam irremediavelmente subjugados às regulações colectivas
impostas pelo passado (instituído) da organização, isto é, aos mecanismos
normativos ou às regulações pelo simbólico. Estarei, por essa razão, bem mais
distante de Meyer e Rowan, embora reconhecendo o interesse de algumas das suas
análises, quando afirmam que "as estruturas formais de muitas organizações
na sociedade pós-industrial reflectem dramaticamente os mitos dos seus
ambientes institucionais em lugar das suas próprias actividades" (1980:
300). Neste balanceamento entre um pólo institucional e um pólo individual,
intersubjectivo, não ignoramos a pertinência dos estudos que reflectem sobre a
produção do "pensamento colectivo" e que parecem hoje impulsionar,
muito produtivamente, a teoria das organizações, a psicologia social e,
acredito, também a comunicação das organizacões. Lembremo-nos, a propósito, da
questão lapidarmente formulada por Mary Douglas ("how institutions
think?"), que é também o título da obra em que a autora se interroga sobre
a génese do pensamento colectivo, das estruturas cognitivas, ou mesmo emocionais,
que produzem literalmente a organização. Mas, insisto, a criatividade e a
inovação têm uma irredutível assinatura individual. E isso ficará bem visível
neste artigo, pois o que aqui afirmamos para as organizações é extensível aos
indivíduos, também eles instituidores de narrativas
ritualizadas e auto-referenciais a
que atribuo pelo menos tanta importância como a que concedo às
institucionalizações que os organismos colectivos levam a cabo.
A esta minha posição não é indiferente o papel que reservo aos narradores
organizacionais, sejam eles estratégicos ou espontâneos, que fazem e desfazem
diariamente as organizações. Conviria não perder de vista que todo o
instituído, hoje sedimentado, foi anteriormente uma narração nascente ou um
feixe de narrações que acabou por prevalecer. Ora, essas narrações são
conduzidas (criadas e encenadas) por narradores estratégicos, isto é, por
indivíduos. Por essa razão, as narrativas institucionalizadas ou a
institucionalizar não são, como se perceberá, meras ficções aleatórias, como o
são as ficções criadas por imaginários de criação publicitária, que produzem,
por vezes soberbamente, a "empresa retórica". Aproveitemos para
retomar agora o conceito de empresa
retórica com que nos confrontámos
anteriormente, embora sem o esclarecer. A empresa retórica é, por um lado, o
corpo de narrativas e de discurso que esteve no centro da criação dessa empresa
e que, desenvolvendo-se, estabilizando-se em estruturas materiais e simbólicas,
lhe serve actualmente como invólucro "institucional" (há quem lhe
chame a cultura da organização ou a sua identidade). Mas, por outro lado, a
empresa retórica é também o corpo de narrativas e de discurso que a empresa opera
na comunicação com os seus múltiplos interlocutores, através, por exemplo, dos
interfaces do design, da publicidade ou da comunicação dos gestores ou das
administrações. Pensar, aliás, o discurso da organização como "texto
literário" pode ser uma pista muito interessante de investigação: de boa
ou má qualidade, funcional ou "ornamental", mas sempre literatura,
num sentido muito amplo
- textos narrativos com um fundo romanesco, onde as intrigas e os
personagens (indivíduos, grupos, departamentos, serviços, etc) estão lá, mesmo se camuflados por fórmulas
pragmáticas de discurso (8). Não se trata, de modo algum, de um tema
secundário, pois há, sem dúvida, quem dê o seu melhor - e com a melhor das
intenções - na produção literária da sua empresa, produzindo laboriosamente
normativos, relatórios, brochuras, newsletters, códigos de ética ou ambientais
e outros textos que contribuem para produzir a empresa e os seus ambientes.
Vontade de comunicação e
vontade de instituição
O comunicador, e sobretudo os gestores da organização, são activos
institucionalizadores, cabendo-lhe, de alguma maneira, criar esse efeito -
sempre diferido, mas sempre tentado - de isomorfismo institucional, de
fechamento narrativo e discursivo da organização. Por outras palavras, o
processo comunicacional, enquanto produtor da organização, é um verdadeiro
processo de institucionalização. Não apenas mais um processo a acrescentar à
lista de Selznick, mas aquele que concorre decisivamente para estabilizar os
ambientes internos e externos dessas organizações.
Pelo facto de considerarmos que os processos de comunicação são verdadeiros
processos de institucionalização (a comunicação é um processo que visa impor um
"instituído"), não pretendemos, por essa razão, fazer tábua rasa das
funções que Jakobson tão diligentemente dissecou a partir de um feixe inicial
de comportamentos comunicativos. Entendemos, no entanto, Gilles Deleuze quando
- recuperando esse feixe - atribui uma "função" primeira, se bem que
difusa, à comunicação, ao discurso: a função imperativa. Enunciar era, pelo
menos para o Deleuze de "Mille Plateaux", construir uma assimetria,
isto é, um poder. Um instituído, acrescentaríamos nós, pretendendo reforçar a
ideia de que as organizações privilegiam hoje a institucionalização.
Mas nada disto é exclusivo das organizações, como já assinalámos. A
compulsão generalizada a tudo tornar instituição arrasta-nos a nós próprios
como indivíduos, traindo um intenso desejo de permanecer, de resistir à
volatilidade social, ao anonimato. Entendamo-nos: já não é apenas um problema
de nos fazermos ouvir ou ver (o que seria ainda um problema tradicional de
comunicação), mas de ocupar um lugar
único, duradouro, num Olimpo qualquer do presente (o que é uma vontade de
instituição). Assim como tornamos
instituições as nossas marcas e os nossos produtos, ambicionamos agora,
nós-próprios, tornarmo-nos instituição. O culto generalizado da imagem, essa
construção de sentido narrada e institucionalizada preferencialmente pela
publicidade e pelos mass media, exemplifica bem o que chamo uma compulsão à institucionalização. Entretemo-nos
com a mediação, insatisfazemo-nos com a comunicação e aspiramos à instituição. Qual
o pano de fundo de tudo isto? O anonimato, causador de tão terríveis e secretos
sofrimentos individuais e colectivos.
Formulemos mais precisamente a nossa hipótese: a comunicação é, pelo menos
no actual estado da comunicação das organizações, um outro nome que damos ao
processos de institucionalização. Nem argumentar, nem apenas narrar, mas institucionalizar,
eis o que fazem os actores individuais ou colectivos. (9) Para evitar que esta minha formulação seja mal interpretada, gostaria de
esclarecer que ela é válida para todas as organizações, embora algumas haja em
que a institucionalização é insistentemente requerida, em boa parte por se
incluirem em mercados emergentes (multimedia, engenharia genética,
biotecnologias, tecnologias da alimentação), como era o caso da SysGlobal.
Neste artigo, não nos referiremos particularmente ao que se convencionou
designar como a "comunicação institucional" das organizações, que é
afinal a projecção de um edifício público de memória com fins de legitimação, e
que tenderíamos a opor às comunicações comerciais. Na perspectiva que
avançamos, esta distinção é pouco pertinente, pois a "força
institucional" (Zbaracki,1988: 605) que a organização procura gerar, com
os múltiplos processos de institucionalização que leva a efeito, derrama-se de
forma transversal, indiferentemente para "dentro" ou para
"fora" da organização, para a comunidade interna de trabalho, para o
mercado ou para os foruns em que a organização busca legitimar-se. Decorre
daqui alguma artificialidade na separação que por vezes se estabelece entre
comunicações comerciais e comunicações institucionais. Todo o acto de
comunicação nas organizações visa uma institucionalização, mesmo a dos
produtos, onde a diferenciação simbólica de nomes e atributos (marcas) resulta,
também ela, de processos de institucionalização de sentido. No limite,
institucionalizam-se mesmo "produtos brancos", os que pretenderiam
escapar à tirania da marca-produção e que acabam por ficar submetidos a uma
outra tirania, à da insígnia das grandes superfícies de consumo. Todas as
comunicações estratégicas são institucionalizações em curso.
Os dois grandes desafios que se colocam à comunicação enquanto processo de
institucionalização são, por um lado, o da mediatização e, por outro, o da tradução (10). Considerados separadamente não trazem nenhuma novidade, mas ensaiemos
conjugá-los e veremos como representam actualmente dois meios privilegiados de
produzir a instituição. Quando falamos em tradução, falamos em tradução da
identidade da organização, das expectativas dos seus homens e das suas
mulheres, tradução das estratégias, do valor dos produtos ou serviços - isto é,
de uma apurada capacidade de compreensão e interpretação. E falamos também dos
tradutores mais activos: os media, a publicidade, o design, etc. Com frequência
vemos estes tradutores sociais tornarem-se, por exemplo, tradutores perversos
(dando primazia, na tradução, aos interesses do próprio tradutor) ou
narcísicos (o sentido primeiro é um pretexto para a sua própria
"obra"). Um bom exemplo que recobre ambas as práticas é o da
crescente proliferação de anúncios e filmes publicitários -
"fantasmas" ou não - preparados expressamente para concorrer em certames prestigiados e
que entronizam, ou antes, instituem reputações, sejam de agências ou de
criativos, os quais ascendem assim a criadores de arte publicitária (autores),
demitindo-se da sua missão de criativos (tradutores).
A dificuldade estará em encontrar bons tradutores, pois é na tradução que
os sentidos podem ser omitidos, treslidos ou traídos. Mas significa também
encontrar boas mediatizações. Na verdade, a mediatização é também um factor
constitutivo de qualquer processo de institucionalização, tendo ganho hoje uma
dimensão nunca antes alcançada. Os investimentos colossais em tecnologia e
capital canalizados para a publicidade e para a informação pública, sendo sintomáticos
das dificuldades que as empresas enfrentam para operar à escala global, são
sobretudo sintomáticos da tendência crescentemente institucionalizadora das
organizações na busca da sedimentação de
um instituído, isto é, na construção de sentidos dominantes, duradouros e
socialmente consensuais que as preservem das erosões e do colapso a que estão,
hoje mais do que nunca, vulneráveis.
Vulnerabilidades, erosões e
colapsos de sentido
Os sentidos inscritos nas práticas e nas estruturas sociais são, como vimos
dizendo, frágeis, submetidos a erosões e, por isso, sempre dependentes de uma
comunicação institucionalizadora, ritual, litúrgica (11) que os proteja, preservando o que há de
único, de estimável ou de vantajoso nesses sentidos. Mas as perdas de sentido
são permanentes e o que fazemos é compensar essas perdas com novas práticas,
novas estruturas organizacionais ou reforçar ritualmente as já instituídas.
Os conceitos de "vulnerabilidade" e de "colapso" têm
sido objecto de inúmeras análises, seja na interacção e nos rituais quotidianos
(Erving Goffman), nos agregados sociais maiores como os agrupamentos ou as
massas humanas (Elias Canetti), no organizing (Karl Weick e as suas excelentes análises de
colapsos de sentido em equipas ou em sistemas que funcionam sob stress, como é
o caso do dramático desastre áereo de Tenerife, em 1977) ou nos actos de
discurso (John Austin e o Paul Watzlawick da paradoxologia). Numa perspectiva
microsociológica e inspirado no interaccionismo simbólico, Isaac Joseph
esclarece-nos sobre o que poderá ser um modelo
reparador,
ou seja, como pode a nossa experiência - o sistema de sentido instituído em
nós - ser "reparada" com novas estruturas de sentido, de modo a
limitar danos, após uma exposição a interacções erosivas ou ameaçadoras de
colapso (Joseph: 1998). Estes, e muitos outros contributos teórico-práticos que
poderíamos ainda referenciar, põem em destaque as catástrofes pessoais ou
organizacionais associadas às erosões de sentido, permitindo compreender melhor
porque atribuo tão grande importância à actual vocação institucionalizadora da
comunicação das organizações. (12)
Vejamos, a terminar, algumas das vulnerabilidades que tornaram incertos, e
de enorme risco, os processos de institucionalização que tinham lugar na
SysGlobal. Como salientámos, essas vulnerabilidades encontravam-se já
inscritas, desde o início, no projecto empresarial da SysGlobal, agravando-se
na prova de fogo a que a empresa foi submetida quando anunciou a sua entrada no
mercado das empresas integradores de sistemas industriais e, mais ainda, quando
ambicionou tornar-se uma holding, diversificando participações financeiras
noutras empresas (cartografia tradicional, cartografia digital, sistemas de
informação geográfica, etc).
Não nos propomos inventariar e analisar, sistematicamente, as inúmeras
vulnerabilidades que pontuaram o curto tempo de vida da SysGlobal, sejam -
entre muitas outras - as que resultavam do confronto da empresa com o mercado
internacional e nacional; do ambiente tecnológico das pequenas e médias
empresas suas clientes; da recepção lenta e imprecisa de um conceito emergente
como era o de engenharia de sistemas industriais; da identidade clivada da
própria empresa; das visões contrastadas dos engenheiros e dos homens do
aparelho político-financeiro da SysGlobal na condução do negócio;
do"lusco-fusco" que perturbava a distinção entre projectos
(investigação) e produtos (trabalhados pelo marketing e pela marca); da
constituição de uma holding pela SysGlobal.
Deter-nos-emos apenas em três dessas vulnerabilidades: a) a identidade
narrativa- estratégica da SysGlobal ; b) o conceito emergente de
"engenharia de sistemas industriais"; c) a dificuldade em gerar
produtos para o mercado a partir de projectos de investigação.
1ª Vulnerabilidade: a identidade narrativa-estratégica da
SysGlobal
A identidade estratégica da SysGlobal, isto é, o sentido que a SysGlobal
procurava gerar para orientar e estimular positivamente os homens e as mulheres
que aí trabalhavam, bem como as organizações que aceitaram o desafio de se
tornar suas clientes, não é seguramente a menor das vulnerabilidades. Pelo
contrário, é uma das mais importantes. Tornar palpáveis os conceitos de
"fábrica" e de "produto tecnológico", bem como
institucionalizá-los num mercado de pequenas e médias empresas caracterizado
pelas insuficiências estruturais que já referimos, constituía uma tarefa bastante
espinhosa. Somando agora a estes espinhos os conflitos no interior da própria
SysGlobal quanto à definição da sua identidade, obteremos uma significativa
erosão das energias humanas e dos recursos materiais e simbólicos disponíveis.
As empresas excessivamente clivadas, como nos parece ser o caso da
SysGlobal, têm mais dificuldade em ocupar um lugar privilegiado de narradores
institucionais, em enriquecer cumulativamente as suas narrativas e, em
consequência, a sua acção. Num estudo realizado há alguns anos, Tom Peters (The Passion of excellence, ed. Random
House, NY, 1985) comparava, por um
lado, os resultados financeiros obtidos por duas empresas muito similares, por
outro lado, as histórias que se contavam àcerca delas e que circulavam entre os
respectivos empregados. Na empresa
apresentada como de "alto rendimento”, cerca de 98% das histórias eram
favoráveis aos interesses dessa empresa, o que a colocava como uma “high story
company”, isto é, uma empresa em que a filosofia de gestão seria
esmagadoramente “referendada” pelos seus membros. Já na empresa de "baixo
rendimento”, naturalmente uma “low story company”, o “referendo” através das
histórias dava-lhe apenas 50% da adesão dos seus membros, ou seja, as histórias
eram-lhe claramente desfavoráveis. Se as histórias das organizações se
limitassem, como de certo modo transparece da apresentação de Peters, a
opiniões ou estados circunstanciais que “as pessoas sentem mas são incapazes de
confessar directamente” (Peters, 1985: 280), então, pareceriam algo
desproporcionados os efeitos que diagnosticou e resumiu do seguinte modo: “as
histórias são tão poderosas que uma década de trabalho pode ser eliminada em
seis semanas. E, infelizmente, pode levar anos (e / ou uma mudança de gestão) a
superar as consequências” (Peters,
1985: 281). Sublinhe-se que, apesar de aparentaram alguma ligeireza, estas
dimensões ideológicas (simbólicas) das empresas são tão decisivas como as
dimensões marcadamente materiais. Aliás, as realizações simbólicas (13) das empresas ganharam hoje uma enorme importância. Devemos, por isso,
evitar circunscrevê-las exclusivamente à "comunicação institucional"
ou às "narrativas publicitárias", as quais constituem um tipo
particular de tradução e de mediatização estratégica.
Formulemos, então, as duas hipóteses de narração identitária (sustentadas
por distintos actores) que faziam o seu curso na SysGlobal, instabilizando-a:
a) ser uma empresa de vanguarda
tecnológica que concebe projectos inovadores cujos custos de R&D e
operacionais alguém pagará até ao "break-even" a prazo
incerto; b) ou ser uma empresa capaz de integrar e harmonizar os seus dois
sistemas mais importantes - o técnico e o comercial - sem deixar de reclamar
por mérito próprio uma reputação de empresa inovadora e com produtos
inovadores. A opção por uma qualquer destas hipóteses de identidade
narrativa-estratégica, sobretudo para empresas que se lançam em mercados
emergentes, tem de levar em consideração o suporte financeiro dessas mesmas
opções. Por outras palavras, responder à pergunta "o que somos e o que
fazemos?" tinha, literalmente, um custo para a SysGlobal, pois significava
perguntar também "quem investe a médio prazo na investigação, quem paga -
e durante quanto tempo - a investigação aplicada que é vital para a viabilidade
da empresa?"
Acreditamos que, em boa parte, o insucesso na institucionalização de
identidades estratégicas resulta do insucesso das narrativas que as transportam
(que tardam ou não conseguem, de todo, institucionalizar-se), sendo que o
inverso é igualmente plausível, ou seja, identidades organizacionais fortes
instituem histórias fortes, uma das quais - e de grande valor - é a da imagem da organização, afinal a melhor
história que esta conta de si própria e que deve ser apreciada e validada,
quando o é, pelos seus múltiplos interlocutores individuais ou colectivos. Deveríamos
corrigir ligeiramente a fórmula dizendo que essa história (a
"imagem") não é unilateralmente contada, antes incorpora o
conhecimento e a experiência consistentes que o narrador organizacional tem das
suas audiências plurais, do espectro de interesses sediados dentro e fora da
empresas (e que comummente designamos por públicos). Por outras palavras,
embora haja uma estrutura morfológica (um "nó duro" de sentido, de
discurso) relativamente invariável na história que a imagem ou a reputação
contam, essa estrutura não dispensa - antes impõe - a renovação de episódios
para melhor ganhar a adesão do seus auditores. Ora, foi precisamente esta
subtileza de narrador experimentado que terá faltado à SysGlobal nos episódios
referenciais (tecnologia, produtos, marcas) e autoreferenciais (identidade,
imagem) que produziu.
2ª Vulnerabilidade: o
conceito emergente de engenharia de sistemas industriais
A SysGlobal não desenvolvia propriamente produtos de software, desenvolvia
um trabalho de engenharia. Ora, este conceito novo de engenharia de sistemas
aplicada aos meios industriais não fora ainda suficientemente apreendido. Bem
podiam os técnicos da SysGlobal repetir enfaticamente que uma máquina nova
produziria muito mais se estivesse interligada, por exemplo, com sistemas CAD
ou com sistemas de planeamento da produção (pois era precisamente essa
integração que permitia ganhos de produtividade e melhoria da qualidade dos
produtos), que as empresas nem sempre entendiam essa diferença decisiva,
aproveitando muito pouco da oportunidade que se lhes oferecia. Por outro lado,
as mudanças na estrutura organizativa dessas médias e pequenas empresas, em
particular a adaptação aos novos
sistemas informáticos, sendo decisivas para potenciar os efeitos
tecnológicos, raramente tinham lugar. Lamentava-se um técnico da SysGlobal: "corremos sempre o risco de chegar a
uma empresa, ter uma ideia brilhante, dispor de bons técnicos, montar o sistema
informático e perder-se, mesmo assim, metade da perfomance".
3ª Vulnerabilidade: a
dificuldade em gerar produtos a partir de projectos de investigação
Num primeiro momento, verificou-se uma incapacidade de traduzir
vocabulários oriundos dos projectos de investigação e desenvolvimento
(vocabulários da engenharia) em vocabulários de produto ou mesmo de marca
(comercialmente amadurecidos por marketeers), o que revelava uma incapacidade
profunda em harmonizar duas culturas: a "cultura de engenharia" e a
"cultura de marketing". Não sendo inédita em empresas do tipo da
SysGlobal, empresas jovens e a actuar em mercados emergentes, esta
vulnerabilidde ganhou aqui contornos críticos.
A consequência desta tensão pode resumir-se do seguinte modo: pretendia-se
na verdade apenas desenvolver "projectos (investigação) ou promover
"produtos" (comerciais, aplicáveis a unidades industriais concretas)?
As memórias descritivas dos produtos, por nós consultadas, eram sistemáticas e
exaustivas no que dizia respeito às configurações técnicas, às metodologias de
aplicação e às implicações tecnico-financeiras da concepção, embora omissas não
só no que respeitava à criação de mais valias simbólicas (a sua especificidade
face a outros produtos congéneres e concorrenciais), mas também quanto à sua
utilidade para os potenciais clientes. No limite, não havia sequer, mesmo para
os produtos mais amadurecidos, uma política de denominação clara (nomes fortes
para um mercado concorrencial), o que significava também uma acentuada
ineficácia da tradução e da mediatização públicas dos produtos - isto é, e como
vimos referindo, da sua
institucionalização. Numa empresa que reclamava, justamente, uma
competência de integradora de sistemas, era manifesta e paradoxal a dificuldade
em integrar as esferas da tecnologia e do marketing.
A concluir...
A saga da SysGobal permitiu-nos observar alguns momentos de um processo de
institucionalização e destacar o que há de aleatório, de frágil nesse acto e
nessa vontade de fundar e fazer perdurar um sentido, isto é, de criar uma
instituição.
O insucesso do projecto empresarial da SysGlobal, não será de mais
sublinhá-lo, não radicou apenas no colapso do seu sistema de sentido, embora
possamos dizer que os colapsos de sentido contribuem decisivamente para os
colapsos dos projectos empresariais. As vulnerabilidades iniciais da SysGlobal
agravaram-se face às dificuldades que a empresa revelou na institucionalização da
sua identidade narrativa-estratégica,
bem como de dois dos seus brasões comerciais fundamentais que eram o conceito
de "fábrica de produtos tecnológicos" e o próprio conceito de
"produto tecnológico". Submetido às erosões internas e externas que referenciámos, o precário instituído
entrou progressivamente em colapso e, com ele, todo o edifício de
memória que a SysGlobal procurava tecer nos meios empresariais.
A comunicação, tal como a entendemos neste artigo, é o processo pelo qual
as organizações e os indivíduos realizam a institucionalização, isto é, mantêm
viva e activa uma memória e, ao mesmo tempo, previnem, combatem ou adiam as
erosões e os colapsos de sentido que sempre acabam por vir dos seus ambientes
interiores ou exteriores. A comunicação está hoje, claramente, ao serviço da
vontade de instituir que se apoderou dos indivíduos, dos grupos e das
organizações e pela qual respondem ao anonimato social. Não deveremos, então,
admirar-nos que seja pela comunicação que marcamos e ritualizamos (fazemos
repetir, regressar) o que, para nós, indivíduos ou organizações, encerra um valor a preservar e que julgamos encerrar um valor também
para os outros.
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2000
Notas
(*) Nome fictício que atribuímos à empresa por razões óbvias.
(1) Para analisar a conflitualidade entre a "produção retórica" e a
"produção técnica" de uma organização, ver o excelente artigo de
Zbaracki, Mark, "The rhetoric and reality of Total Quality
Management", in: Administrative
Science Quarterly, Vol. 43(3),1988: 602-636.
(2) Michel
de Certeau não deixa de nos inspirar de cada vez que regressamos aos seus
textos. A passagem completa em que se insere a frase é a seguinte: "Chamo estratégia o cálculo (ou manipulação) das relações de forças que se torna
possível a partir de um momento em que um sujeito de querer e de poder (uma
empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) é isolável. Ela
postula um lugar susceptível de ser circunscrito como um próprio e ser a base de
onde gerir as relações com uma
exterioridade de alvos ou de ameaças (os clientes ou concorrentes, os
inimigos...)". O comentário que
Michel de Certeau faz em seguida parece-nos carregado de ironia, de distância
crítica: "este gesto cartesiano consiste em isolar uma singularidade num
mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do Outro" (Certeau,1990: 59).
(3) A expressão é de Henry Miller.
(4) Ver,
por exemplo, o meu artigo "Boatos, rumores e zunzuns - informação quente
em organizações frias", Revista de
Comunicação Empresarial , Nº 1, 1995: 27- 34.
(5) Sobre processos de institucionalização, nomeadamente as várias fases que os
constituem e as erosões a que estão submetidos, ver os seguintes textos: 1)
Tolbert, Pamela; Zucker, Lynne, “The institutionalization of institutional
theory”, in: Clegg, Stewart; Hardy Cynthia; Nord, Walter (org.), Handbook of Organization Studies, ed. Sage, 1996; e 2) Crossan, Mary; Lane,
Henry; Roderick, White, "An organizational learning framework: from
intuition to institution", in: Academy
of Management Review, Vol. 24, 1999: 522-537. Interessará comparar estas duas
propostas relativas ao desenvolvimento de processos de institucionalização. Em
1), as fases de qualquer processo de institucionalização são: inovar
habitualizar, objectificar, sedimentar; em 2) e aproximando-se mais das nossas
próprias posições: intuir, interpretar, integrar e institucionalizar.
(6) Talvez devamos acrescentar algo sobre o aprisionamento a que, para alguns
autores, as narrativas submetem o sentido e, em consequência, como devemos
encontrar outras formas de "alojar " o sentido sem o trair, outros
novos géneros que não as narrativas. Não deixa de ser interessante que é no
cinema, e pela pena daqueles que escrevem sobre cinema, que encontro as páginas
mais estimulantes sobre este debate entre narrativismo e anti-narrativismo. Jorge
Leitão Ramos, crítico de cinema referia-se recentemente, a esse território que
considera cada vez mais vago (vazio) e que são as narrativas: "... há um cinema que já não quer corresponder
àquela necessidade primeva de imaginário que a espécie humana humana carrega
consigo desde sempre ("conta-me uma história"), mas assume a
qualidade de objecto lúdico puro e simples, energético, veloz, sensorial". (in: Jornal Expresso, 1999). Deveremos,
então, falar de novas narrativas que correspondam melhor à expressão das
intensidades que JLR refere no texto ou aguardamos/ensaiamos algures um novo
género expressivo que remeterá o género narrativo para o museu? E por que
sinais se faz ele anunciar, esse novo género? Ou, afinal, estaremos condenados
a essa tela narrativa - a começar pelo monólogo interior - onde não podemos
deixar de imaginar as nossas intrigas de vida ou da ficcção, limitando-nos
quanto muito a ambicionar contar histórias de modos mais imaginativos - mas
sempre narrativas com os incontornáveis sujeitos "psicológicos" ?
(7) Selznick, Philip, “Institutionalism “old”
and “new”, in: Administrative Science
Quarterly, Vol. 41 (2), 1996: 271
(8) Sobre a distinção entre
"discurso" e "narrativa" nas organizações, ver: Keenoy,
Tom; Oswick, Cliff; Grant, David, "Organizational Discourses: Text and
Context", in: Organization, Vol
4, Nº2, 1997: 147-157 e, também, Czarniawska-Jeorges, Barbara, “A four times
told tale: combining narrative and scientific knowledge in organization
studies”, in: Organization, Vol. 4
(1), 1997: 7-30
(9) Discorrendo
sobre o valor das narrativas para a construção de mundos, Jerome Bruner,
seguindo de perto Nelson Goodman, sustenta que há dois modos de pensamento,
contribuindo cada um, embora diferentemente, para ordenar a experiência e
construir a realidade: uma boa história ("o rei morreu e, então, a rainha
morreu") e um argumento bem formado ("se x, então y"). Se os
argumentos nos "convencem pela sua verdade", as histórias
convencem-nos "pela sua semelhança com a vida", pela
verosimilhança" (Bruner, 1985: 11 e12).
(10) Michel Serres é um dos autores que mais se interessou por esta relação
umbilical que a comunicação mantém com a tradução (ver, por exemplo, Hermes III, ed. Minuit, Paris, 1974).
Muitos outros discípulos de Serres retomaram a operação de
"tradução", aplicando-a a diversos campos. Michel Callon foi um
deles, escrevendo páginas com imenso interesse para a abordagem que
desenvolvemos aqui, ou seja, a tradução como uma das operações centrais para o
entendimento da comunicação como processo de institucionalização. Michel Callon
mostra a operação de tradução aplicada, na indústria, à concepção de um carro
eléctrico, afinal um teste à capacidade para criar um "modo de equivalência
entre objectivos heterogéneos de actores particulares" e para "manter
em conjunto elementos tão diferentes, tão heterogéneos como os constrangimentos
do eléctrodo, as exigência do poder central ou a política da EDF", tudo
isto numa rede que "não tem centro nem periferia, é um sistema de relações
entre enunciados problemáticos que vêm indiferentemente da esfera social, da
produção científica, da tecnologia ou do consumo" (in: Dosse, François, L’empire du sens. L’
humanisation des sciences humaines, ed. La Découverte, Paris, 1997: 28/29).
(11) Numa
outra oportunidade diremos algo mais sobre a comunicação ritual, litúrgica ou,
para sermos mais abrangentes, sobre o balanceamento que se verifica actualmente
nos estudos de comunicação entre um pólo interactivo (criador de experiência e
de sentido) e um pólo institucional (estabilizador da experiência e do
sentido).
(12) Se o colapso do projecto empresarial tivesse sido apenas um colapso de
sentido (embora também o seja seguramente), então era como se John Austin
afirmasse - num outro contexto, embora útil aqui - que os efeitos dos
enunciados performativos decorriam exclusivamente da sua correcta enunciação. Ora,
sabemos que Austin não comete este lapso: impõe, aliás, outras condições sine qua non que, uma vez verificadas, tornam válida e legítima uma
institucionalização (por exemplo, a cerimónia complexa que envolve as palavras
do deão universitário na abertura do ano lectivo e que torna o discurso
institucional verosímil e legítimo).
(13) O
simbolismo organizacional é uma fértil área de investigação,
desmultiplicando-se os seus adeptos em inúmeras iniciativas, com destaque para
a Standing Conference on Organizational
Symbolism, uma conferência permanente que reflecte sobre o que, há alguns
anos atrás, nos estudos sobre as organizações, poderia ser considerado residual.
Para termos uma ideia do âmbito abrangente das temáticas,
referiremos as conferências realizadas mais recentemente: "The empty
space" (Varsóvia, 1997), "Organization and symbols of competition"
(Brasil, 1998), "Taking Liberties" (Edimburgo, 1999). Agendadas estão
já duas novas conferências - a de Atenas, em 2000, sobre "Organization and
culture. Pre-modern legacies
for the post-modern millennium" e a de Budapeste, em 2001. Uma obra de referência a
consultar, pela diversidade de contributos teóricos e experiências relatadas, é
a de Barry Turner (org), Organizational Symbolism, ed. Walter de Gruyter, Berlin/New York, 1990. Na Internet, pode ser
igualmente consultado o site desta Conferência Permanente (www.scos.org), bem
como o da revista que edita: "Studies in symbolism, cultures and
organizations - a journal of cultural studies & organizational
symbolism" (www.acs.ucalgary.ca).
Referências
-BOJE, David, “The
storytelling organization: a study of story perfomance in an office-supply
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